Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | CONFIRMAÇÃO DO NEGÓCIO EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEPÇÃO ANULABILIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. A confirmação do negócio jurídico – como de resto os demais casos em que o acto ferido de certos vícios se convalida – insere-se num conjunto de meios jurídicos que visam em geral limitar as consequências da invalidade. II. Configura-se como uma excepção peremptória de direito material que funciona, portanto, como uma condição negativa aposta à condenação e que conduz à absolvição total ou parcial do pedido. (cfr. art. 571.º, n.º 2 do CPC). III. Não tendo sido invocada pelo R. estava vedado ao Tribunal a invocação (oficiosa) de tal impedimento à procedência da pretensão dos autores. IV. Não configura confirmação do negócio jurídico anulável, a circunstância de o interveniente nesse negócio anulável - cabeça de casal no inventário - ter aí relacionado um crédito (o preço da venda não pago). V. Até à anulação do negócio em sede própria, ele produz efeitos pelo que o cabeça de casal não poderia deixar de ter relacionado no inventário o preço que não tinha sido pago pelo comprador, seu filho. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | I.RELATÓRIO 1. AA e BB propuseram contra os Réus CC e DD, “chamando à acção para litigar ao lado dos autores” EE, a presente acção declarativa constitutiva, com processo comum, pedindo[1] que, na procedência da acção: a) seja declarada anulada a venda das cabeças de gado referidas em 8º e 9º; b) seja o réu DD condenado a devolver ao acervo hereditário da falecida FF as vinte e uma cabeças de gado; c) seja o réu DD condenado a devolver ao acervo hereditário da falecida FF as cabeças de gado nascidas das vinte e uma cabeças de gado objecto da venda impugnada desde o ano 2017 até à devolução das ditas cabeças de gado a liquidar em execução de sentença; d) seja o réu DD condenado no pagamento de uma quantia pecuniária a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega das cabeças de gado. Alegaram, para tanto, e em síntese que: - AA., RR. e chamado aceitaram a herança aberta por óbito de FF, mas não procederam, até à presente data, à partilha dos bens que compõem a herança; - O R. CC e a falecida FF eram, entre si, casados no regime da comunhão geral de bens; - O R. CC e a falecida FF eram donos de uma exploração agrícola e pecuária, registado junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária com a marca VK79E; - Tal exploração pecuária era e, é ao dia de hoje, constituída por uma manada de vacas reprodutoras, que mantém, aproximadamente, um efectivo de noventa vacas reprodutoras; - No ano de 2017 o réu CC alienou com carácter definitivo, a favor do réu DD, vinte e uma cabeças de gado pertencentes à manada acima referida; - O R. DD fez suas as referidas cabeças de gado e, como contrapartida da aquisição, comprometeu-se a satisfazer junto do réu CC a quantia de € 1.413,00€, nunca tendo pago essa quantia; - A alienação foi feita sem conhecimento e consentimento da falecida FF; - Os RR. CC e DD ocultaram perante a falecida FF e perante os autores e chamado a referida alienação das vinte e uma cabeças de gado; - O R. DD intentou no ano de 2020 inventário judicial, com vista à partilha e divisão dos bens deixados pela falecida FF – autos nº. 545/20.6T8ELV – Juiz 2, que corre termos, sendo cabeça de casal o R. CC; - Nessa qualidade, em maio de 2021, o réu CC acabou por relatar a alienação das cabeças de gado a favor do R. DD, tendo incluído o preço de tais cabeças de gado como uma dívida do R. DD a favor da herança; - Nessa data os autores tiveram conhecimento da alienação; - O R. DD levantou da exploração agrícola familiar as referidas cabeças de gado, encontrando-se estas, nesta data, à sua guarda; - Tais cabeças de gado tinham, à data da alienação, um valor de € 1.000,00 por cabeça, num total, portanto, de € 21.000,00; - Sendo o R. DD filho do R. CC e, sendo os autores e chamado filhos e irmãos germanos do R. DD, a venda é anulável; - A venda de vinte e uma cabeças de gado num universo de cerca de noventa cabeças de gado, provoca uma redução tal no efectivo, que transcende um mero acto de administração, transformando-se num verdadeiro ato de disposição; - O R. CC, casado na comunhão geral, podia vender bens móveis que administrava – os frutos. Pela negativa, não podia vender bens móveis quando tal venda signifique, não um acto de administração, mas um acto de disposição. Sustenta-se, assim, juridicamente a pretensão na invocação de que estava vedado ao alienante a prática de tal acto de disposição patrimonial de bens comuns do casal. Os RR., citados, não apresentaram contestação tendo, por despacho de 01-02-2023, nos termos do art. 567.º, n.º 1 do CPC, sido considerados confessados os factos articulados pelos autores na petição inicial, supra expostos. Foi, subsequentemente, proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e que absolveu os Réus do pedido. 2. É desta sentença que os Autores recorrem, formulando na sua apelação as seguintes conclusões: 1- O Tribunal a quo julgou mal a matéria da facto que deu como provada. 2- Deveria haver dado como provado que os autores, os réus e o chamado aceitaram a herança aberta por óbito de FF. 3- Também a matéria constante nos pontos 4. e 5. da matéria da facto provada foi mal julgada. 4- Nestes pontos refere o Tribunal a quo que tal exploração era e é constituída por uma manada de vacas reprodutoras que mantém, aproximadamente um efetivo de noventa cabeças de gado reprodutoras. No ano de 2017, o réu CC alienou com carácter definitivo, a favor do réu DD, vinte e uma cabeças de gado pertencentes á manada referida, o qual se apossou das mesmas. 5- Quis, assim, o Tribunal permitir-se concluir, como fez, que não está provado que as cabeças de gado vendidas fossem todas elas reprodutoras e, que, portanto, a sua venda afete a capacidade reprodutora e o valor da manada. 6- A matéria de facto corretamente julgada neste ponto, deverá ser aquela que foi alegada na p.i. e, não contestada pelos réus, a seguinte: 7- Tal exploração pecuária era e, é ao dia de hoje, constituída por uma manada de vacas reprodutoras, que mantém, aproximadamente, um efetivo de noventa vacas reprodutoras. 8- A essas vacas reprodutoras acrescem as crias que vão nascendo, filhas de tais vacas reprodutoras. 9- No ano de 2017 o réu CC alienou com carácter definitivo, a favor do réu DD, vinte e uma vacas reprodutoras, pertencentes à manada referida aqui no ponto 5. 10- Corrigida esta parte da matéria de facto, encontra-se provado nos autos que: 11- Os autores, o chamado e o réu DD são filhos germanos do réu CC e da mulher deste, FF, falecida no dia …/…/2018. 12- Por escritura publica outorgada no dia …/…/2018, perante o Notário …, com cartório em Elvas, os autores, os réus e o chamado, foram habilitados como herdeiros de FF. 13- Autores, réus e chamado aceitaram a herança aberta por óbito de FF, mas não procederam, até à presente data, à partilha dos bens que compõem a herança. 14- O réu CC e a falecida FF eram, entre si, casados no regime da comunhão geral de bens. 15- O réu e a falecida FF eram donos de uma exploração agrícola e pecuária, registado junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária com a marca VK79E. 16- Tal exploração pecuária era e, é ao dia de hoje, constituída por uma manada de vacas reprodutoras, que mantém, aproximadamente, um efetivo de noventa vacas reprodutoras. 17- A essas vacas reprodutoras acrescem as crias que vão nascendo, filhas de tais vacas reprodutoras. 18- No ano de 2017 o réu CC alienou com carácter definitivo, a favor do réu DD, vinte e uma cabeças de gado pertencentes à manada referida em 6º. 19- O réu DD fez suas as referidas cabeças de gado e, como contrapartida da aquisição, comprometeu-se a satisfazer junto do réu CC a quantia com a expressão de 1.413,00€. 