Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
25/15.1JAFAR.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: FRAUDE FISCAL
TRIBUTAÇÃO
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1- Os princípios tributários da transparência e da verdade material na tributação de rendimentos constantes do sistema fiscal português, que incide fundamentalmente no rendimento real das empresas, não impedem a tributação dos lucros presumivelmente obtidos nos termos dos artigos 103.º e 104.º, n.º 2 da CRP;

2- A violação daqueles deveres de verdade e transparência pelos sujeitos passivos dos impostos, com a alteração de factos ou valores de relevância tributária, não obsta à tributação de rendimentos de entidades sem personalidade jurídica, desde que tais condutas ou omissões preencham os pressupostos das normas de incidência tributária aplicáveis;

3- Os rendimentos de IRC e IRS ocorridos em território nacional desde que consubstanciados economicamente e traduzidos em acréscimos patrimoniais positivos dos respetivos beneficiários são sujeitos aos impostos de IRC (artigos 2.º, n.º 1, alínea b) do CIRC e 9.º, n.º 1, alínea d) do CIRS);

4- Os rendimentos referidos em 3. têm de ser declarados, ainda que resultantes de factos ilícitos, como a falsificação de uma fatura, e são calculados, em sede de IRS, na falta da respetiva declaração, nos termos dos artigos 89.º-A e 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT;

5- A fixação dos valores de IRS devidos pelos beneficiários dos rendimentos auferidos e calculados por avaliação indireta está sujeita a impugnação judicial, nos prazos legais, nos termos do artigo 99.º e segs do CPPT;

6- Não tendo sido tais valores impugnados nem tendo sido criada, pelo beneficiário dos rendimentos sujeitos a IRS calculados por avaliação indireta, fundada dúvida sobre a sua qualificação e quantificação é responsável pelo seu pagamento o sujeito passivo beneficiário desses rendimentos apurados em inspeção administrativa tributária;

7- A omissão das declarações de rendimentos relativas a rendimentos sujeitos a IRC e a IRS, pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 6.º do RGIT constitui crime de fraude fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGTI e crime de fraude fiscal agravado, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, alínea b) do RGTI, por a vantagem ocultada ser de valor superior a 50.000 €.

(sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 25/15.1JAFAR da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé, Juiz 3, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido (...) condenado:
1. Pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de dez euros;
2. Pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 103.º RGIT, por referência à alínea b) do n.º 2 do artigo 104.º do RGIT, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período, e subordinada à condição de, nos termos do artigo 14.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT:
a) Até ao limite do período de suspensão da pena de prisão proceder ao pagamento, por qualquer meio documentado nestes autos, do imposto em falta e acréscimos legais, resultado da prática do crime de fraude fiscal qualificada, em falta aos cofres do Estado Português, em sede de IRS, referente ao ano fiscal de 2014, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, no valor de 89.100 € (oitenta e nove mil e cem euros);

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, no passado dia 04.03.2020, a fls., com a qual o Recorrente não se conforma.
2. Em primeiro lugar porque, à data em que a factura n.º 0048 foi emitida (i.e., 14.08.2014) e a transferência creditada (i.e., 20.08.2014), a sociedade (…), Lda.”, , com sede na (…) (a “Sociedade”) encontrava-se extinta há cerca de 4 (quatro) meses, motivo pelo qual, por maioria de razão, não haveria lugar, quer à apresentação da declaração de rendimentos Mod22/IRC, quer ao pagamento do imposto em sede de IRC, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de € 34.188,12 (trinta e quatro mil, cento e oitenta e oito euros e doze euros).
3. Em segundo lugar porque da operação em causa não resultou qualquer lucro tributável para a Sociedade, na medida em que, para o apuramento do lucro tributável, deveria o Tribunal a quo ter considerado, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 e 2 do CIRC e bem assim do artigo 89.º-A, n.º 5, alínea c) da LGT, o valor relativo à aquisição dos bens, no valor de € 148.644,00 (cento e quarenta e oito mil, seiscentos e quarenta e quatro euros), conforme factura n.º 52644, datada de 04.08.2014, emitida pela sociedade de direito canadiano denominada (…), junta no âmbito da audiência de julgamento realizada no dia 12.02.2020, a fls.
4. Tanto mais que, à data da sua dissolução, a Sociedade não tinha qualquer activo – de outro modo, não poderia ter ocorrido o registo do encerramento da liquidação -, pelo que, inexistindo activo, a Sociedade não poderia ter vendido à sociedade (…) os bens titulados pela factura n.º 0048, de 14.08.2014 e, logo, obtido o rendimento que a Autoridade Tributária lhe imputa.
5. Para pagamento da factura identificada em 3. supra, o Recorrente, na qualidade de gerente da Sociedade, realizou as transferências identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida, a pedido da testemunha (…), sócio-gerente da (…), conforme confirmado pelo próprio em sede de audiência de julgamento, directamente para a conta bancária daquela sociedade ou para pagamento de despesas relativas à mesma.
6. Pelo que não existiu qualquer vantagem patrimonial ilegítima, quer para a Sociedade, quer para o seu gerente, ora Recorrente, motivo pelo que o eventual crime de fraude fiscal, a ter ocorrido, o que não se aceita, nunca seria punível, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT.
7. Em terceiro lugar porque as transferências identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida não constituem, na opinião do Recorrente, incrementos patrimoniais nos termos e para os efeitos previstos no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT, porquanto, conforme resultou da prova, documental e testemunhal, produzida em sede de audiência de julgamento, o Recorrente, a título pessoal, não obteve qualquer benefício com o negócio.
8. Tendo a Sociedade servido apenas como mera intermediária do negócio entre a (…), sociedade vendedora dos bens, e a (…), sociedade compradora dos bens, destinando-se as transferências bancárias identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida a pagar o preço dos bens vendidos pela (…).
9. Pelo que é absolutamente falso que as referidas transferências hajam sido realizadas para pagamento de despesas comerciais, pessoais e familiares do Recorrente.
10. Mesmo que se conclua pela verificação do crime de fraude fiscal, a verdade é que o montante do imposto alegadamente em falta, em sede de IRS, não se encontra correctamente calculado, correspondendo, no limite, a € 60.332,34 (sessenta mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), devendo, por conseguinte, ser esse o valor da prestação tributária a considerar nos termos do artigo 14.º do RGIT, o que expressamente se requer.
11. Em quarto e ultimo lugar porque, em face da prova testemunhal produzida, revela-se evidente que o Recorrente não tinha consciência de que estava a praticar os crimes pelos quais foi condenado, motivo pelo qual não se encontra preenchido o elemento subjectivo do tipo legal.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva in tottum o Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. O recorrente vem recorrer da douta sentença que o condenou nos crimes de fraude fiscal simples e no crime de fraude fiscal qualificado, respectivamente p. e p. pelos artigos 103º nº 1 al.a e b) do RGIT, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €10,00, e alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 103º, por referência à alínea b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT, na pena de 2 anos de prisão suspensa por igual período e subordinada à condição de pagar ao Estado Português do imposto em falta, no valor de €89.100,00, apresentando as suas alegações.
2. O recorrente faz a impugnação ampla da matéria de direito (artigo 413º nº 2 al. b) do CPP), uma vez que a recorrente entende que os pontos constantes da matéria de facto provada, imporia uma diversa interpretação das normas jurídicas aplicadas, nos seguintes sentidos:
e) À data da operação de bypass financeiro, a sociedade estava extinta, pelo que não tem qualquer responsabilidade criminal;
f) Não existiu qualquer lucro do recorrente que importasse prejuízo patrimonial para o Estado Português (falta de elemento objectivo do tipo), porquanto tratou-se, apenas, de bypass financeiro internacional;
g) Erro de cálculo do imposto alegadamente devido pelo recorrente;
h) Falta de consciência da ilicitude (falta de elemento subjectivo do tipo).
3. Uma vez que o recorrente apenas recorre da matéria de direito, temos como definitivamente como assentes a matéria de facto.
4. No entanto, sempre se dirá que a conjugação dos elementos probatórios produzidos em audiência de julgamento, entre si e com as regras da experiência comercial em casos análogos, nos termos expendidos na motivação de facto e de direito da douta sentença recorrida, faz com que o Tribunal a quo e bem, não desse credibilidade à tese da inocuidade fiscal da operação financeira aventada pelo recorrente.
5. Em primeiro lugar, porque se a (…) nada tinha a ver com a transacção, qual a razão lógica e coerente porque o recorrente emitiu a factura nº 48, numa altura em que aquela sociedade já estava dissolvida;
6. Em segundo lugar, porque sendo o recorrente e o seu filho, comerciantes e financeiros experientes com longo historial de comércio internacional, não é credível, nem sustentável, de acordo com as regras de experiência de vida, designadamente as regras comerciais e usos comerciais, que desconhecessem em absoluto, a obrigação de reportar em termos tributários a operação, pelo que foi comprovado o elemento subjectivo do tipo;
7. Por outro lado, no que tange à aventada falta de lucro da sociedade extinta, de acordo com o Douto Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2.10.2013, Processo nº 105/11.2IDCBR.C1, Relator: Jorge Dias, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte:
“1.- O crime de fraude fiscal é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social e é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem; bem se vê que a comprovada utilização, por parte do recorrente, de uma aparência de pessoa colectiva para fazer uma operação financeira internacional, constitui conduta que visa a obtenção de vantagem patrimonial ilegitima que é o não pagamento de imposto devidos pela realização dessa mesma operação.
8. Em consequência dessa falta deliberada de comunicação, como estava obrigado, era capaz e sabia, atenta a sua vasta experiência profissional, na qualidade de sócio gerente da (…) (esta sociedade arguida só não foi julgada e punida, porquanto foi dissolvida, estando, por conseguinte, a sua responsabilidade criminal extinta), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRC referente ao ano de 2014, no valor de €34.188,00 em função de uma variação patrimonial positiva dessa firma no resultado liquido desse período de tributação, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 21º do CIRC, não havendo, por isso, qualquer erro de cálculo do imposto devido ao Estado Português.
9. Em termos de IRS e em consequência da conduta deliberada e ilícita do ora recorrente, o imposto em falta nos cofres do Estado Português, referente ao mesmo ano de 2014, cifra-se em €89.100,00, em função da ausência de quaisquer valores declarados, nos termos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 89º-A LGT, em referência aos métodos de cálculo do imposto devido, plasmados no CIRS, não havendo, por isso, qualquer erro de cálculo de imposto devido ao Estado Português.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso interposto, mantendo-se, na integra, a douta sentença recorrida.”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte Parecer (transcrição):
“A) Uma primeira nota se nos impõe aqui assinalar, para dar conta da excelente Resposta do Ministério Público (MP) na Iª Instância, na qual são rebatidos com inegável proficiência todos os argumentos invocados pelo Recorrente.
O mesmo se diga, aliás, da Sentença recorrida, peça processual absolutamente exímia, na qual como que se antecipa, rebatendo-a, toda a argumentação ora reafirmada em sede de Recurso.
Não espanta, por isso, que, amiúde, a Resposta convoque a fundamentação da Sentença, tal é a clareza e exaustividade com que o Tribunal sustentou o decidido, sem prejuízo da assertiva argumentação própria aduzida.
B) Daí que, com a devida vénia, por inteiro nos louvemos, quer numa, quer noutra, aqui sufragando por inteiro o conteúdo de ambas, permitindo-nos, tão só, enfatizar o seguinte excerto da Sentença, o qual, per se, refuta cabalmente toda a argumentação do Recorrente:
“O perito (…),, inspetor tributário, prestou esclarecimentos confirmando na íntegra o teor do seu parecer exarado nos autos, destacando-se a metodologia seguida no sentido do apuramento das prestações tributárias em dívida com recurso a métodos indiretos, na sequência da omissão de declaração e liquidação de prestação tributária devida pelo arguido.
O sr. Perito confirmou o teor dos pareceres de fls. e 70 e seguintes e fls. 117-122 do apenso 99/17.0IDFAR. Confrontado com a tese ou versão dos factos do arguido, no sentido de que não há lucro tributável da operação, o Sr. Perito explicou, de forma coerente, de que para a AT os dados relevantes quanto ao apuramento do período em análise contendem com dois elementos essenciais: a fatura emitida pela sociedade, o recebimento em conta movimentada apenas pelo arguido e a ausência de qualquer declaração, que legitimou a utilização de métodos indiretos em ação inspetiva para apuramento dos montantes devidos.
De notar que todos os referidos elementos probatórios foram articulados e analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, resultando na formação de convicção quanto à prática dos ilícitos típicos em apreciação, as seguintes conclusões:
1. A tese da inocuidade fiscal da operação financeira aventada pelo arguido não merece credibilidade em face dos esclarecimentos do perito e da prova documental. Se a (...) nada tinha que ver com a transação, por que razão emitiu a fatura n.º 48, num momento em que já estava dissolvida? O arguido quedou-se sem explicação coerente.
2. Desde logo, porque sendo o arguido e o seu filho, comerciante e/ou financeiros experientes, com longo historial de comércio internacional, não é sustentável, de acordo com as regras comerciais e usos mercantis, que desconhecessem, em absoluto, a obrigação de reportar em termos tributários a operação.
3. Cremos que a tese de desleixo ou incúria tributária do arguido (e do seu filho) na construção da operação financeira também não procede, pois as testemunhas inquiridas – (…) – confirmaram terem transmitido ao arguido a necessidade de proceder a declarações fiscais pelas movimentações financeiras em Portugal, através da (...).
4. Acresce que a operação ocorreu através da conta da sociedade (já encerrada e dissolvida da …), à qual apenas o arguido tinha acesso. O beneficio da transferência é seu conforme solicitado: quis satisfazer um pedido de familiar o seu filho, que nada tinha que ver com a (…), segundo afirmou.
5. Logo, cremos demonstrado que o arguido utilização da aparência de sociedade coletiva constituída como veículo - SPV – special purpose vehicle – para facilitar a transferência – foi emitida fatura n.º 48 quanto o arguido afirma e confessa em juízo que a sociedade nunca teve qualquer laboração e que a transferência dos montantes não diz respeito a qualquer assunto da (...).
6. Quanto ao apuramento dos montantes não declarados e tributáveis – para efeitos de IRS e IRC (a sociedade apenas foi dissolvida em Abril de 2014, mas esteve “tributariamente ativa” até então, sendo de liquidar imposto no exercício – período tributário relevante, verificou-se ação inspetiva com utilização de métodos indiretos de apuramento.”.
C) Tanto basta, em nosso entender, para que se imponha concluir pela improcedência do Recurso.
Em conformidade, somos de parecer que ao Recurso interposto pelo Arguido (...) (a responsabilidade criminal da sociedade Arguida fora declarada extinta, no Despacho de 15.11.2018, nos termos do qual foi recebida a Acusação e designada data para julgamento) deverá ser negado provimento, julgando-o improcedente e confirmando-se integralmente a Sentença recorrida.”.


