Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
921/08.2TBTMR-C.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DECISÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
Não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

O Apelante AA vem, nos presentes autos de procedimento cautelar comum instaurados no tribunal judicial contra a Apelada “BB Lda”,– onde lhe foi indeferida liminarmente a sua pretensão de ver imediatamente cessada a penhora incidente sobre a sua pensão de reforma, por douto despacho proferido em 31 de Agosto de 2016 (ora a fls. 6 a 8 dos autos) – com o fundamento que aí é aduzido de que “analisados os autos, não se encontram alegados e indiciariamente provados factos que consubstanciem a existência de qualquer direito do requerente que esteja a ser ameaçado, bem como dos quais resulte que do comportamento do requerido poderá vir a resultar, para o requerente, lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, nem é o procedimento cautelar “o meio próprio para obter a decisão de eventual cessação da penhora, questão que terá de ser proferida no processo principal”, vem, dizíamos, recorrer desse douto despacho e intentando a sua revogação e que a providência venha, ainda, a ser recebida e decretada, alegando, para tanto e em síntese, que ao contrário do decidido, não é líquido que não haja, na petição apresentada, a indicação dos factos necessários e suficientes para se alcançar o efeito pretendido com a providência (“o que nos leva a concluir que a decisão foi proferida sem ter sido sequer feita uma leitura atenta do requerimento inicial nesta providência e, portanto, abordando apenas aspectos de ordem formal/processual, que, no seu entendimento, se encontram devidamente preenchidos, tendo em conta os factos por si alegados”, aduz). E a forma utilizada é a correcta, pelo que “reunidos os requisitos cumulativos para o decretamento desta providência cautelar, deve dar-se provimento a este recurso, por se tratar do meio processual adequado a evitar a lesão grave e dificilmente reparável a direitos fundamentais invocados, constitucionalmente consagrados”, conclui.
Não há (nem tinha que haver) resposta.
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Atendem-se aos seguintes factos e datas:

1) A 29 de Agosto de 2016 intentou o Requerente, ora Apelante, António José Ferreira, estes autos de procedimento cautelar comum, no Tribunal Judicial da comarca do Entroncamento – através dos quais peticionava, sem a audiência prévia da Requerida, “BB Lda”, ser ordenada “A imediata cessação da penhora sobre a pensão de reforma do requerente” (…) “ou, em alternativa, ordenar-se o levantamento desta penhora sobre a pensão de reforma do requerente com os fundamentos expostos” (vide o respectivo teor completo, a fls. 1 verso a 4, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, sendo que a data de entrada está aposta a fls. 4 verso dos autos).
2) A 31 de Agosto de 2016, por douto despacho proferido nos autos, foi-lhe porém a providência cautelar indeferida liminarmente, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 6 a 8 dos autos, e cujo teor aqui igualmente se dá por reproduzido na íntegra.
3) Em 07 de Setembro de 2016 foi apresentado recurso dessa decisão, ora constituindo o douto articulado de fls. 11 a 17 dos autos, que aqui também se dá por integralmente reproduzido (a data de entrada consta de fls. 18 dos autos).
4) Em 09 de Setembro de 2016 foi o recurso admitido através da prolação do douto despacho que agora constitui fls. 22 dos autos e cujo teor é aqui ainda dado por reproduzido na íntegra.
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo decidiu bem indeferir, in limine, a providência cautelar comum que lhe foi apresentada pelo ora apelante, que, com ela, intentava ver cessada ou levantada a penhora que incide sobre a sua pensão de reforma, no âmbito de um processo executivo que corre contra si, ou se os autos devem prosseguir os seus normais termos até final. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas cremos bem, salva sempre melhor opinião que a nossa, que o douto despacho impugnado, apesar de não ter enquadrado devidamente a questão – na parte em que considerou a petição destituída de factos suficientes para alicerçar o pedido nela formulado –, acaba por indeferir bem a providência cautelar – no seu segmento em que a considera, afinal, um meio não adequado a colocar em causa uma penhora judicialmente determinada num processo executivo –, razão pela qual haverá agora que mantê-lo na ordem jurídica, embora tudo apontando para que a dita petição inicial disponha realmente da matéria de facto necessária a uma sua posterior apreciação de fundo, caso fosse possível deixá-la prosseguir (em termos cautelares, naturalmente, que era essa a sua única finalidade).

