Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
125/23.4GAENT.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
APLICAÇÃO AUTOMÁTICA
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: De acordo com o Assento do STJ nº 5/99, de 17/06/1999, in DR, Série I-A, de 20/07/1999, “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal”.
O T.C. já se pronunciou no acórdão nº 143/1995 de 11/3/1995 no sentido de que não ocorre qualquer violação do artº 30º, nº 4, da C.R.P., uma vez que a aplicação da pena acessória não é feita de forma automática por virtude de aplicação de uma pena, mas sim por virtude da prática de um crime que é punível (punido) com penas diversas, tal como acontece em muitas outras situações (por exemplo em infracções económicas e contra a saúde pública).

Como se refere no indicado acórdão, a aplicação da pena acessória está submetida “aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade, de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito”.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento em processo abreviado, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Nos termos e pelos fundamentos fáctico-jurídicos expostos, este Tribunal decide:

a) Condenar o arguido AA, pela prática, em 7 de Julho de 2023, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do CP, na pena de 9 [nove] meses de prisão;

b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do CP, por 15 [quinze] meses;”

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, tendo terminado a motivação e recurso com as seguintes conclusões:

“A. A prova mostra-se inquinada uma vez que o prazo de validade de tal alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIIIP (10 anos, nos termos do n.º 3 do art. 6º da Portaria 1556/2007!) se mostrou expirado em Julho de 2019, sendo tal prova juridicamente inválida e não permitirá suportar qualquer acusação nem condenação pois mostrando-se expirado o respectivo prazo de validade todo e qualquer resultado produzido por tal aparelho estará manchado do vício de ineficácia/inexistência por violação do art. 1º da Lei 18/2007 e regulamento anexo;

B. A pena de prisão fixada em 9 (nove) meses de prisão mostra-se deveras majorada e não conforme aos princípios da culpa, da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, importando atentar e valorar mais decisivamente o facto de o arguido, não obstante ter antecedentes criminais relevantes, o certo e que há mais de seis anos que não ostenta antecedente criminal por condução com álcool, não tendo sido interveniente em qualquer acidente de viação, tendo-se tratado de fiscalização de rotina, confessou os factos, não deixado de se mostrar arrependido, sendo ainda relativamente jovem e em idade bastante para inverter tal passado delinquente pelo que a imagem global do ilícito aconselhará a atenuação da pena para seis meses de prisão;

C. Julga-se ser ainda possível um juízo de prognose a afastar a pena de prisão efectiva, na senda da conclusão (ponto IV in fine!) do teor do relatório social junto aos autos (referência … de 22-IX-2023), expresso ao ter subjacente a possibilidade de execução de pena de execução na comunidade e factos provados 24 a 29 e 33, tendo o arguido já começado a tentar ver-se livre do flagelo do álcool, estando a ser acompanhado e medicado para o efeito, pois ele próprio tomou a iniciativa de combater tal dependência, reconhecendo que tem tal problema clónico que precisa de ser superado com êxito e sucesso, devendo ser concedida a derradeira oportunidade de reabilitação, condicionando-se a suspensão da pena a rigorosíssimo regime de prova a contender também com as seguintes injunções: i) Frequentar acção de formação adequada a prevenir a repetição de actos semelhantes a indicar pela DGRSP (ministrada pela própria DGRSP, pela Prevenção Rodoviária Portuguesa ou por outra entidade a indicar pela DGRSP), ficando os custos associados ao programa a cargo do arguido, (cfr. artigos 52º, nº al. b) e 4, 51, nº a, do Cód. penal), devendo frequentar o curso até ao termo da suspensão; ii) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; iii) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; e iv) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;

D. A alteração legislativa inerente à Lei 116/2015, que instituiu o regime de carta por pontos, acrescentando assim mais uma punição, abala o entendimento que se mostrava sedimentado na jurisprudência [desde logo, o douto acórdão/assento do STJ n.º 5/99 e diversas decisões TC (doutos acórdãos 362/92, 234/95, 327/99, 461/00, 630/04 e 53/11)] pois nenhuma de tais doutas decisões é posterior (ou dito de outro modo, são todas anteriores!) a tal alteração legislativa, sendo que, presentemente e diferentemente do que se passava à data de tais decisões, a subtracção de pontos representa ainda uma nova punição para tal crime de condução sob influência de álcool, que assim será eventualmente punido com I) pena principal, II) pena acessória efectiva, III) custas judiciais e IV) subtracção de pontos, o que é punição a mais para um único e singelo crime sempre e quando o mesmo não tenha consequências materiais efectivas, como sucedeu in casu!

E. Importa que se faça o périplo legislativo, com invocação do DL 48/95 e da Lei 77/2001 bem como indo mais longe e entrar pelo teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, com início de vigência a 1 de Junho de 2016 pois a questão da conformidade constitucional de tal efectividade da pena acessória ganha novos contornos com tal punição suplementar e não poderá justificar-se a ausência de inconstitucionalidade com argumentos e fundamentos que não tenham em conta/valorem tal alteração legislativa, havendo sobre tais questões de conformidade aos princípios constitucionais invocados há uma omissão de pronúncia face à lei vigente que importa suprir;

F. A pureza dos princípios constitucionalmente tutelados bem como das garantias de defesa impede a aplicação automática da pena acessória decorrente unicamente da prática, sem mais, de crime de condução sob influência de álcool, só sendo possível falar num due process of law, num processo equitativo exigido por um Estado de Direito democrático, quando, efectivamente, se assegure ao Estado a possibilidade de realizar o seu jus puniendi e aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam ser cometidos no exercício desse poder punitivo, não podendo haver automaticidade da pena acessória e aparente impossibilidade de dispensa, suspensão na sua execução, especial atenuação ou substituição por outra menos gravosa dado que, se qualquer de tais soluções é possível de operar face à pena principal, a fortiori o deveria ser face à pena acessória, como resulta dos princípios, constitucionalmente tutelados, da igualdade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso;

G. A condução é um direito civil e de premente necessidade por dele depender as deslocações para os mais variados locais de destino (seja para a prática laboral, frequência lectiva, convívio familiar, prática desportiva, frequência cultural, etc.!) pelo que, sendo o arguido condenado em medida não muito distante ao mínimo legal, a indicar ausência de culpa elevada bem como ausência de efectivos danos, deve haver possibilidade de dispensa de pena, suspensão da sua execução, especial atenuação ou, no limite, sua substituição, à semelhança do que é possível com as penas principais por inexistir qualquer razão válida que imponha, sempre e em toda e qualquer situação, sem qualquer cláusula geral de salvaguardada, a efectivação de pena acessória prevista e punida no art. 69º CP e tal interpretação do artigo 69º n.º 1 CP é inconstitucional, por violação do artigo 30º n.º 4 CRP, por impor a produção de efeitos necessários por via de uma condenação, com perda de direitos civis;

H. E não se diga (nem se tente justificar tal solução legislativa!) que a pena acessória de proibição de conduzir não é de efeito automático e não afronta a Lei fundamental em virtude de a perda do direito de conduzir não decorrer ope legis (ou seja, independentemente de decisão judicial!), uma vez que tal justificação não tem razão de ser e é falaciosa pois a norma invocada como sendo aquela que se mostra violada já fala em “pena”, não se refere a prática de factos ilícitos, a coenvolver assim prévia actividade decisória e judicial (é aos Tribunais, enquanto órgãos de soberania, que está confiado o dever de aplicar a justiça!) e por outro lado, sendo demandada a intervenção do juiz e encontrando-se a determinação da dosimetria penal submetida aos princípios gerais da pena (legalidade, proporcionalidade e jurisdicionalidade) o certo é que tal demanda à intervenção de um juiz parte ab initio de um limite mínimo sempre efectivo e imutável in bonam partem e é exactamente por inexistir impossibilidade de a pena acessória poder ser inferior a 3 meses ou não ser efectiva e contínua que radica a inconstitucionalidade ora apontada, não apagando o facto de tal pena envolver como efeito necessário a perda do direito civil de conduzir;

I. Tal interpretação é igualmente inconstitucional, por violação dos princípios da necessidade das penas e da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso – artigo 18.º n.º 2 CRP –, quer por implicar um regime punitivo relativo à pena acessória mais rígido e grave, comparativamente com o da pena principal, quer ainda pela inexistência de uma cláusula geral de salvaguarda a permitir que, em função da culpa, circunstancialismo global de prática dos factos (nomeadamente, ausência de intervenção em qualquer acidente de viação ou produção e efectivos danos!) bem como exigências de prevenção especial, se não verifique efectividade de pena acessória com um mínimo de três meses, viola os princípios constitucionais da integridade pessoal, da capacidade civil e da cidadania plena, previstos nos arts. 25º n.º 1 e 26º n.º1 CRP bem como da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso plasmado no art. 18 n.º 2 da CRP;

J. Inexistindo manifesta gravidade do perigo, radicando unicamente numa situação abstracta e virtual, não concretizada e sem constituir efectiva danosidade, nada justifica que haja tamanha punição pois constituindo o ne bis in idem (ou proibição da dupla punição pelo mesmo facto) um princípio basilar, in casu há tripla punição e com eventual/pseudo acréscimo, sendo deveras majorada tal assacar de responsabilidade pela singela factualidade de condução sob influência de álcool sempre e quando o arguido não tenha sido interveniente em qualquer acidente de viação nem tenha produzido efectivo e real perigo com a sua conduta pois a efectivação da pena acessória sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito e de forma automática, não radicada em qualquer especial gravidade dos factos mas aplicável a todo e qualquer situação de condução com taxa-crime de álcool, possui um efeito previsivelmente contrário à ressocialização, desvirtuando o fim das penas e denota não conformidade com as finalidades das mesmas!

K. É pacífico que o Tribunal tem de ponderar tal visão de conjunto por forma a aquilatar da duração da pena acessória mas julga-se que igualmente o deverá fazer no tocante à necessidade da sua efectivação, sendo este o ponto de discordância face ao doutamente decidido e ora alvo de recurso e começar com uma pena acessória com um mínimo imutável de três meses de duração efectiva é desvirtuar tais exigências penais, julgando-se que se está perante um verdadeiro efeito ope legis da condenação por condução sob influência de álcool, com taxa-crime e a levar necessariamente à perda do direito de conduzir veículos por um mínimo de três meses dado que a demais duração pouco reflexo importa pois o mínimo é aquele (e é certinho que menos não é aplicado!), sendo esta a tónica da inconstitucionalidade que se invoca e que se não tem visto aflorada nem decidida nas demais meias decisões que já se pronunciaram sobre tal matéria, decorrendo tal pena acessória e sua aplicação automática e necessariamente, pese embora a intervenção jurisdicional - ou seja, como um efeito necessário - da condenação pela prática de crime e punição a título de pena;

L. Pese embora se trate de um ilícito que é cominado com pena principal e pena de proibição de conduzir veículos com motor, não obstante terem de ser ambas doseadas em função da gravidade da infracção, da culpa do agente e das exigências de prevenção, o certo é que face a esta há um mínimo de duração e uma efectividade que não podem ser alteradas havendo assim, manifestamente, quanto a tal mínimo e efectividade um evidente e cristalino automatismo na imposição de tal pena acessória prevista na alínea a) do nº 1 do art. 69º, vislumbrando-se a violação do n.º 4 do artigo 30º CRP, a que se invoca e está na génese das inconstitucionalidades invocadas, a que acresce a violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, proibição do excesso bem como da necessidade da aplicação das leis penais em razão da diferenciação face às penas principais e às penas acessórias por o regime ser mais flexível quanto às primeiras;

M.A pena acessória de proibição de conduzir não se mostra indissociável, ainda que necessariamente dentro dos limites da culpa, da obtenção de um efeito de prevenção geral negativa, de dissuasão e intimidação, estando o foco numa componente de advertência dirigida não só ao agente mas também à comunidade, tendo em vista obstar a que outros venham a cometer crimes da mesma natureza, visando combater os elevados níveis de sinistralidade, em parte significativa associados à condução de veículos em estado de embriaguez, e as graves consequências a nível pessoal e patrimonial que importam, o constitui mais uma razão para que tal pena acessória apenas seja aplicada com efectividade quando esteja em causa a produção de tal resultado danoso (sinistralidade) pois as penas acessórias têm sido sempre aplicadas efectivamente e os resultados não serão propriamente os almejados;

N. Terá de haver uma substancial diferença entre quem comete um crime de condução sob influência de álcool e é interveniente em acidente de viação ou produz algum dano ou lesão e quem unicamente conduz sem provocar tais consequências nefastas, sendo que a medida da diferença não poderá ser unicamente ao nível da medida das penas, pois tal viola os princípios da igualdade, que deverá ser entendido não em tratar tudo por igual mas sim em tratar de forma igual o semelhante e de forma diferenciada o desigual e perante o entendimento vertido na douta decisão, bem como aquele que vem sendo dispensado pela jurisprudência, julga-se que manifestamente tal diferenciação levada a cabo ao nível da duração da pena acessória não realiza tais finalidades, julgando-se existir base legal para alteração do decidido…

O. É inconstitucional, por violação do princípio de respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais subjacentes a um Estado de Direito democrático, ao arrepio do plasmado no art. 2º CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de “[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), a pena acessória prevista no art. 69º CP aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, continua a ser insusceptível de suspensão, dispensa, atenuação especial bem como substituição, contrariamente às penas principais abstractamente aplicáveis a tal tipo legal de crime, sendo assim de aplicação efectiva por um mínimo de três meses”;

P. É disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da culpa, necessidade das penas e da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, previsto no art. 18º CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), a pena acessória prevista no art. 69º CP aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, é insusceptível de suspensão, dispensa, atenuação especial bem como substituição, contrariamente às penas principais abstractamente aplicáveis a tal tipo legal de crime, sendo assim de aplicação efectiva por um mínimo de três meses”;

Q. É inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da integridade pessoal, da capacidade civil e da cidadania plena, previstos nos arts. 25º n.º 1 e 26º n.º1 CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), a pena acessória prevista no art. 69º CP aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, é insusceptível de suspensão, dispensa, atenuação especial bem como substituição, contrariamente às penas principais abstractamente aplicáveis a tal tipo legal de crime, sendo assim de aplicação efectiva por um mínimo de três meses”;

R. Mostra-se disforme à lei fundamental, por violação da proibição de efeito automático da pena na perda do direito civil à condução, ao arrepio do plasmado no art. 30º n.º 4 CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), a pena acessória prevista no art. 69º CP aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, é insusceptível de suspensão, dispensa, atenuação especial bem como substituição, contrariamente às penas principais abstractamente aplicáveis a tal tipo legal de crime, sendo assim de aplicação efectiva por um mínimo de três meses”;

S. É inconstitucional, por violação do princípio constitucional do direito de deslocação para qualquer parte do território nacional, plasmado no art. 44º n.º 1 CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), a pena acessória prevista no art. 69º CP aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, é insusceptível de suspensão, dispensa, atenuação especial bem como substituição, contrariamente às penas principais abstractamente aplicáveis a tal tipo legal de crime, sendo assim de aplicação efectiva por um mínimo de três meses”;

T. Mostra-se disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da culpa, necessidade das penas e da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), mostra-se conforme aos princípios da culpa, necessidade das penas e da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso a previsão normativa a consagrar aplicação da pena acessória prevista no art. 69º CP, aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, de aplicação efectiva e por um mínimo de três meses, sem qualquer cláusula geral de salvaguarda que, em função das exigências de prevenção especial e concreto circunstancialismo global de prática dos factos, possibilite mitigar tal imposição”;

U. É inconstitucional, por violação dos princípios que devem nortear a previsão normativa bem como a devida consagração legislativa, subjacente a um Estado de Direito democrático, tal qual configurado no art. 2º CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 292º CP no sentido de ““[N]ão obstante o teor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, a impor uma nova sanção (perda de pontos), mostra-se conforme aos princípios da culpa, necessidade das penas e da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso a previsão normativa a consagrar aplicação da pena acessória prevista no art. 69º CP, aplicável pela prática do crime de condução sob influência de álcool, previsto e punido pelo art. 292º CP, do qual não tenha resultado qualquer acidente de viação nem efectiva lesão de demais bens jurídicos, de aplicação efectiva e por um mínimo de três meses, sem qualquer cláusula geral de salvaguarda que, em função das exigências de prevenção especial e concreto circunstancialismo global de prática dos factos, possibilite mitigar tal imposição”;

V. Mostra-se a duração da pena acessória (oito meses) deveras majorada e não proporcional, dado que I) o recorrente não interveio em qualquer acidente de viação, II) o controlo policial teve lugar em operação e fiscalização de rotina; III) ainda se mostra possível juízo de prognose favorável e inversão da infeliz ocorrência, IV) à data já não ostentava antecedentes criminais por factos de similar natureza há cerca de seis anos, sendo o último crime semelhante praticado em Janeiro de 2017; V) está minimamente integrado socialmente, pugnando pela melhoria da sua situação, tendo comparecido à convocatória da DGRSP em … (facto provado 31) e estando inscrito e comparecendo no Centro de Emprego (facto provado 29), pelo que é conforme às exigências de prevenção geral e especial a atenuação da pena acessória para dez meses de proibição;

W.Mostram-se violadas as seguintes normas jurídicas: maxime art. 9º CC; arts. 47º, 50º a 53º, 69º n.º 1 a), 70º, 71º n.ºs 1 e 2 e 292º CP; art. 6º n.º 3 da Portaria 1556/2007; art. 1º da Lei 18/2007 e regulamento anexo; arts. 2º, 18º n.º 2, 25º n.º 1, 26º n.º 1, 30º n.º 4, 32º n.º 1, 44º n.º 1, 58º n.º 1, 202º n.º 1, 203º e 204º CRP; art. 412º n.ºs 1 e 2 CPC; bem como violados e erroneamente aplicados os seguintes princípios jurídicos: maxime da interpretação jurídica, da livre apreciação da prova, ne bis in idem, da culpa, da igualdade, da legalidade do processo, da integridade pessoal, da capacidade civil, da cidadania plena, do respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais subjacentes a um Estado de Direito e do direito de deslocação para qualquer parte do território nacional bem como do respeito pela Lei fundamental.

Sic, contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., atento o supra exposto, por razões substanciais, entende o recorrente que em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos, que presidem a um Direito penal que se queira justo e processualmente conforme, por essencial para correcta subsunção dos factos ao Direito, não poderá deixar de ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência revogada a douta sentença proferida em razão dos vícios de que a mesma padece, como seja erro na avaliação da proa, que ressalta juridicamente inexistente/ineficaz, e majoração na dosimetria penal ao nível das penas principal e acessória bem como errónea interpretação e aplicação da lei no que à pena acessória concerne.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Marquês de Condorcet e Dante Alighieri, uma alma nobre faz justiça, mesmo aos que a recusam, não deixando de pesar, em balanças diferentes, os pecados dos homens dissimulados e os dos sinceros! Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Anatole France A justiça é a sanção das injustiças estabelecidas!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1.º

A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida em julgamento e a sua subsunção ao direito, não padecendo de qualquer um dos vícios apontados pelo arguido na sua motivação de recurso, nem violou qualquer norma jurídica, mormente, as citadas pelo arguido.

2.º

A pretensão do arguido em que seja considerada juridicamente inválida a prova de pesquisa de álcool apresentada na acusação, por supostamente o alcoolímetro usado estar expirado no ano de 2019, não tem qualquer base factual que o suporte, resultando outrossim do documento junto com a acusação – certificado de verificação – que tal aparelho teve a sua primeira verificação em 16/12/2022, tendo sido aprovado, cuja validade só expirava em 31/12/2023.

3.º

A medida concreta da pena fixada em 9 meses de prisão, mostra-se consentânea com os critérios de determinação previstos no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal (a culpa do arguido e as exigências de prevenção geral e de prevenção especial) e no n.º 2 do mesmo artigo (as circunstâncias que no caso depuseram contra o arguido – a taxa de alcoolémia apresentada, o vasto passado criminal do arguido, a prática dos factos decorridos 2 dias após a sua libertação, o incumprimento das regras decorrentes da decisão que lhe concedeu liberdade condicional, a sua postura de indiferença face às condenações anteriormente sofridas, incluindo algumas penas de prisão efetiva, a sua situação pessoal precária, não tendo modo de vida definido nem residência certa - e a seu favor – a confissão dos factos, a capacidade de reflexão, o suporte familiar de que aparentemente beneficia - que ficaram expressamente consignados na sentença recorrida.

4.º

Não se verifica no caso concreto um dos pressupostos previstos na lei (artigo 50.º do Código Penal) para que o arguido pudesse beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão, a saber, que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

5.º

Não estando tal pressuposto preenchido, não é admissível a suspensão da execução da respetiva pena – tendo o tribunal afastado de igual modo, de forma fundamentada, a substituição da pena de prisão por qualquer outra pena de substituição.

6.º

Na sentença recorrida não se determinou, nem se podia determinar - a aplicação da norma que prevê a retirada de pontos na carta de condução do arguido pela sua condenação pela prática do crime de condução em estado de embriaguez.

7.º

A questão da constitucionalidade da norma que estabelece essa perda de pontos não pode, pois, ser apreciada nestes autos, tratando-se de uma deliberação da autoridade administrativa competente e não do tribunal

8.º

O Tribunal Constitucional já se pronunciou em inúmeros Acórdãos (cf. citações inseridas supra) sobe a não inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, quer por violação do artigo 30.º, n.º 4, quer dos artigo, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 32.º, n.º 1, 44.º, n.º 1, 58.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, 203.e 204 todos da Constituição, ou, qualquer outra norma ou principio consagrado na Constituição.

9.º

Não resulta do texto da douta sentença recorrida qualquer vício de interpretação jurídica, ou a violação de qualquer principio (de livre apreciação da prova, do ne bis in idem, da culpa, da igualdade, legalidade do processo, integridade pessoal, capacidade civil, cidadania plena, respeito pelas liberdades fundamentais).

Pelo que, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida farão V.Exas. Justiça!”

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Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P. o recorrente ofereceu resposta, reiterando o alegado na motivação e recurso.

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APRECIAÇÃO

Tendo em conta as conclusões do recurso, importa apreciar as seguintes questões:

- validade do alcoolímetro;

- medida da pena de prisão;

- suspensão da execução da pena de prisão;

- subtracção de pontos na carta de condução;

- aplicação automática da pena acessória/inconstitucionalidade;

- medida da pena acessória.

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Os factos considerados provados foram os seguintes:

“Da acusação pública

1. No dia 7 de Julho de 2023, pelas 21h08m, o arguido conduzia, na Rua …, em …, o veículo automóvel de matrícula ….

2. Antes de iniciar a condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, em quantidade e qualidade não concretamente apuradas.

3. O arguido encontrava-se, na data e hora referidas, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,872 gramas por litro.

