Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3216/12.3TBPTM-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
JUROS REMUNERATÓRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I - Os juros moratórios traduzem a indemnização pelo atraso da prestação, enquanto que os juros remuneratórios traduzem a quantia convencionada e paga pelo empréstimo, pela cedência do capital.
II – A cláusula que prevê que o incumprimento implique a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas…”, não significa que as partes quiseram que o vencimento da totalidade das prestações implicasse o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama.
III – Mantém-se, assim, a aplicação do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2009, que determina que no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.
IV – Mantêm-se actualizada a posição desse Acórdão, pois o quadro legal em que o mesmo foi gizado continua, no fundamental, idêntico.
V - Pelo que, caso as partes não prevejam expressamente que o vencimento da totalidade das prestações implique o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama, se os mesmos forem tidos em conta há preenchimento abusivo da livrança.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

AA deduziu defesa mediante embargos de executado contra a exequente Banco BB, S.A., peticionando a procedência dos mesmos e consequente absolvição do pedido executivo.
Alegou, para o efeito e em síntese, que a livrança exequenda foi abusivamente preenchida, não tendo a exequente cumprido o acordo das partes quanto a tal preenchimento.
Mais alegou que não se compreende o cálculo da dívida exequenda, uma vez que, atento o montante que já entregou à exequente, nunca a livrança poderia ter um valor tão elevado.
Notificada para contestar, a exequente alegou que a livrança exequenda foi preenchida de acordo com o que havia sido estipulado pelas partes e após o incumprimento da obrigação da embargante.
Mais alegou que tal preenchimento foi correctamente efectuado, correspondendo ao valor do capital em dívida e juros devidos.
Foi proferido despacho saneador, no qual se elencaram os temas carecidos de prova e realizada a audiência de discussão e julgamento.
Foi então proferida sentença, que declarou os embargos de executado totalmente improcedentes, por não provados e por carecerem de fundamento jurídico e deles absolveu a exequente.
Inconformada com tal decisão, veio a executada interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu declarar, totalmente, improcedentes os embargos de executado, por não provados e por carecerem de fundamento jurídico e deles absolveu a exequente.
Posto isto,
2. Com a apresentação de contestação pela exequente carreou esta parte aos autos os artigos 9º e 10º de tal peça, que consubstanciam factos novos em relação ao requerimento executivo e, bem assim, quanto aos embargos e juntou documentos.
3. Motivos pelos quais, requereu a recorrente no inicio da audiência final o seguinte:
“A executada, AA, notificada no pretérito dia 22 do corrente mês da junção aos autos de documentos pelo exequente, requer a V. Ex.ª se digne admitir pronúncia sobre os mesmos. Mais requer ainda, ao abrigo do artigo 3.º n.º3 do C.P.Civil, que se digne admitir o exercício de contraditório sobre os factos produzidos em sede de contestação que importam destrinçar em sede de contraditório pela executada.”.
4. Tendo, após, o Tribunal recorrido dado a palavra ao mandatário da recorrente que expôs a sua pretensão quanto aos documentos e factos novos oferecidos pela exequente.
5. Cumprido o contraditório, veio o Tribunal a indeferir o exercicio do contraditório pela recorrente alegando que os sobreditos factos novos carreados aos autos na contestação não eram novos e que podia ter exercido o contraditório com os seus embargos...??!!
6. Logo, entende a recorrente, perante o notório, evidente e preclaro carrear aos autos, pela exequente, de novos factos que não haviam sido articulados nos autos até à contestação, outra forma não tinha a recorrente de reagir aos mesmos senão pelo uso legal do estatuído no art. 3º nº 3 e 4 do CPC.
7. Direito ao contraditório este que, pelo Tribunal a quo, devia ter sido respeitado desde logo porque a seguir à contestação aos embargos não havia outro articulado admissível.
Por conseguinte, Venerandos Juízes,
8. Entende a recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, daí a nulidade da sentença que ora se invoca para os legais efeitos.
Ademais,
9. Entendeu o Tribunal a quo, em sede de questão de direito, que no caso dos autos não se aplicaria o Acordão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009 do STJ, datado de 25.3, «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».