2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer é a do erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP), cumprindo averiguar se:
- Era ou não exigível ao arguido (sócio gerente da “(...)” e único com acesso à conta bancária da sociedade) a apresentação da declaração de rendimentos Mod22/IRC, bem como o pagamento do imposto em sede de IRC, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 34.188,12 €, considerando que a (...) se encontrava extinta à data dos factos constantes da acusação;
- Da operação em causa resultou ou não lucro tributável para a “(...) ;
- As transferências identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida constituem ou não incrementos patrimoniais nos termos e para os efeitos previstos no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT;
- O recorrente tinha ou não consciência de estar a praticar os crimes pelos quais foi condenado e se está ou não preenchido o elemento subjetivo do tipo legal.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1) A sociedade arguida (...) tinha a natureza jurídica de sociedade por quotas, tendo como único gerente o arguido (...), cujo objecto social engloba a consultadoria para os negócios, nomeadamente financeira e de investimentos, exportação, importação e comércio de grande variedade de mercadorias, nomeadamente vestuário, calçado, acessórios de moda, bijuteria, artigos para o lar, produtos alimentares e bebidas, produtos elétricos, eletrónicos, equipamento informático, têxteis, produtos de limpeza, cosmética e higiene, assistência, manutenção, reparação e instalação de equipamentos informáticos, elétricos e eletrónicos, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, exploração de bazares, exploração e gestão de franquias.
2) A sociedade arguida (...) iniciou a sua atividade em 14 de Agosto de 2013, sendo sujeito passivo de IRC, enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, cuja declaração periódica de rendimentos deve ser enviada, anualmente, até ao último dia do mês de Maio, por via eletrónica.
3) No decurso de acção inspectiva realizada pela Direcção de Finanças de Faro, referente ao exercício fiscal de 2014, os serviços tributários apuraram que a sociedade arguida (...) foi beneficiária de uma transferência bancária, ocorrida em 20/08/2014, proveniente da sociedade (…), no montante de 148.644€, para a conta nº 0001 8405 1681, titulada pela sociedade arguida (...), justificada através da factura nº 0048, datada de 14/08/2014, no mesmo montante, cujo valor consubstancia lucro para a sociedade arguida (...).
4) Acontece que o arguido (...), na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida (...), não declarou, para efeitos fiscais, essa transferência bancária e respetivo valor à Autoridade Tributária, não apresentando a declaração Mod22/IRC desse exercício fiscal, nos termos do nº 3 do art. 120º CIRC.

5) Em consequência dessa falta de declaração pelo arguido (...), na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida (...), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRC, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 34.188,12€, em função de uma variação patrimonial positiva dessa firma no resultado líquido desse período de tributação, nos termos do nº 1 do art. 21º CIRC.
6) Entretanto, mediante essa transferência bancária proveniente da sociedade (…), o arguido (...), na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida (...), ordenou as seguintes transferências bancárias a partir da conta nº 0001 8405 1681, titulada pela sociedade arguida (...), sendo único autorizado a movimentá-la, para pagamento de despesas comerciais, pessoais e familiares:
→ Em 21/08/2014, para a (…), no montante de 30.000€;
→ Em 22/08/2014, para a (…), no montante de 30.000€;
→ Em 26/08/2014, para (…), no montante de 12.000€;
→ Em 27/08/2014, para a (…), no montante de 30.000€;
→ Em 27/08/2014, para a (…), no montante de 11.000€;
→ Em 29/08/2014, para a (…), no montante de 30.000€;
→ Em 01/10/2014, para a (…), no montante de 5.500€;
7) Em suma, o arguido (...), na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida (...), ordenou um total de transferências no montante global de 148.500€, sobre a conta nº (…),, titulada pela sociedade arguida (...), para pagamento de despesas comerciais, pessoais e familiares alheias à firma (...).
8) Esses montantes são acréscimos patrimoniais pessoais, não justificados pelo arguido (...), nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 9º do CIRS, determinados nos termos da alínea f) do nº 1 do art. 87º da LGT, por ser de valor superior a 100.000€.
9) E, em sede de IRS, o arguido (...) não declarou esses valores/rendimentos à Autoridade Tributária, em declaração modelo 3 de IRS, para os efeitos consagrados no nº 1 do art. 57º do CIRS.
10) Em consequência da sua conduta do arguido (...), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRS, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 89.100€, em função da ausência de quaisquer outros valores declarados, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 89º-A LGT.
11) O arguido (...) agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de ocultar, ilegitimamente, os factos e valores acima referenciados à administração tributária, para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações tributárias, integrando no seu património as quantias monetárias que eram fiscalmente devidas pelos fluxos financeiros descritos.
Provou-se ainda que:
12) A matrícula da sociedade (...) foi cancelada em 22.04.2014.
Mais se provou (condições pessoais e socioeconómicas do arguido):
13) O arguido é reformado/pensionista.
14) Aufere cerca de $4.000,00 (dólares canadianos).
15) Vive com a esposa em casa própria no Canadá.
16) Amortiza dívida referente à aquisição da habitação no montante de $2.500,00 mensais (dólares canadianos).
17) Sobre o imóvel impende hipoteca no valor de $600.000,00 (dólares canadianos).
18) A sua esposa está reformada e aufere pensão no montante de $3.000,00 (dólares canadianos).
19) Em média para o seu sustento mensal e do agregado, despende o valor de $5.000,00 (dólares canadianos).
20) Não é titular de depósitos ou aplicações financeiras.
21) Não é atualmente titular de qualquer participação social.
22) Tem posse de uma viatura da marca Mercedes C300, com 6 ou 7 anos de idade.
23) Tem formação académica superior em Economia.
24) O arguido (...) não averba qualquer antecedente criminal.”

3.1.2. Factos não provados na 1ª instância
O Tribunal a quo considerou inexistirem factos não provados com relevo para a decisão da causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição):
“Para além das declarações do arguido e dos depoimentos coligidos, o tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente Relatórios – constante de fls. 117/122 do apenso nº 99/17.0IDFAR, 70/73 do apenso nº 99/17.0IDFAR; Print’s – constantes de fls. 22, 24/25, 34/35, 39/41, 94/101, 111/116 do apenso nº 99/17.0IDFAR, 2/3, 8, 10/11, 17, 44/47, 67/68 do apenso nº 99/17.0IDFAR, 136/137, 139, 141 dos autos principais; Cópias – constantes de fls. 46/49, 51/89 do apenso 99/17.0IDFAR, 21/39, 49, 53/63 do apenso nº 99/17.0IDFAR, 24/31, 48/54, 234 dos autos principais; Anexos – constantes dos autos principais; Informação bancária – constante de fls. 149/159, 165/166, 191/213, 306/319 dos autos principais; Relatórios de fls. 122 do apenso nº 99/17.0IDFAR e 73 do apenso nº 99/17.0IDFAR.
O arguido prestou declarações negando a prática dos factos, designadamente que tenha ocorrido alguma fraude. Segundo a sua versão, a fatura 48 foi emitida tendo em vista facilitar uma transação comercial para a (…), uma sociedade comercial do seu filho. O montante em causa, proveniente da Guiné, era um pagamento de mercadoria enviada, que tinha como destino aquela sociedade e que apenas transitou pela conta da (...) em Portugal numa operação de mero by-pass financeiro pois os compradores da mercadoria não pretendiam pagar em dólares canadianos, mas em euros. Não houve lucro para a sua sociedade. O dinheiro entrou e saiu da conta bancária da (...) (em menos de 15 dias), a pedido do seu filho. A sociedade, entretanto foi dissolvida, teve a matrícula respetiva cancelada. À data da operação financeira a sociedade já estava dissolvida e cancelada, mas mantinha a conta bancária em Portugal. Sobre a operação financeira em causa confessou não ter feito qualquer comunicação às finanças, não ter liquidado qualquer prestação tributária pois, devido à ausência de lucro para a sociedade e ao facto de a mercadoria não ter passado por Portugal, estava convencido de que não havia qualquer obrigação fiscal declarativa.
A testemunha (…), contabilista da sociedade desde a declaração de início de atividade até à sua dissolução, confirmou que a fatura foi emitida após a dissolução da sociedade e que esta não teve qualquer atividade efetiva. Esteve presente em pelo menos uma reunião com o arguido, aquando da constituição da sociedade, na qual a barreira linguística se fez sentir. Contudo, a testemunha (…), que também foi sócio do arguido traduziu para o inglês as questões atinentes à constituição de sociedade e as obrigações fiscais e tributárias inerentes [costuma ter um briefing contabilístico para investidores que pretendem iniciar atividade em Portugal]. Acrescentou ainda que à data da dissolução a sociedade não tinha ativo nem passivo. Depôs de forma linear, segura e assertiva, sendo direta na resposta às instâncias suscitadas.
A testemunha (…), advogado, narrou a sua intervenção na constituição e dissolução da (...). Confirmou que aquando da dissolução, por lapso seu não foram feitas diligências para o fecho da conta bancária titulada pela (...) (ficou fiel depositário da documentação). Só o arguido tinha poderes para movimentação da referida conta. A testemunha foi inequívoca: sempre afirmou ao arguido, que sempre teve por negociante experiente, sagaz e esperto com anos de atividade comercial, de que qualquer movimentação financeira e/ou atividade mercantil em Portugal teria obrigações fiscais inerentes, explicando-lhe a necessidade de existir um suporte documental para todas as transferências realizadas. Corroborou o depoimento anterior no que diz respeito à praxis de reunir com os investidores aquando da constituição de sociedades comerciais em Portugal visando a transmissão de informação necessária par ao efeito. Sobre a fatura referida na acusação não soube indicar quem a emitiu.
A testemunha (…), financeiro, filho do arguido, corroborou a versão dos factos descrita pelo seu pai. A sociedade do pai, a (...), foi mera sociedade veículo para a transferência do pagamento de um fornecimento de uma sociedade sua, a (...) à entidade na Guiné, sendo a mercadoria perfumes. Explicou que os guineenses queriam pagar em euros e que a (...) não pretendia receber nessa moeda diretamente no Canadá, razão pela qual pediu ao seu pai que recebesse o dinheiro dos guineenses e depois o transferisse para si, para a sua sociedade (...) ou que pagasse algumas despesas pendentes da (...). A testemunha justificou cada um dos destinos do dinheiro descritos na acusação como sendo contas da sua sociedade, da sua titularidade ou pagamentos por transferência bancária de despesas suas ou da sua sociedade (cerca de €12.000,00 foram transferidos para si mesmo). Acrescentou que o seu pai não tem qualquer cargo de gestão na (...). Esteve convencido, tal como o seu pai, mercadores/financeiros experientes, de que não haveria qualquer tributação da operação financeira nos moldes gizados, nem sequer obrigação fiscal de participação. Acrescentou que todas as obrigações fiscais foram cumpridas no CANADA. Reiterou a ausência de conexão entre a sociedade (...) e o negócio em causa, por si conduzido. Confirmou a versão do seu pai (atestada documentalmente pelos elementos juntos no decurso da audiência) de que não houve lucro líquido ou ganho financeiro para a sociedade (...)).
O perito (…), inspetor tributário, prestou esclarecimentos confirmando na íntegra o teor do seu parecer exarado nos autos, destacando-se a metodologia seguida no sentido do apuramento das prestações tributárias em dívida com recurso a métodos indiretos, na sequência da omissão de declaração e liquidação de prestação tributária devida pelo arguido.
O sr. Perito confirmou o teor dos pareceres de fls. e 70 e seguintes e fls. 117-122 do apenso 99/17.0IDFAR. Confrontado com a tese ou versão dos factos do arguido, no sentido de que não há lucro tributável da operação, o Sr. Perito explicou, de forma coerente, de que para a AT os dados relevantes quanto ao apuramento do período em análise contendem com dois elementos essenciais: a fatura emitida pela sociedade, o recebimento em conta movimentada apenas pelo arguido e a ausência de qualquer declaração, que legitimou a utilização de métodos indiretos em ação inspetiva para apuramento dos montantes devidos. De notar que todos os referidos elementos probatórios foram articulados e analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, resultando na formação de convicção quanto à prática dos ilícitos típicos em apreciação, as seguintes conclusões:
1. A tese da inocuidade fiscal da operação financeira aventada pelo arguido não merece credibilidade em face dos esclarecimentos do perito e da prova documental. Se a (...) nada tinha que ver com a transação, por que razão emitiu a fatura n.º 48, num momento em que já estava dissolvida? O arguido quedou-se sem explicação coerente.
2. Desde logo, porque sendo o arguido e o seu filho, comerciante e/ou financeiros experientes, com longo historial de comércio internacional, não é sustentável, de acordo com as regras comerciais e usos mercantis, que desconhecessem, em absoluto, a obrigação de reportar em termos tributários a operação.
3. Cremos que a tese de desleixo ou incúria tributária do arguido (e do seu filho) na construção da operação financeira também não procede, pois as testemunhas inquiridas – (…) – confirmaram terem transmitido ao arguido a necessidade de proceder a declarações fiscais pelas movimentações financeiras em Portugal, através da (...).
4. Acresce que a operação ocorreu através da conta da sociedade (já encerrada e dissolvida da …), à qual apenas o arguido tinha acesso. O beneficio da transferência é seu conforme solicitado: quis satisfazer um pedido de familiar o seu filho, que nada tinha que ver com a (…), segundo afirmou.
5. Logo, cremos demonstrado que o arguido utilização da aparência de sociedade coletiva constituída como veículo - SPV – special purpose vehicle – para facilitar a transferência – foi emitida fatura n.º 48 quanto o arguido afirma e confessa em juízo que a sociedade nunca teve qualquer laboração e que a transferência dos montantes não diz respeito a qualquer assunto da (...).
6. Quanto ao apuramento dos montantes não declarados e tributáveis – para efeitos de IRS e IRC (a sociedade apenas foi dissolvida em Abril de 2014, mas esteve “tributariamente ativa” até então, sendo de liquidar imposto no exercício – período tributário relevante, verificou-se ação inspetiva com utilização de métodos indiretos de apuramento[1].
Em suma, a versão do arguido, corroborada pelo depoimento do seu filho, de que o lucro tributável na operação seria zero e logo, seria fiscalmente inócua, não procede, merecendo-nos maior credibilidade o teor da prova documental coligida no apenso e nos autos principais em cotejo com as declarações do perito (…), ficando o Tribunal convencido de que o arguido utilizando abusivamente a aparência de personalidade coletiva da sociedade (...) utilizou uma fatura falsa, ou que não atesta uma operação existente da sociedade arguida, para lograr o “bypass” ou a ponte financeira sem nenhum “custo” tributário associado, agindo com dolo, ou seja visando e querendo evitar a tributação da transferência e assim beneficiando o seu filho, quem lhe solicitou a realização da operação.
Quanto às condições pessoais do arguido o Tribunal valorou o teor das suas declarações, que assomaram credíveis.
Em relação à ausência de antecedentes criminais, coligiu-se o CRC atualizado do arguido, que se encontra junto ao processo.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição):
“-Do crime de fraude fiscal.
Prevê, neste domínio, o art. 103.º do R.G.I.T. que: «1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
(…)
2 – Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000. – [valor este introduzido pela Lei n.º60/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2006].
3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».
Por sua vez, nos termos do artigo 104.º do RGIT (fraude fiscal qualificada):
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando: (…) b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000. (…)
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas.
Desde já se diga que, neste domínio, o legislador português seguiu um modelo misto centrado, por um lado, na protecção do património fiscal do Estado e, por outro, no reconhecimento dos deveres de colaboração, informação e de verdade e lealdade fiscal.
Este modelo configura, então, dois níveis distintos, quais sejam: o bem jurídico protegido é constituído pelo património do Estado enquanto os deveres de colaboração, informação e de verdade e lealdade fiscal formam o suporte negativo que assegura a protecção daquele bem.
Na teoria geral do crime, deve dizer-se que a fraude fiscal é um crime de execução vinculada, porquanto apenas o comete, no âmbito do tipo objectivo, quem, visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, siga uma das condutas tipificadas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 103.º do R.G.I.T.
Por outra banda e como já se assinalou supra, deve dizer-se que o crime de fraude fiscal configura um crime de perigo, na perspetiva do bem jurídico, e de mera atividade, na perspetiva da conduta, pois que embora a conduta deva ser suscetível de causar diminuição das receitas tributárias não importa que essa diminuição se verifique para a consumação do crime.
Deve ainda esclarecer-se que este tipo criminal se consome no momento em que a conduta se esgota e esgota-se no termo do prazo para apresentação da declaração à administração tributária, nos termos da legislação aplicável.
Por fim, estabelece o n.º 2 do art.º 103.º do R.G.I.T. que os factos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15 000.
Este valor foi introduzido pela Lei n.º60/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2006, tal como a causa de qualificação do art. 104.º, n.º 2, al. b), cifrando-se a vantagem patrimonial obtida em valor superior a €50.000.
Ou seja, e em suma: no crime de fraude fiscal, a conduta incriminada consiste, pois, na violação dos deveres de informação e verdade suscetíveis de causar lesão ao património do Estado pela diminuição das receitas tributárias.
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, trata-se de um crime que admite apenas a forma dolosa, em qualquer uma das suas modalidades.
Mais se esclarecendo que, para a sua verificação ao nível subjetivo, se bastará com o dolo genérico, ou seja, bastará que as condutas sejam dolosas, em qualquer das suas modalidades, e adequadas a causar diminuição das receitas tributárias.
De acordo com o Douto Acórdão do TRC de 2-10-2013: 1. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa. 2- Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas á realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social e é um crime de «resultado cortado», pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas á obtenção de tal vantagem;
2.O crime de fraude fiscal só pode ser cometido através de ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável, da ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados á administração tributária ou da celebração de negócio simulado.
3. O tipo objetivo de ilícito preenche-se, pois, com a adoção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador concretizado esses comportamentos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 103.”
Ainda de acordo com o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo n.º 462/16.4IDPRT.P1, datado de 20-03-201, consultado in www.dgsi.pt:
I - O crime de fraude fiscal configura um crime de resultado cortado, crime, estruturalmente, de tentativa, em que o resultado (como dano real) não é exigível.
II - É praticado no interesse da pessoa coletiva (e é, por isso, suscetível de originar responsabilidade criminal dessa pessoa coletiva) um ato efetuado pelo seu representante, ainda que do mesmo não resulte qualquer proveito para a representada, ou até resulte um dano, e desde que tal ato não seja ligado à vida privada desse representante e/ou à vida intra-societária.
Acresce ainda, que o art. 6.º do RGIT estabelece que “quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: a) determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; b) que o agente pratique o facto no seu próprio interesse, e o representante actue no interesse do representado”.
Assim, da conjugação das normas acima referidas, podemos concluir que quanto ao crime de fraude fiscal simples, no caso de o responsável pela entrega das prestações tributárias ser uma pessoa colectiva, podem ser punidos, cumulativamente, os agentes individuais da infracção, neste caso o próprio arguido, e a sociedade.
Volvendo ao caso vertente, verifica-se que o arguido não reportou, em qualquer momento, a operação financeira em causa, fosse aquando do recebimento do montante após emissão da fatura n.º 48, fosse aquando da transferência ulterior dos valores.
Em consequência dessa falta de declaração pelo arguido (...), na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida (...), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRC, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 34.188,12€, em função de uma variação patrimonial positiva dessa firma no resultado líquido desse período de tributação, nos termos do nº 1 do art. 21º CIRC.
Em consequência da sua conduta do arguido (...), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRS, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 89.100€, em função da ausência de quaisquer outros valores declarados, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 89º-A LGT. Concluiu-se assim que o arguido (...) agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de ocultar, ilegitimamente, os factos e valores acima referenciados à administração tributária, para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações tributárias, integrando no seu património as quantias monetárias que eram fiscalmente devidas pelos fluxos financeiros descritos.
Quanto ao crime de fraude fiscal simples, cremos demonstrada a utilização pelo arguido da aparência de sociedade coletiva constituída como veículo para facilitar a transferência – foi emitida fatura n.º 48 quanto o arguido afirma e confessa em juízo que a sociedade nunca teve qualquer laboração e que a transferência dos montantes não diz respeito a qualquer assunto da (...), o que o torna responsável criminalmente à luz do disposto no art. 6.º, 7.º, n.º 3 e art. 26.º do RGIT, apesar dos normativos 162.º do Código das Sociedades Comerciais e art. 1020.º do Código Civil, citados no parecer de fls. 121.
Como vimos, a versão do arguido, corroborada pelo depoimento do seu filho, de que o lucro tributável na operação seria zero e logo, seria fiscalmente inócua, não procede, merecendo-nos maior credibilidade o teor da prova documental coligida no apenso e nos autos principais em cotejo com as declarações do perito (…), ficando o Tribunal convencido de que o arguido utilizando abusivamente a aparência de personalidade coletiva da sociedade (...) utilizou uma fatura falsa, ou que não atesta uma operação existente da sociedade arguida, para lograr o “bypass” ou a ponte financeira sem nenhum “custo” tributário associado, agindo com dolo, ou seja visando e querendo evitar a tributação da transferência e assim beneficiando o seu filho, quem lhe solicitou a realização da operação.
Para além de entendermos verificados os pressupostos do art. 103.º, n.º 1, al. a) [e também al. b) – ocultação de valores não declarados e que deviam constar da escrituração mercantil], ainda quanto à qualificativa do art. 104.º, n.º 2, al. b), cifrando-se a vantagem patrimonial obtida em valor superior a €50.000 – no que diz respeito ao cumprimento do CIRS – deverá considerar-se a prova resultante da inspeção tributária realizada.
Como tal, inexistindo causas de desculpação ou de exclusão da ilicitude deverá o arguido ser punido segundo a imputação pena feita pela acusação.
- Escolha e determinação da medida concreta da pena:
O crime de fraude fiscal é punido por com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias (art. 103.º, n.º 1 do RGIT) e o crime de fraude fiscal qualificada é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, no caso de pessoas singulares.
Nos termos do disposto no art. 40.º/1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa do agente.
Se o preceito incriminador em causa previr a punição com pena de multa ou com pena de prisão, a primeira questão que se coloca é a da escolha da pena, de harmonia com os parâmetros do art. 70.º do Código Penal – sendo ao crime aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Deve assim a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que provoquem mais alarme social.
No momento em que elege a pena principal, o Tribunal articula as necessidades de prevenção geral e especial, atendendo a um critério de adequação e suficiência face às necessidades de punição. Ou seja, a opção por uma medida privativa da liberdade só deverá ser tomada por uma razão de prevenção especial de socialização, ligada à prevenção do cometimento de futuros crimes, ou por razões fundadas em exigências de tutela do ordenamento jurídico.
No que concerne à determinação da medida da pena concretamente a aplicar ao arguido, nos termos do disposto no art. 71.º/1 do Código Penal, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Assim, constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena (art.40.º/2 do Código Penal), e decorrendo o seu limite mínimo de considerações ligadas à prevenção geral, a medida exacta da pena será fruto das exigências de prevenção especial.
No mais, a medida da pena, além de determinada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial, deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele, devendo o Tribunal atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.
Tratando-se de um crime fiscal, há que ter em conta o artigo 13.º do RGIT que exige, expressamente, que “na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.”
Em relação ao presente caso:
- No que respeita à prevenção geral, entende-se que a mesma é elevada, tendo em conta o crescente de crimes tributários que se têm verificado nos últimos tempos e da necessidade das normas violadas serem revigoradas através da reafirmação da sua vigência.
-Já as necessidades de prevenção especial, as mesmas revelam-se, in casu, de intensidade baixa, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais registados, a sociedade em causa foi dissolvida e encerrada, o arguido está perfeitamente inserido em termos sociais e familiares.
- Contudo, os montantes em causa relativamente às prestações tributárias em dívida, resultado da omissão declarativa são elevados.
- O modo de atuação do arguido foi hábil e insidioso, através da criação de uma “sociedade-veículo” que nunca teve capital e/ou passivo, tendo utilizado a mera aparência societária para emissão de fatura (que não correspondia a uma transação sua ou da sociedade) e subsequente recebimento do dinheiro, que depois distribuiu para benefício próprio e de familiares, mas sem qualquer relação com o objeto societário da arguida.
- No que respeita à ilicitude, a mesma revela-se de intensidade elevada, atento o prejuízo causado pelo crime.
- No que concerne à culpa, o arguido não quis liquidar e entregar ao Estado a prestação devida, bem sabendo que tal conduta lhe era proibida por lei – agindo, assim, da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo direto.
- A prática criminosa em causa nestes autos remonta a 2015 não havendo notícia da prática de outros crimes desde então.
Assim, não pode deixar de concluir-se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, considerando-se justa, adequada e proporcional, à conduta do arguido, pela prática de um crime de fraude fiscal a pena não privativa de liberdade, ou seja, pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
Na determinação do quantitativo diário, e de acordo com o que dispõe o artigo 47.º/2 do Código Penal, é o mesmo fixado em função da situação económica do arguido, bem como dos seus encargos pessoais, entre €5,00 e €500,00.
Sendo que, no que respeita ao quantitativo diário da pena, há que atender ao disposto no artigo 15.º, n.º 1, do RGIT, o qual determina que, no caso das pessoas singulares, esta oscila entre um mínimo diário de 1,00 Euro e 500,00 Euros e das pessoas coletivas ou entidades equiparadas entre 5,00 Euros e um máximo de 5.000, 00, Euros.
Na aferição desse quantitativo diário o Tribunal deve ter em conta não só os rendimentos mensais do arguido, sejam próprios ou de que o mesmo beneficie, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos.
Neste apuramento deve-se atender igualmente a que a multa é uma verdadeira reacção criminal de índole económica, devendo, por isso, na sua aplicação, ser submetida a critérios de igualdade de sacrifícios e ónus, pelo que se devem reservar os quantitativos mínimos para aquelas pessoas que vivem no limiar da subsistência, escalonando-se a partir daí todos os demais.
Tudo visto e ponderado, o Tribunal considera justa, proporcional e adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 120 (cento) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros) pela prática do crime em causa.
Quanto ao crime de fraude fiscal qualificada, renovam-se as considerações anteriores, em especial, que
- No que respeita à prevenção geral, entende-se que a mesma é elevada, tendo em conta o crescente de crimes tributários que se têm verificado nos últimos tempos e da necessidade das normas violadas serem revigoradas através da reafirmação da sua vigência.
-Já as necessidades de prevenção especial, as mesmas revelam-se, in casu, de intensidade baixa, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais registados, a sociedade em causa foi dissolvida e encerrada, o arguido está perfeitamente inserido em termos sociais e familiares.
- O modo de atuação do arguido foi hábil, dotado de capacidade e imaginação financeira, através da criação de uma “sociedade-veículo” que nunca teve capital e/ou passivo, tendo utilizado a mera aparência societária para emissão de fatura (que não correspondia a uma transação sua ou da sociedade) e subsequente recebimento do dinheiro, que depois distribuiu para benefício próprio e de familiares, mas sem qualquer relação com o objeto societário da arguida.
- No que respeita à ilicitude, a mesma revela-se de intensidade elevada, atento o prejuízo causado pelo crime.
- No que concerne à culpa, o arguido não quis liquidar e entregar ao Estado a prestação devida, bem sabendo que tal conduta lhe era proibida por lei – agindo, assim, da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo direto.
- A prática criminosa em causa nestes autos remonta a 2015 não havendo notícia da prática de outros crimes desde então.
Tudo visto e ponderado, o Tribunal considera justa, proporcional e adequada a aplicação ao arguido de uma pena de pela prática do crime em causa de 2 (dois) anos.
- Da suspensão da pena de prisão.
Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Assim, cumpre analisar se é caso de substituir a pena de prisão aplicada pela suspensão da sua execução, só se analisando as demais penas de substituição caso se entenda que aquela não satisfaz de forma adequada as finalidades da punição.
O artigo 50.º do Código Penal dispõe que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 (cinco) anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias dele, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos»
Desta forma, deverá sempre proceder-se à suspensão da execução quando esteja em causa uma condenação não superior a 5 anos, a não ser que não seja possível realizar um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do agente, considerando as circunstâncias do facto e a sua personalidade.
No caso sub judice foi decidida a aplicação de uma pena de 2 (dois) anos.
Quanto à duração do período da suspensão dispõe atualmente o artigo 50.º do Código Penal, no seu n.º 5 que o prazo de suspensão pode ser fixado entre 1 e 5 anos. Contudo, em atenção à data da prática de cada um dos factos de que resultaram as condenações em apreço, o Tribunal irá considerar o regime do tempo dos factos e concretamente mais favorável (arts. 2.º do Código Penal).
Estabelece, ainda, o n.º 3 do artigo 50.º, do Código Penal, que o Tribunal, se o julgar adequado às finalidades da punição, subordina a suspensão da execução, ao cumprimento de deveres ou a regime de prova.
Nos termos do artigo 14.º do RGIT: A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.2
2 De acordo com o Douto Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 24 de Outubro : No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, cuja Jurisprudência entendemos ser igualmente aplicável ao caso, na hipótese tipificada do crime de fraude fiscal qualificada, cuja moldura abstrata admite apenas a aplicação de pena de prisão a título principal.
-Volvendo ao caso vertente, conforme já foi aventado, as necessidades de prevenção especial, as mesmas revelam-se, in casu, de intensidade baixa, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais registados, a sociedade em causa foi dissolvida e encerrada e o arguido está perfeitamente inserido em termos sociais e familiares.
Contudo, os montantes em causa relativamente às prestações tributárias em dívida, resultado da omissão declarativa são elevados.
O modo de atuação do arguido foi hábil, através da criação de uma “sociedade-veículo” que nunca teve capital e/ou passivo, tendo utilizado a mera aparência societária para emissão de fatura (que não correspondia a uma transação sua ou da sociedade) e subsequente recebimento do dinheiro, que depois distribuiu para benefício próprio e de familiares, mas sem qualquer relação com o objeto societário da arguida.
No que respeita à ilicitude, a mesma revela-se de intensidade elevada, atento o prejuízo causado pelo crime.
No que concerne à culpa, o arguido não quis liquidar e entregar ao Estado a prestação devida, bem sabendo que tal conduta lhe era proibida por lei – agindo, assim, da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo direto.
A prática criminosa em causa nestes autos remonta a 2014/2015 não havendo notícia da prática de outros crimes desde então.
Nessa sequência cremos ser de afirmar um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade de reintegração do agente realizar em liberdade, suspendendo-se a execução da pena de prisão aplicada por igual período de 2 anos [por ser o regime de suspensão aplicável à data dos factos e concretamente mais favorável].
Para a aplicação do dever de ressarcimento, o Tribunal sopesa as condições pessoais e económico-financeiras do arguido apurada que são as de uma pessoa abastada, pensionista com cerca de 4.000,00dólares de rendimento, sem encargos fixos ou extraordinários de relevo, parra além de despesas correntes, vivendo em casa própria do agregado familiar, com valor de pelo menos $600,000,00, com viatura automóvel da marca Mercedes, modelo C300, com agregado familiar estável, sendo razoável exigir-lhe o pagamento dos imposto em falta e benefícios indevidamente obtidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, em falta aos cofres do Estado Português, em sede de IRS, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de 89.100€, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 89º-A LGT.
Considerando o total de prestação tributária e acréscimos legais em dívida, o arguido poderá cumprir o dever faseadamente até ao final dos 2 (dois) anos do prazo de suspensão fixado.