4. O arguido agiu com o intuito, concretizado, de conduzir o veículo acima referido, na via pública, apesar de saber que havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, e estando ciente de que a quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas que ingeriu era susceptível de dar azo a que naquele momento se encontrasse com uma taxa de álcool no sangue de valor igual ou superior a 1,2 gramas por litro, como efectivamente veio a suceder.

5. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.

6. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos supra.

Mais se apurou que:

7. Por decisão proferida em 5 de Julho de 2023 no âmbito do proc. n.º 199/18.0… foi determinado que «(…) nos termos e pelos fundamentos expostos, concedo a liberdade condicional ao recluso AA, de imediato, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja, até: 19.1.2024.

Ficará, porém, vinculado, nos termos dos artigos 64º e 52º do Código Penal e 177º, nº 2, al. c) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sob pena de eventual revogação da liberdade condicional, ao cumprimento das seguintes obrigações e regras de conduta:

A) Fixar residência na “Rua …, n.º…, …, … morada que não poderá abandonar por prazo superior a 08 (oito) dias, sem prévia autorização do Tribunal de Execução de Penas;

B) Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social e apresentar-se no prazo máximo de 5 dias, contados da data da sua libertação e, posteriormente, com a periodicidade e no local que lhe sejam determinados, à equipa de reinserção social : …, devendo AA dirigir-se aos Serviços de Reinserção situados na Rua …, n.º…, …

C) Abster-se do consumo de bebidas alcoólicas e diligenciar após a libertação por marcação de consulta, no prazo de 5 dias úteis (comprovando tal marcação junto dos serviços de reinserção social), em serviço de saúde da sua área de residência, que não deve abandonar sem ter alta clínica.

D) Evitar frequentar locais referenciados com tais práticas aditivas, assim como ocupar os tempos livres de uma forma saudável e autovalorativa; ·

E) Apresentar assiduidade laboral, devendo concretizar o projeto apresentado no prazo de 5 dias úteis após libertação, ou seja, integrar a firma “…”, fazendo prova nos Serviços de Reinserção Social; ·

F)Não abandonar o posto de trabalho sem ter outra alternativa e sem discutir o assunto com o técnico de reinserção social que supervisiona a medida de liberdade condicional;

G) Fazer prova, sempre que solicitado pelo técnico responsável pela supervisão da medida, dos seus rendimentos

H) Manter bom comportamento normativo, sem praticar crimes;

I) Não frequentar zonas e locais conotados com o submundo do crime e não acompanhar com pessoas que possam contribuir para neutralizar os efeitos ressocializadores que a liberdade condicional visa alcançar.

Cumpra o disposto no número 3 do art. 177º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Para controlo da liberdade condicional, a Equipa de Reinserção Social deverá informar o TEP do cumprimento ou não da obrigação de apresentação e, oportunamente, apresentar relatório final de avaliação. Durante o período de execução da liberdade condicional, apenas enviará as informações que se mostrarem necessárias, nomeadamente dando conta de eventuais anomalias entretanto ocorridas ou outros aspetos que se mostrem relevantes para a apreciação da manutenção da liberdade condicional.

Registe, notifique e comunique ao EP por via expedita. Comunique aos processos das condenações, à UIIC/PJ e à Reinserção Social.

Emita boletim ao registo criminal

Passe mandados para libertação do recluso, de imediato, caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos.»

8. Em cumprimento de tal decisão, no dia 5 de Julho de 2023 o Estabelecimento Prisional de … deu cumprimento aos mandados de libertação emitidos no âmbito do proc. n.º 199/18.0…, tendo o arguido saído em liberdade nessa mesma data.

Das condições pessoais do arguido

9. O arguido foi convocado para estar presente nas instalações da DGRSP – Equipa … nos dias 29 de Agosto e 8 de Setembro de 2023, para elaboração de relatório social para os presentes autos, tendo faltado às convocatórias, sem qualquer justificação da ausência.

10. A DGRSP - … realizou uma visita domiciliária à habitação sita na Rua …, nº…, …,… em 5 de Setembro de 2023, mas o arguido não se encontrava presente, sendo desconhecido dos serviços o seu paradeiro.

11. O processo de socialização de AA decorreu maioritariamente junto dos familiares de origem num contexto socioeconómico carenciado, sendo o quarto de um conjunto de oito descendentes, três já falecidos.

12. Não obstante as sucessivas tentativas de autonomização pessoal através da constituição de um núcleo familiar próprio que estabeleceu, AA manteve sempre a ligação ao agregado de origem, no qual, embora de modo intermitente, manteve-se integrado.

13. O arguido tem três filhos, de três relações diferentes, os dois mais velhos são maiores de idade e o mais novo tem 17 anos, com o qual o arguido não mantém contactos desde a ruptura relacional com a mãe do menor, ocorrida quando o mesmo tinha 3 anos (segundo o afirmado pelo arguido em Dezembro de 2022, o jovem recusa qualquer contacto com o pai, sendo esta posição respeitada e compreendida pelo arguido).

14. Relativamente ao percurso escolar, o arguido refere ter sido regular até à conclusão do 3.º ciclo. Não obstante tenha frequentado a escolaridade até ao 11.º ano, abandonou o mesmo e não obteve certificação no nível de ensino subsequente.

15. Iniciou atividade laboral como vendedor ambulante, em feiras, por conta própria, durante quase 15 anos.

16. Profissionalmente, as experiências mais recentes ocorreram maioritariamente no setor da construção civil (servente de pedreiro, pintor e ajudante de eletricista).

17. No âmbito da saúde, regista um historial de consumo alcoólico e crises de epilepsia em situação de consumo de álcool em excesso.

18. Não obstante a sujeição a tratamento (três dos quais por internamento em instituições de saúde), registou recaídas, mas manifesta o interesse em tratamento.

19. Para a epilepsia, o arguido toma diariamente medicação e tem acompanhamento médico regular.

20. Após a sua libertação em liberdade condicional, o arguido não se apresentou nem contactou com a DGRSP - Equipa … e não se encontrava em casa dos seus pais na morada indicada. Depois de ter sido libertado do estabelecimento prisional e ter acompanhado o filho até a casa, os pais saíram nesse dia para fazer compras e quando voltaram, AA já não se encontrava em casa, desconhecendo os mesmos o seu paradeiro.

21. Os pais do arguido residem em casa própria, numa habitação T3, referenciada por possuir condições adequadas de comodidade e conforto.

22. Embora os pais do arguido manifestem sentimentos de proteção e vinculação, a par da capacidade de suporte logístico ao filho, este apoio assume uma representação essencialmente de natureza afetiva, sem que os mesmos surjam, dada a reincidência criminal, como potencialmente reorientadores da conduta deste no sentido pro social.

23. O agregado familiar vivencia um quadro de contenção económica, provindo os únicos rendimentos mensais do salário auferido pelo pai, funcionário na junta de freguesia local, no montante de 614,00 €, e da prestação de apoio social correspondente à atribuição do rendimento social de inserção à mãe, no montante de 321,00 €.

24. O arguido vive com a actual companheira, BB, de 57 anos. A relação, de cerca de 8 anos, é positivamente vivenciada pelo casal, caracterizando-se pelo apoio mútuo, mais relevante para o arguido uma vez que a companheira não apresenta comportamentos aditivos.

25. O casal encontra-se a viver em …, desde o dia 7 de Julho de 2023, sendo que a mudança de área de residência foi precipitada pelo facto de o seu pai não aceitar a relação que mantém com esta companheira, nomeadamente pela diferença de idades.

26. Ambos os elementos do casal estão numa situação de sem-abrigo, a viver e com pernoita em espaços públicos.

27. Não possuem rendimentos, tendo requerido recentemente, e aguardando apoio do Rendimento Social de Inserção (RSI). Assim que a prestação seja deferida, pretendem arrendar um quarto.

28. Beneficiam do acompanhamento em instituições da rede social de apoio à pobreza e exclusão social, para a salvaguarda de refeições e higiene pessoal. Perante a situação vulnerável em que se encontram, também recorrem à prática da mendicidade.

29. O arguido encontra-se inscrito no Centro de Emprego de … e tem comparecido às respetivas convocatórias.

30. O percurso de vida do arguido é conhecido na comunidade local, embora não seja rejeitado. No meio detém uma imagem associada aos hábitos alcoólicos, de desorganização pessoal, escassa responsabilidade e instabilidade profissional.

31. O arguido referiu à DGRSP - Equipa … a manutenção de consumos alcoólicos.

32. À data da libertação do estabelecimento prisional, o arguido beneficiava de condições para ser integrado profissionalmente na …, sediada na área de residência dos seus progenitores.

33. O arguido revelou capacidade reflexiva e autocritica relativamente à sua trajetória do consumo de álcool e correlacionada conduta criminal do passado. Evidenciou alguma intimidação relativamente às penas que lhe foram aplicadas, aceitando-as com conformismo.

Dos confrontos com o sistema de Justiça:

34. Ao arguido são conhecidas as seguintes condenações:

a) Por decisão transitada em julgado em 1 de Março de 2005, proferida no proc. n.º 378/03.4…, foi condenado pela prática, em 2003, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, já extinta;

b) Por decisão transitada em julgado em 12 de Fevereiro de 2009, proferida no proc. n.º 1354/08.6…, foi condenado pela prática, em 24 de Dezembro de 2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, já extinta, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 11 meses;

c) Por decisão transitada em julgado em 14 de Maio de 2010, proferida no proc. n.º 141/10.6…, foi condenado pela prática, em 30 de Março de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 1 ano e 4 meses, ambas já extintas;

d) Por decisão transitada em julgado em 24 de Junho de 2011, proferida no proc. n.º 228/09.8…, foi condenado pela prática, em 24 de Junho de 2008, de um crime de furto, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, substituída por 90 horas de trabalho e já extinta;

e) Por decisão transitada em julgado em 7 de Fevereiro de 2011, proferida no proc. n.º 292/10.7…, foi condenado pela prática, em 23 de Agosto de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 9 meses, já extinta, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses;

f) Por decisão transitada em julgado em 30 de Março de 2012, proferida no proc. n.º 316/10.8…, foi condenado pela prática, em 14 de Maio de 2010, de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, substituída por 100 horas de trabalho e já extinta;

g) Por decisão transitada em julgado em 30 de Abril de 2012, proferida no proc. n.º 52/09.8…, foi condenado pela prática, em 5 de Novembro de 2009, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e detenção de arma proibida, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo; prorrogada, por decisão transitada em julgado em 13 de Março de 2017, por 18 meses; e cujo cumprimento efectivo veio a ser determinado por decisão transitada em julgado em 9 de Julho de 2018;

h) Por decisão transitada em julgado em 20 de Dezembro de 2018, proferida no proc. n.º 66/16.1…, foi condenado pela prática, em Julho de 2016, de um crime de burla simples, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, já extinta;

i) Por decisão transitada em julgado em 28 de Setembro de 2016, proferida no proc. n.º 20/16.3…, foi condenado pela prática, em 14 de Junho de 2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho, cujo cumprimento efectivo veio a ser determinado por decisão proferida em 11 de Maio de 2017, já extinta; bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 20 meses;

j) Por decisão transitada em julgado em 9 de Março de 2018, proferida no proc. n.º 82/17.6…, foi condenado pela prática, em 31 de Julho de 2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 4 meses de prisão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 12 meses, ambas já extintas;

k) Por decisão transitada em julgado em 13 de Setembro de 2018, proferida no proc. n.º 76/17.1…, foi condenado pela prática, em 28 de Fevereiro de 2017, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 7 meses de prisão, já extinta;

l) Por decisão transitada em julgado em 6 de Maio de 2019, proferida no proc. n.º 60/17.5…, foi condenado pela prática, em 13 de Fevereiro de 2017, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 60 dias de prisão, substituída por 60 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, já extinta;

m) Por decisão transitada em julgado em 10 de Junho de 2020 no âmbito do proc. n.º 199/18.0…, com referência aos proc. n.ºs 52/09.8…, 20/16.3…, 76/17.0… e 82/17.6… foi concedida a liberdade condicional em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, a rever e com possibilidade de conversão em liberdade condicional a 26 de Abril de 2021;

n) Por decisão transitada em julgado em 5 de Julho de 2021, proferida no proc. n.º 60/17.5…, foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena única de 11 meses de prisão, referente aos proc. n.ºs 60/17.5…, 82/17.6… e 76/17.1…;

o) Por decisão transitada em julgado em 27 de Janeiro de 2023, proferida no proc. n.º 937/20.0…, foi condenado pela prática, em 14 de Novembro de 2020, de um crime de evasão, na pena de 4 meses e 15 dias de prisão.

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VALIDADE DO ALCOOLÍMETRO

Alega o recorrente que a validade do alcoolímetro utilizado terminou em Julho de 2019.

Trata-se de uma alegação inovatória: nada foi alegado quando a isso em sede de contestação (que não existiu), nem em sede de julgamento e, obviamente, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão.

Aliás, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, incluindo, portanto, a t.a.s. que lhe foi detectada.

Apesar de tudo, sempre se dirá:

Desconhece-se completamente em que é que o recorrente se baseia para alegar que a validade do alcoolímetro terminou em Julho de 2019.

Nada refere, nem directa, nem indirectamente.

Trata-se, portanto, de uma alegação sem fundamento que este tribunal de recurso possa apreciar.

O que é certo é que a fls. 9 do processo consta certificado do I.P.Q. que confirma a primeira verificação em 16/12/2022, pelo que à data da sua utilização estava válido (cfr. artº 7º, nº 1, parte final, da portaria 1556/2007 de 10/12), entendendo-se que tal é o bastante para conferir validade ao exame efectuado, conforme se referiu no ac. desta relação de 20/10/2020: “ … é também entendimento dominante da Jurisprudência dos Tribunais Superiores que ainda que o prazo de validade de dez anos tivesse sido excedido relativamente ao aparelho que foi usado no teste, não se verifica a sua nulidade, porquanto não é a homologação do aparelho, mas a sua submissão a operações de verificação, que atesta a fiabilidade do resultado obtido (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 18-12-2018).”

Isto, aliás, no seguimento do que dispõe o artº 2º, nº 7, do D.L. 291/90 de 20/9:

7 - Os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis.

Ainda no mesmo sentido: acs. da rel. do Porto de 27/1/2021, 15/3/2023, 18/10/2023 e da rel. de Lisboa de 25/1/2023 (este com vastas referências jurisprudenciais no mesmo sentido).

Resulta, pois, do exposto, que improcede o recurso nesta parte.

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MEDIDA DA PENA DE PRISÃO

Entende o recorrente que a pena de 9 meses de prisão é desadequada.

Escreveu-se na sentença recorrida a propósito da duração da pena o seguinte (incluindo-se também na transcrição referência à natureza da pena fixada, uma vez que se dão algumas dessas referências por reproduzidas aquando da fixação da duração da pena):

“No que tange às exigências de prevenção geral, as mesmas são especialmente elevadas, atendendo à gravidade, consequências e alarme social resultantes da prática de crimes estradais.

Com efeito, a segurança da circulação rodoviária, que suscita as maiores preocupações e precauções públicas, bastando aludir às campanhas de prevenção e segurança rodoviária e à constante fiscalização na área por parte dos órgãos de polícia criminal.

Da análise do Relatório Anual de Segurança Interna de 2022 constata-se, ainda, a expressividade das ocorrências criminais no âmbito da criminalidade rodoviária, nomeadamente na área desta comarca.