10. Porque no entender do tribunal recorrido a aplicação do supra mencionado Acordão Uniformizador, apenas se aplicaria nas seguintes situações: i) ou se não existisse a cláusula; ii) ou então se tivessem os contratantes previsto que, em caso de incumprimento apenas se exigisse o capital vincendo.
Sendo ainda que,
11. O Tribunal a quo considerou também que a cláusula oitava do contrato de mútuo nos autos, ao referir-se a prestações em falta, inclui o capital, juros (incluindo remuneratórios) e todas as despesas que se incluem na prestação creditícia.
Ora, Venerandos Julgadores,
12. No entender da recorrente a decisão impugnada é errada de facto e direito, porquanto, desconsiderou, total e integralmente, o Acordão Uniformizador de Jurisprudência indicado na sentença recorrida.
Vejamos,
13. Dispõe o art. 781º do CC o seguinte: “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
14. Atentando ainda no teor constante na clª 8ª do contrato de mútuo em questão nos autos, o seu teor é uma reprodução do citado art. 781º do CC.
Destarte,
15. Resulta ainda no capitulo VII do sobredito Acordão Uniformizador de Jurisprudência é estabelecido, entre outros, pelo STJ o seguinte entendimento:
“O artigo 781.º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;”.
16. Entende a recorrente que a cláusula oitava do contrato de mútuo em causa nos autos é uma reprodução do teor expresso no art. 781º do CC; e, bem assim, as partes contratantes, na supra citada cláusula oitava do dito contrato de mútuo, não estabeleceram um regime diferente ao previsto no art. 781º do CC, porque o que as partes estabeleceram no caso do incumprimento foi o pagamento das prestações em falta e o vencimento das prestações vincendas, como aliás ressalta do normativo indicado.
17. Pelo que, a exequente, abusivamente, em conformidade com o seu pedido executivo inclui na livrança, despesas extra judiciais que não foram previstas contratualmente e, bem assim, juros remuneratórios do capital quanto às prestações vincendas após a denúncia do contrato de crédito ao consumo;
18. Em clara violação ao Acordão Uniformizador mencionado.
19. Consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que seja a declarar que o título executivo em apreço nos presentes autos foi preenchido abusivamente, e, portanto, torna o mesmo inexigível pelo que a execução deve improceder, até, porque, não existe qualquer cálculo nos autos que permita aferir qual a redução que deve ser operada.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto Suprimento de V. Exas., deve a presente apelação proceder, por provada, e, em conseqûencia:
A) Ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra que declare que a livrança que constitui título executivo foi abusivamente preenchida, tornando a obrigação inexigível;
B) E, consequentemente, ser declarada a improcedência da execução;
C) Condenar-se a exequente em custas.”
Não houve contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1. A exequente propôs a execução apresentando como título executivo um documento onde se lê “NO SEU VENCIMENTO PAGAREI(EMOS) POR ESTA ÚNICA VIA DE LIVRANÇA AO BANCO BB, S.A. (…) A QUANTIA DE”, encontrando-se manuscrito o montante de vinte e seis mil trezentos e quarenta e dois euros e noventa e um cêntimos.
2. No campo destinado ao vencimento mostra-se preenchida a data de 8/6/2012.
3. No verso de tal documento mostra-se aposta a expressão “Bom por aval à subscritora” e a assinatura da Embargante.
4. O documento referido em 1 foi emitido como garantia da restituição de montantes pecuniários que a Exequente entregou a CC, conforme documentos que são fls. 24 e 25 deste apenso.
5. Lê-se em tal documento que “Para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades ora assumidas, V. Exa. (s) entrega(m) ao BB uma livrança com a cláusula “não à ordem” subscrita por CC (…) e avalizada por AA (…) livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontram em branco para que o Banco os fixe na data que julgar conveniente pelo montante que compreenderá o saldo em dívida, comissões, juros remuneratórios e de mora e outros encargos, completando assim o seu preenchimento”.
6. Lê-se na cláusula 8 das condições gerais do contrato celebrado entre CC, a Embargante e a Exequente que “o não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas…”
Factos Não Provados
1. A Embargante entregou à Exequente o montante referido em 1.
2. A Exequente preencheu o documento referido em 1 em violação do que havia sido acordado pelas partes e sem estar legitimada para o efeito.
Não se responde à demais factualidade por estar em contradição com os factos provados, ser conclusiva, de Direito ou irrelevante para a decisão da causa.

2 – Objecto do recurso.
Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC:
1.ª Questão – Saber se a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia.
2.ª Questão – Saber se houve preenchimento abusivo da livrança.

3 - Análise do recurso.
1.ª Questão – Saber se a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia.

Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e no que ora nos interessa, «é nula a sentença quando»:
. omissão de pronúncia (alínea d), I parte) - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Embora de forma pouco clara, parece decorrer das alegações de recurso que se defende existir tal nulidade por não ter sido respeitado o direito da executada ao contraditório, na sequência da junção de documentos pela exequente.
Adiantamos, desde já, que não vislumbramos o sentido desta argumentação.
Consultada a acta da audiência de julgamento, verificamos que, efectivamente, a recorrente requereu a possibilidade de exercer o contraditório quanto aos documentos anteriormente juntos, o que foi deferido por despacho, tendo de seguida exercido tal contraditório.
Não se vê como pode agora vir dizer que, relativamente a esta situação, há omissão de pronúncia da sentença.
Aliás, se tivesse ocorrido qualquer irregularidade ou nulidade aquando da audiência de julgamento, verifica-se que não houve qualquer reacção por parte da recorrente, pelo que sempre estaria sanada.
Como tem sido abundantemente dito na jurisprudência e na doutrina, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 143)
Nada disto resulta da situação que a recorrente classifica “nulidade da Sentença”.
Tanto basta para improceder, nesta parte, o recurso.


2.ª Questão – Saber se houve preenchimento abusivo da livrança.