20- Todavia, o reu DD não satisfez tal quantia. 21- A alienação foi feita sem conhecimento e consentimento da falecida FF pois, 22- …os réu CC e DD ocultaram perante a falecida FF e perante os autores e chamado a referida alienação das vinte e uma cabeças de gado. 23- O réu DD intentou no ano de 2020 inventário judicial, com vista à partilha e divisão dos bens deixados pela falecida FF – autos nº. 545/20.6T8ELV – Juiz 2, que corre termos. 24- Em tais autos é cabeça de casal o réu CC. 25- Nessa qualidade, em maio de 2021, o réu CC acabou por relatar a alienação das cabeças de gado a favor do réu DD, havendo incluindo o preço de tais cabeças de gado como uma dívida do réu DD a favor da herança. 26- Nessa data os autores tiveram conhecimento da alienação. 27- O réu DD levantou da exploração agrícola familiar as referidas cabeças de gado, encontrando-se estas, nesta data, à sua guarda. 28- Tais cabeças de gado tinham, à data da alienação, um valor de 1.000,00€ por cabeça, num total, portanto, de 21.000,00€ ( vinte e um mil euros ). 29- A venda das 21 cabeças de gado, significou uma redução de cerca de ¼ no valora da manada, que passou de valer cerca de 90.000,00€, a valer 70.000,00€. 30- Estava vedado ao réu CC vender as referidas cabeças de gado, sem autorização da falecida FF, pertencendo estas ao acervo conjugal e, provocando tal venda uma alteração substancial na capacidade reprodutora da manada de vacas, bem como no seu valor global. 31- Violou a decisão recorrida o disposto nos artº. 1678º e 1682º do Código Civil. 32- Á luz de tais disposições Legais e, deveria o Tribunal a quo haver julgado nula a compra e venda aqui impugnada, nos termos do disposto no artigo 294º do Código Civil. 33- Em consequência, devia o Tribunal a quo haver decretado a restituição da manada ao acervo hereditário, de acordo com o disposto no artigo 289º do Código Civil. 34- A anulabilidade da compra e venda da manada por violação do disposto no artigo 877º nunca se viu sanada por confirmação. 35- A relação jurídica no processo de inventário e nestes autos, é diferente; as partes partilham interesses diferentes nos dois processos; pelo que nem sequer se pode considerar que as partes destes autos partilhem o mesmo interesse substancial objeto do processo de inventário. 36- Não há qualquer identidade entre a causa de pedir nestes autos e a razão pela qual o preço da venda das cabeças de gado foi relacionado, pelo cabeça de casal no inventário. 37- No inventário, pretende-se a divisão do acervo hereditário. 38- Nos presentes autos pretende-se reaver as cabeças de gado alienadas. 39- O efeito jurídico pretendido nestes autos, é diferente da razão se ser da inclusão do crédito na relação de bens no inventário. 40- O Tribunal a quo ao considerar confirmada a compra e venda, violou o disposto no artigo 877º do Código Civil. 41- Deveria o Tribunal a quo haver considerada anulada a venda das cabeças de gado objeto destes autos e, em consequência ordenar a sua restituição ao acervo hereditário, nos termos do disposto nos artigos 289º do Código Civil. 42- Termos nos quais deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que decrete: A) SER DECLARADA NULA OU, SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, ANULADA A VENDA DAS CABEÇAS DE GADO REFERIDAS EM 8º E 9º DA P.I.; B) SER O RÉU DD CONDENADO A DEVOLVER AO ACERVO HEREDITÁRIO DA FALECIDA FF AS VINTE E UMA CABEÇAS DE GADO; C) SER O RÉU DD CONDENADO A DEVOLVER AO ACERVO HEREDITÁRIO DA FALECIDA FF AS CABEÇAS DE GADO NASCIDAS DAS 21 CABEÇAS DE GADO OBJETO DA VENDA IMPUGNADA, DESDE O ANO 2017, ATÉ DEVOLUÇÃO EFETIVA DAS DITAS CABEÇAS DE GADO, A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA; D) SER O RÉU DD CONDENADO NO PAGAMENTO DE UMA QUANTIA PECUINIÁRIA, A TÍTULO SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA, POR CADA DIA DE ATRASO NA ENTREGA DAS CABEÇAS DE GADO. Assim se fazendo Justiça. 3. Não houve contra-alegações. 4. OBJECTO DO RECURSO Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – as questões cuja apreciação as mesmas convocam, são as seguintes: 4.1. Se a matéria de facto deve ser alterada nos moldes preconizados pelos apelantes; 4.2. Reapreciação jurídica da causa: se há fundamento para decretar a anulação da venda das vacas e, em caso afirmativo, quais as consequências. II. FUNDAMENTAÇÃO 5. É o seguinte o quadro fáctico dado como assente na sentença: 1. Os autores, o interveniente principal e o réu DD são filhos do réu CC e da mulher deste, FF, falecida no dia …/…/2018; 2. O réu CC e a falecida FF eram, entre si, casados no regime da comunhão geral de bens; 3. O réu e a falecida FF eram donos de uma exploração agrícola e pecuária; 4. Tal exploração pecuária era e é constituída por uma manada de vacas reprodutoras, que mantém, aproximadamente, um efectivo de noventa vacas reprodutoras; 5. No ano de 2017, o réu CC alienou com carácter definitivo, a favor do réu DD, vinte e uma cabeças de gado pertencentes à manada referida, o qual se apossou das mesmas; 6. Como contrapartida da aquisição, obrigou-se a satisfazer junto do réu CC a quantia com a expressão de €1.413,00; 7. Tais cabeças de gado tinham, à data da alienação, um valor de €1.000,00 por cabeça; 8. A alienação foi feita sem conhecimento e consentimento da falecida FF e dos autores e interveniente principal; 9. Os autores e o interveniente principal apenas tiveram conhecimento do negócio celebrado em Maio de 2021, no âmbito do processo de inventário; 10. Corre termos neste Juízo processo de inventário, com o n.º 545/20.6T8ELV, em que são partes os mesmos intervenientes destes autos, sendo cabeça-de-casal o réu CC; 11. Nesse âmbito, foi em 07-05-2021 apresentada relação de bens onde consta, no art. 2.º da secção «créditos e dívidas», «1- crédito a favor da herança do qual é devedor o herdeiro DD, com a expressão de 1.413,00€ (mil quatrocentos e treze euros), 2 – Este crédito provém da compra que o mesmo fez, junto do cabeça-de-casal [CC], de 21 cabeças de gado bovino. 3 – Tal compra e venda está documentada na factura (…). 4 – Até à presente data o devedor não satisfez o preço da compra»; 12. Os interessados foram citados, não tendo apresentado qualquer reclamação; 13. Em 13-05-2022 foi proferido despacho de saneamento, onde ficou fixado o acervo a partilhar, incluindo o referido crédito; 14. O despacho não foi impugnado, tendo em 17-05-2022 sido apresentada pelo cabeça-de-casal relação de bens rectificada, onde continua a constar, no art. 2.º da secção «créditos e dívidas», «1- crédito a favor da herança do qual é devedor o herdeiro DD, com a expressão de 1.413,00€ (mil quatrocentos e treze euros), 2 – Este crédito provém da compra que o mesmo fez, junto do cabeça-de-casal [CC], de 21 cabeças de gado bovino. 3 – Tal compra e venda está documentada na factura (…). 4 – Até à presente data o devedor não satisfez o preço da compra». 5. Do mérito do recurso 5.1. Modificação da matéria de facto Referem os apelantes que deveria, também, ter ficado consignado que, tal como alegado na p.i., os réus e o chamado aceitaram a herança aberta por óbito de FF. Vai deferida a sua pretensão e em consequência de adita um facto com o seguinte teor: “Autores, réus e chamado aceitaram a herança aberta por óbito de FF mas não procederam até à data da propositura da acção à partilha dos bens que compõem a herança”. Entendem igualmente que a matéria constante nos pontos 4. e 5. da matéria da facto provada foi mal reproduzida. Não é correcto. Todos os factos que relevam para a decisão da causa foram reproduzidos por via da confissão ficta. Termos em que improcede a pretensão dos apelantes de ver alterados os vertidos nos pontos 4 e 5 que reproduzem, aliás, o art.º 5º da p.i. e 8º do mesmo articulado. 5.2. Reapreciação jurídica da causa: se há fundamento para decretar a anulação da venda das vacas. Como se viu, os apelantes sustentaram a sua pretensão de ver anulado o negócio de compra e venda das vacas levado a efeito pelo seu pai, o Réu CC, ao seu irmão, o Réu DD, em dois fundamentos : o previsto no art.º877º do Cód. Civil – que versa sobre a proibição da venda a filhos ou netos, se os demais não consentirem na venda – e o previsto no artigo 1682º, nº1 do mesmo Código que versa sobre a alienação (ou oneração) de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges e que exige, em regra, o consentimento de ambos. Conquanto a acção não tenha sido contestada, entendeu-se na sentença recorrida que apesar de haver fundamento para anular o negócio à luz daquele primeiro normativo (venda a filho sem consentimento dos demais) havia sido sanada tal invalidade mercê da “confirmação” levada a efeito no processo de inventário que se encontra a decorrer por óbito da mãe, FF. Vejamos. Não havendo dúvidas acerca da anulabilidade do negócio em apreço à luz do disposto no art.º 877º do Cód. Civil cremos, porém, que estava vedado ao Tribunal a invocação (oficiosa) de tal impedimento à procedência da pretensão dos apelantes. Na verdade, a “confirmação do negócio jurídico – como de resto os demais casos em que o acto ferido de certos vícios se convalida – insere-se num conjunto de meios jurídicos que visam em geral limitar as consequências da invalidade[2]”. Configura-se como uma excepção peremptória de direito material que funciona, portanto, como uma condição negativa aposta à condenação e que conduz à absolvição total ou parcial do pedido. (cfr. art. 571.º, n.º 2 do CPC). Ora, como expressão do princípio do dispositivo, dispõe o art. 3.º, n.º 1 do CPC que: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.” Com ele também conexionado, estabelece o art. 5.º, n.º 1 que : “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.” “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exacto limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções peremptórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão”.[3] Não tendo os Réus contestado a acção e por consequência não tendo deduzido qualquer defesa, mormente por excepção, o conhecimento da (in) existência de confirmação do negócio jurídico anulável (e a “ importação” do inventário dos factos com a mesma conexionados) extravasa o objecto do processo e ofende o princípio do dispositivo. Todavia, e não tendo sido suscitada pelos apelantes a nulidade da sentença (no caso por excesso de pronúncia prevista na alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC) que não é de conhecimento oficioso (cfr. nº4 do mesmo normativo) mostra-se sanado o vício de que a mesma enfermasse. Por consequência, há que apreciar se ocorreu efectivamente a “confirmação do negócio jurídico” perante o quadro fáctico fixado. “Em perfeita consonância com o seu domínio de aplicação e com os interesses a que se refere, a confirmação do acto inválido é deixada na disponibilidade de quem o pode anular. Ao atribuir a essa pessoa, em alternativa, o direito potestativo de o confirmar ou anular , a ordem jurídica torna-a árbitro dos seus próprios interesses quanto ao destino do negócio ( art.º 288º, nº2 do Cód. Civil). A confirmação pressupõe, pois, uma vontade real de manutenção do negócio que, por via dela se consolida. Essa vontade – que é constitutiva de um novo acto, distinto do negócio anulável e a ele posterior – tem de existir no momento em que o problema da invalidação ou da confirmação se põe, não interessando a vontade que a parte tivesse em relação ao destino do negócio ao tempo da sua celebração. (…). Assim, a confirmação convalida o negócio tal como foi celebrado, apenas tornando invocável o vício que o afectava. Tudo se passa, pois, uma vez confirmado o negócio , como se ele tivesse sido validamente celebrado. E como estamos no domínio da anulabilidade, isso significa que se consolidam os efeitos até então produzidos pelo negócio que, por outro lado, se mostra agora apto a desencadear para o futuro e sem reservas os efeitos que lhe são próprios.