Assim, o tipo de criminalidade e o bem jurídico lesado exigem a efectiva afirmação da validade e vigência da norma, para a reposição da paz social, bem como para a dissuasão da comunidade da prática de crimes idênticos.

Já no que respeita às necessidades de prevenção especial, de neutralizar a conduta do agente e de reinseri-lo socialmente, as mesmas são elevadas.

É certo que o arguido confessou integralmente os factos e não revelou uma especial perigosidade. Porém, nos últimos anos, tem reiterado o seu confronto com o sistema jurídico-penal, daí sendo possível concluir que o arguido não interioriza efectivamente o significado da condenação e a pretensão de o dissuadir da prática de novos crimes. Aliás, as penas que lhe têm vindo a ser aplicadas nos últimos 15 anos revelam um crescendo de gravidade que, nem assim, têm demovido o arguido.

Assim, a sua conduta delituosa não é meramente ocasional, sendo ainda de frisar que o crime cometido nestes autos o é cerca de 48 horas após a concessão de liberdade condicional, sendo manifesta a frustração das expectivas que foram depositadas na integração do arguido e o incumprimento dos deveres inerentes a tal estatuto.

Carece de apoio familiar alargado, social e profissional, ao que acresce que o confronto com os Tribunais já se tem repercutido na sua liberdade, sendo que as sucessivas penas que lhe foram sendo aplicadas, encontrando-se na dita escala de gradação que permitia a sua ressocialização, não surtiram qualquer efeito (basta ver as revogações das penas substitutivas aplicadas e as penas de prisão efectivas já aplicadas, inclusive pelo mesmo tipo de crime).

A constante prática do mesmo crime não deixa de revestir particular censurabilidade, tendo que ser ponderada a persistência na violação do bem jurídico, sendo esta a sexta condenação pelo mesmo tipo de crime, pelos que as anteriores já transitadas em julgado não surtiram qualquer efeito, o que torna premente as exigências de prevenção especial.

Estas razões são determinantes para que se conclua pela necessidade de ressocialização do delinquente e efectiva dissuasão da prática de futuros crimes.

Vistas e ponderadas todas as circunstâncias do caso, as finalidades da punição apenas ficam suficientemente acauteladas e realizadas com a condenação do arguido em pena de prisão.

B) MEDIDA DA PENA

Determinada a pena a aplicar, há que proceder à sua dosimetria, que o artigo 71.º, n.º 1, do CP obriga a que, considerados os parâmetros definidos na lei, seja «(…) feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

De acordo com o Prof. Figueiredo Dias, «culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena… Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena (previstas no art.º 40º do Código Penal). Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção» (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Reimpressão, p. 214 e segs.).

Assim, para encontrar a medida concreta da pena devem tomar-se em conta as exigências de prevenir novos crimes através da estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada, reintegrando o agente, considerando todas as circunstâncias que depuserem a seu favor ou contra si, que têm sempre como limite inultrapassável a medida da culpa do agente, como postulam os artigos 40.º, n.os 1 e 2 e 71.º, n.os 1 e 2 do CP.

Desde logo, têm-se em consideração as necessidades de prevenção geral e especial supra esplanadas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

Consigna-se inexistirem quaisquer circunstâncias que façam parte do tipo e que relevem para a determinação da pena (artigo 71.º, n.º 2 do CP).

Prosseguindo com as demais circunstâncias do caso concreto, tem-se em conta e contra o arguido o forte grau de ilicitude da conduta e da violação dos deveres que lhe eram impostos, a intensidade do dolo, os motivos que o determinaram na prática do crime, os seus antecedentes criminais, as suas precárias condições económico-sociais e a impreparação para uma conduta social consciente.

Com efeito, o arguido apresentava uma relevante taxa de álcool no sangue, muito que não excessivamente superior à do liminar da criminalização.

O arguido agiu em contrariedade ao bem jurídico tutelado não mostrando qualquer respeito para com o mesmo, colocando com a mesma em perigo todos os utentes da via pública com quem se cruzasse.

Os factos foram cometidos volvidos 2 dias após a sua colocação em liberdade condicional, que se encontrava condicionada à abstenção do consumo de bebidas alcoólicas, o que o arguido não só incumpriu como fez acrescer o cometimento do ilícito pelo qual é aqui condenado (pela sexta vez). Tal consubstancia um total e profundo desrespeito para com os deveres que lhe eram impostos, sobretudo quando o arguido conheceu já condenações, com pena de prisão efectiva, pelo mesmo tipo de crime.

Ao arguido faz-se a mais grave censura ético-jurídica, que é a do dolo. De facto, a consciência ética do arguido estava orientada para o desvalor da acção, que quis realizar, o que fez com dolo directo (artigo 14.º, n.º 1 do CP). Quando praticou os factos, o arguido representou todos os elementos do tipo objectivo e, ainda assim, quis praticá-los.

O arguido possui diversos antecedentes criminais, inclusivamente por reporte ao mesmo crime. Como se viu, o percurso de vida do arguido tem vindo a ser pejado de condenações penais, as quais, até agora, têm procurado a sua reorientação e recuperação, mas sem qualquer sucesso.

O arguido não evidencia uma personalidade frontalmente desconforme ao Direito, mas, simultaneamente, não consegue agir em sua observância (já relevando aqui o seu consumo e a falta de autodeterminação decorrente do mesmo), deixando transparecer a falta de preparação para manter uma conduta lícita.

Por outro lado, ponderam-se a favor do arguido a sua confissão integral e sem reservas e o apoio familiar de que dispõe. De facto, resulta dos autos que o arguido encontra um grande suporte familiar, podendo, querendo, beneficiar ainda de integração laboral.

Além disso, cumpre, ainda, apreciar a culpa do agente, com reporte ao facto praticado e ao momento temporal em que o mesmo se verificou (direito penal do facto e não do agente), considerando que a pena concreta é fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa.

No caso concreto, a culpa do agente é intensa.

É certo que o arguido agiu em contrariedade às regras de conduta que se lhe eram impostas, sendo que lhe era exigível uma conduta diferente, pois tinha consciência e vontade de realização dos factos, sabendo que os mesmos eram proibidos por lei. Poderia e deveria ter agido de outra forma, sendo a sua conduta censurável.”

Vistas e ponderadas todas as circunstâncias do caso, bem como a abrangência da moldura penal permitida, é adequado que a medida da pena se traduza em 9 meses de prisão, pena na qual o arguido é condenado.”

Vistos os referidos fundamentos, com a fixação da duração da pena em 9 meses não se vislumbra a violação de qualquer preceito legal ou constitucional.

Com efeito, e como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, As consequências jurídicas do crime, 2ª reimpressão, pág. 215:

“A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”

Por outras palavras:

«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» (Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182).

Ainda no dizer do Prof. Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84: “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.

E quanto à “sindicância” da medida da pena pelo tribunal superior:

“Todos estão hoje de acordo em que é suceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis.

(…) a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena (…). Esta última posição é a mais correcta (…) mas já assim não será, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. – Figueiredo Dias, D.P.P., as consequências jurídicas do crime, 2ª reimpressão, 2009, pág. 197.

Ora, a pena não se revela de forma alguma desproporcionada perante o que provado se considerou.

Como é evidente, os antecedentes criminais do recorrente assumem especial relevância.

É que o mesmo já foi condenado, entre outros, pela prática de crime idêntico ao dos autos por 5 vezes, sendo que em algumas delas já foi condenado mesmo em prisão efectiva.

Por outro lado, praticou os factos dos autos apenas 2 dias depois de ter saído em liberdade condicional.

A t.a.s. detectada situa-se bem acima do limite a partir do qual a condução sob o efeito do álcool é considerada crime.

O arguido revela uma postura de total desinteresse pelas intervenções judiciais, tardando em fazer o mínimo esforço para adoptar comportamentos conforme o direito.

Atente-se que até às marcações para entrevista a fim de ser efectuado o relatório social, faltou.

Assim sendo, ponderando tudo o referido e os ensinamentos atrás indicados, entende-se que a duração da pena que foi fixada revela-se completamente adequada.

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SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA

Entende o recorrente que a pena de prisão deve ser substituída pela pena de suspensão da execução da mesma.

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

“De seguida, cumpre ponderar a suspensão da execução da pena, medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a 5 anos, como aqui sucede.

Trata-se de um poder-dever, ou seja, de um poder vinculado do julgador, que terá que a decretar sempre que se verifiquem os referidos pressupostos, previstos no artigo 50.º, n.º 1 do CP (cf. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 1996, 10.ª edição, p. 231).

Exige-se, desde logo, um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do condenado.

Dando por reproduzidas todas as circunstâncias que supra se apreciaram para a escolha e determinação da medida da pena, entende-se que as mesmas desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão.

Com efeito, o arguido tem colocado sucessivamente em crise o bem jurídico tutelado pela incriminação, receando o Tribunal que o arguido possa vir a sofrer nova recaída no mundo criminal, considerando a debilidade da sua inserção comunitária.

O arguido já beneficiou de penas suspensas, sem que as mesmas tenham tido qualquer efeito útil, pois reiterou a mesma prática criminosa. Aliás, afigurar-se-ia incompreensível conceder tal pena ao arguido quando já lhe viu aplicada pena de prisão efectiva em anterior condenação pelo mesmo tipo de crime, nada tendo feito ou dito que permita ao Tribunal ponderar a aplicação da suspensão (pelo contrário, o contexto em que o crime é cometido, dias após a sua libertação em liberdade condicional, dificultam a formulação desse juízo). Mais, a sociedade não compreenderia como é que depois da aplicação de uma pena de prisão por este tipo de crime, atendendo ao momento em que comete o dos autos, escassos dias após a sua libertação condicional, poderia beneficiar de nova oportunidade, especialmente quando o mesmo já foi submetido, por mais que uma vez e sem sucesso, a tratamento.

O arguido, que nesta data conta com menos de 40 anos, nos últimos 15 anos regista já mais de uma dúzia de confrontos com o sistema jurídico penal e foram-lhe aplicadas penas privativas da liberdade no seu total superiores a 3 anos. Ou seja, nem a mais gravosa reacção penal, que é a de cumprimento de pena de prisão efectiva, desviou o arguido de um caminho criminoso.

Muito embora o arguido pretenda a sua sujeição a tratamento, trata-se de uma chance que já lhe foi concedida e não se afigura sequer como ajustada quando o próprio reconhece que, após a data dos factos, mantém os seus consumos etílicos, situação que revela uma profunda falta de consciência crítica para a sua situação (uma vez que se encontra em situação de indigência e padece de epilepsia).

A confissão integral dos factos e a manifestação de arrependimento e vontade declarada pelo arguido de reparação da sua problemática, embora sejam circunstâncias relevantes na ponderação da suspensão da pena, não permitem esquecer que o arguido revela uma personalidade refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e que a aplicação de penas não privativas da liberdade, como a suspensão da execução da pena não têm obstado à prática de crimes de vária natureza.

Frise-se que os antecedentes criminais do arguido não são, por si só, automaticamente determinativos da efectividade da pena. Contudo, se perante os mesmos o Tribunal não consegue afirmar que não se irá verificar novo desrespeito à advertência ínsita na condenação judicial, não poderá fundamentar qualquer decisão que assente ou pressupunha a colaboração do arguido. Até agora, nada o afastou da continuação da prática de crimes, como deveria ter sucedido, não se vislumbrando como se pode esperar que tal venha a acontecer quando o arguido, beneficiando de liberdade condicional, retoma velozmente a sua indiferença para com o ordenamento jurídico.

Se é certo que as penas não podem jamais ter natureza retributiva, mas sim preventiva, cabe também ao condenado adoptar uma atitude proactiva e de empenho no cumprimento das suas obrigações legais, o que o mesmo tem vindo a frustrar sucessivamente: no presente, conta já com duas revogações de penas suspensa e o incumprimento do regime de adaptação à liberdade condicional.

Não é possível realizar um juízo de prognose sobre o comportamento do agente que lhe seja favorável, sendo que a censura dos factos e a ameaça de prisão não são suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição.

Consequentemente, não se julga adequada a suspensão da execução da pena.”

Sabe-se que que, como bem refere Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 77, “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição). Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40º, nº 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71º, nº 1, do CP).”

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artº 50º do C.P., é uma das penas substitutivas da pena de prisão efectiva, sendo até, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 337, “a mais importante das penas de substituição, por dispor de mais largo âmbito.”

Dispõe o nº 1 do referido preceito legal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tendo em consideração a referida redacção (na versão original de 1982 referia-se “pode suspender” e não “suspende”), conclui-se claramente que o legislador dá indicação que sempre que se verifiquem os referidos pressupostos, deve o julgador decretar a suspensão da execução da pena de prisão, conhecidos que são os malefícios do cumprimento de penas curtas de prisão.

Tal indicação saiu até reforçada com a nova redacção dada ao preceito legal em causa, pela L. 59/2007 de 4/9, que aumentou o limite máximo para a suspensão da execução da pena de prisão, de 3 para 5 anos.

Daí resulta que o tribunal tenha sempre que ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, desde que a mesma caiba dentro do acima referido limite de 5 anos, como é o caso dos autos.

Não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão (Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, C.P. anotado e comentado, pág. 178).

Ou por outras palavras: “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – Maia Gonçalves, C.P. Português, 18ª edição, pág. 215.

A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, págs. 342 e segs.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

(…)

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...).

Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).

Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.

No mesmo sentido: ac. do S.T.J. de 8/2/08, C.J., A.S.T.J., ano XVI, tomo I, pág. 227, relatado pelo Sr. Cons. Oliveira Mendes: “A par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime.”

Ora, tendo o arguido já beneficiado de várias suspensões de execução de pena de prisão, algumas delas revogadas, é fácil concluir que seria agora completamente incompreensível que, de novo, fosse aplicada essa suspensão.

O arguido continua profissional e socialmente desenraizado, não se vislumbrando qualquer contributo de eventual suspensão da pena para a sua reintegração.

Está, pois, excluída de forma evidente, a aplicação da referida pena de substituição.

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SUBTRACÇÃO DOS PONTOS

Como bem se refere o Ministério Público na resposta ao recurso, não está aqui em causa a subtracção de pontos na carta de condução do recorrente.

Não é aos tribunais que cabe, em primeira linha, aplicar tal subtracção, mas sim a entidade administrativa.

Se, e quando, tal vier a acontecer poderá o recorrente reagir processualmente contra tal decisão, não agora e aqui.

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APLICAÇÃO AUTOMÁTICA DA PENA ACESSÓRIA

O recorrente insurge-se acerca da aplicação automática da pena acessória de proibição de veículos com motor.

Trata-se de questão já há muito debatida e resolvida de forma uniforme.

De acordo com o Assento do STJ nº 5/99, de 17/06/1999, in DR, Série I-A, de 20/07/1999, “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal”.

O T.C. já se pronunciou no acórdão nº 143/1995 de 11/3/1995 no sentido de que não ocorre qualquer violação do artº 30º, nº 4, da C.R.P., uma vez que a aplicação da pena acessória não é feita de forma automática por virtude de aplicação de uma pena, mas sim por virtude da prática de um crime que é punível (punido) com penas diversas, tal como acontece em muitas outras situações (por exemplo em infracções económicas e contra a saúde pública).

Como se refere no indicado acórdão, a aplicação da pena acessória está submetida “aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade, de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito”.

Assim, também aqui o recorrente não tem razão.

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MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA

Escreveu-se a este propósito na sentença recorrida:

“D) PENA ACESSÓRIA

As penas acessórias, previstas no artigo 65.º e seguintes do CP, são aquelas que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal (na sua dependência), ainda que não automáticas da mesma (artigos 65.º, n.º 1 do CP e 30.º, n.º 4 da CRP).

«É condição necessária da sua aplicação, a condenação do agente numa pena principal mas já não, sua condição suficiente, pois que, como ensina Figueiredo Dias, torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (…). São-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer significa que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da apena principal e a medida concreta da pena acessória, sem todavia esquecer que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Dezembro de 2017, proc. 186/14.7GCLSA.C2).

Para o crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do CP, encontra-se prevista a pena acessória do artigo 69.º do CP, cujo n.º 1, alínea a) diz que «é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido (…) por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º».

Perante isso, têm-se em considerações as aludidas elevadas exigências de prevenção geral, mitigadas pelas relativas exigências de prevenção especial.

Contrabalançando o facto de a prevenção da sinistralidade rodoviária reclamar uma punição exemplar, encontra-se a aparente não perigosidade do arguido, sem prejuízo do grau de culpa na conduta descrita.

Vistas e ponderadas todas as circunstâncias do caso, bem como a abrangência da moldura, é adequado que a medida da pena se traduza em 15 meses, para cuja execução será de atender ao disposto no artigo 69.º, n.º 6 do CP.”

Como bem refere Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição, pág. 348, “Tal como no direito germânico, a sanção de proibição de conduzir veículos com motor é, no direito nacional, uma verdadeira pena acessória. Desde logo, a sua aplicação depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e, por isso, a pena deve ser graduada no âmbito de uma moldura”.

E mais adiante: “… devendo a graduação da pena atender ao grau de censurabilidade da conduta do agente e, nomeadamente, ao valor apurado da taxa de álcool no sangue”.

Temos, portanto, que a medida da pena acessória em causa há-de ser fixada tendo em conta os critérios definidos nos artºs 40º, nºs 1 e 2 e 71º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, considerando-se que como se referiu no ainda actual acórdão do tribunal constitucional de 14/12/1994 (sumário): “A ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição da faculdade de conduzir permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais” – B.M.J., 446, suplemento, 102).

É também pertinente a este propósito, e entre outros no mesmo sentido, o que se referiu no ac. da rel. de Coimbra de 14/1/2015, assim sumariado (na parte que interessa):

“XVI - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

XVII - A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232).”

Assim, na fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, há que ter em especial consideração o grau de perigosidade demonstrado pelo agente e essa perigosidade é demonstrada, entre o mais, pelo grau de álcool no sangue detectado.

É sabido que a condução de veículos automóveis é uma actividade extremamente perigosa e essa perigosidade constante é exponencialmente aumentada quando o condutor a leva a efeito sob a influência do álcool. E se a leva a efeito com uma taxa elevada, como a que foi detectada no recorrente (1,872 g/l), então o perigo é ainda mais evidente, quer para ele próprio, quer para todos os utentes da via pública.

Tais circunstâncias devem ser consideradas, mas não podem “branquear” a elevadíssima t.a.s. detectada e o enorme perigo que revestiu a condução levada a efeito pelo recorrente.

As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, conhecido que é o crescente número de acidentes de viação que ocorrem em Portugal e o enorme número de vítimas por eles causados, muitas vezes por virtude de condução sob o efeito do álcool.

Conforme consta nos relatórios de sinistralidade da A.N.S.R. (consultáveis em www.ansr.pt), com realces nossos:

- em 2016 o número de acidentes foi de 127.210 e em 2019 foi de 135.063 (sempre com subida nos anos intermédios);

- em 2016 o número de vítimas mortais foi de 445 e em 2019 foi de 472 (em 2017 foi de 510 e em 2018 foi de 508);

- em 2016 o número de feridos graves foi de 2.102 e em 2019 foi de 2.288.

Os anos de 2020 e 2021 foram anos atípicos, tendo em conta os constrangimentos provocados pela pandemia, mas sempre se dirá que em 2011 ocorreram 30.691 acidentes com vítimas, sendo 401 mortais e 2.297 feridos graves.

No ano 2022 registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 34.275 acidentes com vítimas, 473 vítimas mortais, 2.436 feridos graves e 40.123 feridos leves.

Entre janeiro e junho de 2023 registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 17.121 acidentes com vítimas, 238 vítimas mortais, 1.226 feridos graves e 19.886 feridos leves.

Comparando com o período homólogo de 2013, a tendência crescente foi visível nos diversos indicadores, com exceção do índice de gravidade (-14,8%).

Comparativamente a 2019, metade dos indicadores de sinistralidade apresentaram resultados decrescentes: menos 249 acidentes (-1,5%) e menos 994 feridos leves (-4,9%). Registou-se, contudo, que o número de vítimas mortais e de feridos graves aumentou (+7 e +72, respetivamente).

Comparativamente com o período homólogo de 2022, observaram-se aumentos nos principais indicadores no Continente: mais 1.358 acidentes (+9,0%), mais 24 vítimas mortais (+11,5%), mais 53 feridos graves (+5,0%) e mais 1.533 feridos leves (+8,7%). De salientar que, relativamente a 2022, no primeiro semestre do ano tem vindo a registar-se um aumento da circulação rodoviária com o correspondente acréscimo no risco de acidente, como se pode concluir do aumento de 10,4% no consumo de combustível rodoviário até junho de 2023, de acordo com dados da Direção-Geral de Energia e Geologia , e do aumento de 11,2% do tráfego médio diário da rede de auto estradas da APCAP - Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagens.

É evidente que não foi tudo provocado por condução sob a influência do álcool, mas muitos acidentes foram, como é por todos sabido.

As campanhas levadas a cabo não têm tido muito sucesso, principalmente perante os jovens. Mas o arguido já não é muito jovem (tem 38 anos) e, certamente bem ciente do perigo, tem mais que maturidade para, depois de ingerir álcool, não iniciar a condução automóvel.

A questão nem está na ingestão de álcool em excesso (esse é outro problema que, pelos vistos, bem afecta o recorrente); o que tarda é a adopção de comportamentos que “substituam” a condução após essa ingestão, muitos deles há muito interiorizados noutros países.

Por exemplo: regressar a casa de táxi ou de t.v.d.e; solicitar a outra pessoa (familiar ou amigo) que transporte quem ingeriu álcool; quando em grupo, combinar previamente que um dos elementos não ingerirá álcool a fim de efectuar a condução posteriormente, etc., etc..

A tudo o referido acresce, mais uma vez, as várias anteriores condenações pela prática de idêntico crime, sem que tenham surtido qualquer efeito.

Dir-se-á que esta também não irá surtir, pelo que não vale a pena aplicar sanções tão pesadas.

Assim poderá ser, mas, entretanto, há que proteger os demais utentes da via pública.

O recorrente já foi anteriormente condenado nas seguintes penas de proibição de condução de veículos com motor: 11 meses, 16 meses, 6 meses, 20 meses , 12 meses.

Ou seja, já por duas vezes foi condenado em penas com duração superior ao aqui decretado e mesmo assim voltou a praticar factos idênticos.

A diminuição da duração da pena acessória seria agora completamente injustificada e se a mesma peca é por “excesso de benevolência”, sendo certo que o limite mínimo é de 3 meses e o máximo é de 3 anos.

Pelo exposto, também por aqui, o presente recurso é improcedente.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Deverá o recorrente suportar as custas, com taxa de justiça que fixo em 3 UCS

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Évora, 6 de Fevereiro de 2024

Nuno Garcia

Artur Vargues

Maria Filomena Soares