Tudo, de molde a concluir que o arguido dispõe de meios que lhe permitem cumprir os termos da condição imposta para suspensão da execução da sua pena, sendo razoável exigir-lhe que o faça, sem prejuízo da aplicação ulterior do disposto no art. 14.º, n.º 2 do RGIT, caso de verifique incidente de cumprimento, do dever a que fica subordinado o cumprimento da suspensão de execução da pena de prisão.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
O arguido (...) interpôs recurso da sentença pugnando a final, pela sua absolvição tendo suscitado as questões assinaladas em II., ponto 2. deste Acórdão, que cumpre conhecer.
Para se conhecer os argumentos e conclusões do recorrente, no sentido de averiguar, como defende, que a falta de declarações prestadas à Administração Fiscal não implica a sua condenação pelos crimes fiscais de que foi acusado, cumpre em primeiro lugar apontar as caraterísticas do sistema fiscal português.
De acordo com o artigo 103.º, n.º 2 da CRP é a lei que determina a incidência dos impostos, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Segundo o artigo 104.º, n.º 3 da CRP a tributação sobre as empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, mas não deixa de ser permitido que sejam tributados os lucros presumivelmente obtidos em detrimento dos efetivamente auferidos[2].
Os pressupostos para liquidação e cobrança de impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos (artigo 4.º da LGT), que é revelada através do respetivo rendimento, da sua utilização ou do seu património.
Visando a tributação a satisfação das necessidades financeiras do Estado, o caráter ilícito da obtenção dos rendimentos não impede a sua tributação quando tais atos preenchem os pressupostos das normas de incidência aplicáveis (artigo 10.º da LGT) devendo na interpretação das normas tributárias, em caso de persistência de dúvida sobre o seu sentido e incidência, atender-se à substância económica dos factos tributados.
A aplicação das normas tributárias aos factos que ocorram em território nacional, bem como a todos os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo com domicílio, sede ou direção efetiva em território português, independentemente do local onde sejam obtidos, consta do artigo 13.º da LGT.
O artigo 38.º, n.º 1 também da LGT determina que a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à sua tributação, conquanto já se tenham produzidos os efeitos económicos pretendidos pelas partes, numa perspetiva pragmática do realismo do direito fiscal.
A avaliação indireta da matéria coletável é muitas das vezes aplicável sobretudo quando ocorre obtenção ilícita dos rendimentos, nos termos aplicáveis dos artigos 10.º, 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A da LGT[3].
Sendo o direito penal e processual penal fiscal direito especial ou extravagante em relação ao direito penal e processual comum cabe-lhe, em princípio, resolver todas as questões que lhe são colocadas, numa interpretação similar à que acontece quanto ao princípio da suficiência do processo penal para resolver todas as questões (cf. artigo 7.º das disposições preliminares e gerais do Código de Processo Penal).
Os princípios gerais referidos no número anterior são completados, ainda, em direito fiscal, pelos princípios da verdade e da transparência[4], este último caraterizado por dever permitir que o sujeito passivo e a Administração Fiscal se apercebam de toda a realidade das coisas, exprimindo a verdade dos factos ou acontecimentos sem os alterar.
No âmbito da colaboração dos sujeitos passivos com a Administração Fiscal, proíbe-se a ilicitude da alteração dos factos ou valores com relevância tributária e pune-se como crimes, as condutas ou omissões que podem prejudicar a arrecadação de receitas por parte do Estado necessárias ao exercício dos respetivos poderes[5].
Os rendimentos de IRC são assinalados no respetivo código como sendo suscetíveis de tributação, mesmo em relação a entidades desprovidas de personalidade jurídica, desde que as mesmas tenham sede ou direção efetiva em território nacional (artigo 4.º, n.º 1 do CIRC).
O lucro tributável dessas entidades é constituído pela soma algébrica do resultado líquido em determinado período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (artigo 17.º, n.º 1 do CIRC).
Essas variações patrimoniais positivas têm de ser declaradas nos termos do n.º 3 do artigo 120.º do CIRC através da declaração Modelo 22/IRC e dado o disposto no artigo 21.º do CIRC.
Da mesma forma, os incrementos patrimoniais têm relevância económico-tributária para efeitos do IRS quando constituam, acréscimos patrimoniais não justificados, nos termos do artigo 9.º, alínea d), n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A da LGT, ou seja, quando se trate de acréscimos ao património das pessoas singulares, sujeito passivo do imposto, que são avaliados por recurso à avaliação indireta, designadamente por não terem sido declarados.
Passando agora a analisar as conclusões do recorrente tendo em conta os princípios anteriormente expressos, começa a recorrente por salientar que quando a (…) emitiu a fatura n.º 0048, em 14.8.2014, a referida sociedade já estava extinta há cerca de quatro meses e por isso não haveria lugar à apresentação da declaração de rendimentos modelo 22/IRC, nem ao pagamento do imposto em sede do IRC referente ao ano fiscal de 2014 no valor de 34.188,12 €.
Começa, assim, o recorrente por reconhecer que quem emitiu a fatura naquela data não tinha poderes para o fazer, apresentando-se como ativa uma sociedade extinta. Em todo o caso, não negou o arguido ter o substrato económico, consubstanciado no crédito que lhe foi atribuído, sido efetivamente recebido pela referida entidade, ainda que na altura já não dotada de personalidade jurídica.
Como se assinalou anteriormente, a tributação no sistema fiscal português incide também sobre entidades com substrato e capacidade económica, com a correspondente capacidade contributiva. Assim, sob o ponto de vista tributário a sociedade em causa, embora extinta à data, tem de ser tributada, por ter recebido em conta, mantida aberta, os rendimentos que lhe foram creditados.
Tendo o rendimento respeitante à fatura em causa, ainda que falsificada, sido transferido para território nacional e ocorrido o recebimento de 148.644 € e posterior movimentação tal consubstancia acréscimo patrimonial positivo para a referida entidade, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, e, como tal sujeito à declaração do Modelo 22/IRC, não apresentada.
A fatura que a (...) emitiu, em 20.8.2014, foi elaborada para justificar uma transferência operada para o território português para pagamento de um crédito depositado pela (…), sociedade esta que posteriormente o pretendeu revogar invocando uma eventual fraude.
Depois, o recorrente pretendeu demonstrar que da operação em causa não ocorreu qualquer lucro tributável para a sociedade extinta. Salientou dever o tribunal ter considerado, o que não fez, a fatura n.º 52644, datada de 4.8.2014, no valor de 148.644 €, emitida pela sociedade Canadiana (...), junta na audiência de julgamento, para o apuramento do lucro tributável.
Nesta matéria deve salientar-se, em 1.º lugar, que esta fatura n.º 52644 não foi considerada no âmbito dos factos provados nem dos não provados pela decisão recorrida e na motivação do recurso não é apresentada como prova que imponha decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, alínea b) do CPP, embora se possa deduzir ser essa a intenção da conclusão 3.ª apresentada pelo recorrente.
Deve dizer-se, desde já, que se a pretensão do arguido era a de apresentar a fatura n.º 52644 como “neutra”, ou seja, como comprovativa de não ter havido lucro por parte da (...), tal não resulta do respetivo conteúdo.
Comparadas as duas faturas verifica-se que a com o n.º 00488 emitida pela (...), em 11 de agosto de 2014 (depois da fatura n.º 52644 emitida em 4 de agosto de 2014 pela sociedade Canadiana (...), respeita a material de gravação, de programação e de manutenção e de reparação de sistemas, no montante de 148.644 €, enquanto a fatura da (...) , sendo do mesmo montante, respeita a spray (sp men, Acqua di Gio).
Não estando em causa a venda de produtos idênticos, aos que estiveram na base do apuramento do lucro tributável, a decisão recorrida, para além de não aceitar a versão do arguido e do seu familiar, como credível, não poderia, também, com base na discrepância assinalada, aceitar que o apuramento do lucro tributável fosse calculado nos moldes pretendidos pelo recorrente, dada a disparidade dos produtos que teriam sido vendidos e os créditos pretendidos pagar com a transferência em causa.
Quanto à conclusão 4.ª das alegações do recorrente, já foi referida a irrelevância perante o sistema fiscal português da extinção da sociedade em causa.
O respetivo rendimento tem de ser apurado nos termos das variações patrimoniais positivas a que se refere o artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do CIRS e dos artigos 4.º, n.º 1, e 21.º do mesmo Código, tendo tal ocorrido em função da correção dos rendimentos apurados através da competente inspeção tributária realizada à (...).
Da forma descrita o arguido, sendo o único sócio gerente da sociedade extinta a movimentar a conta em causa, não conseguiu provar que o substrato económico auferido pela entidade em causa, em consequência da emissão de uma fatura falsa, não tivesse resultado em seu benefício, como acréscimo patrimonial não justificado e cujo valor foi calculado, na sentença, com base nos artigos 87.º, 88.º e 89.º-A da LGT e da alínea d) do artigo 9.º do CIRS.
Por outro lado, deve ser, ainda, salientado que o recorrente tendo tido a possibilidade de contestar o valor do imposto avaliado indiretamente nunca o fez, nos prazos legais.
O recorrente não colocou, anteriormente em dúvida o recurso aos métodos de avaliação indireta do imposto devido, calculado com base numa fatura falsa e não pôs em dúvida, anteriormente, a quantificação do montante de IRS, não se tendo socorrido, designadamente, do estatuído nos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
A tese da “neutralidade fiscal” defendida pelo recorrente e da inexistência de qualquer vantagem para a entidade que recebeu os rendimentos e para si como único sócio gerente da sociedade extinta, constante das suas conclusões finais (6.ª a 9.ª) e da incorreta avaliação do IRS devido (conclusão 10.ª), depara com uma dificuldade insuperável.
Se a operação que se traduziu no acréscimo económico de uma sociedade extinta não se traduziu em qualquer lucro para a mesma, qual a razão pela qual não foi esse montante transferido da sociedade da Guiné (“…”) diretamente para a sociedade canadiana de venda de perfumes?
E se não houve qualquer benefício para o recorrente com essa operação porque “distribuiu” faseadamente e em pequenos montantes o crédito auferido pela (...), segundo referiu, para beneficiar o seu filho e não para pagar os perfumes que lhe haviam sido vendidos pela sociedade canadiana?
E, ainda, se tudo era “neutro” fiscalmente, por que não foram feitas as declarações de IRC e de IRS que eram devidas?
O recorrente invoca, a este propósito, a falta de dolo na omissão das declarações de IRS e de IRC que eram devidas. Como, contudo, foi bem acentuado na decisão recorrida a experiência comercial do arguido e do seu filho, aliadas aos testemunhos de (…), que os alertaram para a necessidade de proceder a declarações fiscais pelas movimentações financeiras em Portugal através da (...), demonstram a inequívoca consciência por parte do arguido de estar a ocultar operações financeiras e fiscais que “transitando” por território português tinham de ser aqui declaradas.
Esta consciência por parte do arguido é reforçada, também, pelas circunstâncias de: a (...) ter “iniciado atividade” em 14.8.2013 (facto provado em 3)); a matrícula da sociedade ter sido cancelada logo em abril de 2014 (facto provado em 12)); a (...) nunca ter tido qualquer laboração (conforme afirmação do arguido em juízo – cf. 3.1.3., ponto 5. deste Acórdão); e o arguido ter movimentado uma conta bancária da sociedade quando esta já estava dissolvida e quando aquele era o único com poderes para o fazer.
Já se demonstrou anteriormente encontrar-se o arguido obrigado a apresentar as declarações de rendimentos relativos a IRS e a IRC, que omitiu e ter agido, de acordo com o disposto no artigo 6.º do RGIT, como único representante da sociedade extinta, agindo no seu próprio interesse.
Das suas condutas e omissões, resultaram um imposto em falta de IRC referente ao ano fiscal de 2014 de 34.188,12 € e um imposto de IRS no montante de 89.100 €, verificando-se os pressupostos do artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT e a agravante qualificativa do artigo 104.º, n.º 2, alínea b) do RGIT, por a vantagem patrimonial ocultada ser de valor superior a 50.000 €.
Em conclusão, não ocorreu qualquer erro de julgamento quanto ao direito aplicável, pois:
1- Os princípios tributários da transparência e da verdade material na tributação de rendimentos constantes do sistema fiscal português, que incide fundamentalmente no rendimento real das empresas, não impedem a tributação dos lucros presumivelmente obtidos nos termos dos artigos 103.º e 104.º, n.º 2 da CRP;
2- A violação daqueles deveres de verdade e transparência pelos sujeitos passivos dos impostos, com a alteração de factos ou valores de relevância tributária, não obsta à tributação de rendimentos de entidades sem personalidade jurídica, desde que tais condutas ou omissões preencham os pressupostos das normas de incidência tributária aplicáveis;
3- Os rendimentos de IRC e IRS ocorridos em território nacional desde que consubstanciados economicamente e traduzidos em acréscimos patrimoniais positivos dos respetivos beneficiários são sujeitos aos impostos de IRC (artigos 2.º, n.º 1, alínea b) do CIRC e 9.º, n.º 1, alínea d) do CIRS);
4- Os rendimentos referidos em 3. têm de ser declarados, ainda que resultantes de factos ilícitos, como a falsificação de uma fatura, e são calculados, em sede de IRS, na falta da respetiva declaração, nos termos dos artigos 89.º-A e 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT;
5- A fixação dos valores de IRS devidos pelos beneficiários dos rendimentos auferidos e calculados por avaliação indireta está sujeita a impugnação judicial, nos prazos legais, nos termos do artigo 99.º e segs do CPPT;
6- Não tendo sido tais valores impugnados nem tendo sido criada, pelo beneficiário dos rendimentos sujeitos a IRS calculados por avaliação indireta, fundada dúvida sobre a sua qualificação e quantificação é responsável pelo seu pagamento o sujeito passivo beneficiário desses rendimentos apurados em inspeção administrativa tributária;
7- A omissão das declarações de rendimentos relativas a rendimentos sujeitos a IRC e a IRS, pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 6.º do RGIT constitui crime de fraude fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGTI e crime de fraude fiscal agravado, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, alínea b) do RGTI, por a vantagem ocultada ser de valor superior a 50.000 €.
Atento o exposto mantém-se a decisão recorrida, nada havendo a apontar à medida da pena aplicada e à suspensão da sua execução, com o cumprimento dos deveres de pagamento que foram impostos ao recorrente, designadamente de pagar até ao final do prazo de suspensão as prestações tributárias em dívida e dos seus acréscimos legais.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, mantem-se na íntegra, a sentença recorrida.
2. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais).
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 10 de novembro de 2020.
__________________
(Beatriz Marques Borges - Relatora)
________________________
(Martinho Cardoso)
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[1] Decidiu-se no Douto Ac. TRE de 26-02-2013 : I. É legitimo o recurso á aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributária. II. Não constituindo um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, possibilita a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar, sem prejuízo do seu carácter excepcional e subsidiário em relação á avaliação directa. III. Incumbe á administração tributária provar a existência dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o contribuinte terá á sua conta o encargo de provar que a quantificação do valor tributável encontrado é excessivo.
[2] Cf. neste sentido CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital – “Constituição da República Portuguesa Anotada. 3.ª edição revista. P. 203. Coimbra Editora. 1993. 3.ª edição revista. P. 463. ISBN 972-32-0592-0.
[3] O artigo 87.º da LGT determina que “1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”.
[4] Cf. por exemplo neste sentido o Acordão do TRL de 18-07-2013, proferido no processo 1/05.2JFLSB.L1-3 e relatado por Rui Gonçalves, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrl.
[5] Cf. designadamente o Acórdão, assinalado na decisão recorrida do TRC, de 2.10.2013, proferido no processo 105/11.2IDCBR.C1 em que foi relator Jorge Dias e disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrc.