Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
419/15.2GCFAR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CRIME DE RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – O bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com o crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347, n.º 1 do CP, é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de atuação do funcionário, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aquele seu agente;
II – Trata-se de um crime de perigo – não de resultado ou de dano –, pelo que o mesmo se consuma com a conduta do agente, independentemente do seu resultado;
III – Assim, o crime consuma-se desde que o agente, através da violência (ou ameaça grave) contra o agente de autoridade, se ponha à sua atuação, perturbando/dificultando o exercício legítimo das suas funções;
IV – Em conformidade com as proposições anteriores, comete o referido crime o arguido que com vista a obstar a que os agentes de autoridade (militares da GNR) concretizassem a sua detenção começou a gesticular na direção dos mesmos, empurrando com as mãos na zona do peito um desses agentes para que este se afastasse, o que levou a que o militar em causa tenha utilizado “a técnica de imobilização ao punho para se proceder à algemagem”, altura em que o arguido provocou um rasgo junto ao fecho das calças de fardamento do militar e lhe provocou ferimentos ligeiros nas mãos.
Decisão Texto Integral: Proc. 419/15.2GCFAR.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Faro (Faro, Instância Local, Secção Criminal, J3) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 419/15.2GCFAR, no qual foi julgado o arguido BB (desempregado, …), pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
- de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348 n.ºs 1 e 2 do CP e 14 n.º 2 da Lei 63/2007, de 6.11;
- de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP.
O ofendido, CC deduziu pedido de indemnização, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 500,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na decorrência dos factos em causa nestes autos.
A final veio a decidir-se (sentença de 24.11.2015):
1) Absolver o arguido da prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, que lhe vinha imputado;
2) Condenar o arguido, pela prática de um crime de desobediência agravada, p. e p. pelo art.º 348 n.ºs 1 e 2 do CP e 14 n.º 2 da Lei 63/2007, de 6.11, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros;
3) Condenar o arguido no pagamento ao demandante da quantia 25,00 euros, a título de danos patrimoniais, e absolve-lo do pedido quanto aos danos não patrimoniais.
---
2. Recorreu o Ministério Público dessa sentença concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - No crime de resistência e coação sobre funcionário a violência prevista como elemento típico deve se idónea a impedir as funções dos agentes policiais visados, por perturbar a sua liberdade funcional, incluindo-se como modo de concretização da conduta e de preenchimento do elemento objetivo, entre outras, e por si só, a ofensa à integridade física dos agentes visados (como foi apurado e dado como provado na sentença).
2 - A reação ofensiva do arguido, no sentido de ter desferido empurrão no peito do militar da GNR que lhe deu voz de detenção, durante a detenção legitimamente ordenada e que, efetivamente atingiu, com a intenção de impedir a efectivação da detenção, e ter-lhe provocado ferimentos ligeiros nas mãos durante a algemagem, integra a prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, já que consiste numa ação ofensiva/ativa dirigida ao corpo do militar da GNR, com intenção de impedir o exercício das suas funções, e não mera ação defensiva/passiva à detenção - consistindo no preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime.
3 - No caso dos autos, e tendo sido dado como provado, nos pontos 14, 17 e 22 a 25 - a saber, que o arguido, após a ordem de detenção, empurrou o militar da GNR para o impedir de concretizar a detenção legitimamente ordenada e lhe provocou lesões físicas no decurso da algemagem, sabendo que molestava o seu corpo e saúde, como quis e conseguiu, e com o propósito de empregar violência física contra o referido militar, para impedir de cumprir as suas funções e de concretizar a detenção, sabendo que atuava contra agente de autoridade no exercício das suas funções e que a sua conduta era proibida e punida por lei - impõe-se concluir pela prática, pelo arguido, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, por preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime.
4 - Aliás, a mera circunstância de ter sido necessária a intervenção de dois militares da GNR para efetivarem a detenção do arguido é elucidativa de que a sua conduta não só foi idónea como, efetivamente, concretizadora de impedirem o exercício das suas funções, já que tal não teria sido possível com a intervenção de apenas um dos militares da GNR.
5 - Ao decidir pela referida absolvição, entendemos, salvo o devido respeito, que a Mm.ª Juiz a quo fez errada interpretação do disposto no art.º 347 n.º 1 do CP e, consequentemente, violou a referida disposição legal, o que se argui, para efeitos do disposto no art.º 412 n.º 2 al.ª a) do CPP, ao entender que a conduta do arguido, que agrediu e provocou lesões físicas no militar da GNR que lhe deu voz de detenção, com o propósito de impedir a sua concretização, não integra a prática do crime.
6 - Pelo que se requer que seja determinada a revogação da decisão de absolvição da sentença objecto do presente recurso, substituindo-a por decisão em que se condene o arguido pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP.
7 - Ao não ter sido, sequer, ponderado a alteração da qualificação jurídica para a prática, pelo arguido, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 143 n.º 1 e 145 n.º 1 al.ª a) do CP (por referência ao disposto no art.º 132 n.º 2 al.ª l) do CP), com a decisão de absolvição do arguido pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, e considerando a matéria de facto dada como provada nos pontos 14 a 17 e 22 a 25, ocorreu omissão de pronúncia e, consequentemente, entendemos que a sentença é nula, por ocorrência do vício previsto no art.º 379 n.º 1 al.ª c) do CPP, cuja existência se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 379 n.º 2 do CPP, devendo ser proferida nova decisão, nos termos do disposto no art.º 379 n.º 3 do CPP.
---
3. Não foi apresentada resposta e o Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida - no que respeita à absolvição do arguido pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário - e condenando-se o arguido, também, pela prática de tal crime.
4. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
---
5. Foram dados como provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1. No dia 22 de maio de 2015, na rua de Faro, em Estoi (N2-6), quando conduzia o ciclomotor de matrícula …, marca Casal, no sentido de marcha São Brás de Alportel - Coiro da Burra, pela rua Antinha Azenha, o arguido não cumpriu a indicação dada pelo sinal B2 - Stop ali existente.
2. Face a tal circunstância, e em virtude de consubstanciar uma contraordenação muito grave. a patrulha efetuou o seguimento do arguido com o intuito de o abordar e fiscalizar.
3. Foi dada ordem de paragem e forma verbal através do megafone e, simultaneamente, através de sinais acústicos e luminosos, ordem essa dada por diversas vezes.
4. O arguido não acatou tal ordem, deslocando-se pela rua de Faro, virando de repente para o interior de um estaleiro de nome “Ração para animais e cereais”, percorrendo o seu interior e deslocando-se em direção à Estrada Nacional 2.
5. De seguida, o arguido coloca-se a transitar na Estrada Nacional 2, no sentido de marcha São Brás de Alportel - Faro, não cumprindo a indicação dada pela linha M1, virando novamente para a rua de Faro, sem nunca abrandar a sua marcha, deslocando-se para o caminho municipal 2023, onde se encontra um sinal de proibição C1 - Sentido Proibido, transitando em sentido oposto à sinalização.
6. Ao chegar à Estrada Nacional 2, o arguido inverte o sentido de marcha em direção à rua de Faro, invertendo novamente o sentido em direção à Estrada Nacional 2, pelo caminho municipal 2023, e, mais uma vez, inverte o sentido de marcha em direção à rua de Faro.
7. Após, o militar da GNR DD abrandou a marcha do veículo da Guarda, tendo o militar da GNR CC apeado e dado ordem de paragem por diversas vezes ao arguido.
8. Para o efeito, e embora se encontrassem uniformizados, o militar da GNR CC identificou-se verbalmente como elemento da GNR, tendo dito em voz alta e clara “alto, GNR”.
9. No decorrer do seguimento ao arguido, e com auxílio do militar DD, que se deslocou na viatura da Guarda em sentido oposto ao do arguido, este militar consegue abordar o mesmo.
