Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
838/16.7T8PTM-A.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RELEVÂNCIA DA VONTADE DO MENOR
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Apesar da vontade manifestada pelo menor dever ser sopesada na regulação das responsabilidades parentais, a mesma não deve ser determinante nessa decisão se se revelar ser apenas justificada pela ânsia de ter mais liberdade junto de um dos progenitores e se sobretudo não se mostrar firme e consistente.
2. Nem sempre o que se revela melhor para a defesa dos interesses do menor é coincidente com a sua vontade.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
I.RELATÓRIO
1. AA instaurou acção de alteração das responsabilidades parentais contra BB, ambos nos autos melhor identificados, para tanto alegando, muito em suma, que a filha de ambos, CC, nascida a .../.../2010, recusa residir com a progenitora, manifestando vontade de residir consigo, pelo que, considerando que tem condições económicas e habitacionais para a receber, requer ao tribunal uma solução que “não entre em choque com o sentimento da filha”.
Citada, a requerida apresentou alegações, pugnando pelo indeferimento da pretensão, não só por ser injustificada, mas também por inexistência de alterações supervenientes.
Realizou-se a conferência de pais e, não tendo sido possível chegar a acordo, foram as partes remetidas para audição técnica especializada (ATE).
Finda a ATE, não se logrou qualquer consenso entre os progenitores.
Notificados para alegar e arrolar prova, ambos alegaram e arrolaram prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e, subsequentemente, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 42º Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1905.º, 1906.º, 1912º, estes do Código Civil decido indeferir o pedido formulado pelo requerente, mantendo a residência da CC junto da mãe, alterando-se, todavia, o regime de visitas (cláusulas 1 e 2) nos seguintes termos:
1. A CC passa com o pai os fins-de-semana, alternados, de 15 em 15 dias, desde sexta-feira, final das actividades escolares até terça-feira, final das actividades escolares.
2. Às quartas-feiras (ou terças-feiras) nas semanas que não coincida com o fim-de-semana que está com o pai, este vai buscar a CC à escola, no final das actividades escolares, ou à casa da mãe, e janta com a filha, entregando-a em casa da mãe às 21h00 – o pai deve avisar com antecedência razoável qual dia vai buscar a filha (terça ou quarta)”.

2. Discordando do assim decidido na sentença, dela interpôs recurso o requerente, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
1. Pese embora ter sido fixado um regime mais alargado, certo é que a menor continua a residir com a progenitora, mantendo o foco da vida centrado na figura materna e com uma maior distância face à figura paterna;
2. Facto que a menor CC referiu não querer;
3. Conforme expressamente manifestou nas duas vezes em que foi ouvida, dizendo que era sua vontade em residir em igualdade de tempo com cada um dos progenitores;
4. Constituindo essa vontade uma alteração superveniente ao exercício das responsabilidades parentais;
5. O progenitor reúne as necessárias condições económicas e de habitabilidade para ter a menor CC, consigo;
6. Tudo tem feito para ser um pai presente e afetuoso com a menor;
7. A sua residência fica muito perto da escola que a menor frequenta, tendo até mesmo a possibilidade de assegurar o almoço da menor em tempo de escola;
8. A menor CC mantém uma relação saudável com o progenitor, existindo entre ambos uma cumplicidade e laços afetivos, que tenderão a fortalecer com um maior convívio através daquele que seria o regime de justo, de residência alternada;
9. Tendo sido isso mesmo que a menor manifestou, quando foi ouvida em tribunal – “é justo que passe o mesmo tempo com o pai e a mãe”;
10. Não existe, pois, nenhum fundamento para privar a CC de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe;
11. E não se diga que é porque o pai trabalha os fins de semana;
12. Pois que o tribunal ao ter decidido fixar o regime que fixou, não teve em conta esse facto;
a) Dado que fixou o regime – “os fins-de-semana, alternados, de 15 em 15 dias, desde sexta-feira, final das actividades escolares até terça-feira, final das actividades escolares”;
13. Quando o progenitor tem as suas folgas à segunda e terças-feiras;
14. Com o regime aplicado são poucas as hipóteses que tem para passar um fim de semana inteiro de dedicação à filha;
15. E tal não acontecia caso o progenitor ficasse com a menor de sexta a sexta, alternadamente;
16. Pois que termina o seu horário de trabalho às 18:00/19:00;
17. O relatório da técnica ATE revelou-se pouco criterioso, baseando-se na rápida acusação de factos sem ter em conta as soluções praticadas;
18. O Recorrente pretende a residência alternada e provou ter todas as condições para o fazer;
19. O n.º 6 do artigo 1906.º prevê que “quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”;
20. E ponderadas todas as circunstâncias relevantes, só admitindo a residência alternada ficam de facto assegurados esses interesses;
21. Razão pela qual é nosso entendimento que a sentença proferida encontra-se desprovida de razoabilidade, pelo que, o Tribunal “a quo” ao decidir diferentemente, quebrando um dos princípios fundamentais previsto no artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa;
22. A decisão da qual se recorre não vai ao encontro com aquilo que vem estabelecido no artigo 1906/7 do C.C., ferindo o superior interesse da menor e indo contra a sua vontade manifestada expressamente no tribunal;
23. A guarda partilhada coloca ambos os pais em posição de igualdade, permitindo que ambos partilhem a responsabilidade na educação e crescimento da menor;
24. Permitindo à CC, no seu superior interesse, conceber a existência de duas figuras essenciais ao seu desenvolvimento e fazê-la sentir que a sua vontade foi atendida e que a justiça que foi buscar ao Tribunal foi feita.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por douto acórdão que considere a ação procedente, determinando em consequência a residência da menor de sexta a sexta, de forma alternada.
Só assim se fazendo JUSTIÇA!”.

3. Contra-alegou o Ministério Público defendendo a manutenção do decidido.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões do apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à questão de saber se se revela a necessidade de proceder à alteração do regime das responsabilidades parentais da menor CC de modo a que esta passe a residir alternadamente com o pai e com a mãe.

II. FUNDAMENTAÇÃO

5. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença e que não mereceu dissensão do apelante:
Discutida a causa, e com interesse para sua decisão, resultou provado que:
1. Requerente e requerida foram casados entre si, vindo a divorciar-se na data de .../.../2015, tendo o processo de divórcio corrido termos na Conservatória do Registo Civil ....
2. No decurso do casamento nasceu, no dia .../.../2010, a criança CC, filha do requerente e requerida.
3. Na sequência de acordo, homologado por decisão da CRC ..., foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, no âmbito do aludido processo de divórcio, nos termos do qual a CC ficou a menor a residir com a mãe, cabendo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos correntes da sua vida, sendo as questões de particular importância exercidas por ambos os progenitores.
4. Mais ficou estipulado que o pai podia passar os seus dias de folga com a menor, devendo para o efeito, avisar a progenitora das datas de gozo destas com 8 dias de antecedência.
5. Ficou ainda fixado que, caso as folgas e períodos de descanso coincidissem com os dias úteis da semana o pai iria buscar a menor ao infantário ou estabelecimento de ensino e, se coincidissem com o fim de semana, o pai iria buscar a menor a casa da mãe, combinando com esta a sua forma de efetivação.
6. Ficando ainda previsto que durante as férias escolares de verão a CC passava 15 dias com o pai e no Natal e Páscoa passava com o pai um período a combinar entre os progenitores, embora se alternasse o natal e a passagem de ano.
7. Ficou, ainda, prevista possibilidade de a menor tomar uma refeição no seu aniversário com cada progenitor e, nos aniversários destes, passava o dia com o aniversariante.
8. A título de alimentos ficou prevista a prestação de 160,00 € mensais, bem assim, metade das despesas escolares, extra-curriculares, desportivas médicas e medicamentosas.
9. Entretanto, o progenitor na data de 10.04.2016 instaurou acção de alteração das responsabilidades parentais – autos principais - pedindo mais tempo para estar com a filha, tendo sido acordado, e homologado por sentença, na conferência de pais que teve lugar na data de 15.06.2016, o seguinte regime:
a. A menor passa com o pai os fins-de-semana alternados, de 15 em 15 dias, indo aquele buscá-la à escola na sexta-feira, no final das actividades e entrega a menor à mãe no Domingo pelas 20h00 horas;
b. Às quartas-feiras o pai vai buscar a menor à escola, no final das actividades escolares, ou à casa da mãe, avisando esta com antecedência, e janta com a menor e entrega-a à mãe pelas 21:00 horas;
c. A menor passará as férias escolares do Natal/Ano Novo e Páscoa, em semanas alternadas, com cada um dos progenitores, alternando entre ambos os dias 24 e 25 de Dezembro e 31 deDezembro e 1 de Janeiro e o Domingo de Páscoa, de forma a que seja passado alternadamente ora com o pai, ora com a mãe as épocas festivas;
d. A menor passará metade das férias escolares do verão com o progenitor, em período a combinar com antecedência razoável com a progenitora;
e. Mantendo no restante o regime fixado e dando por sanadas todas as questões suscitadas até à data.
10. Nos presentes autos de alteração das responsabilidades parentais, teve lugar a conferência de pais na data de 16.12.2020, na qual a CC prestou declarações e disse ao tribunal que:
- gosta de estar com a irmã mais nova, brincam as duas; nos tempos livres faz os trabalhos de casa e brinca com a irmã no telemóvel; tem natação; vai à praia com a mãe, quando está com o pai brinca no telemóvel, vai ao campo, ou a casa da tia e brinca com a DD; costuma estar com o pai aos fins-de-semana e às quartas-feiras, pedindo ao pai para ficar mais tempo com ele, gosta de estar com o pai, ele é divertido; o pai diz para ir para a cama, mas ela quer ficar mais tempo acordada
11. Pelo pai foi dito que “Tem disponibilidade horária e que pretende a residência alternada. É motorista. A companheira trabalha no ..., mas os dois não moram juntos. Ela tem uma filha, a DD, que costuma estar com a sua filha”.
12. Pela progenitora da criança foi dito que “não aceita a residência alternada, a filha está bem assim. É empregada bancária, tal como o seu companheiro. Têm uma filha desta relação, a EE.”
13. Não tendo os progenitores chegado a acordo foram remetidos para audição técnica especializada.
14. No decurso da ATE, os progenitores assumiram uma atitude de respeito e capacidade de descentralização do conflito parental, o que possibilitou trabalhar num ambiente de pouca tensão.
15. Os progenitores demonstraram disponibilidade para um regime de convívios mais alargado da CC com o pai, pelo facto de a criança ter demonstrado vontade em estar mais tempo com o pai, tendo dito à técnica que “tenho uma amiga da escola que vive o mesmo tempo com cada um dos pais e eu acho que isso é muito bom, a minha amiga gosta muito” (sic).
16. Os convívios foram definidos, mantendo a alternância quinzenal, possibilitando ao pai não só passar com a CC os finais de semana, mas ficando também com esta na segunda e terça-feira, sendo a entrega na terça depois do jantar (cerca das 21h) e mantendo um dia a meio da semana para jantar com a CC.
17. Este foi o regime praticado até ao final do ano letivo, uma vez que aquando do início das ferias escolares a residência passou a ser alternada de forma semanal, à exceção de um período de férias de 15 dias com cada um dos pais na altura das férias destes.
18. Após estes meses o pai não conseguiu conciliar o seu horário de trabalho com as rotinas da CC, ficando esta maioritariamente a cargo da avó paterna, pois o pai além do percurso da sua carreira, acumulou ainda o transporte de uma equipa de futebol, a jogar no campeonato nacional (“...”, então na 1ª divisão), o que implicou deslocações aos finais de semana, com algumas dormidas fora de casa e ainda a realização de excursões.
19. Em entrevista à CC, esta referiu várias vezes que em casa da mãe tinha apoio para fazer os trabalhos da escola, mas que em casa do pai tinha muitas vezes de recorrer à mãe, via telemóvel.
20. A CC, em casa do pai, ficava nas redes sociais até mais tarde, mesmo após a hora de se deitar.
21. No final das férias escolares a CC referiu à técnica que pretendia manter a residência junto da mãe e o sistema anterior de convívios, uma vez que o pai raramente estava presente, ausentando-se mesmo nos dias em que supostamente seriam as suas folgas e que era com a avó paterna que passava a maior parte dos dias em que estava a cargo do pai.
22. Enquanto fica aos cuidados do pai, as rotinas e gestão da vida da CC ficam a cargo do pai e da avó paterna.
23. Em casa do pai é este que trata da lide doméstica, nomeadamente, lava a roupa, limpa a casa, aspira e cozinha.
24. O pai vive sozinho, embora a maior parte do tempo a sua mãe esteja em sua casa, onde toma as refeições, vê televisão e ajuda na confecção de algumas refeições.
25. O pai em se de ATE manteve-se inflexível na sua pretensão de que a CC resida alternadamente consigo e com a mãe, tendo esta proposto o seguinte regime de visitas / convívios:
- O pai poderá estar com a CC, nos seus 2 dias de folga numa regularidade semanal, devendo para o efeito ir buscar a CC a casa da mãe no dia anterior ao da sua folga (atualmente terça e quarta-feira) pelas 19h e entregá-la no mesmo local pelas 21h; caso o pai altere as folgas deverá comunicar à mãe com pelo menos 24h de antecedência;
- Para efeito de marcação dos dias de férias dos pais com a CC e por forma a que não exista sobreposição de períodos, deverão os pais apresentar até ao dia 31 de março o período em que pretendem usufruir os 15 dias seguidos com a CC.
26. Os pais revelam capacidade de reconhecer a importância e papel parental que cada um deles tem na vida da CC e a criança tem uma adequada ligação de afetividade a ambos.
27. O requerente é motorista de profissão (transportes EVA), fazendo o trajecto ... e vice-versa, com horário das 07h00 às 19h00/19h30.
28. Tem interrupção entre as 07h50 e as 10h30 retomando às 10h30 até às 14h00, com pausa para almoço das 14h00 até às 16h30.
29. Faz serviços ocasionais (excursões) que podem coincidir com os fins-de-semana ou folgas.
30. Enquanto o clube de futebol “...” permaneceu na 1ª divisão da liga de clubes, efetuou o transporte da equipa futebol aos fins-de-semana.
31. Tem folgas, dois dias seguidos por semana.
32. Aufere o salário mensal de 1.500,00 €.
33. Vive sozinho, em ..., embora a sua namorada permaneça consigo aos fins-de-semana, acompanhada da filha, DD, de 14 anos de idade.
34. Quando a CC permanece junto de si vão passear, vão à praia ou ao campo, ou vai para um parque perto de sua casa.
35. A sua residência dista a cerca de 600 metros da escola que a CC frequenta.
36. O requerente caso necessite tem o apoio de sua mãe na gestão das rotinas da CC, como sucede nos dias em que não a vai buscar à escola, indo a avó paterna que fica a tomar conta da CC até aquele chegara a casa.
37. O requerente ofereceu um telemóvel à CC e esta, à revelia da mãe, descarregou a aplicação “Tik-Tok” disponível na rede social.
38. A CC frequentou a pré-primária no ... e ingressou no 1º ciclo no Agrupamento de Escolas ..., também no ....