Com efeito, o douto Tribunal a quo concluiu: “analisados os autos, não se encontram alegados e indiciariamente provados factos que consubstanciem a existência de qualquer direito do requerente que esteja a ser ameaçado, bem como dos quais resulte que do comportamento do requerido poderá vir a resultar para o requerente, lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, nem sendo este procedimento cautelar “o meio próprio para obter a decisão de eventual cessação da penhora, questão que terá de ser proferida no processo principal” (vide a parte final do douto despacho impugnado, a fls. 8 dos autos, embora pouco mais se tenha aí acrescentado sobre o tema, maxime para melhor explicitar como se chegou, e porque se chegou, a uma tal conclusão).

Cremos, porém, que não se poderá assim afirmar, sem mais, que o douto requerimento inicial da providência cautelar não contenha em si – de modo até exaustivo – a invocação da factualidade necessária a alcançar os objectivos que se propunha, que o mesmo é dizer que haja nele total ausência de factos para vir a enquadrar e fundamentar o pedido formulado.
Pois é da ‘história’ pormenorizada que se conta ao longo do articulado – sobre os contornos da situação que o aflige (na visão, claro está, do Requerente) e que, com a providência, pretende atalhar o mais depressa possível, antes que fique sem meios de subsistência – que resulta a invocação dos pressupostos de facto da providência que requer (invocação, que não ainda a respectiva prova).
E é assim que se elencam as vicissitudes do processo executivo (onde foi ordenada a penhora da sua pensão de reforma e os pagamentos aí já feitos, que, a seu ver, serão suficientes para dar por encerrada a execução), as despesas que tem mensalmente, e a sua esposa, o que ganham e o que lhes sobra, bem como a alegação sobre “os consecutivos requerimentos apresentados pelo requerente no sentido de fazer cessar a penhora da sua pensão de reforma”, o que não logrou ainda conseguir pelas razões que também aduz (“e que, neste momento, ao estar penhorado, põe em sério risco a sua sobrevivência, tanto que no mês de Março já não conseguiu pagar o seguro do carro com que se desloca semanalmente a Faro para realizar exames médicos ao coração, bem como está iminente o corte do telefone por falta de pagamento”).

Pelo que, tendo ele, no seu douto articulado inicial, explicado/justificado a sua posição – com os contornos supra descritos –, importaria dar seguimento à providência e avaliar se haveria, ou não, fundamento para vir ainda a decretá-la.

O problema coloca-se mais pertinentemente, porém, na circunstância de se pretenderem atacar, agora, com esta providência cautelar, os efeitos jurídicos de uma decisão que foi tomada num processo de natureza jurisdicional, rectius, o alegado erro na forma de processo, vindo mesmo a concluir o douto despacho recorrido que este procedimento cautelar nem será “o meio próprio para obter a decisão de eventual cessação da penhora, questão que terá de ser proferida no processo principal” – considerando-se, assim, basicamente inadequado o meio utilizado para os fins tidos em vista com os pedidos aí formulados, por entender os meios ao dispor das partes na própria execução de que estes emanam como os suficientes para dirimir/acautelar a situação, e sendo o processo cautelar aqui utilizado à revelia da sua natural e própria função na economia do sistema.

O requerente o que quer é ainda alterar, por este meio expedito, a decisão que ordenou a penhora da sua reforma naqueloutro processo de execução, dessa maneira intentando, ao arrepio dos trâmites da execução, atalhar caminho e vir a alcançar fora dela o objectivo que nela, pelos vistos, ainda não conseguiu: já que, a ser verdade o que o mesmo alega, o que é preciso é que não continuem os descontos que possam ser já ilegais e estarão a fazer perigar a sua subsistência e da sua esposa [note-se que não dizemos que não compreendemos a posição do requerente e a sua actuação e que a censuramos; nada disso, já que é o mesmo confrontado, a ser verdade o que diz, com uma situação ilegal, acabando por ter que fazer descontos que já não deve; e, por isso, que se entende a sua atitude, ao lançar mão de todos os meios processuais para atalhar à situação criada e obviar à continuação dos descontos sobre tão parca reforma; nada disso está em causa; o que está em causa é que não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais nos processos, pois que, doutro modo, não deixaria de subverter-se todo o sistema processual].

Como tal, haverá que aguardar e seguir os trâmites estabelecidos para a execução, maxime a decisão sobre o levantamento/extinção da penhora – e não vir torneá-los com a introdução em Juízo de uma providência cautelar como a presente, com os contornos que apresenta.

Pelo que terá o recurso que improceder.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 6 de Outubro de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral