Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
932/10.8PAOLH.E1
Relator: MARIA FILOMENA SOARES
Descritores: DIREITO À IMAGEM
VIDEOVIGILÂNCIA
VALIDADE DA PROVA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. A questão da validade da prova assente na obtenção e utilização da recolha de imagens não depende de que esta esteja, ou não, autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados.
2. A obtenção de fotogramas através do sistema de videovigilância existente em estabelecimento comercial, tendo este por finalidade a protecção de bens e da integridade física, não é método proibido de prova.
Decisão Texto Integral:
Secção Criminal
Recurso Penal nº 932/10.8 PAOLH.E1

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:
I
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 932/10.8 PAOLH, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, mediante acusação pública, foi submetido a julgamento, sem precedência de contestação, o arguido A, e por acórdão proferido e depositado em 27.10.2011, foi decidido:---
“(…)
- absolver o arguido A da acusação da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º n.º1 do CP (2. proc. 932/10), de cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e), e 75º, do CP (1. proc. 379/10, 3. proc. 449/10, 7. proc. 611/10, 8. proc. 1405/10, 9. proc. 615/10,), um crime de furto tentado, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 22º al. c), e 75º, do CP (5. proc. 483/10), e dois crimes de furto, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º4, e 75º, do CP (6. proc. 1449/10 e 12. proc. 24/11);
- condenar o arguido A pela prática de:
i. um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e), e 75º, do CP (4. proc. 454/10), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
ii. um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e), e 75º, do CP (10. proc. 627/10), na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
iii. um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e), e 75º, do CP (11. proc. 10/11), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
iv. um crime de furto, p. e p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º4, e 75º, do CP (13. proc. 22/11), na pena de 10 (dez) meses de prisão;
v. um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º n.º1 do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
vi. um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do CP, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
- condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido A na pena conjunta de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;
(…)”.---
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:---
“(…)
a) O Tribunal “a quo”, invocada a nulidade, por não autorizada pela Comissão de Protecção de Dados, dos meios de prova careada para os autos, obtidas por meio de videovigilância ilegal, valorou tais meios de prova para fundamentar a condenação do arguido por esses crimes;
b) Sucede que, em nosso modesto entendimento, tais provas são nulas e de nenhum valor, pelo que não podem fundamentar a condenação do arguido, inquinando toda a demais prova, recolhida por via da visualização de tais imagens;
c) Donde, porque nula a prova careada para os autos quanto aos apensos acima referidos [627/10.2GAOLH e 10/11.2GAOLH – especificação nossa de harmonia com a motivação da peça recursiva], nenhuma prova existe da prática dos factos pelo arguido que sirvam de fundamento á condenação.
d) Termos em que, por violação dos art. 192º do CP, art. 126, n.º 3 do CPP e art. 26º da C.R.P., deverá o arguido ser absolvido da prática de tais factos.
e) De qualquer modo, sempre se diga que, a pena aplicada ao arguido, é manifestamente excessiva.
f) O Tribunal “a quo” não ponderou correctamente as circunstâncias envoltas ao cometimentos dos crimes, designadamente o facto de o Recorrente, à data dos factos, ser consumidor de estupefacientes e não possuir qualquer estabilidade familiar nem social.
g) O arguido tem vivido institucionalizado quase toda a sua vida, sem que lhe tenha sido dada uma oportunidade de real e efectiva reinserção social.
h) Assim sendo, o Tribunal “a quo” não ponderou e valorou correctamente o circunstancialismo envolto no cometimento dos crimes, o tipo de criminalidade, valor e danos provenientes do mal do crime, traduzindo-se numa incorrecta graduação do grau de ilicitude e culpa do recorrente, os quais salvo melhor opinião, não se revelaram elevados ao ponto de justificarem a pena concretamente aplicada.
i) Assim, o douto acórdão violou os arts. 70º e 71º do CP por aplicar ao arguido pena excessiva.
Termos em que,
Deve o presente recurso ser procedente, e por via dele, ser declarada a nulidade das provas recolhidas por videovigilância e demais prova recolhida por via dessas imagens, devendo o arguido ser absolvido de tais crimes.
Não obstante,
Sempre se diga que, a medida da pena é manifestamente excessiva devendo o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que lhe determine pena inferior à que lhe foi aplicada.
Fazendo-se assim
JUSTIÇA!”.---
Notificado, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, respondeu ao recurso interposto, concluindo que:---
“a) a validade das imagens retiradas do sistema de videovigilância instalado no local assaltado não depende de tal sistema estar ou não autorizado pela CNPD;
b) só se a recolha e uso das imagens fossem ilícitos, nos termos da lei penal, é que essa prova não seria válida, como resulta do art. 167, nº: 1 do CPP;
c) a prova referida é válida, pois que não se verifica nenhum ilícito penal na sua recolha e no seu uso, sendo infundada a pretensão do recorrente de que tal prova seja considerada nula;
d) a medida da pena – aplicada em cúmulo - está devida e correctamente fundamentada no acórdão;
e) pretendendo uma alteração da pena fixada, o recorrente não invoca circunstâncias que ponham em causa tal fundamentação e justifiquem uma medida diferente;
f) pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.”.---
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, expondo nos termos seguintes:---
“1.- O cerne da questão que o arguido A suscita no recurso que interpõe do acórdão de fls. 582 e sgs, que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão pela prática de crimes de furto, dano e introdução em lugar vedado ao público prende-se com a (in) admissibilidade dos fotogramas como elementos probatórios.
Como resulta da fundamentação sobre a decisão proferida sobre matéria de facto a decisão recorrida e, no que concerne à autoria dos factos em causa nos proc. n.os 627/10 e 10/1, atendeu às imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado no estabelecimento onde o arguido furtivamente se introduziu.
Entende o recorrente que a gravação de imagens suas através do referido sistema de videovigilância, sem o seu consentimento, resulta numa intromissão manifesta na sua vida privada e numa compressão inaceitável do direito à imagem sendo tais provas assim obtidas nulas nos termos do n° 3 do art.º 126º do CPP e art.º 26.º da CRP.
A decisão recorrida desenvolvidamente e, com mestria, tomou posição sobre tal questão em termos que, com a devida vénia, se subscrevem.
Na verdade, parece inquestionável hoje que o direito à imagem e o direito à reserva da vida privada constituem direitos distintos. - nesse sentido, cfr. ACRL de 15.2.89, CJ, 1989, T1, pag.154.
E, no caso, não houve violação da vida privada do arguido, porquanto, não houve um concreto e especifico aspecto da sua vida íntima que tenha sido violado e, como é comummente assente, apenas o “núcleo duro” da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita é que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas.
Assim, como salienta a decisão, entendimento que se acolhe, a previsão do art.º 126.º, 3, do Código de Processo Penal [1] - Métodos proibidos de prova -, reportando-se à intromissão na vida privada em si, não deverá tutelar a violação do direito à imagem, que é o que está em causa nos presentes autos.
O valor probatório das reproduções de imagem tem acolhimento no art.º 167.º, 1, do CPP, ao dispor que as reproduções fotográficas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
E, nos termos do CP - art.º 199.º, 2, - é ilícita a conduta de quem contra a vontade, (...) Fotografar ou filmar outra pessoa, (...).
No caso, a captação de imagens do arguido pelo sistema de vídeovigilância foi contra a sua vontade e inexistia, à data, autorização da CNPD para a recolha de imagens de pessoas pelo referido sistema de videovigilância, - A imagem de uma pessoa constitui um «dado pessoal», constituindo a sua recolha e registo uma operação de «tratamento de dados pessoais ( art. 3° ai. a) e b) da lei 67/98 de 26/10 -Lei de Protecção de Dados Pessoais - ) [2] pelo que, sendo assim, e em principio, seria de concluir pela ilicitude das imagens recolhidas e, uma vez reproduzidas como meio de prova, seriam um método de prova ilegal.
__________________________
[1] Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular
[2] Acaso existisse essa autorização a recolha de imagens e a sua utilização estariam cobertas por uma autorização legal o que excluiria a ilicitude - art° 31.º, 1, do CP (aquilo que é licito num ramo do direito não pode ser ilícito no direito penal)
__________________________

Mas, quer-nos parecer, que a solução para a questão, como aliás já vem explanado fundadamente na decisão recorrida, terá de se procurar noutra sede, ou seja, com apelo à teoria da ponderação de valores conflituantes, ou seja, no binómio direito à propriedade, à segurança de pessoas e bens versus direito à imagem, todos com garantia constitucional - art.ºs, 62.º, 27.º e 26.º da CRP - e, a resolver, como bem refere a decisão, no quadro da harmonização imposta por um juízo de proporcionalidade ancorado nas circunstâncias do caso, à luz dos três critérios em que se analisa aquele juízo de proporcionalidade: a idoneidade a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Ora, no caso, a videovigilância era adequada ao fim visado (captação de imagens), inexistindo outro meio eficaz de alcançar esse fim, dada as intrusões já ocorridas no local, com arrombamento e durante a noite, o que justifica a sua necessidade e bem assim a sua proporcionalidade.
E, sendo assim, a utilização do sistema de videovigilância mostra-se justificada no quadro do aludido conflito de direitos, tornando lícita a recolha de imagens, afastando, assim, a previsão do art.º 199.º, 2, al. a) do CP.
Ademais, existindo justa causa para tal procedimento, ou seja, com a instalação do sistema de vídeovigilância visava-se a protecção de pessoas e bens, constituindo um meio necessário e apto a repelir eventual agressão ilícita do património, quer-nos parecer, que a captação de imagens do arguido, sem o seu consentimento, é mesmo criminalmente atípica, como, já o entendeu o ACRL de 04.03.2010, prolatado, no Proc. 1630708. 8PFSXL.L1.
E, a utilização dessas imagens como meio de prova, como no caso, justifica-se por exigências de justiça, ou melhor, para o interesse na realização da justiça e para o exercício do ius puniendi por parte do Estado, tanto mais que, inexiste qualquer outro meio probatório que permita ou permitisse a imputação da autoria dos factos ao arguido.
E, assim, afigura-se-nos, que sendo legítima e legal, quer a recolha de imagens, quer a sua posterior utilização como meio de prova, não ocorre a nulidade invocada decorrente do uso de provas proibidas.
2.- O recorrente também questiona a medida da pena, considerando-a excessiva.
Mas sem razão, com o devido respeito.
A decisão especifica os fundamentos que presidiram à escolha da espécie e da medida pena, ou seja, atendeu aos critérios orientadores plasmados nos art.º 40.º, 70.º, 71.º, 75.º e 77.º do CP, em termos que, se nos afigura, ser de acolher, mostrando-se justas e equilibradas as penas parcelares aplicadas e bem assim o cúmulo jurídico operado.
(…)”
Conclui, em consequência, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no sentido da improcedência do recurso apresentado e da confirmação da decisão impugnada.---
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.---
Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.---
Foi realizada a conferência.---
Cumpre apreciar e decidir.---
II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82). ---
Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):---
No tocante à matéria de facto:---
1. Se é nula (ou não) a prova obtida por sistema de videovigilância, sem o consentimento do visado e inexistindo licença da Comissão Nacional de Protecção de Dados, representando a sua utilização, no entender do recorrente, uma intromissão manifesta na vida privada e uma compressão inaceitável do direito à imagem, sendo, por isso, nulas, nos termos do preceituado no artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal, as provas conseguidas através de tal sistema de videovigilância.---
No tocante à matéria de direito:---
2. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de direito no tocante à medida da pena única aplicada ao arguido, por se revelar manifestamente excessiva.---
III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, o acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (a cuja transcrição se procede na parte pertinente e necessária ao conhecimento do presente recurso):---
“(…)
2. Factos provados
1. Proc. 379/10.6GAOLH
1) No período compreendido entre as 03 hrs. e as 05 hrs. do dia 8 de Julho de 2010, na Estrada Nacional nº 125, em Belmonte de Baixo, Olhão, pessoa não apurada aproximou-se do estabelecimento de restauração denominado Restaurante Tradição, partiu parte do vidro de uma janela exterior, obtendo uma abertura pela qual abriu a janela, e entrou na marquise do restaurante, partindo depois o vidro de outra janela, através da qual penetrou no restaurante.
2) Do interior do estabelecimento retirou:
- um relógio de pulso.
- pelo menos 30 euros, acondicionados numa caixa registadora.
- pelo menos 400 euros, acondicionados numa lata de gorjetas.
- vários gelados.
3) Estes bens não foram recuperados.
2. Proc. 932/10.8PAOLH
1) No dia 7 de Agosto de 2010, à tarde, em rua próxima das instalações da PSP, em Olhão, o arguido A esteve com D.
3. Proc. 449/10.0GAOLH
1) Na madrugada de 21 de Agosto de 2010, na Estrada Nacional nº 125, em Belmonte de Baixo, Olhão, pessoa não apurada aproximou-se do estabelecimento de restauração denominado Restaurante Tradição, partiu parte do vidro de uma janela exterior, obtendo uma abertura pela qual abriu a janela, e entrou na marquise do restaurante, partindo depois o vidro de outra janela, através da qual penetrou no restaurante.
2) Do interior do estabelecimento retirou pelo menos 30 euros, acondicionados numa caixa registadora.
3) Aquela quantia não foi recuperada.
4. Proc. 454/10.7GAOLH
1) No dia 24 de Agosto de 2010, entre as 04.00 e as 05 hrs., no sítio de Bela Mandil, Olhão, o arguido A dirigiu-se ao estabelecimento de restauração denominado Casa Oliveira e, uma vez nas imediações do estabelecimento, partiu o vidro de uma janela, entrando dessa forma na esplanada fechada do restaurante, e depois cortou a parte inferior da porta que separa aquela esplanada do interior do restaurante, ao qual acedeu.
2) Após, retirou do interior do estabelecimento:
- pelo menos 100 euros, em moedas, acondicionados no interior de uma máquina de bolas.
- pelo menos 30 euros, em moedas, acondicionadas em recipiente de gorjetas.
- pacotes de batatas fritas, bollycaos e sumos, no valor total de cerca de 5 euros.
- um jogo electrónico no valor de 5 euros.
- moedas, de valor não apurado, existentes na caixa registadora.
3) O jogo e os pacotes de batatas fritas, os bollycaos e os sumos foram recuperados, não tendo sido recuperados os demais valores.
4) O arguido A agiu como descrito de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os mencionados objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a sua introdução por uma janela cujo vidro partiu e por uma porta que cortou, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário.
5) O arguido A, para tanto, sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os mencionados objectos que lhe pertenciam.
6) O arguido ainda sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
5. Proc. 483/10.0GAOLH
1) Na madrugada de 13 de Setembro de 2010, na Estrada Nacional nº 125, em Belmonte de Baixo, Olhão, pessoa não apurada aproximou-se do estabelecimento de restauração denominado Restaurante Tradição, partiu parte do vidro de uma janela exterior, obtendo uma abertura pela qual abriu a janela, e entrou na marquise do restaurante, partindo depois o vidro de outra janela, através da qual penetrou no restaurante.
2) Do interior do estabelecimento não foram retirados quaisquer bens.
6. Proc. 1449/10.6PAOLH
1) No dia 27 de Novembro de 2010, entre as 23.00 hrs. e as 00.00 hrs., na Avenida Operários Conserveiros n.º8, Olhão, pessoa não identificada aproximou-se do estabelecimento denominado China Home, partiu o vidro da porta do estabelecimento, e, pela abertura criada, acedeu ao seu interior, de onde retirou:
- 10 euros em dinheiro.
- dois pares de sapatos, com um valor global de 30 euros.
7. Proc. 611/10.6GAOLH
1) No período temporal compreendido entre as 13.00 hrs. do dia 27 de Novembro de 2010 e as 09.15 hrs. do dia 29 de Novembro de 2010, no sítio de Belmonte, Olhão, pessoa não identificada aproximou-se do estabelecimento denominado Stand Luxgarb, sito na Estrada Nacional nº 125, partiu o vidro da porta das traseiras e acedeu ao seu interior, de onde retirou:
- um anel, no valor de 39,17 euros.
- um chocolate, no valor de 1 euro.
- um par de calças, no valor de 669,55 euros.
- três t-shirts, no valor global de 109,53 euros.
- um blusão, no valor de 672,58 euros.
- um blusão, no valor de 800,77 euros.
- 4.300 euros em dinheiro.
2) Estes bens não foram recuperados.
8. Proc. 1405/10.4PAOLH
1) No período compreendido entre as 19.00 hrs. do dia 27 de Novembro de 2010 e as 09.00 hrs. do dia 28 de Novembro de 2011, no Largo João da Carma, Olhão, pessoa ou pessoas não identificadas aproximaram-se da oficina com o nº 24 (r/c), abriram a porta da entrada de forma não apurada e acederam ao seu interior, de onde retiraram:
- vários rolos de fio de cobre;
- variada ferramenta de peças e rolamentos;
- vários motores arejadores;
- pelo menos seis motores eléctricos;
- dois micrómetros;
- dois aparelhos de medição eléctrica;
- fio de cobre usado;
- várias latas de verniz;
- uma calculadora;
- uma fotocopiadora;
objectos que perfazem um valor global de pelo menos 2.500 euros, tendo sido recuperado apenas fio de cobre desbobinado.
9. Proc. 615/10.9GAOLH
1) No período temporal compreendido entre as 19.00 hrs. do dia 29 de Novembro de 2010 e as 08.30 hrs. do dia 30 de Novembro de 2010, no sítio de Belmonte, Olhão, pessoa não identificada aproximou-se do estabelecimento denominado Stand Luxgarb, sito na Estrada Nacional nº 125, partiu o vidro da porta das traseiras e acedeu ao seu interior, de onde retirou:
- um plasma, no valor de 699 euros.
- um DVD, no valor de 24,90 euros.
- um Titan Model G, no valor de 59,99 euros.
- um DVD, no valor de 39,99 euros.
- pelo menos 15 euros em dinheiro.
2) Estes bens não foram recuperados.
10. Proc. 627/10.2GAOLH [destaque nosso]
1) No período temporal compreendido entre as 19.00 hrs. do dia 6 de Dezembro de 2010 e as 03.00/04.00 hrs. do dia 7 de Dezembro de 2010, no sítio de Belmonte, Olhão, o arguido A aproximou-se do estabelecimento denominado Stand Luxgarb, sito na Estrada Nacional nº 125, partiu o vidro da porta do escritório das traseiras e por ela acedeu ao seu interior, de onde retirou:
- três telemóveis, no valor global de 975 euros.
- uma chave em ouro, no valor de 145 euros.
- dinheiro em valor não apurado.
2) Estes bens não foram recuperados.
3) O arguido A agiu, como se descreveu, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os mencionados objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura (partir o vidro) da porta do escritório das traseiras, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário.
4) O arguido A sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam.
5) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
11. Proc. 10/11.2GAOLH [destaque nosso]
1) Entre as 19.00 hrs. do dia 3 de Janeiro de 2011 e as 08.30 hrs. do dia 04 de Janeiro de 2011, no sítio de Belmonte, Olhão, o arguido A aproximou-se do estabelecimento denominado Stand Luxgarb, sito na Estrada Nacional nº 125, partiu o vidro de uma janela das traseiras e acedeu por ela ao seu interior, do qual retirou:
- quatro gelados, no valor global de 2,63 euros.
- três canetas, no valor global de 134,29 euros.
- um perfume, no valor de 28 euros.
- uma garrafa, no valor de 99,96 euros.
- uma máquina fotográfica, no valor de 20 euros.
- um porta-cartões, no valor de 29,77 euros.
- um bluetouch, no valor de 164,27 euros.
- um road tech bluetouch, no valor de 328,53 euros.
- 100 euros em dinheiro.
2) Apenas o perfume foi recuperado na sequência de intervenção policial.
3) O arguido A agiu, como se descreveu, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os mencionados objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura (partir o vidro) da janela das traseiras, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário.
4) O arguido A sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam.
5) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
12. Proc. 24/11.2PAOLH
1) No período compreendido entre as 21.00 hrs. do dia 6 de Janeiro de 2011 e as 08.00 hrs. do dia 7 de Janeiro de 2011, na Rua Vasco da Gama, nº 40, Olhão, pessoa não identificada aproximou-se do estabelecimento denominado Luís Palermo, partiu o vidro inferior da porta e entrou no estabelecimento através a abertura assim criada.
2) No interior, retirou e levou consigo a gaveta da caixa registadora e uma máquina de brindes, no valor de 64 euros.
13. Proc. 22/11.6PAOLH
1) No dia 9 de Janeiro de 2011, cerca das 02.40 hrs., na Rua do Comércio, Olhão, o arguido A aproximou-se do estabelecimento denominado Farracha e, com vista a nele entrar, tentou partir o vidro da porta da frente, o que não conseguiu, apesar de o ter estalado.
2) De seguida dirigiu-se ás traseiras do estabelecimento, onde arrancou os rebites que seguravam uma placa da metade inferior de uma porta que dava acesso ao interior do estabelecimento, e levantou essa placa, entrando no estabelecimento pelo buraco assim criado.
3) Depois percorreu o interior do estabelecimento e retirou os seguintes objectos:
- um telemóvel Alcatel, no valor de 50 euros.
- 0,90 euros em moedas.
4) Entretanto, o arguido A foi surpreendido pelos proprietários e, mais tarde, detido por agentes da Polícia de Segurança Pública, na posse dos mencionados objectos, após ter encetado uma fuga.
5) Os objectos referidos em 3 foram apreendidos ao arguido.
6) O arguido A agiu, como acima se descreveu, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura (nos moldes ora descritos) na porta das traseiras, para aceder ao seu interior, bem sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário.
7) O arguido A, para tanto, sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam.
8) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
Anteriores condenações e factos pessoais:
1) O arguido foi condenado:
i. por decisão de 15.12.1999, transitada em 12.01.2001 [proc. 591/99 do Tribunal de Cascais], na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, pela prática de um crime de roubo, p. pelo art. 210º n.º1 do CP [no dia 21.06.1999, por volta das 01.00 hrs., o arguido e três indivíduos (um deles menor de 16 anos) encontravam-se num local designado Paredão, perto de um túnel situado em frente à estação de caminhos de ferro do Monte Estoril; quando no local passava C, pediram-lhe tabaco; o pedido não foi logo satisfeito e eles aproximaram-se, tendo-se o arguido atravessado, com uma bicicleta que detinha, à frente do C; em seguida, um dos indivíduos empurrou o C e encostou-o a um banco ali existente; enquanto o arguido e os demais indivíduos seguravam o C, outro dos indivíduos revistou-o e retirou-lhe 10.000$00 que tinha na carteira, e um telemóvel que foi logo devolvido].
Por decisão de 11.10.2000, foi revogada a suspensão da pena de prisão aplicada.
O arguido esteve preso preventivamente de 21.06.1999 a 15.12.1999. Voltou a ser preso, à ordem deste processo, em 23.01.2005, tendo cumprido pena até 14.06.2005 (iria atingir o termo da pena em 30.04.2006).
ii. por decisão de 29.06.2005, transitada em 14.07.2005 [proc. 388/04 do Tribunal de Olhão], nas penas de 2 anos e 6 meses e 3 anos de prisão, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP [no dia 04.05.2004, cerca das 18.30 hrs., em Olhão, o arguido dirigiu-se a uma residência, subiu o muro circundante, passou para o telhado onde partiu uma clarabóia e assim entrou na moradia, de onde retirou um televisor, um rádio leitor de cassetes e cd, um fio eléctrico, um calção, uma camisola, dois jogos de toalhas, um candeeiro, um relógio, um par de chinelos, artigos de cozinha, uma jarra de loiça, dicionários e livros, e copos de cristal; volvidos cerca de 30 mins., regressou à residência e retirou uma torradeira, uma cafeteira, uma máquina de cortar azulejos e uma chave busca pólos, tendo sido interceptado no interior da residência; no dia 23.07.2004, entre as 01.40 e as 02.10 hrs., o arguido dirigiu-se a um snack bar sito em Aldeia Marim, Quelfes, Olhão, entrando por uma janela que se encontrava a mais de um metro de distância do solo e que forçou e abriu, e de onde retirou 659,95 euros e 59 maços de tabaco].
Foi aplicada a pena conjunta de 4 anos de prisão.
Cumpriu a pena a partir de 14.06.2005 até 02.05.2008 (data em que passou a estar ligado ao proc. 53/02 do Tribunal de Loures).
iii. por decisão de 04.12.2006, transitada em 19.12.2006 [proc. 384/05 do Tribunal de Olhão], na pena de 5 meses de prisão, pela prática em 28.07.2005, de um crime de consumo de estupefacientes, p. pelo art. 40º n.º2 do DL 15/93, de 22.01 - pena extinta pelo cumprimento, o qual ocorreu entre 14.12.2008 e 14.05.2009.
iv. por decisão de 12.04.2007, transitada em 27.04.2007 [proc. 53/02 do Tribunal de Loures], na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. pelo art. 210º n.º1 do CP [no dia 21.01.2002, o arguido e outro indivíduo, na execução de plano, dirigiram-se ás imediações de uma escola primária em S. João da Talha, Loures, aproximaram-se de B, e aquele indivíduo pediu-lhe o telemóvel para fazer uma chamada, ao que o B disse que não o tinha consigo; o indivíduo deitou então a mão a um fio em ouro que o B tinha ao pescoço e puxou-o, partindo-o, e retirou-lhe um relógio do pulso; o arguido encostou o B à parede enquanto aquele indivíduo retirava aqueles objectos].
Foi realizado o cúmulo com as penas aplicadas no processo 388/04, tendo sido fixada a pena conjunta de 5 anos e 3 meses de prisão - esteve preso à ordem deste processo entre 02.05.2008 e a data da sua libertação condicional.
v. por decisão do tribunal de Penas de 30.09.2009, data em que foram emitidos os mandados de libertação, foi concedida a liberdade condicional ao arguido até ao dia 30.03.2010 à ordem do proc. 591/99, e até 30.12.2011 à ordem do proc. 53/02.
O arguido provém de um grupo familiar numeroso (12 irmãos), com um estrato sócio económico carenciado. Quando o arguido tinha um ano de idade ocorreu a ruptura da relação conjugal dos pais e posterior abandono dos filhos. A avó materna viria a cuidar do arguido e um outro irmão, constituindo-se a sua única referência afectiva, perdendo o arguido qualquer contacto com os pais e demais irmãos.
Ingressou na escola, protagonizando precocemente dificuldades de aprendizagem e a adopção de comportamentos desajustados, num crescendo de desadaptação ao contexto escolar. Posteriormente e por decorrência de uma vivência de rua e inserção em grupo de pares de cariz marginal, protagonizou comportamentos de índole desviante, com subsequente envolvimento com o sistema de Justiça, o que determinaria o seu internamento no centro Educativo da Bela Vista, entre os 13 e os 17 anos de idade, onde concluiu o 9º ano de escolaridade.
Após o período de internamento, durante o qual perdeu o contacto com a avó materna, permaneceu durante algum tempo em Lisboa, em casa de amigos, que referiu ter conhecido no Centro Educativo, registando então os primeiros consumos de estupefacientes em moldes pontuais e em contexto de grupo.
Exerceu actividades de cariz indiferenciado, como servente de pedreiro e mariscador, sem vínculo laboral e de forma irregular, ocupando o seu tempo livre de forma desestruturada e sem qualquer suporte familiar de retaguarda.
Na sequência da concessão de liberdade condicional, o arguido voltou a residir na Ilha do Coco, em Olhão, numa casa de madeira construída pelo próprio, com deficitárias condições de habitabilidade.
Posteriormente e por decorrência do estabelecimento de uma relação de namoro, passou a pernoitar em casa da namorada, no Bairro Fundo Fomento Habitação, em Olhão, ocupando posteriormente uma casa abandonada, situação que mantinha à data da prisão.
Dedicava-se à apanha de bivalves, com objectivos de cariz imediatista, pautando-se o seu quotidiano pela inactividade ocupacional.
Não tinha suporte familiar, usufruindo de algum apoio da namorada e respectivo agregado através da toma de algumas refeições.
Revela exígua consciência do desvalor da sua conduta passada, que justifica como associada a factores externos nomeadamente ao consumo de drogas e às suas difíceis condições de vida.
Revela igualmente alguma ligeireza e imaturidade na forma como encara o futuro, denotando sérias dificuldades em delinear um plano de vida alternativo.
Reconhece os efeitos do delito para o próprio e para eventuais vítimas, mas tende a minimizá-los face a necessidades pessoais.
É, em meio prisional, referenciado como detentor de um comportamento desajustado, primacialmente em termos relacionais, o que originou há alguns meses um processo disciplinar.
Regista apenas visitas da namorada, com ausência de visitas do pai aquando das visitas que este tem efectuado a um irmão do arguido, também recluso.
Durante o acompanhamento de liberdade condicional a que se encontrava sujeito e até à data da prisão, não interiorizou e incumpriu grosseiramente as obrigações inerentes à flexibilização da pena, bem como as respectivas injunções.
3. Factos não provados
Não se logrou provar que:
1. Proc. 379/10.6GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 00.30 hrs. e as 10.30 hrs., tendo sido fracturada uma janela com o uso de uma chave de fendas;
b) o restaurante situa-se em Pechão;
c) os factos referidos em 1) e 2) foram praticados pelo arguido A, que agiu de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que se encontravam no interior do estabelecimento, mediante a sua introdução por uma janela por si fracturada para esse efeito, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do legítimo proprietário, que ao agir pela forma descrita, contrariava a vontade do legítimo proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e que sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
2. Proc. 932/10.8PAOLH
a) no dia referido em 1), cerca das 17.25 hrs., na Avenida 5 de Outubro, junto aos mercados municipais, em Olhão, o arguido A, fazendo-se transportar numa bicicleta, arrancou da mão de D uma nota de 20 euros, colocando-se em fuga - quantia que não foi recuperada.
b) o arguido A agiu como se descreve de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer sua a nota de 20 euros, sabendo que constrangia a vontade da D em entregar a mencionada quantia monetária, mediante a utilização da sua superioridade física[1]; sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar o objecto que lhe pertencia; sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
3. Proc. 449/10.0GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 01.15 hrs. e as 10.30 hrs. do dia 21 de Agosto de 2010, tendo sido fracturada uma janela com o uso de uma chave de fendas;
b) o restaurante situa-se em Pechão;
c) foram retirados 50 euros da caixa registadora e 450 euros acondicionados numa lata de gorjetas.
d) os factos referidos em 1) e 2) foram praticados pelo arguido A, que agiu de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que se encontravam no interior estabelecimento, mediante a sua introdução por uma janela por si fracturada para esse efeito, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do legítimo proprietário, que ao agir pela forma descrita, contrariava a vontade do legítimo proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e que sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
4. Proc. 454/10.7GAOLH
a) os factos referidos em 1) ocorreram cerca das 05.10 hrs.;
b) o arguido entrou no restaurante mediante (e apenas) a fractura da janela, junto à respectiva entrada (diferentemente do que consta em 1).
c) as moedas, acondicionadas no interior de máquinas de bolas perfaziam 200 euros, e as gorjetas perfaziam 60 euros.
5. Proc. 483/10.0GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 00.00 hrs. e as 05.25 hrs. do dia 21 de Agosto de 2010, tendo sido fracturada uma janela com o uso de uma chave de fendas;
b) o restaurante situa-se em Pechão;
c) os factos referidos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que se encontravam no interior estabelecimento, mediante a sua introdução por uma janela por si fracturada para esse efeito, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do legítimo proprietário, que ao agir pela forma descrita, contrariava a vontade do legítimo proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e que sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
6. Proc. 1449/10.6PAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram cerca das 23.30 hrs., tendo sido ainda fracturada a porta do estabelecimento.
b) parte da quantia monetária foi recuperada.
c) os factos descritos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu, como descrito, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura da porta de entrada e respectivo vidro, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário, e sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
7. Proc. 611/10.6GAOLH
a) os factos descritos em 1 ocorreram até ás 09.30 hrs. do dia 29.11.2010.
b) os factos descritos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu, como se descreve, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura do vidro da porta das traseiras, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário, e sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e ainda sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
8. Proc. 1405/10.4PAOLH
a) em 1), foi utilizada uma chave falsa para abrir a fechadura da porta.
b) foram retirados ainda um jogo de chaves de caixa e isolamentos de bobinagem, e onze (e não apenas seis, como apurado) motores eléctricos.
c) o valor total dos objectos retirados ascendia a 3.000 euros.
d) nenhum dos objectos foi recuperado.
e) os factos descritos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu, como se descreve, de forma livre, consciente e deliberada, em conjugação de esforços e de forma concertada, visando fazer seus os objectos que estavam acondicionados no interior da oficina, mediante a utilização de uma chave falsa para abertura da porta de entrada, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário, e sabendo que ao agir pela forma descrita, contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
9. Proc. 615/10.9GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 19.20 hrs. do dia 29.11.2010 e as 08.00 hrs. do dia 30.11.2010 (diferentemente do que consta em 1).
b) os factos descritos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu, como se descreve, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura do vidro da porta das traseiras, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário, e sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e ainda sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
10. Proc. 627/10.2GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 19.20 hrs. do dia 06.12.200 e as 00.05 hrs. do dia 07.12.2010 (diferentemente do que foi apurado).
b) o dinheiro retirado ascendia a 20 euros.
c) o arguido agiu em conjugação de esforços e de forma concertada[2].
11. Proc. 10/11.2GAOLH
a) os factos descritos em 1) ocorreram entre as 21.40 e as 22.00 hrs. do dia 03.01.2011.
12. Proc. 24/11.2PAOLH
a) os factos descritos em 1) podiam ter ocorrido entre as 20.00 e as 21.00 hrs. do dia 06.01.2011.
b) foi partido o vidro da montra.
c) ainda no estabelecimento, foi partido o depósito de dinheiro da máquina de brindes que aí se encontrava, tendo daí sido retirado uma quantia aproximada de 20 euros em moedas.
d) os factos descritos em 1) foram praticados pelo arguido A, que agiu, como se descreve, de forma livre, consciente e deliberada, visando fazer seus os objectos que estavam no interior do estabelecimento, mediante a fractura da porta das traseiras, para aceder ao seu interior, sabendo que, para tanto, contrariava a vontade do proprietário, e sabia que ao agir pela forma descrita contrariava a vontade do proprietário em entregar os objectos que lhe pertenciam, e ainda sabia que a sua conduta era proibida e punida, não se inibindo de actuar pela forma descrita.
13. Proc. 22/11.6PAOLH
a) em 1), o arguido partiu o vidro da porta da frente do estabelecimento e seguidamente escalou a fachada do edifício do estabelecimento para se dirigir à porta das traseiras (diferentemente do que consta em 2).
4. Fundamentos da decisão sobre os factos em discussão
1. Proc. 379/10.6GAOLH, 3. Proc. 449/10.0GAOLH e 5. Proc. 483/10.0GAOLH
O apuramento dos factos descritos em 1 a 3 (proc. 379/10.6GAOLH), 1 a 3 (proc. 449/10) e 1 e 2 (proc. 483/10) decorreu dos depoimentos, honestos e convincentes, das testemunhas E [que à data trabalhava no estabelecimento em causa, cuja situação conhecia e ao qual se deslocava após as ocorrências verificadas] e F [proprietário do estabelecimento, ao qual se deslocou em todas as ocasiões em causa], em articulação com os documentos de fls. 3/7 (auto de denúncia) do proc. 379/10, fls. 3/7 (auto de denúncia) do proc. 449/10 e fls. 3/10 do proc. 483/10 - estes na exacta fixação da data dos factos (que seria a data da realização da diligência reportada nos documentos)[3].
2. Proc. 932/10.8PAOLH
A fixação da matéria descrita em 1 decorreu do depoimento da testemunha D, que interveio nos factos. Esta testemunha revelou, em julgamento, uma dinâmica dos factos muito diversa daquela que constava do despacho de acusação, referindo, de um lado, que o arguido apenas a enganara numa transacção de droga, e, de outro lado, que a subtracção da nota fora realizada por outro indivíduo (e em termos algo distintos dos que se descrevem na acusação). Confrontada com as suas declarações a fls. 12 do processo principal (validamente lidas em audiência), manteve a versão, nova, trazida a julgamento, embora não soubesse explicar porque identificara o arguido como o autor da subtracção. Pese embora estas declarações, lidas, pudessem ser directamente consideradas no apuramento dos factos, a verdade é que a postura da testemunha em julgamento (comprometida e distraída, como se se tratasse de realidade que lhe não respeitava ou a ultrapassava), a forma como descreve as circunstâncias presentes (oscilante e vaga), o seu relacionamento com drogas à data (que a podia ter levado a posturas menos racionais ou mesmo impróprias, com motivações até entendíveis, como, por exemplo, acusar falsamente o arguido por este a ter enganado na transacção de droga que referiu em julgamento, coisa que, em si, não poderia razoavelmente denunciar à polícia), a falta de coerência das várias versões (mesmo a que consta das declarações de fls. 12, onde fica por explicar a razão pela qual a testemunha andava a brandir na mão os 20 euros, mormente quando deveria ter as mãos ocupadas a manusear um maço de tabaco, do qual estaria a tirar um cigarro para dar ao arguido…), e o facto de se ignorarem os termos em que as anteriores declarações foram prestadas (o estado de espírito da depoente, a forma como a versão, escorreitamente escrita no auto, foi efectivamente descrita, etc., o que impossibilita realizar um controlo externo dessa versão, por referência à credibilidade do depoimento, à data), impediram que se pudesse tomar como referente seguro dos factos alguma das versões em causa. Donde a exclusão da matéria reportada na al. a) dos factos não provados e, consequentemente, a exclusão também da matéria da al. b) dos factos não provados.
4. Proc. 454/10.7GAOLH
O apuramento dos factos objectivos descritos em 1 a 3 decorreu dos depoimentos, claros e verosímeis, das testemunhas G [companheira, à data, do proprietário do estabelecimento, com quem vivia em casa situada ao lado do estabelecimento, no qual também trabalhava, tendo conhecimento, por isso, dos eventos ocorridos na noite em discussão] e H [proprietário do estabelecimento, vivendo ao lado deste, tendo interceptado o arguido na noite dos eventos em causa] - tendo-se, em especial, atendido ao depoimento de ambos na fixação do valor atinente à máquina de bolas, ao depoimento daquela G na fixação do valor das gorjetas (em que se mostrou segura, estando em causa matéria que lhe respeitava), e ao depoimento de H na fixação dos demais bens, e valores, em causa (notando-se que, quanto à caixa registadora, a testemunha G admitiu não saber que valor lá estaria, limitando-se a fazer um cálculo opinativo).
No que toca à autoria dos factos, considerou-se, de um lado, o reconhecimento presencial do arguido efectuado pela testemunha H em audiência[4], nos termos do art. 147º do CPP, o qual permitiu, de forma clara e segura, identificar directamente o arguido como sendo a pessoa interceptada por aquela testemunha. E considerou-se, de outro lado, que ambas as testemunhas referidas viram a pessoa interceptada (o arguido) a afastar-se do estabelecimento, com sacos, logo após aquelas testemunhas terem ouvido os barulhos que as alertaram (e terem encontrado o estabelecimento «arrombado») (de madrugada, em altura em que mais ninguém se encontrava no local). Considerou-se, por fim, que, quando interceptada, essa pessoa (o arguido) levava consigo bens retirados daquele estabelecimento (segundo o depoimento da testemunha H), e fugiu assim que esta testemunha tratou de chamar a polícia. Seguia-se, pois, com manifesta segurança, que o arguido fora o autor dos factos em causa.
6. Proc. 1449/10.6PAOLH
O apuramento dos factos descritos em 1 decorreu de depoimento, impoluto e sério, da testemunha I [proprietário do estabelecimento, que se deslocou ao local], em articulação com o auto de notícia de fls. 3, na fixação da data dos eventos.
No que toca à autoria dos factos, o único elemento relevante prendia-se com as imagens colhidas do sistema de videovigilância existente no local. Sucede que, examinadas tais imagens em audiência, se verificou que elas não permitiam ver a face do agente dos factos, nem sequer discernir com segurança a roupa usada por este (pela qualidade das imagens, pela escuridão existente, pela posição da câmara e pela postura do agente dos factos). Donde a exclusão da matéria da al. c) dos factos não provados.
7. Proc. 611/10.6GAOLH, 9. Proc. 615/10.9GAOLH, 10. Proc. 627/10.2GAOLH e 11. Proc. 10/11.2GAOLH [destaque nosso]
O apuramento dos factos objectivos descritos em 1 e 2 do proc. 611/10, 1 e 2 do proc. 615/10, 1 e 2 do proc. 627/10 e 1 e 2 do proc. 10/11 baseou-se nos depoimentos, serenos e coerentes, das testemunhas J e K [funcionários do estabelecimento, cuja situação conheciam e a que se deslocaram após os eventos] e de L [gerente do estabelecimento, cuja situação conhecia] - em articulação com os documentos de fls. 12 do proc. 611/10, fls. 8 do proc. 615/10, fls. 9 do proc. 627/10 e fls. 8 na caracterização dos bens subtraídos (sendo estes últimos documentos, mais relevantes, confirmados em audiência), e ainda em conjugação com os documentos de fls. 3/6 (auto de denúncia) do proc. 611/10, fls. 3/6 (auto de denúncia) do proc. 615/10, fls. 3/7 (auto de denúncia) do proc. 627/10 e fls. 3 (auto de denúncia) do proc. 10/11 - aqui para intervirem na fixação da data dos factos. Atendeu-se ainda aos documentos de fls. 17/18 (fotografias) do proc. 611/10, fls. 16/17 (fotografias) do proc. 615/10, fls. 23/24 (fotografias) do proc. 627/10 e fls. 30/31 do proc. 10/11 (atinentes ao local).
No que especialmente concerne à autoria dos factos em causa nos proc. 627/10 e 10/11 (situações 10 e 11), atendeu-se, de forma conjugada, aos elementos apreendidos ao arguido, ás imagens da videovigilância e á dinâmica dos eventos.
Assim, e quanto ao proc. 10/11 (situação 11), levou-se em conta, de um lado, que o arguido foi identificado[5] nas imagens colhidas no sistema de videovigilância (detendo estas imagens características que o permitiam fazer: v. fls. 31/2 e 37 do proc. 10/11) pela testemunha M, em termos claros e convincentes. Acresce que a testemunha L demonstrou de forma clara que o perfume apreendido ao arguido (fls. 15 e 19 do proc. 10/11, e ainda o depoimento, seguro, da testemunha N, agente da GNR que realizou a apreensão) era aquele que tinha sido subtraído das instalações da Luxgarb. Além disso, o chapéu usado pelo arguido (visível nas imagens colhidas) foi-lhe igualmente apreendido (fls. 15, 18 e 31/2 do proc. 10/11). Daqui se seguia a existência, pois, da demonstração directa da autoria dos factos.
No que concerne à situação 10 (proc. 627/10), levou-se em conta, de um lado, que foi apreendido ao arguido casaco absolutamente idêntico ao que fora usado pelo agente dos factos (v. as referidas fls. 15 e 19 do proc. 10/11 e o aludido depoimento de N, e fls. 16 do proc. 627/10). Além disso, foram ainda encontradas marcas de solas semelhantes a sapatilhas detidas pelo arguido (depoimento, convincente, da aludida testemunha N). Acresce que o arguido regressa ao local, para o furtar (proc. 10/11), entrando novamente pelas traseiras (embora não pelo mesmo sítio). Ora, estes elementos, directamente comprovados, quando conjugados coincidem na formulação de um resultado unívoco, permitindo inferir, com segurança, que foi o arguido a praticar os factos em causa. Tal é a natural consequência, ou resulta com uma probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável (porque a solução contrária pressupõem um conjunto de coincidências de dimensão cósmica), do conjunto de dados expostos.
Donde, pois, a imputação dos factos ao arguido.
Esta afirmação leva suposta a validade da prova relacionada com a recolha de imagens do arguido, impugnada por este, que se sustenta nos seguintes termos:
É hoje entendido de forma corrente que o direito à imagem e o direito à reserva da vida privada constituem direitos distintos. Assim, e seguindo T. Bastos de Almeida (in BFDUC 79 (2003), pág. 387 a 389), deve considerar-se que o direito à imagem não é apenas uma subdivisão de um direito geral à reserva da vida privada, constituindo um direito autónomo e distinto em relação ao direito à privacidade, que tem como objecto a imagem individual e cognoscível da pessoa[6]. No mesmo sentido, no quadro penal, também C. Andrade sublinha que o direito à imagem vale como um bem jurídico-penal autónomo face à privacidade / intimidade, bem jurídico matricial (CCCP, I, pág. 823). E é esta asserção incontornável do ponto de vista legal, levando em conta a distinção que entre tais direitos é claramente estabelecida: v. art. 26º n.º1 da CRP (onde se distinguem os dois direitos); art. 79º vs. art. 80º do CC; capítulo VII (art. 190º e ss.) vs. capítulo VIII (mormente art. 199º) do CP.
Não se ignora que a imagem da pessoa ainda se liga à reserva da vida privada, ao ponto de se chegar a dizer que a sua reprodução ou visualização toca a intimidade da pessoa[7]. Mas, ao autonomizar estes direitos e os seus regimes, a lei procurou discernir os diferentes tratamentos a que, por via de regra, deveriam estar sujeitos. E, assim, não deverá procurar-se no regime que tutela a vida privada o tratamento da violação do direito à imagem.
Isto significa, liminarmente, que o regime do art. 126º n.º3 do CPP (expressão do art. 32º n.º8 da CRP), reportando-se à intromissão na vida privada em si, não deverá cobrir a violação do direito à imagem, coisa distinta daquela intimidade / privacidade, quando a matriz do tratamento processual do direito à imagem, na óptica probatória (o seu estatuto processual penal probatório), se encontra antes no regime do art. 167º n.º1 do CPP, norma segundo a qual as reproduções fotográficas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
Decerto, pode ocorrer que certa situação concreta envolva uma simultânea violação de ambos os direitos [com expressão típica, aliás, no art. 192º n.º1 al. b) do CP], mas nem por isso ambos os direitos se passam a confundir, tornando-se, ao invés, necessário manter a distinção, com reflexos de regime (por exemplo, e em termos penais, tende a sustentar-se que a aplicação do regime do art. 192º do CP excluiria a aplicação do regime do art. 199º do CP, por subsidiário; em termos civis, discute-se se haveria um concurso de normas ou prevalência da norma protectora da intimidade). E também em termos processuais a distinção haveria que operar, podendo acabar por ser aplicável o regime do art. 126º n.º3 do CPP mas apenas na medida em que ocorresse uma intromissão na privacidade do visado (maxime, do arguido) que transcendesse a violação do direito à imagem.
Ora, é evidente, no caso, que tal não ocorre: além da imagem do arguido, não está notoriamente em causa nenhum específico ou autónomo aspecto da sua vida privada [apenas está em causa o direito do arguido ao controlo da captação e divulgação de elementos de identificação visual (protecção de inviolabilidade pessoal em relação à projecção física)[8]]. Logo, será no quadro do art. 167º n.º1 do CPP que deverá ser enquadrada a questão.
Decorre deste art. 167º n.º1 do CPP (o n.º2 não tem relevo autónomo no caso vertente) que a utilização de imagens como meio de prova é processualmente proibida quando a imagem (a recolha ou a utilização da imagem) constitua um ilícito penal, ponto onde relevam especialmente os termos do art. 199º n.º2 do CP.
Na sequência destas regras podem-se identificar, grosso modo, duas teses essenciais. Uma, de matriz jurisprudencial, tende a admitir em termos amplos a utilização probatória de imagens não consentidas (ou melhor, obtidas ou utilizadas contra a vontade[9] do visado), a partir de considerações assentes numa justa causa intra-legal, que acaba por reconduzir-se essencialmente à ponderação de valores conflituantes onde a realização da justiça prevaleceria sobre o direito à imagem, com, por vezes, apelo ao regime do art. 79º n.º2 do CC [v. Ac. TRG proc. 239/06.5GAVNC.G1, TRP Proc. 371/06.5GBVNF.P1, TRP proc. 0715930, TRC 68/10.1PBLRA.C1, todos in 3w.dgsi.pt, e STJ CJ 2001-II-221, RC CJ 2002-III-40 e RL 2001-V-138]. Outra, mais restrita, considera que a violação do direito à imagem só não impede a utilização probatória da imagem quando ocorra uma causa legal de exclusão da ilicitude (ou, obviamente, da tipicidade), ainda que esta causa seja entendida em termos mais amplos (dada a natureza dos factos em causa) ou actualistas, sustentando, em especial, que tal ilicitude não pode ser excluída pela mera ponderação do interesse na realização da justiça pois tal ponderação já foi efectuada por aquele art. 167º n.º1 do CPP [em termos tais que só permitem a prossecução da justiça material quando, em momento prévio, já se tenha excluído a ilicitude da obtenção ou utilização da imagem; sendo que este art. 167º n.º1 do CP importaria ainda uma interpretação restritiva do art. 79º n.º2 do CC, quando se reporta ás «exigências de justiça», de forma que tal norma não se aplicaria no direito processual penal, por prevalência daquele art. 167º n.º1 do CPP] [posição sustentada por C. Andrade, CCCP I, pág. 838/9, na sequência da posição adoptada em Sobre As Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora 1992, pág. 242 e ss., especialmente 260 e ss., aparentemente seguida de perto por S. Santos e Leal Henriques no CPP Anotado 2008, pág. 841].
Independentemente do valor intrínseco destas posições, cabe considerar os seus contributos apenas no quadro da discussão vertente, ou seja, no âmbito das concretas circunstâncias do caso.
Assim, partindo daquele art. 167.º n.º1 do CPP e do art. 199º n.º2 al. a) do CP, a recolha da imagem do arguido seria, à partida, penalmente ilícita e, por isso, seria proibida a sua utilização probatória. E a posterior utilização da imagem seria igualmente proibida penalmente, face ao disposto na al. b) do n.º2 do art. 199º citado. Importa porém, aferir da existência de alguma razão excludente desta ilicitude penal.
No caso, a imagem foi colhida no quadro da videovigilância realizada no interior do estabelecimento comercial onde o arguido se infiltra [o regime do DL 35/2004, de 21.01, não tem relevo específico no caso].
A imagem de uma pessoa constitui um «dado pessoal» [art. 3º al. a) da Lei 67/98, de 26.10: pois se trata de informação, em imagem, relativa a pessoa singular identificável, desde logo através da própria imagem], constituindo a sua recolha e registo uma operação de «tratamento de dados pessoais» [art. 3º al. b) da Lei 67/98, de 26.10]. Donde que a videovigilância, com a inerente recolha de imagens de pessoas, fique sujeita ao regime da Lei de protecção de dados pessoais (a citada Lei 67/98, de 26.10, por força do seu art. 4º n.º4), sujeita a autorização da CNPD (art. 28º n.º 1 al. a)[10]. A existir esta autorização do CNPD, a recolha das imagens e sua utilização estariam cobertas por uma autorização legal (pelo regime da Lei 67/98), a qual, por força do art. 31º n.º1 do CP, excluiria a ilicitude penal dessa recolha e utilização [princípio da subsidiariedade do direito penal, ou, em outra formulação, princípio da unidade da ordem jurídica em sentido negativo ou unilateral, postulando que aquilo que é lícito de acordo com um ramo do direito não pode ser ilícito no direito penal]. Essa autorização não existia, porém, à data da recolha das imagens, pelo que fica arredada esta via de legitimação da violação do direito à imagem.
Mas não fica irremediavelmente atestada a ilicitude da recolha e/ou utilização da imagem.
Deve notar-se que, como se referiu, a ilicitude penal se manifesta em dois planos: primeiro, na recolha da imagem (em fotografar ou filmar, no que ora nos interessa); depois, na utilização dessa imagem (na sua visualização, ainda que apenas uma vez), notando-se que esta segunda dimensão da ilicitude penal não depende daquela primeira, pois a utilização da imagem continua a ser proibida ainda que ela tenha sido licitamente recolhida (como expressamente ressalva a norma penal citada). A análise subsequente vai distinguir as duas dimensões pois, ao que se julga, elas não se sujeitam a regimes idênticos.
Ora, e em primeiro lugar, cabe notar que a intervenção em causa surge na sequência de dois assaltos realizados no estabelecimento comercial onde é instalado o sistema de videovigilância. Essa instalação surge, pois, naturalmente preordenada à protecção da propriedade privada e da segurança de bens, e mesmo de pessoas, por relação ao estabelecimento visado. Nesta medida pode diagnosticar-se aqui um conflito entre direitos fundamentais (a imagem, segundo o art. 26º n.º1 da CRP, e a propriedade, segundo o art. 62º da CRP, e a segurança, segundo o art. 27º n.º1 da CRP)[11], a resolver no quadro da harmonização imposta por um juízo de proporcionalidade, ancorado nas circunstâncias do caso, à luz dos três critérios em que se analisa aquele juízo de proporcionalidade: a idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito[12]. Quanto ao primeiro requisito, ele expressa uma exigência de adequação do meio ao fim visado, o que ocorre, atenta a adequação da videovigilância ao fim visado, sendo apta a servir como meio para alcançar a protecção visada. No que toca ao segundo requisito, supõe que inexista outra medida capaz de alcançar a mesma finalidade com idêntica eficácia. E também aqui a videovigilância se mostra necessária, ou mesmo incontornável, particularmente face ás circunstâncias das intrusões ocorridas, com arrombamento e em período nocturno. Neste contexto, a protecção da propriedade e da segurança impõem (justificam ou tornam exigível) a intervenção. Por fim, e quanto à proporcionalidade em sentido estrito, trata-se de uma ponderação comparativa: importa aferir se existe proporcionalidade ou adequação entre o sacrifício imposto a um direito fundamental face ao benefício visado. Independentemente da posição abstracta dos direitos em conflito, que não releva, tem-se por seguro que as condições verificadas (face a sucessivas intrusões nocturnas no local, por arrombamento, sem consentimento) revelam que o sacrifício do direito à imagem é claramente consentido pela protecção visada [não se trata de acolher as soluções que recusam a protecção da imagem quando o agente se coloca em oposição ao direito, mas de admitir que, nesses casos, a protecção da imagem pode ser comprimida por direitos com ela conflituantes].
Desta forma, a utilização da videovigilância, com recolha de imagem, mostrava-se justificada no quadro do aludido conflito de direitos fundamentais, tornando lícita a recolha de imagens, mormente do arguido, ao abrigo do art. 18º n.º1 da CRP (e art. 31º n.º1 do CP, no sentido já referido), ou, nesse quadro, excluindo a aplicação do art. 199º n.º2 al. a) do CP.
Mas por outra via se poderia alcançar o mesmo resultado, atendendo aos termos do art. 34º do CP devidamente interpretado, considerando que o seu recorte «clássico», à luz do direito penal, pode justificar uma sua compreensão mais lata, ou actualista, no quadro da posição do particular compelido a lançar mão de meios autónomos de protecção face ao perigo de lesão de valores próprios. Já se referiu que a videovigilância, e a inerente recolha de imagens, se justificam como forma de protecção de valores relevantes, sendo, no quadro referido, razoável a lesão do direito à imagem. Esse mesmo quadro permite ainda admitir quer uma sensível superioridade dos valores a proteger, na medida em que as circunstâncias do caso revelam que o direito à imagem do agente é sacrificado num contexto onde esse direito não pode ser valorado nos mesmos termos em que os direitos à segurança e propriedade, dada a forma de intervenção do agente. Além disso, o âmbito da tutela penal da imagem face à propriedade (furto) revela claramente, pelas reacções penais cominadas, uma assimetria valorativa favorável à propriedade, relevante nesta sede. E também se verifica a existência de um perigo actual, se se levarem em conta as anteriores intrusões ocorridas, em lapso de tempo relativamente pequeno - sempre à luz de uma interpretação teleologicamente adequada aos valores e circunstâncias presentes. O que conduziria assim à exclusão da ilicitude da recolha da imagem do arguido[13].
Assim, a recolha da imagem seria válida.
Porém, e como se sublinhou, a licitude da recolha da imagem não exclui a ilicitude da sua posterior utilização, com reflexos probatórios. Assim, também esta utilização da imagem tem que ser penalmente lícita.
Momento em que já se não pode invocar um conflito de direitos fundamentais pois a utilização da imagem não visa proteger a segurança ou a propriedade, já que estes valores já foram efectivamente violados, mas apenas garantir a reacção contra essas violações. Ou seja, a utilização probatória da imagem visa apenas o interesse na realização da justiça, o qual não corresponde a um direito fundamental relevante, nos termos supra expostos (conflito) [e não vale invocar aqui um interesse na verdade em processos pendentes, com tutela instrumental no art. 20º n.º1 e 4 da CRP (tutela jurisdicional efectiva), por artificial].
Sem embargo, poderia ainda falar-se de um quase estado de necessidade probatório, nos moldes reportados a propósito da recolha da imagem, ao menos quando se admite que os respectivos requisitos devem valer em termos adaptados ás novas realidades para que os institutos não foram tradicionalmente pensados, e levando em conta, no quadro supra referido, que a tutela efectiva do particular, que viu justificada a sua actuação no quadro do estado de necessidade, exige, para ser, consequente, que a imagem que obteve possa ser depois efectivamente utilizada.
E, em termos decisivos, deveria ainda invocar-se o regime do art. 79º n.º2 do CC, quando admite a utilização da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, quando tal seja justificado por exigências de justiça.
Contra esta interpretação, diz-se que o art. 167º n.º1 do CPP já incorpora uma valoração dos interesses da justiça em face do direito à imagem, resolvendo essa ponderação a favor deste direito. Pois, como a utilização da imagem como meio de prova serve, por definição, para realizar fins da justiça penal, aquela norma, ao subordinar essa utilização à licitude penal da imagem, estaria a considerar que as razões de justiça que a utilização visaria não seriam bastantes para tornar penalmente lícita a imagem (a sua obtenção ou utilização) – importando, em consequência, uma interpretação restritiva do art. 79º n.º2 citado[14].
Salvo o devido respeito, entende-se que esta interpretação vai longe de mais, envolvendo até alguma petição de princípio. Com efeito, a norma em causa apenas refere, declarativamente, que a imagem penalmente ilícita não pode ser usada em processo penal. Mas já não diz em que condições será penalmente lícita, ou não, a obtenção ou utilização dessa imagem (mormente, não afirmando que essa ilicitude não pode ser excluída por razões de justiça – isso está justamente por demonstrar), o que cabe resolver de acordo com os princípios gerais. Decerto, a realização da justiça não tem por si, como se referiu, relevo valorativo para excluir a ilicitude da utilização da imagem. Mas já o tem através da mediação do art. 79º n.º1 e 2 do CC, quando admite a utilização da imagem da pessoa por exigências de justiça [note-se que este art. 79º apenas regula a utilização da imagem, e já a sua obtenção ou recolha[15]]. E não se vê que o art. 167º do CPP restrinja o alcance desta norma porque, no quadro exposto, têm fins diversos: este posterga a utilização de imagens ilícitas, mas sem delimitar (ou restringir) as condições de legitimação do uso da imagem (da sua licitude), enquanto aquela norma intervém justamente neste campo, ao excluir em certas condições essa ilicitude (em articulação com o art. 31º n.º1 do CP). Nem se diga que, a valer irrestritamente aquele art. 79º n.º2, seria sempre lícita a utilização da imagem em processo penal ao abrigo das exigências de justiça que no processo se visam, ficando esvaziado de conteúdo o art. 167º do CPP. Isto por duas ordens de razões. De um lado, porque, como se referiu já, o art. 79º do CP apenas visa a utilização da imagem, não dispondo sobre as condições da sua utilização. E, sendo ilícita a obtenção, permaneceria a proibição processual da utilização da imagem. Por outro lado, a norma civil não se reporta à utilização da imagem para a realização da justiça mas antes para satisfazer «exigências» de justiça, o que se considera ter um valor normativo e hermenêutico próprio, ao menos no sentido de que se trata de formular uma exigência acrescida, devendo tratar-se de situação em que a utilização da imagem se mostre necessária ou mesmo indispensável à afirmação da justiça buscada, e num quadro em que a tutela da imagem do visado se encontre numa situação de menor valia intrínseca, ao ponto de a sua ofensa não se mostrar desproporcionada nem ofensiva (ou intoleravelmente ofensiva) do valor intrínseco da pessoa que justifica aquela tutela.
Neste quadro, e atendendo ás circunstâncias presentes, nota-se, de um lado, que a utilização da imagem do arguido é estritamente indispensável à fixação da autoria dos factos, e que, de outro lado, tal imagem foi colhida de noite, no interior de um estabelecimento fechado, onde o arguido se introduz ilegitimamente, por arrombamento. Permitindo afirmar que a compressão da tutela da sua imagem, neste quadro, se mostra razoável, no âmbito daquele art. 79º n.º1 e 2 do CC, justificando a licitude da utilização das imagens obtidas nos autos.
Nota-se ainda que se considera que do regime da Lei 5/2002 se não podem recolher contributos determinantes, no quadro da análise ora efectuada, pois tal norma visa uma constelação típica de situações [recolha e tratamento de imagem no âmbito de um processo penal existente, por OPC e por estritas razões de investigação, e que por isso suscita a possibilidade / necessidade do controlo judicial, até pelo grau acrescido de ofensividade] que não tocam a situação vertente [em que a recolha da imagem surge desligada de qualquer processo, num quadro que, à partida, se mostra fortuito, e a montante de qualquer investigação].
Assim, não ocorre qualquer invalidade probatória.
8. Proc. 1405/10.4PAOLH
O apuramento dos factos objectivos descritos em 1 decorreu do depoimento, crível e plausível, da testemunha O [proprietário da oficina, cuja situação conhecia], que descreveu com rigor os factos que observou - em articulação com o documento de fls. 17/40 (auto de denúncia) do proc. 1405/10 na fixação da data dos factos.
No que toca à autoria dos factos, apenas poderia relevar o depoimento da testemunha M [agente da PSP, que interveio na investigação dos factos], o qual disse que P lhe teria revelado que observou os factos e que o arguido seria um dos autores da subtracção. Este P acabou por ser constituído arguido e nessa qualidade interrogado (fls. 43 e 45 do proc. 1405/10), tendo sido autonomizado processo para aferição da sua responsabilidade pelo crime de receptação (fls. 290 do proc. principal). Em julgamento, neste processo, foi inquirido como testemunha - qualidade na qual afirmou apenas ter desconfiado da conduta de pessoas que viu na rua (supostamente os autores dos factos), sem os saber identificar.
Aquilo que é reportado pela testemunha M poderia ser equacionado no quadro do depoimento indirecto, em sentido amplo [directamente neste regime (art. 129º do CPP), caso se considerasse a posição de testemunha de P; em termos diversos, se se considerasse a sua qualidade de arguido (em que se tende a considerar que não vale o regime do art. 129º do CPP, ficando a situação sujeita ao regime do art. 127º do CPP)].
Sucede que, em termos formais, se verifica que as declarações deste P (que aquela testemunha M reproduz) foram colhidas já na esquadra da polícia, seguindo-se depois a constituição daquele P como arguido (fls. 42 e 43 e ss.) - sendo que esta constituição se baseia exclusivamente naquelas declarações, pois, à data, ainda não tinha sido inquirida qualquer testemunha [as inquirições ocorrem posteriormente (fls. 55 e 67), o mesmo ocorrendo com a apreensão efectuada] ou realizada outra diligência probatória formalizada no processo. Ora, isto revela que já não se trata de, mormente no local dos factos ou onde surge o P, se apurar o que ocorreu, ou como ocorreu, em termos preambulares ou cautelares (momento de paradigmática colheita de depoimentos indirectos pelos órgãos policiais), surgindo antes estas declarações já numa fase posterior, em que o P já foi sujeito à intervenção policial, sendo também essas declarações que justificam que ele seja imediatamente a seguir constituído arguido. Dessa forma, entende-se que se não trata já de depoimento indirecto (em sentido amplo) relevante mas de declarações prestadas num quadro indevidamente informal, requeridas a suspeito, já pré-ordenadas a uma investigação criminal e por isso probatoriamente irrelevantes (conversa informal). Sendo que, na mesma linha, a situação em causa também conduz a que elas não possam ser utilizadas como prova directamente por força do art. 58º n.º5 do CPP (apenas podiam valer as declarações formalmente prestadas por aquele P depois de constituído arguido - mas que, não tendo sido lidas em audiência, não podem ser valoradas nesta sede, por força dos art. 355º e 356º do CPP).
De outro lado, ainda que assim não fosse, e simplificando a discussão, parece claro que as afirmações daquele P quanto à autoria dos factos não podem merecer confiança, quando atributivas da autoria da subtracção ao arguido, pois se trata de afirmação na qual aquele P tem manifesto interesse próprio [tendo-se apurado que vendeu fio de cobre subtraído da oficina (como o próprio P admitiu, e decorreu ainda de outros depoimentos[16]), pouco depois de a subtracção ocorrer (na manhã do domingo em que ela ocorre), obviamente que ele deveria passar a ser suspeito da subtracção, e teria por isso todo o interesse em atribuir a responsabilidade por tal facto a terceiro; e se atribuir essa responsabilidade a pessoa determinada, e policialmente conhecida[17], mais fácil seria libertar-se daquela suspeita … o que aliás ocorreu, pois a investigação passou a considerar o P como elegível apenas para a imputação de um crime de receptação] - não sendo possível discernir em que medida aquela declaração incriminatória do arguido A seria verdadeira ou constituiria um expediente liberatório deste P. Além de que também haveria que atender a que a versão daquele P, tal como contida no depoimento indirecto, está longe de ser inteiramente plausível [colocando-se ele, de madrugada, no local dos factos, para ver os agentes da subtracção sem ser visto, e aproveitando-se da candura destes para lhes retirar o fruto do seu esforço apropriativo…], o que também contaminaria o seu valor persuasivo.
Donde se não poder utilizar, ou pelo menos utilizar convincentemente, aquele depoimento indirecto. E, na inexistência de outros meios probatórios relevantes quanto a este aspecto (autoria), fica excluída a matéria descrita na al. e) dos factos não provados.
12. Proc. 24/11.2PAOLH
O apuramento dos factos descritos em 1 e 2 decorreu dos depoimentos, verdadeiros e claros, das testemunhas R [proprietário do estabelecimento, ao qual se deslocou logo após os factos] e S [proprietária da máquina subtraída] - em conjugação com o auto de notícia de fls. 2 do proc. 24/11 na fixação da data dos factos.
13. Proc. 22/11.6PAOLH
O apuramento dos factos descritos em 1 a 4 decorreu dos depoimentos, objectivos, consistentes e críveis, das testemunhas T [proprietária do estabelecimento, ao qual se deslocou logo após ter sido alertada pelos serviços de segurança] e U [agente da PSP que interveio nos factos, mormente na intercepção do arguido], em conjugação com os documentos de fls. 3 (auto de notícia, relevante ainda na fixação da data dos factos), fls. 11 (auto de denúncia), e fls. 7 e 15 (apreensões) do proc. 22/11.
Em especial, considerando que a testemunha T referiu que as moedas subtraídas ascenderiam a 80 a 100 cêntimos, e levando em conta o valor apreendido ao arguido, considerou-se, dada a natureza dos bens em causa (moedas de pequeno valor) e a circunstância de o arguido ter sido interceptado logo após abandonar o local, que o valor apreendido correspondia integralmente ao valor subtraído.
Em conformidade, a matéria descrita em 5 decorria directamente, mesmo nesta parte, dos autos de apreensão referidos, em articulação como o depoimento da aludida T.
***
No que toca ao descrito em 4 a 6 do proc. 454/10, 3 a 5 do proc. 627/10, 3 a 5 do proc. 10/11, [destaque nosso], e 6 a 8 do proc. 22/11, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido - com as quais, aliás, se encontram numa relação de quase necessidade.
Os factos relativos ás anteriores condenações do arguido e à sua situação pessoal foram colhidos do relatório social (em que, pela suas fontes e metodologia, se confiou) e do CRC e das certidões juntas aos autos.
Não foi produzida qualquer prova que permitisse imputar a autoria dos factos em causa ao arguido, o que justificou a exclusão da matéria das al. c) do proc. 379/10, d) do proc. 449/10, c) do proc. 483/10), b) do proc. 611/10, b) do proc. 615/10 e d) do proc. 24/11 dos factos não provados.
Quanto aos factos descritos nas als. a) e b) do proc. 379/10, a) a c) do proc. 449/10, a) a c) do proc. 454/10, a) e b) do proc. 483/10, a) e b) do proc. 1449/10, a) do proc. 611/10, a) a d) do proc. 1405/10, a) do proc. 615/10, a) e b) do proc. 627/10, c) do mesmo proc. 627/10, a) do proc. 10/11, a) a c) do proc. 24/11 e a) do proc. 22/11, foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram.
Eliminaram-se:
- a menção ao «legítimo» proprietário porque tautológica (não se conhece, ou ao menos não se antevê, a figura do proprietário ilegítimo).
- a menção a que «conclui-se que a factualidade indicada neste libelo acusatório revela que o arguido A não interiorizou os bens jurídicos da propriedade e das regras da convivência em sociedade, não obstante as suas prévias condenações, por factos de idêntica relevância penal, ao que acresce a ausência de qualquer integração familiar, social e profissional, circunstâncias que potenciaram a prática dos mencionados factos» por conclusiva[18]: traduz um mero juízo valorativo a efectuar a partir da comparação e ponderação entre a actual condenação e a anterior condenação, à luz da situação do arguido.
5. Apreciação dos crimes imputados
Imputa-se ao arguido a prática de oito crimes de furto qualificado, três crimes de furto, um crime de furto tentado, e um crime de roubo.
De acordo com a previsão do art. 203º n.º1 do CP, incorre em responsabilidade criminal quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia.
Perante os factos apurados, verifica-se que o arguido, nas situações 4, 10, 11 e 13 (proc. 454/10, proc. 627/10, proc. 10/11 e proc. 22/11), se apropriou de coisas móveis pertencentes a terceiro, do que tinha conhecimento, querendo ainda assim fazê-lo, agindo com intenção de fazer suas essas coisas. Estão pois preenchidos todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, deste tipo fundamental.
Face ao estatuído na al. e) do citado n.º2 do art. 204º, verifica-se que o crime de furto é qualificado quando, para realizar a subtracção, o agente penetre em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial, ou outro espaço fechado [tipicamente idêntico àqueles], através de arrombamento, escalamento ou chaves falsas.
Por sua vez, ocorre um arrombamento quando se verifica o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente [art. 202º al. d) do CP], e um escalamento, quando ocorre a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem [art. 202º al. e) do CP].
Verifica-se que, na situação 4, o arguido partiu o vidro de uma janela, por onde passou, e cortou a parte inferior de uma porta, o que corresponde ao arrombamento e ao escalamento (as janelas não constituem locais normalmente destinados à entrada). Na situação 10 partiu o vidro de uma porta, ocorrendo um arrombamento. Na situação 11 partiu o vidro de uma janela e entrou por ela, existindo assim arrombamento e escalamento. Por fim, na situação 13 existe igualmente um arrombamento, por referência à porta. Como actuou dolosamente, estariam verificadas as qualificativas reportadas.
Sucede, porém, que os bens subtraídos na situação 13 não excedem o valor de 102 euros, pelo que, tendo um valor inferior à UC, à data dos factos, deve assim ser desqualificada a conduta do arguido, por força do art. 204º n.º4 do CP. Subsiste, pois, apenas um crime de furto simples.
Como se sabe, aceita-se, de forma pacífica, que o dano e a introdução em lugar vedado (ou violação de domicílio, quando for o caso), na medida em que são instrumentais do furto qualificado previsto no art. 204º n.º2 al. e) do CP (e se restringem ao necessário à execução deste), ou o acompanham tipicamente [trata-se de crime acompanhante, secundário em relação a este específico furto qualificado de que aquele constitui uma sua modalidade de cometimento, já compreendido na moldura penal do facto principal], estão já compreendidos na punição prevista para aquele furto qualificado, ocorrendo pois uma situação de concurso aparente, a resolver pela exclusão da punição, por consunção, daqueles crimes de introdução em lugar vedado / violação de domicílio e de dano.
Mas também se admite, pacificamente, que a imputação autónoma destes crimes já se justifica nos casos em que o crime de furto foi desqualificado, ao abrigo do art. 204º n.º4 do CP, subsistindo apenas o furto simples, já que a punição reservada ao furto, neste caso, não contempla a punição daquelas conduta acompanhantes. É o que ocorre na situação 13.
Nos termos do disposto no art. 212º n.º1 do CP, incorre em responsabilidade criminal quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia.
É manifesto que o arguido danificou a porta do estabelecimento. Nesta medida preencheu os elementos objectivos do tipo em causa, o que fez com conhecimento e vontade da acção adoptada (agiu de forma deliberada (…) mediante a fractura da porta – como consta dos factos provados e se dizia já no despacho de acusação).
Por força do art. 191º do CP, incorre em responsabilidade criminal quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público.
Como o arguido se introduziu na loja (estabelecimento) sem autorização ou consentimento, e que, no momento dos factos, não era livremente acessível ao público, o que o arguido sabia e quis fazer (agiu de forma deliberada (…) para aceder ao seu interior, sabendo que contrariava a vontade do proprietário – como consta dos factos provados e se dizia já no despacho de acusação).
Nas demais situações, não se provou que o arguido foi o autor dos factos imputados, ficando assim excluída a sua responsabilização criminal.
Por fim, vê-se que o arguido é imputável, sendo que os factos em causa reflectem uma sua atitude pessoal desvaliosa, por contrária ás exigências postas pelo direito.
Cometeu, pois, os crimes ora indicados.
6. Determinação da sanção aplicável
Fica o arguido sujeito ás seguintes penas:
- 2 a 8 anos de prisão (furto qualificado)
- 1 mês a 3 anos de prisão ou multa até 360 dias (furto e dano)
- prisão até 3 meses ou multa até 60 dias (introdução em lugar vedado).
Atendendo à cominação de penas alternativas, no que concerne aos crimes de furto, dano e de introdução em lugar vedado, importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar. Verifica-se que a posição do arguido é marcada por anteriores contactos com o sistema de justiça formal, determinados pela prática reiterada de ilícitos próximos aos que agora se imputam (os crimes de dano e introdução ora imputados relacionam-se com um delito de furto), demonstrando esses contactos que o cumprimento efectivo de penas de prisão não foi suficiente para alcançar a sua recuperação social (tanto que os crimes em discussão foram praticados no decurso do prazo de liberdade condicional concedida ao arguido). O que revela que a pena de multa seria insuficiente para alcançar a recuperação social do arguido (e bem assim a estabilização das expectativas comunitárias), assim se justificando a inversão da preferência legal que o art. 70º do CP consagra e a opção pela pena detentiva.
Ao arguido vem atribuída, no despacho de acusação, a qualidade de reincidente quanto aos crimes de furto ora subsistentes. De acordo com o art. 75º n.º1 do CP, a punição como reincidente depende dos seguintes pressupostos:
i. comissão de um primeiro crime doloso;
ii. punição desse crime com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
iii. comissão de novo crime doloso;
iv. este novo crime deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
v. que o agente, de acordo com as circunstâncias do caso, seja de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
vi. o anterior crime não releva, porém, se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos (não se contando neste prazo o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade).
Os requisitos objectivos referidos em i. e iii. estão verificados.
No que toca ao requisito ii., ele não está notoriamente verificado quanto ao crime referido em 1.iii (consumo, 5 meses de prisão), que o despacho de acusação integra nos fundamentos da reincidência invocada, assim se excluindo o relevo dessa condenação nesta sede (reincidência).
Quanto ao requisito vi., ele analisa-se na exigência de que entre os crimes relevantes não tenham decorrido mais de 5 anos, computados nos termos referidos. Quanto à condenação no proc. 591/99 (que o despacho de acusação integrou na imputação da reincidência), tal «prescrição» está verificada, atendendo à data da sua prática (21.06.99) e à data dos crimes aqui praticados, mesmo levando em conta a circunstância de o arguido ter estado privado de liberdade entre 21.06.99 e 15.12.1999, 14.12.2008 e 14.05.2009, e 23.01.2005 e 30.09.2009. Fica, pois, este processo excluído do quadro da reincidência.
Esta «prescrição» já não ocorre quanto a nenhum dos demais crimes [mesmo quanto à condenação no proc. 53/02].
No que toca ao juízo valorativo da conduta do arguido (req. v.), releva especialmente a circunstância de avultar nas anteriores condenações a ofensa a bens patrimoniais, ofensa igualmente em causa neste processo [em parte estariam em causa crimes de furto qualificado, semelhantes aos que ora se discutem; em outra parte releva o crime de roubo conhecido no proc. 53/02, na medida em que também se dirige à ofensa de bens patrimoniais], em termos idênticos e, agora, reiterados. Donde se considerar que existe uma conexão íntima, em razão ao menos dos bens jurídicos em causa, entre a anterior condenação e esta, revelando que o arguido, ao praticar os factos em causa neste processo, mostrou uma clara indiferença face à advertência encerrada nas anteriores condenações (cujo desrespeito mais se salienta pela aludida circunstância de os crimes ora imputados terem ocorrido no período da liberdade condicional subsequente à condenação pela prática de crimes de furto qualificado e roubo). Esta indiferença é censurável, ou, noutra perspectiva, revela uma culpa acrescida, um desvalor pessoal mais elevado por demonstrar ser a posição do arguido mais distanciada ou indiferente ás prescrições postas pelo direito. Considera-se assim verificado também este requisito, face ás anteriores condenações nos proc. 53/02 e 388/04.
Quanto ao requisito referido em iv., a sua verificação pressupõe a fixação da pena concreta a aplicar no caso vertente em função da moldura normal aplicável. O crime de furto qualificado p. pelo art. 204º n.º2 não admite a aplicação de pena inferior a 6 meses de prisão. Não obstante, a verificação da reincidência exige ainda que se trate de pena de prisão efectiva, resultado este que, em princípio, só se apura através da fixação da pena concreta a aplicar. Porém, e por razões a seguir melhor explicitadas, irá no caso partir-se imediatamente da moldura agravada, quanto aos crimes de furto, a qual importa a fixação do limiar mínimo da punição em 2 anos e 8 meses de prisão (furto qualificado) ou em 40 dias (furto simples).
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do arguido enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do arguido (art. 71º n.º 2 do CP), designadamente:
- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente [releva, na situação 4, a modalidade da acção (além do arrombamento, tipicamente considerado, também ocorre escalamento, a considerar nesta sede, tendo ainda o arguido penetrado sucessivamente, com actuações distintas, em espaços separados), o valor dos bens em causa e, favorecendo o arguido, a sua recuperação parcial (mas sem natureza voluntária[19]); na situação 10, monta especialmente o valor em causa; na situação 11 releva o valor em causa (mais elevado), a reiteração (quanto ao local assaltado) e a ocorrência de escalamento (além do arrombamento); na situação 13 releva a modalidade da acção (com duas intervenções e uma especial intensidade delitiva), enquanto o valor em causa e a recuperação dos bens (também aqui sem natureza voluntária) atenuam o desvalor do resultado; no dano e na introdução releva o carácter, limitado, dos factos, e a sua natureza instrumental, preordenada à prática do crime de furto];
- a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi directo e intenso em todos os casos];
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [obtenção de vantagem patrimonial com absoluta indiferença face aos valores e interesses alheios];
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica [situação pessoal muito precária e marginal: percurso de vida marcado pelos contactos com o sistema de justiça (saído de instituição aos 17 anos, com essa idade pratica o primeiro dos crimes descritos, sendo aplicada pena de prisão suspensa a que não adere - a suspensão é revogada); não tem apoio familiar ou outro (não valendo como tal as refeições oferecidas pela namorada ou família desta); não tem hábitos laborais];
- a conduta anterior ao facto e posterior a este [anteriores condenações (roubo no proc. 591/99, e consumo de estupefacientes, não considerados na reincidência)];
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada se apurou com relevo nesta sede].
Tendo em conta estes dados, julga-se ajustada a fixação das seguintes penas:
- situação 4 - 3 anos e 6 meses (furto qualificado)
- situação 10 - 3 anos e 10 meses (furto qualificado)
- situação 11 - 4 anos (furto qualificado)
- situação 13 - 10 meses (furto)[20]
- dano: 6 meses.
- introdução em lugar vedado: 2 meses
Vê-se que estes crimes se encontram numa relação de concurso para os efeitos do art. 77º n.º1 do CP, importando assim proceder à realização do respectivo cúmulo. Justificando-se também a sua realização ainda antes da ponderação da aludida reincidência (e apesar de esta visar as penas singulares de alguns dos crimes imputados) porquanto só face à pena única se poderá avaliar a possibilidade do seu cumprimento efectivo.
Face ao disposto no n.º 2 do citado art. 77º, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo 12 anos e 10 meses de prisão, e como limiar mínimo 4 anos de prisão.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art. 77º n.º1, 2ª parte), releva especialmente a relação existente entre eles [tudo crimes, na sua natureza ou na sua origem, de cariz patrimonial], e o lapso de tempo em causa (Agosto de 2010 a Janeiro de 2011), mas também o percurso criminal do arguido (considerado globalmente), com reflexos criminais vários e graves (todos, com uma excepção, com relevo patrimonial, tendo especial significado os roubos por demonstrarem que essa «apetência» patrimonial do arguido prevalece sobre o especial respeito devido a valores estritamente pessoais).
O seu percurso de vida, globalmente considerado, mostra-se, além disto, marcado por alguma marginalidade. Assim, após institucionalização dos 13 aos 17 anos, pratica o primeiro crime aos 17 anos, não tendo respeitado a advertência da condenação pois a suspensão da pena aplicada vem a ser revogada; nunca teve actividade laboral regular; na liberdade condicional, mostrou-se refractário ás regras impostas, caracterizando-se o seu quotidiano pela inactividade ocupacional. Vê-se, desta forma, que o arguido não assume qualquer esforço de inserção social (isolado, sem hábitos laborais, associado a condutas desviantes). Além disso, não demonstra espírito crítico face ao seu comportamento, desvalorizando-o ao fazer prevalecer interesses pessoais, nem admite o desvalor da sua conduta, justificando-a com base em razões exógenas.
Vê-se, assim, que o arguido mostra uma marcada indiferença ou mesmo oposição quer aos valores comunitários, quer ao significado reintegrador da pena, o que se revela ainda, de modo particular, pela circunstância de os factos ora especificamente considerados terem sido praticados no decurso do período de liberdade condicional, concedida na sequência da condenação do arguido pela prática de crimes de furto e roubo.
Estes dados revelam que o arguido persistente e reiteradamente desrespeita os valores comunitários em causa, sem qualquer esforço consistente de inversão do seu percurso delitivo (o arguido, com 29 anos actualmente, praticou o primeiro crime com 17 anos, depois de ter estado vários anos institucionalizado, como se referiu, e, depois, esteve privado de liberdade durante cerca de 6 anos[21]).
O que acentua bastante as exigências de prevenção, especial mas também geral de reafirmação da validade da ordem jurídica, presentes no caso.
Atendendo a estes dados, globalmente ponderados e na medida em que reflectem a personalidade do arguido, reputa-se ajustada a fixação da pena em 8 anos e 6 meses de prisão, insusceptível, pela sua medida, de qualquer substituição.
Ainda quanto à reincidência, nota-se que, nos crimes de furto qualificado, e tal como se disse já, a pena a aplicar, sem considerar aquela reincidência, seria necessariamente superior a 6 meses (dado o limiar mínimo da moldura penal). E o mesmo ocorreria no furto simples, atenta a pena concreta ora fixada (a partir da moldura da reincidência), porque, como também já se referiu, a elevação da moldura mínima é tão pequena (10 dias) que não teria significado relevante na pena final.
E a posição do arguido já referida (percurso delitivo, liberdade condicional frustrada, situação pessoal), mesmo sem considerar a reincidência, nunca permitiria a substituição da pena (de prisão) eventualmente aplicada em medida não superior a 5 anos de prisão, pelo que, devendo ser efectivamente cumprida.
Estaria assim também verificado o requisito iv. da reincidência.
Ainda no âmbito desta reincidência nota-se que não há lugar, no caso, ao funcionamento da regra do art. 76º n.º1, 2ª parte, do CP, pois, embora se não tenha fixado a pena concreta sem considerar a reincidência, é notório que a agravação nunca seria superior à pena mais grave aplicada em anterior condenação ora considerada (3 anos de prisão).
Fica desta forma justificada a fixação das penas no quadro da reincidência.
(…).”.---
IV
Como supra se deixou enunciado, cumpre, antes de mais, apreciar e decidir da invocada nulidade de prova.---
Funda o recorrente a sua pretensão alegando que o arguido deve ser absolvido dos factos e crimes por que foi condenado com referência aos processos 627/10.2GAOLH e 10/11.2GAOLH em virtude de as provas que fundamentaram a convicção formada pelo Tribunal a quo e que permitiram um tal juízo de censura jurídico-penal serem nulas, não podendo ser valoradas, na medida em que provenientes da “(…) utilização de um sistema de videovigilância, fora dos casos previstos na lei, resulta de uma intromissão manifesta na vida privada e numa compressão inaceitável do direito à imagem, e as provas obtidas através dessa intromissão e violação do direito à imagem são nulas nos termos do n.º 3 do art. 126º do CPP e art. 26º da CRP.”.---
Na senda das respostas apresentadas quer pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, quer neste Tribunal pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, da leitura dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram e determinaram a convicção do Tribunal a quo e, em consequência, o relato dos factos como descritos e assentes na decisão revidenda, pela cuidada e criteriosa explanação e explicitação das questões que o tema aportado (uma vez mais) ao conhecimento desta instância, ali mereceu, dir-se-ía que nada mais cumpre acrescentar ao ali expendido, que sufragamos, para demonstrar a sem razão do recorrente.---
Sem embargo, cumpre-nos afirmar que, na esteira da jurisprudência dos Tribunais Superiores, cujo entendimento começa já a revelar-se, quase pacificamente, no sentido de que não constituem prova de valoração proibida as imagens recolhidas por meio de videovigilância colocada em local público com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respectivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos, não correspondendo a prova assim obtida a qualquer proibição de prova ou proibição de valoração de prova – cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2011, proferido no processo nº 22/09.6 YGLSB.S2, do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2011, proferido no processo nº 68/10.1 PBLRA.C1 e de 02.11.2011, proferido no processo nº 106/09.0 PAVNO.C1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.03.2010, proferido no processo nº 1630/08.8 PFSXL.L1-9 e de 28.05.2009, proferido no processo nº 10210/2008-9, do Tribunal da Relação do Porto de 31.05.2006, proferido no processo nº 0111584, de 14.10.2009, proferido no processo 103/05.5 GCETR.C1.P1, de 03.02.2010, proferido no processo nº 371/06.5 GBVNF.P1 e de 23.11.2011, proferido no processo nº 1373/08.2 PSPRT.P1 e do Tribunal da Relação de Évora de 28.06.2011, proferido no processo 2499/08.8 TAPTM.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.---
Na verdade, sabido é que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. artigo 341º, do Código Civil –, constituindo objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido – cfr. artigo 124º, do Código de Processo Penal. E, nos termos do preceituado no artigo 125º, deste último citado diploma, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.---
As proibições de prova [ou proibição de produção de prova] são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade material. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2008, 4ª edição, vol. II, pág. 138, “É manifesto que com a proibição de prova se pode sacrificar a verdade, já que a prova proibida, seja qual for a causa da proibição, pode ser de extrema relevância para a reconstituição do facto histórico, pode mesmo ser a única. Um facto pode ter de ser julgado como não provado simplesmente porque o meio que o provaria não pode ser utilizado no processo, porque é um meio de prova proibido e, por isso, não admissível para formar a convicção do julgador. Simplesmente (…) não se propõe a busca da verdade absoluta e por isso não se admite que a verdade possa ser procurada, usando de quaisquer meios, mas tão-só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis.”. A proibição de prova origina, sempre, uma proibição de valoração de prova. Mas a proibição de valoração de prova não pressupõe a proibição de prova [a proibição de produção de prova]. Como refere Carlos Adérito Teixeira, in “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do C.E.J., 1º Semestre 2008, nº 9 (Especial) – Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, pág. 292 e 293, “(…) as proibições de prova são invalidades que dispõem de uma causa específica (vício) e de um efeito específico (consequência): ao nível da causa, representam limitações à descoberta da verdade material por a sua violação constituir colisão de direitos fundamentais ou de (…) garantias de defesa do arguido; ao nível do efeito, as provas proibidas estão atingidas por uma inutilizabilidade, quer endoprocessual originária quer externa.”.---
A lei processual penal, no artigo 118º, reporta-se ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, ressalvando expressamente do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.---
O artigo 126º, do Código de Processo Penal, traduzindo o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, disciplina nos seus nºs 1 e 2, as provas absolutamente proibidas e no nº 3, as provas relativamente proibidas. As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados, isto é, desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.---
O artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, dispõe que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”. No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.---
Contudo, a própria lei fundamental, no seu artigo18º, nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.---
Quer isto dizer que, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções e uma delas é a prevenida no artigo 167º, do Código de Processo Penal. Dispõe este preceito legal que: “1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. 2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste Livro.”.---
E, estatui a lei penal, no seu artigo 199º, sob o título “Gravações e fotografias ilícitas”, que: “1- (…); 2- Na mesma pena incorre, quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos. 3- (…).”.---
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal.---
Assim e caso se trate de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119º, do Código de Processo Penal.---
No caso em apreço, dúvidas não temos, como afirmado na 1ª instância, que face ao preceituado nos mencionados artigos 167º, nº 1, do Código de Processo Penal e 199º, nº 2, do Código Penal, a recolha de imagem do arguido seria, à partida, penalmente ilícita (cfr. alínea a), do nº 2, do artigo 199º), e a posterior utilização da imagem seria igualmente proibida penalmente (cfr. alínea b), do nº 2, do artigo 199º).---
Porém, desde já se impõe afirmar que, diferentemente do entendimento do recorrente, como lapidarmente se afirma no supra citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça, se é certo que “Entre nós, os requisitos para a utilização de videovigilância estão fixados na Lei 67/98, de 26-10, cabendo a sua autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados, enfatizando esta entidade e o próprio legislador a necessidade, a adequação e a proporcionalidade entre os meios utilizados, os direitos fundamentais atingidos e as finalidades estabelecidas (protecção de pessoas e bens)”, não é menos certo que “A resposta á questão sobre a legalidade procedimental em processo penal não pode ser questionada a texto que não pode, nem deve, responder á mesma questão, como é a referida Lei 67/98. Numa outra perspectiva é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados - instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais – uma papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse. A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal.”.---
E porque assim, ainda que o(s) proprietário(s) do estabelecimento comercial em causa, “Stand Luxgarb”, não possuísse(m), à data da recolha das imagens, qualquer autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para utilização de videovigilância, a apreciação da prova obtida através de tal meio há-de ser buscada nas mencionadas normas do Código de Processo Penal e Código Penal.---
Para o efeito, há que averiguar se a recolha e utilização das imagens em questão preenche a previsão do artigo 199º, do Código Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no já referido artigo 26º e legal no artigo 79º, nº 1, do Código Civil.---
É que, como bem salienta a decisão recorrida, o que importa é aferir da existência de alguma razão que exclua, numa e noutra situação, a ilicitude penal.---
Na senda do expendido no aludido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.03.2010, em conflito estão dois direitos dignos de tutela: de um lado, o direito à propriedade e à segurança de pessoas e bens – cfr. artigos 62º, nº 1 e 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – e, de outro, o direito à imagem e à intimidade – cfr. artigo 26º, da Constituição da República Portuguesa. “De acordo com o art. 199º do CP, impõe-se proceder a ponderação dos meios utilizados, no âmbito do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade com as finalidades estabelecidas e as pessoas e bens protegidos. (…) Tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. Será, por isso, considerada criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. É que a captação de imagens de um eventual suspeito, em tal circunstância, constitui um meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita da propriedade do ofendido. Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Quer isto dizer que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil. A justa causa apenas poderá ser afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada. Por maioria de razão se deverá estender ao direito penal o preceituado neste último segmento normativo, face à natureza fragmentária daquele ou ao seu correspondente princípio de intervenção mínima, resultante do art. 18.º, n.º 2, da Const. Rep. Port.. Ora, a citada norma do Cód. Civil, não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável. A gravação não foi obtida às ocultas, pois foi feita, como já se disse, num espaço público, onde é sabido que existem câmaras de vídeo que fazem a vigilância electrónica. Acresce que, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. As imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste, (…). O que é constitucionalmente protegido é, apenas, a esfera privada e íntima do indivíduo. Sucede que, a gravação não contende nem com uma nem com outra. Nesta conformidade, pode-se concluir que a obtenção dos fotogramas através do sistema de videovigilância existentes num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.”.---
Em conclusão, como na decisão revidenda, não só a recolha de imagens do arguido, através de videovigilância, como a sua posterior utilização, são licitas porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal, e, por isso, são válidas, como não consubstanciam nenhuma proibição de produção de prova, nem de valoração de prova.---
Nestes termos, improcede, pois, a invocada nulidade da prova resultante da videovigilância nos termos reclamados pelo recorrente.---
Se, como já acima se afirmou, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na sua peça recursiva, tal não prejudica, ainda que não invocados in casu, o conhecimento ex offício por este Tribunal ad quem dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.--
E, a este propósito cumpre afirmar que, como bem se alcança da transcrição supra da decisão revidenda, a mesma apreciou os factos aportados na acusação pública, bem como aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento. Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entres estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário. De igual modo, não se detecta qualquer violação do favor rei, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o Tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra o arguido.---
Conceda-se, o acórdão recorrido não deixa de expor os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame muito criterioso e abundante das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto, maxime no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.---
O acórdão recorrido está elaborado de forma assaz equilibrada, lógica e fundamentada. O Tribunal decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a.---
Assim, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.---
Posto isto, mostra-se sedimentada a factualidade assente na 1ª instância.---
Importa, agora, apreciar a última questão in casu suscitada pelo recorrente referente à pena (única) de prisão em que foi condenado pelo Tribunal a quo.---
Segundo o recorrente a pena de prisão que lhe foi imposta é “manifestamente excessiva”. Como bem salienta o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, quer da motivação, quer das conclusões da sua peça recursiva, o recorrente parece limitar a sua referida afirmação à pena única de prisão que lhe foi imposta, posto que em lugar algum coloca em crise as penas parcelares que lhe foram aplicadas pela prática dos crimes cujo cometimento lhe é imputado.---
Destrate, sempre se dirá que sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena – artigo 71º, do mesmo Código –, como ensina o Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.---
Ora, atentos os factos julgados provados, os bens jurídicos protegidos pelas incriminações, e as circunstâncias indicadas na decisão revidenda (“- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente [releva, na situação 4, a modalidade da acção (além do arrombamento, tipicamente considerado, também ocorre escalamento, a considerar nesta sede, tendo ainda o arguido penetrado sucessivamente, com actuações distintas, em espaços separados), o valor dos bens em causa e, favorecendo o arguido, a sua recuperação parcial (mas sem natureza voluntária); na situação 10, monta especialmente o valor em causa; na situação 11 releva o valor em causa (mais elevado), a reiteração (quanto ao local assaltado) e a ocorrência de escalamento (além do arrombamento); na situação 13 releva a modalidade da acção (com duas intervenções e uma especial intensidade delitiva), enquanto o valor em causa e a recuperação dos bens (também aqui sem natureza voluntária) atenuam o desvalor do resultado; no dano e na introdução releva o carácter, limitado, dos factos, e a sua natureza instrumental, preordenada à prática do crime de furto]; - a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi directo e intenso em todos os casos]; - os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [obtenção de vantagem patrimonial com absoluta indiferença face aos valores e interesses alheios]; - as condições pessoais do agente e a sua situação económica [situação pessoal muito precária e marginal: percurso de vida marcado pelos contactos com o sistema de justiça (saído de instituição aos 17 anos, com essa idade pratica o primeiro dos crimes descritos, sendo aplicada pena de prisão suspensa a que não adere - a suspensão é revogada); não tem apoio familiar ou outro (não valendo como tal as refeições oferecidas pela namorada ou família desta); não tem hábitos laborais]; - a conduta anterior ao facto e posterior a este [anteriores condenações (roubo no proc. 591/99, e consumo de estupefacientes, não considerados na reincidência)]; - a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada se apurou com relevo nesta sede]), não se vê no conspecto sedimentado no Tribunal a quo, qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa do arguido foi excedida, figurando-se as penas (parcelares) doseadas em medida adequada aos factos apurados e ademais temperadas com equilibrado critério.---
Nestes termos, cremos que é de manter as penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo, fixadas em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, e 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão e 4 (quatro) anos de prisão, pela prática respectivamente do crime de furto qualificado perpetrado no estabelecimento denominado “Casa Oliveira”, e dos dois crimes de furto qualificado perpetrados no estabelecimento denominado “Stand Luxgard”, em 10 (dez) meses de prisão pela prática do crime de furto simples perpetrado no estabelecimento denominado “Farracha”, em 6 (seis) meses de prisão pelo cometimento de um crime de dano e em 2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, posto que não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes se mostram adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa do arguido.---
Por fim, no tangente à fixação da pena única, tendo em consideração a relação concursal dos mencionados ilícitos e que a moldura penal abstracta do cúmulo em apreço tem como limite mínimo a pena de 4 (quatro) anos de prisão e limite máximo 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de prisão, foi ponderado, a este propósito, no aresto revidendo, “(…) globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art. 77º n.º1, 2ª parte), releva especialmente a relação existente entre eles [tudo crimes, na sua natureza ou na sua origem, de cariz patrimonial], e o lapso de tempo em causa (Agosto de 2010 a Janeiro de 2011), mas também o percurso criminal do arguido (considerado globalmente), com reflexos criminais vários e graves (todos, com uma excepção, com relevo patrimonial, tendo especial significado os roubos por demonstrarem que essa «apetência» patrimonial do arguido prevalece sobre o especial respeito devido a valores estritamente pessoais). O seu percurso de vida, globalmente considerado, mostra-se, além disto, marcado por alguma marginalidade. Assim, após institucionalização dos 13 aos 17 anos, pratica o primeiro crime aos 17 anos, não tendo respeitado a advertência da condenação pois a suspensão da pena aplicada vem a ser revogada; nunca teve actividade laboral regular; na liberdade condicional, mostrou-se refractário ás regras impostas, caracterizando-se o seu quotidiano pela inactividade ocupacional. Vê-se, desta forma, que o arguido não assume qualquer esforço de inserção social (isolado, sem hábitos laborais, associado a condutas desviantes). Além disso, não demonstra espírito crítico face ao seu comportamento, desvalorizando-o ao fazer prevalecer interesses pessoais, nem admite o desvalor da sua conduta, justificando-a com base em razões exógenas. Vê-se, assim, que o arguido mostra uma marcada indiferença ou mesmo oposição quer aos valores comunitários, quer ao significado reintegrador da pena, o que se revela ainda, de modo particular, pela circunstância de os factos ora especificamente considerados terem sido praticados no decurso do período de liberdade condicional, concedida na sequência da condenação do arguido pela prática de crimes de furto e roubo. Estes dados revelam que o arguido persistente e reiteradamente desrespeita os valores comunitários em causa, sem qualquer esforço consistente de inversão do seu percurso delitivo (o arguido, com 29 anos actualmente, praticou o primeiro crime com 17 anos, depois de ter estado vários anos institucionalizado, como se referiu, e, depois, esteve privado de liberdade durante cerca de 6 anos). O que acentua bastante as exigências de prevenção, especial mas também geral de reafirmação da validade da ordem jurídica, presentes no caso.” e, consequentemente, fixou-se a pena única de prisão em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.---
Ora, ante o que se deixa expendido, sem necessidade de qualquer outro considerando, por despiciendo, também a pena única imposta ao arguido não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas, antes se mostra adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do arguido, não se vislumbrando, por isso, fundamento para a pretendida alteração in mellius.---
Nestes termos, improcede também esta pretensão do recorrente, mantendo-se o decidido na instância nos seus precisos termos.---
V
Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, e sem prejuízo do preceituado no artigo 4º, nº 1, alínea j), deste mesmo Regulamento, impõe-se a condenação do arguido/recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.---
VI
Decisão
Nestes termos acordam em:---
A) - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A, mantendo-se consequentemente a decisão revidenda nos seus precisos termos---
B) - Condenar o recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.---
Remeta-se, de imediato, cópia do presente aresto ao Tribunal a quo nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 215º, nº 6, do Código de Processo Penal.---
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

Évora, 24 de Abril de 2012
Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares
António Manuel Clemente Lima
_______________________________________________
[1] Abstraindo do carácter tendencialmente conclusivo da afirmação, porque excluída
[2] A menção constitui manifesto lapso do despacho de acusação
[3] Não se trata, pois, de valorar o teor de declarações aí descritas.
[4] O reconhecimento fotográfico de fls. 31 do proc. 454/10 não tinha em si (antes do reconhecimento presencial), face ao disposto no n.º 5 do art. 147º do CPP, qualquer valor probatório
[5] Porque a testemunha referida já o conhecia
[6] V. ainda P. Mota Pinto, A protecção da vida privada e a constituição, BFDUC 76 (2000), pág. 178 , Parecer da PGR 95/2003, in DR II de 04.03.2004, pág. 3703, ou C. Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Lex 1995, pág. 198 nota 1.
[7] M. Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, tomo III, Almedina 2004, pág. 195
[8] Atribuindo este conteúdo ao direito à imagem, P. Mota Pinto, op. e loc. cit.
[9] É esta a exigência típica constante do art. 199º n.º2 do CP, a qual tem um sentido mais restritivo da tipicidade que o consentimento (referido no n.º1 do mesmo artigo)
[10] Deliberação 61/2004 da CNPD, disponível em 3w.cnpd.com
[11] Admitindo a vinculatividade directa destes direitos, face aos particulares, nos termos do art. 18º n.º1 da CRP - sobre a questão, v. por todos Benedita Mac Crorie, anotação em Cadernos de Direito Privado, n.º 11, pág. 55
[12] V. Benedita Mac Crorie, op. cit., que se seguiu de perto
[13] E não repugnaria sequer invocar a (quase-)legítima defesa, considerando-se que a actualidade da agressão se verificaria pelo perigo concreto de reiteração dos actos lesivos da propriedade já anteriormente verificados
[14] Em rigor, nesta solução o art. 167º n.º1 do CPP teria revogado tacitamente parte do art. 79º n.º2 do CC, no que tocava ás exigências de justiça no âmbito penal
[15] Por isso se não invocou este regime quando se discutiu a (i)licitude da recolha da imagem
[16] Q, que recebeu o fio deste P
[17] Esta circunstância decorreu, aliás, do depoimento daquele M
[18] V. Ac. do STJ de 21.06.2007, proc. 07P1894 (in 3w.dgsi.pt)
[19] E por isso não é aplicável o regime do art. 206º n.º2 do CP
[20] É notório, face a esta medida da pena, que, mesmo fora do quadro da reincidência, a pena concreta seria superior a 6 meses de prisão, dado o significado (mínimo) da ampliação do limite inferior da moldura penal
[21] Incluindo a prisão preventiva à ordem destes autos