39. Tem sido uma aluna com média de “Muito bom” e “bom”, fazendo parte desde o ano lectivo de 2016/2017 do “quadro de Excelência” da Escola.
40. Desde que os progenitores se separaram, a CC viveu sempre aos cuidados da mãe, e com esta residente.
41. Do agregado familiar faz ainda parte o companheiro da requerida, FF, cujo relacionamento dura há seis anos, e uma filha do casal, EE, com 4 anos de idade.
42. A requerida é bancária, tal como o seu companheiro, com horário das 0h30 às 16h00.
43. É a requerida que faz o acompanhamento escolar da CC, supervisionando e corrigindo os trabalhos de casa.
44. Quando a CC chega de casa do pai os trabalhos de casa nem sempre vêm feitos.
45. Em casa da requerida existem limitações para o uso do telemóvel, sendo a sua utilização controlada pela requerida, acedendo aos registos de actividade, tendo sido detectado uso na rede social WhatsApp até à 01h00 e 03h00 da manhã quando está aos cuidados do pai;
46. Em casa da mãe a CC tem actividades em família, com visitas a parques, andam de bicicleta.
47. A CC frequenta a Escola EB 2/3 ..., em ..., no 6º ano na turma E, não tendo qualquer retenção no seu percurso Escolar.
48. É uma aluna assídua e pontual, sendo que as faltas que apresenta encontram-se todas justificadas (motivo foi o isolamento profiláctico).
49. Desloca-se para a escola em transporte próprio trazida pela Encarregada de Educação, a mãe e, à hora de sair por regra é a avó materna que a vai buscar, ficando em casa desta até à hora em que a requerida a vai recolher.
50. A mãe é uma pessoa bastante presente e preocupada, tendo comparecido sempre em reuniões de pais e/ou de conselho de turma, na sua qualidade de representante de Encarregados de Educação, e sempre que convocada no horário de atendimento para tratar de todos os assuntos relativos à aluna.
51. O pai da CC nunca compareceu na escola nem nunca contactou o director de turma.
52. A CC apresenta um comportamento adequado à sua faixa etária, tanto dentro e fora da sala de aula, quer com docentes, quer com funcionários, quer com os pares.
53. É uma menina educada e respeitadora das indicações dos adultos.
54. De igual modo, interage com facilidade com os colegas e está muito bem integrada no seio da turma, tendo sido eleita subdelegada de turma.
55. Até ao momento não se denotaram quaisquer sinais de perturbação emocional.
56. É bastante interventiva em sala de aula e brinca alegremente com os seus colegas durante os intervalos e horas de almoço.
57. No espaço escolar, não se evidenciam sinais de problemas familiares com nenhum dos progenitores e fala de um e de outro sem qualquer hesitação e/ou receio.
58. A CC apresenta-se sempre bem cuidada, independentemente da altura da semana, tanto na sua higiene, como no seu vestuário, o qual está adequado à sua faixa etária, sexo e estação do ano.
59. É bastante interessada e empenhada na realização das tarefas, quer em sala de aula, quer no seu trabalho autónomo, nomeadamente o estudo e a realização dos trabalhos que lhe são pedidos, de casa ou outros, demonstrando acompanhamento escolar em casa. Este interesse e empenho traduz-se em bons resultados escolares, tendo uma média de 4 numa escala de 1 a 5.
60. A CC nutre sentimentos de carinho e amor pelos progenitores, o que é recíproco, sendo ambos os progenitores preocupados com o bem-estar da filha.
61. A CC é uma criança feliz, bem-disposta, relacionando-se com facilidade com outras crianças e está bem integrada em meio escolar.
62. A CC manifestou vontade de ficar uma semana com o pai e outra com a mãe, por ser “mais justo”, dando conta que “é mais livre” com o pai, pois deixa-a sair com amigos, vai para o parque e priva com a DD, filha da madrasta, com quem se dá muito bem.
63. Não são conhecidos antecedentes criminais aos progenitores.
B) Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão da causa, apenas não se provou das alegações do requerente que:
- a CC é uma criança inquieta e agitada, cheia de medos, insegura de si e do amor dos outros, triste e deprimida,
- a mãe por si só não tem disponibilidade e condições de vida necessárias para proporcionar à CC uma saudável ocupação dos seus tempos livres,
- a CC tem medo do companheiro da requerida;
- o companheiro da requerida tem dificultado as visitas da CC ao pai;
- a CC não se sente confortável dentro da própria casa, fechando-se na casa de banho sempre que que o companheiro da mãe ameaça fazer mal ao requerente;
- a CC passa mais tempo em casa dos avós maternos do que com a mãe, que ainda assim, é o que a CC prefere;
- a CC está a passar por momentos de grande instabilidade psíquica;
O Tribunal não se pronuncia sobre a demais factualidade alegada pelo requerente e requerida por a mesma ser conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.



6. Do mérito do recurso

Entende o recorrente que a vontade da menor CC em residir alternadamente com os pais deve ser atendida, pugnando pela alteração do regime das responsabilidades parentais no sentido de ser fixada a guarda partilhada.

Vejamos.

Desde já se diga que lendo a petição inicial, esse é precisamente o único fundamento para alterar o que entre os pais da CC havia sido acordado na conferência que teve lugar no dia 15.6.2016.

Dispõe o nº1 do art.º 42.º do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime” que: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.

Sendo as responsabilidades parentais, após o divórcio, das questões que mais impacto têm no bem-estar das famílias e das crianças, compreende-se que a modificação do regime instituído só deva ter lugar em situações muito pontuais que são, como refere, a lei, o incumprimento do vigente e a alteração das circunstâncias.

Ainda assim não será todo e qualquer incumprimento que justificará a alteração, como não serão quaisquer circunstâncias supervenientes que a exigirão.

Quer uma, quer outra destas situações terão de ser suficientemente ponderosas para fundamentarem uma alteração, sobretudo no que concerne a matérias com grande reflexo na vida da criança, como é o caso da sua residência.

É que não nos podemos olvidar que a alteração do regime visa, em qualquer circunstância, proteger a criança e não favorecer ou penalizar um dos seus progenitores.

Por conseguinte, a questão que se coloca é se a vontade manifestada pela CC deve ser determinante no quadro fáctico apurado para a ambicionada alteração do apelante.

Não se desconhece a importância que a opinião manifestada pela criança deve merecer na decisão a tomar.
Com efeito, o artigo 4° do RGPTC prevê como um dos critérios orientadores dos processos tutelares cíveis a audição da criança, dispondo a alínea c) do n° 1 que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. ” Para além disso, dispõe o artigo 5°, no n° 1, que “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse” e, no n° 6, que “Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. ”

Porém, percorrendo a matéria de facto, detectamos, à semelhança do Tribunal “ a quo”, que a vontade manifestada pela CC se prende com o facto de junto do pai ter mais liberdade (conquanto seja manifesto que nutre por ele um sentimento de carinho e amor, como salientado na sentença).
Senão vejamos:
- Na conferência de pais que teve lugar no dia 16.12.2020 a CC prestou declarações e disse ao tribunal que: “gosta de estar com a irmã mais nova, brincam as duas; nos tempos livres faz os trabalhos de casa e brinca com a irmã no telemóvel; tem natação; vai à praia com a mãe, quando está com o pai brinca no telemóvel, vai ao campo, ou a casa da tia e brinca com a DD; costuma estar com o pai aos fins-de-semana e às quartas-feiras, pedindo ao pai para ficar mais tempo com ele, gosta de estar com o pai, ele é divertido; o pai diz para ir para a cama, mas ela quer ficar mais tempo acordada” ( ponto 10);
- A CC à técnica que “tenho uma amiga da escola que vive o mesmo tempo com cada um dos pais e eu acho que isso é muito bom, a minha amiga gosta muito” ( cfr. ponto 15)
- A CC manifestou vontade de ficar uma semana com o pai e outra com a mãe, por ser “mais justo”, dando conta que “é mais livre” com o pai, pois deixa-a sair com amigos, vai para o parque e priva com a DD, filha da madrasta, com quem se dá muito bem (cfr. ponto 62).

Porém, como bem se salienta também na sentença, “uma coisa é a vontade da CC e do pai, outra, bem diferente, é aquilo que é o melhor para a CC (e que pode não ser, necessariamente, aquilo que a CC quer)”.

Mas para além disso parece que a vontade da CC nem sempre é a mesma : após ter experienciado o regime de “semanas alternadas” junto do pai e junto da mãe, e acabou por expressar, logo após tal regime, que antes pretendia manter o regime vigente e, a tal não terá sido alheio o facto de que, na semana que cabia ao pai, ficou maioritariamente aos cuidados da avó paterna, que não a ajudou nos trabalhos de casa, o que levou a que tivesse que ligar para a mãe a pedir ajuda ( cfr. pontos 21 e 19).

Ademais o acompanhamento que cada um dos pais pode propiciar à CC durante a semana é muito díspar: o pai é motorista de profissão (transportes EVA), fazendo o trajecto ... e vice-versa, com horário das 07h00 às 19h00/19h30 (cfr. ponto 27) e a mãe é bancária, com horário das 8h30[1] às 16h00.

E ter-se-á de ponderar igualmente que a CC vai entrar numa idade crítica – adolescência - em que, como bem se salienta na sentença, se busca “identidade” e independência, num caminho que, muitas das vezes, se faz através de comportamentos exploratórios e de experimentação, o que denuncia a necessidade de, nesse período, ainda ser alvo de supervisão parental, sem embargo de se poder dar uma responsabilidade crescente a partir dos catorze anos.

Acompanhamos, pois, o sensatamente aí afirmado de “que será menos provável que os adolescentes que se sentem apoiados por seus pais, orientados e com regras e limites definidos se envolvam menos em comportamentos de risco, bem como aqueles cujos pais transmitem expectativas claras sobre o que esperam do comportamento deles e determinam limites consistentes e vigilância activa”.

Revelador dos frutos que uma vertente desse acompanhamento por parte da mãe tem proporcionado (ponto 43) é o facto de a CC fazer parte desde o ano lectivo de 2016/2017 do quadro de “Excelência” da Escola (cfr. ponto 39).

Em suma: Cremos que não há fundamento suficientemente consistente para alterar o regime das responsabilidades parentais vigente no que concerne à residência da menor CC.

De igual sorte cremos que não merece a menor censura a decisão atinente ao incremento do regime de visitas ao pai que assisadamente a sentença também determinou.

Recuperando a fundamentação aí expressa que acolhemos, dir-se-á que para além dos fins de semana fixados, os pais “podem acordar noutros dias para que a CC esteja com o pai, basta, para tanto, dialogarem um com o outro e combinar quais podem ser esses períodos de convívio” (…). Nas semanas que não coincidam com o fim de semana que passa com o pai, a CC pode estar com ele numa das suas folgas. Desta forma, irá permitir-se o estreitamento dos laços afectivos, bem assim, permitir uma avaliação e acompanhamento do regime, desde logo, apreciar a consolidação e consistência no acompanhamento que o pai faz à CC, a gestão e organização das suas rotinas em função da permanência de filha junto de si, a evolução do seu crescimento e cuidados prestados, acompanhamento escolar e capacidade de supervisionar as rotinas e actividades da CC.”.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
Évora, 15 de Dezembro de 2022
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Por lapso consignou-se na sentença 0h30m.