[4]”. Pois bem. Não é a circunstância de o interveniente no negócio anulável - o Réu CC, cabeça de casal no inventário- ter aí relacionado um crédito (o preço da venda das vacas não pago pelo Réu DD) que permite a conclusão de que os demais herdeiros, nele não intervenientes, o confirmaram. Até à anulação do negócio em sede própria, ele produz efeitos pelo que o cabeça de casal não poderia deixar de ser relacionado no inventário o preço que não tinha sido pago pelo comprador, seu filho. Os herdeiros que o podiam confirmar eram apenas aqueles que não tinham intervindo no negócio anulável, ou seja, apenas os que o poderiam anular, no caso os Autores e o interveniente. Ora, o que se provou é que os autores e o interveniente principal apenas tiveram conhecimento do negócio celebrado em Maio de 2021, no âmbito do processo de inventário (ponto 9) e que aqueles logo se apressaram em propor a acção de anulação, o que fizeram em 10 de Setembro de 2021, o que repudia qualquer entendimento de que o mesmo se mostrava “tacitamente sanado “ pela sua conduta. Em suma: o pedido de anulação do negócio à luz do art.º 877º, nº2 do Cód. Civil não pode deixar de proceder. Fica prejudicado o conhecimento do outro fundamento alinhado para obter o mesmo desiderato. 5.3. Consequências da anulação do negócio Por força do disposto no nº1 do art.º 289º do Cód. Civil, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Em decorrência do aí estatuído deverão ser restituídas à herança da falecida FF as vinte e uma cabeças de gado pertencentes à exploração agrícola e pecuária de que eram donos o réu CC e a mesma FF. Por força do disposto no nº3 do mesmo normativo – que manda aplicar ao caso o disposto nos artigos 1269.º seguintes – e considerando que as vacas em causa são “vacas reprodutoras” deverão igualmente ser restituídas à herança as crias/cabeças que as mesmas geraram desde a data da celebração do negócio e até à sua efectiva entrega ( art.º 1271º do Código Civil) já que não restam dúvidas de que o Réu DD não podia ignorar que o negócio carecia do consentimento dos seus irmãos e que não o tendo obtido lesava os seus interesses ( art.º 1260º, nº1 do Cód. Civil). A sanção pecuniária compulsória peticionada por cada dia de atraso na entrega das vacas à luz do disposto no artº 829º-A nº 1 do C.C. não tem aplicação no caso concreto, porquanto a obrigação de entrega da coisa não se configura como uma prestação de facto mas sim como uma prestação de coisa , não estando esta última abrangida pela norma em apreço.[5] III. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a sentença recorrida, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência: a) Anula-se o negócio jurídico de venda das cabeças de gado a que alude o ponto 5.5. supra. b) Condena-se o réu DD a devolver ao acervo hereditário da falecida FF as vinte e uma cabeças de gado; c) Condena-se o réu DD a devolver ao acervo hereditário da falecida FF as cabeças de gado nascidas das vinte e uma cabeças de gado objecto da venda impugnada desde o ano 2017 até à devolução das ditas cabeças de gado a liquidar em incidente de liquidação. d) Absolve-se o réu DD do pedido de condenação no pagamento de uma quantia pecuniária a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega das cabeças de gado. Custas por apelantes e apelado na proporção de 1/10 e 9/10. Évora, 12 de Julho de 2023 Maria João Sousa e Faro ( relatora) Elisabete Valente Maria Adelaide Domingos _____________________________________ [1] As alíneas c) e d) são as que foram objecto de alteração que foi admitida. [2] Carvalho Fernandes in “ A Conversão dos Negócios jurídicos civis”, pag.720. [3] Mariana França Gouveia in “O princípio do dispositivo e a alegação de factos em processo civil . A incessante procura da flexibilidade processual” consultável em http://www.oa.pt [4] Carvalho Fernandes, in ob.cit,pag.722. [5] Cfr. sobre classificações gerais da prestação, Almeida Costa in Direito das Obrigações, 3ª edição , pag. 455. |