10. De seguida, foi de imediato pedido, pelo militar CC, ao arguido que facultasse a sua identificação e a do veículo, tendo este respondido, em tom intimidatório, o seguinte: “não dou nada a ninguém, não sou nenhum ladrão”.
11. Face a esta resposta, foi o arguido advertido que a sua conduta o fazia incorrer no crime de desobediência, tendo o arguidos e recusado a entregar os seus documentos pessoais.
12. Foi novamente advertido, por duas vezes, que a sua conduta o faria incorrer no crime de desobediência, sendo informado para facultar os respetivos documentos.
13. Após lhe ter sido explicado, por diversas vezes, que era obrigado a identificar-se e ter sido advertido, também várias vezes, das consequências da sua conduta de se recusar a fornecer a identificação, tendo o mesmo percebido o que lhe foi transmitido e as consequências da sua recusa, foi dada voz de detenção ao arguido.
14. Após ter sido dada voz de detenção, o arguido começou a gesticular na direção dos militares da GNR, empurrando com as mãos na zona do peito o militar da GNR CC para que este se afastasse.
15. De imediato, esse militar da GNR efetuou a técnica de imobilização ao punho para se proceder à algemagem, tendo o arguido declarado quinda: “não me prendam, deixem-me ir embora”.
16. Durante a algemagem, o arguido provocou um rasgo junto ao fecho das calças de fardamento do militar da GNR CC.
17. E provocou também ferimentos ligeiros nas mãos.
18. O arguido foi expressamente advertido de que tal recusa de identificação o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
19. Não obstante ter ficado ciente da ordem que lhe tinha sido dirigida e da respetiva cominação de desobediência, o arguido recusou sempre identificar-se, não entregando qualquer documento pessoal de identificação nem se fazendo identificar por qualquer outra forma.
20. Ao atuar da forma descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de desobedecer à ordem de identificação que lhe foi repetidamente comunicada, comando esse que sabia dever obediência e emanava de agentes de autoridade com competência para tanto e no âmbito das suas funções, o que lhe foi legal e regularmente transmitido.
21. Quis proceder assim, não obstante estar ciente da cominação de que incorria na prática do crime de desobediência.
22. Ao adotar o comportamento supra descrito, o arguido sabia que molestava o corpo e a saúde de CC, militar da GNR, finalidade que quis e conseguiu.
23. Ao atuar desse modo o arguido qui empregar violência física contra aquele agente de autoridade da Guarda com o propósito de o impedir de cumprir as suas funções e de concretizar a sua detenção.
24. O arguido sabia que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, atuava contra agentes de autoridade da Guarda que se encontravam em pleno exercício dos seus deveres de autoridade.
25. Em tudo, o arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.
---
26. Em virtude do referido em 16, o militar da GNR CC teve de adquirir umas novas calças de fardamento, tendo pago a quantia de cerca de 25,00 euros.
27. O arguido encontra-se desempregado.
28. Atualmente encontra-se a frequentar um curso de jardinagem no …, auferindo 175,00 euros.
29. Reside em casa própria.
30. Não tem quaisquer empréstimos em seu nome.
31. Estudou até ao 3.º ano de escolaridade.
32. O arguido é tido como uma pessoa humilde e trabalhadora, não sendo conhecido por ser conflituoso.
33. O arguido nunca antes foi condenado pela prática de qualquer ilícito criminal.
---
6. E não se provou:
a) Que, na ocasião referida em 10, o arguido disse “não tenho nada que me identificar” e “deixem-me da mão”;
b) Que, na ocasião referida em 12, o arguido disse “não quero saber de nada, deixem-me da mão”;
c) Que, na ocasião referida em 11, o arguido disse “vão mas é passear”;
d) Que durante a algemagem o arguido provocou ferimentos ligeiros no cotovelo do militar da GNR DD;
e) Que a situação ocorrida causou grande constrangimento e ofensa no referido Ricardo Mateus pelo facto de à data/hora dos factos se encontrar em pleno exercício das suas funções;
f) Que, com a conduta em causa, o arguido/demandado colocou em causa a dignidade e reputação do demandante, quer como indivíduo, quer como militar da GNR;
g) Que, em virtude dos factos em apreço, o demandante ficou receoso quando efectua uma abordagem/fiscalização a um condutor de veículo.
---
7. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).
Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no de direito, e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.ºs 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do CPP, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Feitas estas considerações, são as seguintes as questões colocadas pelo recorrente à apreciação deste tribunal:
1.ª - Se a factualidade dada como provada, concretamente, nos pontos 14 a 17 e 22 a 25, permite concluir que o arguido praticou, também, um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, e, por isso, deve ser condenado pela prática desse crime.
2.ª - Se a sentença recorrida enferma de nulidade, por não ter ponderado - em face da factualidade descrita nos pontos 14 a 17 e 22 a 25 da matéria de facto dada como provada - a prática, pelo arguido, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 143 n.º 1 e 145 n.º 1 al.ª a), com referência ao art.º 132 n.º 2 al.ª l), todos do CP (art.º 379 n.º 1 al.ª c) do CPP).
7.1. - 1.ª questão
O arguido vinha acusado, além do mais que aqui não releva, da prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP.
O tribunal, dando como provada a factualidade descrita nos pontos 14 a 17 e 22 a 25, concluiu:
Por um lado, que “para a consumação deste tipo de ilícito necessário se torna que a ação violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essas acções os possam impedir de concretizar a actividade por estes prosseguida…”;
Por outro, o comportamento adotado pelo arguido, no caso concreto, “não assumiu contornos de violência ou de ameaça grave que preencham o elemento objectivo deste tipo de crime… a atuação do arguido dada como provada… não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os atos funcionais acima concretizados, como não foi”.
Entende o recorrente que a factualidade dada como provada, contrariamente ao decidido, preenche os elementos objetivos do crime de coação e resistência imputado ao arguido, porquanto:
- Este crime é “um crime de perigo, de execução vinculada, em que o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, em que se pretende evitar que os cidadãos comuns coloquem entraves à livre execução das tarefas dos funcionários do Estado e em que do tipo objetivo fazem parte, quer o fim visado pela ação criminosa (opor-se ao exercício das funções da autoridade pública), quer o meio utilizado, que se terá de consubstanciar em violência ou ameaça desta, que se mostrem suficientes, atento o caso concreto, para perturbar a liberdade de ação do funcionário.

Relativamente à violência não tem a mesma de ser grave nem sequer tem de consistir em agressão física, bastando que exista uma simples hostilidade, idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades…” (acórdão da RE de 18.02.2014, Proc. 183/11.4PFSTB.E1, in www.dgsi.pt).
- “O ponto fulcral da análise deverá ser a conduta do agente (havendo que avaliar se, objectivamente, é ou não idónea a impedir o desempenho das funções dos agentes policiais, no sentido de perturbar a sua liberdade de ação no desempenho funcional), e não tanto nas capacidades específicas dos agentes visados…”;
- O arguido, “pretendendo evitar a detenção legitimamente ordenada, avançou na direção do militar da GNR… e empurrou-o na zona do peito para se afastasse, tendo-se debatido fisicamente durante a detenção, que apenas foi concretizada com a intervenção dos dois militares… provocou ferimentos ligeiros na mão do militar… e um rasgo nas calças… quis empregar violência física contra o mesmo com o propósito de os impedir de cumprirem as suas funções e concretizarem a detenção… a conduta do arguido não foi meramente defensiva, mas claramente ativa e direcionada a atingir fisicamente o corpo do militar da GNR que lhe deu voz de detenção, o que logrou, com a intenção de os impedir de efetivarem a detenção… não deixa de ser expressiva a circunstância de ter sido necessária a intervenção de dois militares ds GNR para conseguirem efetivar a detenção do arguido, o que, só por si, demonstra à saciedade que a conduta do arguido não só foi idónea como efectivamente concretizadora do impedimento, por um só dos militares, de concretizar sozinho a detenção…”.