A recorrente conclui que houve preenchimento abusivo, pois a exequente incluiu na livrança despesas extra judiciais que não foram previstas contratualmente e, bem assim, juros remuneratórios do capital quanto às prestações vincendas após a denúncia do contrato de crédito ao consumo, ou seja, juros remuneratórios relativos a todas as prestações contratuais e não apenas relativamente às prestações vencidas à data em que a exequente resolveu o contrato de mútuo, em clara violação ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 7/2009, datado de 25.03.
A sentença, por seu turno, entendeu que o Acórdão Uniformizador foi afastado pela liberdade contratual, nomeadamente pelo acordo contratual diverso das partes em regime diverso, por estar prevista no contrato a possibilidade, em caso de incumprimento, de se exigir o pagamento de todas as prestações.
Quid juris?
(Em primeiro lugar importa referir que, neste caso, não se coloca a questão da necessidade de interpelação do devedor pelo credor pois - embora, em princípio, o vencimento antecipado da totalidade das prestações, por via da falta de pagamento de uma delas, não determinasse, automaticamente, que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em atraso, sendo necessário, para tanto, a interpelação do devedor pelo credor - neste caso as partes interpretaram este clausulado no sentido de que a falta de pagamento de uma da prestações implicaria o imediato vencimento das prestações vincendas, no que concerne ao capital e, por isso, não cabe suscitar aqui o entendimento de que o vencimento antecipado de prestações vincendas por falta de pagamento de uma das parcelas da obrigação, previsto no art.º 781.º do Código Civil, pressupõe prévia interpelação nesse sentido por parte do credor (neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª edição, páginas 53 e 54; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina pág. 951; na jurisprudência, Acórdão do STJ de 06.02.2007 proferido no processo 06A4524 e disponível em www.dgsi.pt. Contra, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, pág. 270 e seguintes), pois nada obsta a que essa exigência seja afastada por estipulação contratual).
A questão colocada no recurso é, tão só, a dos juros remuneratórios.
Como se sabe, a livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado “acordo ou pacto de preenchimento”.
Também sabemos que, de acordo com o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2009 («No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados») o STJ fixou jurisprudência no sentido de que, no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, constituindo os juros remuneratórios rendimento de uma obrigação de capital proporcional ao tempo pelo qual o mutuante está privado desse capital, se não houver acordo em contrário, o vencimento antecipado das prestações à luz de cláusula idêntica à do art.º 781.º do Código Civil, não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama.
No caso dos autos, consta o seguinte do contrato:
«6. Lê-se na cláusula 8 das condições gerais do contrato celebrado entre Ana Pinto, a Embargante e a Exequente que “o não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas…”
Significa esta cláusula que as partes no âmbito da liberdade contratual quiseram que o vencimento da totalidade das prestações implicasse o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama?
Não cremos.
Só se faz referência aos juros moratórios e às prestações vincendas.
Tal interpretação seria absolutamente desfavorável ao devedor e, considerando o regime de interpretação contratual estabelecido no artigo 236.º do Código Civil, ao estipulado sobre interpretação de cláusulas ambíguas, no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, alterado pelos DL n.º 220/95, de 31.08 e n.º 249/99, de 07.07 (regime das cláusulas contratuais gerais), e face às apertadas exigências consignadas no DL n.º 133/2009, de 02.06.2009 (relativo ao crédito ao consumo) - que estabelece, na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil, novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações - um declaratário normal não interpretaria essa cláusula no sentido preconizado pela recorrente, ou seja, de que a falta de pagamento de uma mensalidade acarretaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim do contrato.
Ou seja, ao contrário do que defende a sentença recorrida, não cremos que haja acordo em contrário à aplicação do Acórdão Uniformizador.
Ora, por força deste aresto jurisprudencial:
- Os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
– A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
– Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil;
– Não pode, assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
- Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
- O art.º 781º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações.»
Embora os Acórdãos uniformizadores de jurisprudência não tenham carácter geral e abstracto (pois limitam a sua força vinculativa aos processos onde forma proferidos) são obviamente precedentes judiciais de grande peso.
Aliás, não é por acaso que, nos termos do art.º 678.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, as “decisões proferidas, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça” admitem sempre recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência.
A este propósito, diz Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, página 366): “Constitui um fortíssimo factor de redução da margem de incerteza e de insegurança quanto à resposta a determinadas questões jurídicas, ante a mais que provável revogação da decisão se acaso for interposto recurso. Assinalando a posição assumida pelo órgão de cúpula da ordem jurisdicional relativamente a determinada questão, o acórdão de uniformização implica uma natural adesão dos demais órgãos jurisdicionais (efeito persuasivo) e do próprio Supremo se e enquanto a respectiva doutrina não caducar por via da modificação legislativa ou por elaboração de outro acórdão da mesma natureza.”
Estes acórdãos são de extrema importância e não podem de forma alguma ser ignorados, pois traduzem a interpretação uniforme do direito que constitui um dos vectores por que se tutela a certeza e a segurança jurídica, bem como a igualdade de tratamento postulada no princípio da confiança.
Só faz sentido o afastamento da jurisprudência uniformizada quando verificados fundamentos não considerados no acórdão uniformizador e de tal forma relevantes e convincentes, que sejam capazes de provocar a alteração pelo STJ da jurisprudência fixada.
Finalmente, outro argumento ao qual somos particularmente sensíveis é o de que o ordenamento jurídico deve ser harmonioso e não faz sentido que, em casos iguais, sendo a acção contestada (e mesmo que essa contestação nada tenha a ver com a questão dos juros remuneratórios e se aceite mesmo que são devidos), o juiz deva decidir de acordo com a jurisprudência uniformizada e, não sendo contestada, se veja obrigado a decidir contra a mesma ao confinar-se a decisão judicial, à mera conferição de força executiva à petição.
Em suma:
O preenchimento da livrança em causa nos autos é violador do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado.
E nem se diga que tal entendimento não pode aplicar-se ao contrato em causa por desactualização, pois pensamos que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência mantêm-se actualizado, apesar da entrada em vigor do DL n.º 133/09 de 02.06 – neste sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 29.05.2012, proferido no processo n.º 2715/11.9TBACB.C1, de 08.05.2012, proferido no processo n.º 534/09.1TBLSA.C1, bem como desta Relação de 03.03.2010, proferido no processo n.º 1957/09.1TBLLE.E1, de 12.05.2011, proferido no processo n.º 1270/09.4TBBJA.E1 e de 16.02.2012, proferido no processo n.º 1024/10.5, entre outros.
Com efeito, o Acórdão em causa baseou-se no art.º 781.º do Código Civil, que dispunha, como continua a dispor, que ”se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas” e no DL n.º 359/91, de 25.10 que, regulando o contrato de crédito ao consumo, veio, entretanto, a ser revogado perlo DL n.º 133/09, de 02.06, entrado em vigor, no que aqui importa, em 01.07.09. (artigos 33.º, n.º 1, al. a) e 37.º)
Como se explica no acima mencionado Acórdão da RC (29.05.2012): “Este diploma destinou-se a proceder à transposição para a ordem jurídica interna das Directivas n.ºs 2008/48/CE do PE e do Conselho, de 23.4, na sequência da alteração das Directivas então transpostas pelo ora revogado DL n.º 359/91.
Mantendo a mesma definição de “contrato de crédito” (art.º 2.º, al.a) e 4.º, al.a), da lei revogada e da actual, respectivamente) o ponto que distingue ambos os diplomas vai no sentido do reforço dos direitos dos consumidores, v. g., no que aqui interessa, instituiu um regime mais favorável que o definido no art.º 781.º do CC no caso de não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor.
Ao invés de se vencerem todas as prestações com a falta de pagamento de qualquer uma delas, agora (art.º 20.º, n.º 1), o credor, só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as seguintes circunstâncias:
a) – Falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) – Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
O n.º 2 dispõe, por seu turno, que “a resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais”.
(…) A possibilidade de as partes poderem no âmbito da sua liberdade contratual convencionar regime diverso do definido pelo art.º 781.º já havia sido ressalvado no texto do AUJ em causa (ponto n.º 10).
Ressalva que foi só nesse sentido e não que as partes poderiam incluir no valor das prestações os juros de financiamento, entendendo-se, para lá dos moratórios, os remuneratórios quanto às prestações vencidas não pagas, como nas alegações o recorrente parece aventar.
Ora bem.
Servem estas breves considerações para se poder concluir que o quadro legal em que foi gizado o AUJ continua, no fundamental, idêntico.”
Logo, mantém-se actualizado o respectivo entendimento.
Assim sendo, por ter em conta as despesas extra-judiciais incluídas e juros remuneratórios das prestações vincendas, há, efectivamente, preenchimento abusivo da livrança que constitui título executivo nos autos.
E, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare que o título executivo em apreço nos presentes autos foi preenchido abusivamente, quanto aos aspectos referidos.
Conclui a recorrente que, perante esta conclusão, a execução deve improceder, até, porque, não existe qualquer cálculo nos autos que permita aferir qual a redução ao pedido que deve ser operada, mas não é caso de improcedência integral da execução, mas sim de procedência parcial dos embargos de executado.
Pelo exposto, procedem parcialmente as conclusões da recorrente, merecendo o recurso provimento igualmente parcial.


Sumário:
I - Os juros moratórios traduzem a indemnização pelo atraso da prestação, enquanto que os juros remuneratórios traduzem a quantia convencionada e paga pelo empréstimo, pela cedência do capital.
II – A cláusula que prevê que o incumprimento implique a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas…”, não significa que as partes quiseram que o vencimento da totalidade das prestações implicasse o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama.
III – Mantém-se, assim, a aplicação do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2009, que determina que no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.
IV – Mantêm-se actualizada a posição desse Acórdão, pois o quadro legal em que o mesmo foi gizado continua, no fundamental, idêntico.
V - Pelo que, caso as partes não prevejam expressamente que o vencimento da totalidade das prestações implique o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama, se os mesmos forem tidos em conta há preenchimento abusivo da livrança.

4 – Decisão.
Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam-se os embargos parcialmente procedentes por preenchimento parcialmente abusivo do título, subtraindo-se à quantia exequenda o valor das despesas extra-judiciais incluídas e juros remuneratórios quanto às prestações vincendas.
As custas dos embargos e da apelação são a cargo das partes na proporção do decaimento.

Évora, 10.05.2018
Elisabete de Jesus Santos Oliveira Valente
Ana Margarida Leite
Silva Rato