Em abono desta posição invoca-se o acórdão desta Relação supra identificado (onde, em síntese, se concluiu que basta “que exista uma simples hostilidade idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades… o simples esbracejamento de alguém que se encontra algemado e que assim quer resistir à atuação dos agentes policiais, vindo até a provocar uma lesão no corpo de um deles… constitui uma ofensa sobre o corpo de quem o está a agarrar e, nessa medida, é um ato violento para efeitos da incriminação penal”), da RC de 8.05.2013, Proc. 509/10.8TAVNO.C1, e de 27.06.2007, Proc. 1177/05.$PBFIG.C1, ambos in www.dgsi.pt).
E esse tem sido também o nosso entendimento, que subscrevemos no acórdão proferido no Proc. 1124/04.0GDPTM, do 2.º Juízo Criminal de Portimão (que neste tribunal teve o n.º 16/07-1).
De facto, como aí escrevemos, por um lado, “estamos perante um crime de perigo – não de resultado ou de dano – pelo que o mesmo se consuma com a conduta do agente, independentemente do seu resultado”, por outro, “o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com a incriminação… é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de atuação do funcionário... posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles seus agentes…”, o que significa que o crime se terá como consumado desde que o agente, através da violência (ou ameaça grave) contra o agente de autoridade, se oponha à sua atuação, perturbando/dificultando o exercício legítimo das suas funções.
E no caso em apreço, de acordo com a matéria de facto dada como provada, o arguido - com vista a obstar à sua detenção/impedir que o agente de autoridade a levasse a cabo (em suma, “com o propósito de o impedir de cumprir as suas funções e de concretizar a sua detenção”) - “começou a gesticular na direção dos militares da GNR, empurrando com as mãos na zona do peito o militar Ricardo para que este se afastasse”, o que levou a que o referido militar tenha utilizado “a técnica de imobilização ao punho para se proceder à algemagem”, altura em que o arguido provocou um rasgo junto ao fecho das calças de fardamento do militar e lhe provocou ferimentos ligeiros nas mãos.
É verdade que o arguido não conseguiu impedir a sua detenção - o que não releva para a consumação do crime - mas tentou obstar à mesma, através de atos de violência contra o referido militar da GNR, atos que foram idóneos a perturbar/dificultar a sua detenção, como resulta da necessidade da sua imobilização e colocação de algemas (veja-se o dilema em que os agentes de autoridade se encontram, muitas vezes, face ao conflito de deveres entre o respeito pela integridade física dos cidadãos e o uso da força para levar a cabo as suas funções, designadamente, quando o agente se opõe ao seu cumprimento, opção que nem sempre é fácil e que muitas vezes culmina com a sua responsabilização).
Consequentemente, em face do que se deixa dito, não pode deixar de se concluir que a conduta do arguido, tal como ficou demonstrada, preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de resistência e coação sobre funcionário que lhe vinha imputado, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, crime pelo qual terá, pois, de ser condenado.
Procede, por isso, a 1.ª questão suscitada pelo recorrente, procedência que prejudica o conhecimento da 2.ª questão suscitada.
---
A pena a aplicar, neste tribunal, ex vi acórdão de fixação e jurisprudência do STJ de 21.01.2016, DR, I Série, de 22.02.2012.
O crime de resistência e coação é punível com pena de prisão de um a cinco anos (art.º 347 n.º 1 do CP).
A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, tutela dos bens jurídicos que se traduz, em suma, por um lado, na prevenção de comportamentos danosos e na tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal, por outro, na reintegração social do agente (art.ºs 40 n.º 1 e 71 n.º 1, ambos do CP).
Tal medida não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa, condição necessária da punição e limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas (art.º 40 do Código Penal); a medida da pena há-de ser determinada, pois, dentro dos limites definidos pela lei, e até ao máximo consentido pela culpa, pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, e tomando em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor ou contra o agente (art.º 71 n.º 2 do CP).
No caso em apreço:
Por um lado, são elevadas as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir - seja pela ausência de respeito que impera na nossa sociedade pela função das autoridades, seja pelo sentimento de impunidade de tais condutas - considerando-se reduzidas as exigências de prevenção especial, face à ausência de antecedentes criminais do arguido (que releva, se tivermos em conta que à data dos factos tinha 56 anos de idade) e ao facto de se tratar de cidadão socialmente inserido;
Por outro lado:
- é mediano o grau da ilicitude do facto, face à violência exercida e suas consequências, e elevado o grau da culpa do arguido, que agiu com dolo, direto, com o propósito de evitar a sua detenção, bem sabendo que a sua conduta era proibida;
- o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se socialmente inserido.
Ora, perante este quadro, entendemos que a pena de catorze meses de prisão - aliás, próxima do limite mínimo previsto para este tipo de crime - se revela adequada e suficiente a dar satisfação às exigências e prevenção, seja de prevenção geral, seja de prevenção especial, que no caso se fazem sentir.
Por outro lado, entendemos que a sua substituição por multa, tendo em conta, além do que se deixa dito, a postura assumida pelo arguido em julgamento - tal como resulta descrita na fundamentação da sentença recorrida - reveladora de que não interiorizou o desvalor da sua conduta, que minimiza, não se mostra, fazendo apelo aos critérios da razoabilidade, adequada a prevenir o cometimento de futuros crimes (art.º 43 n.º 1 do CP).
A suspensão da pena de prisão.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (art.º 50 n.º 1 do CP).
A suspensão da execução da pena de prisão apresenta-se, assim, como uma medida penal, de conteúdo reeducativo e pedagógico, que deve ser decretada caso se verifiquem os seus pressupostos, previstos no art.º 50 n.º 1 do CP e acima enunciados; trata-se de um poder conferido ao julgador, um poder vinculado, tendo em vista as finalidades da punição, ou seja, se o julgador concluir – em face da personalidade do agente, das suas condições de vida, da sua conduta anterior e posterior ao facto criminoso e das circunstâncias deste – que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade que com aquela se visam satisfazer (art.º 40 do CP), não pode deixar de decretar a suspensão.
Na base da suspensão da execução da pena de prisão não estão quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam de prevenção geral ou de reintegração, sejam as de prevenção especial ou socialização do agente.
No caso em apreço, atendendo, por um lado, à personalidade do arguido (que se reflete na motivação da sua conduta, ao saber que ia ser detido, e na postura que assumiu perante os factos, que desvaloriza) e às circunstâncias em que os fatos se passaram, por outro, à ausência de antecedentes criminais e à sua inserção social, entendemos que há razões para confiar, de acordo com os critérios da boa prudência, que a ameaça da pena de prisão será suficiente para dissuadir o arguido da prática, no futuro, de idênticos comportamentos, sem que com a suspensão se frustrem as expetativas comunitárias a que a punição visa dar satisfação.
Equivale isto a dizer que, perante tais circunstâncias - que nos levam a formular um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido - se justifica a suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida adequada (e suficiente) a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
E porque esta pena e a aplicada na 1.ª instância pela prática do crime de desobediência são de diferente natureza, não há que proceder ao cúmulo jurídico de ambas as penas, face ao disposto no art.º 77 n.º 3 do CP, donde se retira que o cúmulo a efetuar, nos termos dos n.ºs 1 e 2 desse preceito, respeita a penas da mesma natureza (vejam-se neste sentido os acórdãos da RP de 12.03.2014, Proc. 955/06.1TAFLG-A.P1, e de 27.04.2016, Proc. 949/13.0GCSTS.P1, ambos in www.dgsi.pt, e as referências doutrinárias e jurisprudenciais que aí se invocam para fundamentar essa posição).
---
8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogando a sentença recorrida (na parte em que absolveu o arguido), decidem:
- condenar o arguido - também - pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347 n.º 1 do CP, na pena de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
- manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 12/07/2016
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma