Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6785/10.9 TXLSB-F.E1
Relator: MARIA FILOMENA SOARES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Em caso de liberdade condicional de várias penas de prisão em execução sucessiva, importa considerar a autonomia material de cada uma delas e que o facto gerador da revogação da liberdade condicional há-de ser apreciado em função da liberdade condicional vigente para cada uma das penas de prisão em execução, ademais, como in casu, quando os crimes cometidos pelo condenado libertado apenas foram praticados durante o período de vigência da liberdade condicional por referência tão só a uma das penas de prisão em execução.

II – Por isso que, tratando-se de penas de cumprimento sucessivo, quando o artigo 64.º, nº 2, do CP prescreve que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão, ainda, não cumprida”, só pode entender-se que a ponderação da revogação é efectuada em relação a cada um dos períodos de liberdade condicional referente a cada uma das penas em execução e não relativamente a uma única situação de liberdade condicional referente a uma espécie de cúmulo jurídico de penas atípico.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:

I
O condenado A. [filho de..., natural da freguesia de São José, Concelho de Ponta Delgada, onde nasceu em 26.03.1982], foi condenado:

- No âmbito do processo nº 79/06.1PEPDL, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente e de um crime de roubo, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão; e

- No âmbito do processo nº 61/05.6PEPDL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de roubo, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Em 20.01.2011 foi-lhe concedida a liberdade condicional, a vivificar nos seguintes termos:

- Desde a data da libertação, em 20.01.2011, até 02.03.2012 à ordem do processo nº 79/06.1PEPDL; e

- Desde 02.03.2011 até 02.11.2013 à ordem do processo nº 61/05.6PEPDL.

A liberdade condicional ficou sujeita ao cumprimento de determinadas obrigações, designadamente a de não cometer crimes e/ou quaisquer outros ilícitos, sob pena, de não sendo as mesmas cumpridas, poder ser revogada.

No âmbito do processo nº 453/11.1PBPDL, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, foi o libertado condenado, como reincidente, pela prática, em 09.04.2011, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, e de quatro crimes de injúria agravada, na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses.

O cometimento dos crimes supra mencionados ocorreu em pleno decurso do período de liberdade condicional.

Iniciado o Incidente de Incumprimento, nos termos prevenidos no artigo 185º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, [doravante designado por CEPMPL], após audição do condenado [cfr. fls. 17 dos presentes autos], o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer a que alude o nº 6 do citado artigo, opinando no sentido de que “(…) atento o disposto nos artigos 64º nºs 1 e 2 e 56º nº 1 al. b) do CP, (…), lhe seja revogado o regime da liberdade condicional e se determine o cumprimento da pena remanescente não cumprida no tocante ao processo nº 79/06.1PEPDL do 4º juízo da comarca de Ponta Delgada, por ser esta a medida mais ajustada e reclamada por razões de reprovação e defesa social.”.

Por decisão da Mmª Juiz do Tribunal de Execução de Penas de Évora, proferida em 17.09.2013, foi determinada a revogação da liberdade condicional concedida ao condenado A., nos termos que seguidamente se transcrevem:

I. Relatório
A. saiu em liberdade condicional no dia 20 de Janeiro de 2011 quando cumpria duas penas de prisão:

» A pena de 05 anos aplicada no processo n.º 79/06.1PEPDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de roubo;

» A pena de 03 anos e 04 meses aplicada no processo n.º 61/0S.6PEPDL do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada pela prática de um crime de roubo e de um crime de furto qualificado.

A liberdade condicional perduraria por conta do primeiro dos referidos processos até 02 de Março de 2012 e por conta do segundo até 02 de Novembro de 2013, e ficou sujeita ao cumprimento de determinadas obrigações, sob pena de, não sendo as mesmas cumpridas, poder ser revogada.

Entre essas obrigações estava a de não praticar crimes e/ou quaisquer outros actos ilícitos.

No processo n.º 453/11.1PBPDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, foi o libertado condenado na pena de 04 anos e 02 meses de prisão, pela prática, em 09 de Abril de 2011, de um crime de roubo agravado na forma tentada e de quatro crimes de injúria agravada.

Instaurado o presente incidente de incumprimento, procedeu-se à audição do libertado em declarações, atento o disposto no artº 185º, 2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (diploma a que pertencem as normas legais doravante citadas sem menção de origem), tendo este declarado que os crimes em causa foram praticados sob influência de drogas, e ainda que sabia que não podia praticar crimes durante o período da liberdade condicional e que tinha consciência das consequências que poderia sofrer se o fizesse - cfr. fls. 17.

Os autos foram com vista ao digno magistrado do Ministério Público, o qual emitiu parecer no sentido de se proceder à revogação da liberdade condicional concedida em relação à pena aplicada no processo n.º 79/06.1PEPDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, por entender que com a conduta que adoptou durante o período da liberdade condicional, o libertado violou as obrigações a que estava sujeito e pôs em causa as finalidade que se visavam com a liberdade condicional - cfr. fls. 18 e 19.

O recluso e o seu defensor foram notificados do referido parecer, nada tendo requerido ou alegado.
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II. Saneamento do processo
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e está isento de nulidades insanáveis, nada obstando ao conhecimento de mérito.
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III. Dos factos
A) Factos assentes
Considera o tribunal que com relevância para a decisão a proferir se mostram assentes os seguintes factos:

A. saiu em liberdade condicional no dia 20 de Janeiro de 2011 quando cumpria duas penas de prisão, a saber, 05 anos no processo n.º 79/06.1PEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de roubo, e 03 anos e 04 meses aplicada no processo n.º 61/05.6PEPDL do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada pela prática de um crime de roubo e de um crime de furto qualificado.

A liberdade condicional perduraria por conta do primeiro dos referidos processos até 02 de Março de 2012 e por conta do segundo até 02 de Novembro de 2013, e ficou sujeita ao cumprimento de determinadas obrigações, sob pena de, não sendo as mesmas cumpridas, poder ser revogada.

Entre essas obrigações estava a de não praticar crimes e/ou quaisquer outros actos ilícitos.

No processo n.º 453/11.1PBPDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, foi o libertado condenado na pena de 04 anos e 02 meses de prisão, pela prática, em 09 de Abril de 2011, de um crime de roubo agravado na forma tentada e quatro crimes de injúria agravada.

O libertado sabia que estava obrigado a cumprir a condição a que se alude em 3° e sabia as consequências que poderiam resultar da violação da mesma, mas apesar disso agiu como descrito em 4°.
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B) Motivação
A factualidade supra elencada resultou da análise crítica, à luz das regras da experiência, do teor dos documentos juntos aos autos, assim como da confissão do recluso.
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IV. Do direito
Cumpre decidir - cfr. art° 185°, 7.

Resulta da factualidade assente que em 20 de Janeiro de 2011 A. saiu em liberdade condicional quando cumpria duas penas de prisão, sendo que a liberdade condicional perduraria até 02 de Março de 2012 por conta de uma das penas (a pena aplicada no processo n.º 79/06.1PEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada), e a partir desta data e até 02 de Novembro de 2013 por conta da outra pena (a que lhe foi aplicada no processo n.º 61/05.6PEPDL do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada).

Mais resulta que o libertado ficou sujeito, durante o período da liberdade condicional, ao cumprimento de determinadas obrigações, sob pena de, não sendo as mesmas cumpridas, poder ser revogada, do que ficou bem ciente; entre essas obrigações estava a de não praticar crimes e/ou quaisquer outros actos ilícitos.

Sucede que resultou ainda provado que no decurso da liberdade condicional, mais precisamente em 09 de Abril de 2011, o libertado praticou um crime de roubo agravado na forma tentada e quatro crimes de injúria agravada, pelos quais foi condenado no processo n.º 453/11.1PBPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada na pena de 04 anos e 02 meses de prisão.

Isto significa que estes crimes foram cometidos em pleno período da liberdade condicional por conta do processo n.º 79/06.1PEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, na medida em que esta perduraria até 02 de Março de 2012 (e daí em diante e até final, que ocorreria em 02 de Novembro de 2013, por conta do processo n.º 61/05.6PEPDL do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada).

Em face do que ficou exposto, mais não resta do que concluir que o libertado incumpriu uma das condições que lhe foram impostas aquando da concessão da mesma, ou seja, a de não praticar crimes.

E tendo em conta que se mostra assente que o libertado sabia, porque tal lhe foi comunicado, que estava obrigado a cumprir esta obrigação e ainda que o incumprimento da mesma poderia conduzir à revogação da dita liberdade condicional, e ainda de concluir que se trata de um incumprimento doloso.

Com este seu comportamento o libertado demonstrou que as finalidades de prevenção, sobretudo especial, que estiveram na base da concessão da liberdade condicional, não se verificaram em concreto.

Para que assim se conclua, contribui ainda o facto de que a violação desta obrigação por parte do libertado ocorreu escassos meses volvidos desde a sua libertação, ou seja, pouco tempo durou a manutenção do libertado numa vida conforme ao direito e às regras.

Em suma, o libertado defraudou o juízo de prognose favorável antes formulado aquando da concessão da liberdade condicional, não aproveitando a oportunidade que então lhe foi concedida de demonstrar ser capaz de, fora de reclusão, pautar de forma adequada e socialmente aceitável o seu comportamento.

Pelo que se impõe a revogação da liberdade condicional concedida, já que reclamada pela finalidade última da execução da pena de prisão, ou seja, a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes (cfr. art°s 43° e 56°, este ex vi do art° 64°, todos do Código Penal).

Chegou agora o momento de determinar que liberdade condicional será revogada: apenas a que foi concedida em relação à pena sofrida no processo n.º 79/06.lPEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, conforme pretende o digno magistrado do Ministério Público? Ou toda, incluindo a que foi concedida em relação à pena aplicada no processo n.º 61/05.6PEPDL do 1° Juízo do mesmo tribunal?

A montante desta questão (que não se cuida de apreciar por não estar em causa), está a de saber se quando um recluso cumpre duas ou mais penas e lhe é concedida a liberdade condicional quando ainda tem por cumprir parte de cada um delas, deve ou não cindir-se essa liberdade condicional de acordo com o tempo em falta relativamente a casa pena ou se, pelo contrário, a liberdade condicional deve ser concedida como um todo, a terminar na data relativa ao termo do somatório de todas as penas.

No caso em apreço a optou-se pela primeira das hipóteses, solução à qual, de resto, aderimos, porquanto se entende que sendo a liberdade condicional correspondente a tempo de pena cumprido, não deve ser desatendido esse tempo e, decorrido o período relativo a cada uma das penas sem existirem causas que possam conduzir à revogação da liberdade condicional, a pena deve ser julgada extinta, e assim sucessivamente.

No caso em apreço, a violação das obrigações da liberdade condicional ocorreu logo no primeiro dos períodos.

Se tivesse ocorrido no decurso do segundo, não teríamos dúvidas em extinguir a pena aplicada no processo n.º 79/06.IPEPDL (pois não deveria ser desconsiderado o tempo de liberdade condicional que correspondia a esta pena e em que o libertado teria cumprido as regras de conduta), e revogar a liberdade condicional determinando-se o cumprimento da parte da pena não cumprida aplicada no processo n.º 61/05.6PEPDL.

Tendo, porém, ocorrido no primeiro dos períodos, entendo, ao contrário do defendido pelo digno magistrado do Ministério Público, que deve ser revogada a liberdade condicional concedida em relação às duas penas.

Isto porque é o condenado quem, com a sua conduta violadora das regras de conduta no primeiro dos períodos, não só põe em causa os objectivos subjacentes a esta liberdade condicional, como inviabiliza o início do período da liberdade condicional relativamente à segunda das penas.

E não se vê como pode formular-se um juízo negativo em relação a este primeiro período da liberdade condicional e um juízo positivo em relação ao segundo.

Na verdade, se alguns meses após a libertação o libertado pratica novos crimes dolosos pelos quais é condenado em pena de prisão, não se alcança como possível que se conclua que estaria em conduções de alcançar os objectivos da liberdade condicional no que concerne ao segundo período.

Em face do exposto, entendo que a liberdade condicional deve ser revogada no seu todo, determinando-se o cumprimento do remanescente de cada uma das penas em apreço.
*
V. Decisão

Face ao exposto, revogo a liberdade condicional concedida a A. quando cumpria as penas de prisão aplicadas nos processos n.ºs 79/06.1PEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, e 61/05.6PEPDL do lº Juízo do mesmo tribunal e, em consequência, determino a execução da parte ainda não cumprida de cada uma das referidas penas de prisão.
*
Custas pelo libertado, fixando-se a taxa de justiça e procuradoria nos mínimos legais
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Registe, notifique e comunique ao Estabelecimento Prisional, à Direcção Geral de Reinserção Social e aos processos n.ºs 79/06.1PEPDL do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada e 61/05.6PEPDL do lº Juízo do mesmo tribunal
*
Após trânsito, junte cópia desta decisão ao apenso de liberdade condicional e aí abra vista ao digno magistrado do Ministério Público.
*
(…).”.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

“1 – A. foi condenado em duas penas de prisão, penas essas de cumprimento sucessivo (condenação em cinco anos de prisão sofrida no processo nº 79/06.1PEPDL do 4º juízo da comarca de Ponta Delgada e em três anos e quatro meses de prisão sofrida no processo nº 61/05.6PEPDL do 1º juízo da mesma comarca).

2 - Por sentença proferida a 20-1-2011 foi-lhe concedida a liberdade condicional, devendo a mesma vigorar nos seguintes termos:

- de 20-1-2011 ( data da libertação até 2-3-2012, à ordem do processo nº 79/06.1PEPDL;
- de 2-3-2012 até 2-11-2013, à ordem do processo nº 61/05.6PEPDL.

3 - O recluso viria a ser condenado no âmbito do processo nº 453/11.1PBPDL do 4º juízo da comarca de Ponta Delgada, na pena única de quatro anos e dois meses de prisão, pela prática de um crime de roubo agravado (na forma tentada) e de quatro crimes de injúria agravada, ocorridos a 9-4-2011, ou seja em pleno decurso do período de liberdade condicional referente à pena aplicada no processo 79/06.1PEPDL.

4 - Consequentemente, foi-lhe revogada a liberdade condicional de que havia beneficiado, tendo o Tribunal “a quo” ordenado a execução da parte, ainda, não cumprida das referidas penas de prisão.

5 - Porém, tal decisão desconsidera a autonomia material de cada uma das penas em execução e considera-as para o efeito da revogação da liberdade condicional como se de uma única pena se tratasse, solução que carece de base legal que a sustente.

6 - Ao invés, respeitando a individualização das penas em execução, deveria o Tribunal ter procedido à revogação da liberdade condicional somente no tocante à pena aplicada no processo nº 79/06.1PEPDL.

7 - Ao não o fazer, o Tribunal violou por erro de interpretação o disposto no artigo 64º nº 2 do CP interpretado de forma sistemática e tendo em conta o preceituado nos artigos 63º nº 2 do CP, 141º al. i) do CEPMPL e 485º nº 3 do CPP.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra onde se ordene o cumprimento do tempo de prisão remanescente que o recluso tem a cumprir à ordem do processo nº 79/06.1PEPDL.

Desta forma, farão V.as Ex.as justiça.”.

Admitido o recurso interposto [cfr. fls. 37 dos presentes autos], notificado o condenado, que não ofereceu réplica, a Mmª Juiz do Tribunal a quo, proferiu despacho sustentando a decisão recorrida – “Mantenho na íntegra a decisão proferida.” [cfr. fls. 42 dos presentes autos] – e, após, determinou a remessa dos autos a este Tribunal da Relação de Évora.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de “(…) propender para a solução assumida na decisão de que se recorre, sem menosprezo, por opinião contrária, como pelos prestimosos contributos e argumentos, avançados pelo Sr. Procurador da República recorrente, para o esclarecimento da questão que é particularmente pertinente (a necessitar profunda reflexão) e, só por isso, deve ser enaltecido o seu mérito. (…)”.

Conclui, em consequência, que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta.

Efectuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foi realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação - cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal [sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as prevenidas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82].

Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento deste Tribunal ad quem é a seguinte:

(i) - Saber se quando um condenado recluso cumpre duas ou mais penas de prisão e lhe é concedida a liberdade condicional em função da totalidade das penas parcialmente cumpridas, em caso de revogação daquela, o facto jurídico-penalmente relevante gerador da revogação da liberdade condicional deve ser apreciado por referência à liberdade condicional computada de acordo com o tempo em falta relativamente a cada uma das penas de prisão que ainda tem o condenado por cumprir ou, diversamente, deve ser apreciado por referência à liberdade condicional concedida e a terminar na data correspondente ao termo do somatório de todas aquelas penas de prisão.

III
Apreciando a elencada questão trazida ao conhecimento deste Tribunal ad quem [(i)].

De harmonia com o estatuído no artigo 61º, nº 2, do Código Penal, só será concedida a liberdade condicional, mostrando-se cumprida metade da pena de prisão e no mínimo seis meses, quando “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (alínea a) do citado preceito) e “A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e a paz social” (alínea b) do aludido preceito). Será de referir que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á ter em atenção as finalidades da mesmas que, segundo o artigo 40º, do citado diploma, consistem na “protecção de bens jurídicos e (a) reintegração do agente na sociedade”.

Vale o exposto por se afirmar que, a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral – cfr. Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pág. 72 e 73.

No entanto, o legislador, no citado artigo 61º, optou nos seus nºs 2, 3 e 4, não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, situando-os em metade, e dois terços da pena de prisão cumprida para a liberdade condicional facultativa e em cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos, para aquela de carácter obrigatório ou automático, mas também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.

Assim, quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de metade da pena de prisão, acentuam-se, por um lado, razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social e de prevenção geral, e, por outro, de compatibilidade da liberdade com a defesa da ordem e da paz social.
Deve também acentuar-se que o regime de liberdade condicional em face dos pressupostos de que depende, excepcionando evidentemente a obrigatória aos cinco sextos da pena, se o condenado nisso consentir, tem carácter excepcional. Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção. Deverá apenas ter lugar nas situações excepcionais em que se revele patentemente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a que acresce, no caso da concessão atingida ser de metade da pena, o requisito de que a defesa da ordem e da paz pública não sejam postas em causa.

Em qualquer caso, a aferição da liberdade condicional reporta-se sempre ao tempo de prisão, rectius, cadeia efectivamente sofrido, porque só deste modo o tribunal de execução das penas pode avaliar a evolução da personalidade do agente durante a execução da pena.

Tratando-se da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas de prisão, estatui o artigo 63º, do Código Penal que, “Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena” (nº 1 do citado preceito) e, em tal caso, “o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.” (nº 2 do aludido preceito).

Neste caso de execução sucessiva de penas de prisão, em conformidade com o disposto no artigo 141º, alínea i), do CEPMPL, o tribunal de execução das penas procederá ao respectivo cômputo, para efeitos de concessão da liberdade condicional. “Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.” (nº 3 do mesmo preceito legal). Por seu turno, o expendido nos nºs 1, 2 e 3, do artigo 63º, do Código Penal, de harmonia com o preceituado no nº 4, do mesmo artigo, não é aplicável, às situações em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.

Vale o expendido no texto legal supra citado por dizer que, quando devam ser executadas várias penas de prisão sucessivamente, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar, de acordo com a ordem pela qual transitaram em julgado as respectivas condenações, é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena e o condenado entrará imediatamente em cumprimento da pena de prisão subsequente e assim sucessivamente.

Importa ainda não olvidar que, por força do estatuído no artigo 64º, nº 1, do Código Penal, é correspondentemente aplicável ao regime da liberdade condicional, como causa eventual, que não imperativa ou automática, da sua revogação, a prevenida no artigo 56º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma legal, isto é, o cometimento pelo condenado libertado, durante o período de vigência da liberdade condicional, de crime pelo qual venha a ser condenado e se revelar que as finalidades que estiveram subjacentes à decretada liberdade condicional não puderam, por via dela, ser alcançadas. Em tal situação, “A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.” (nº 2 do artigo 64º do Código Penal).

Aqui chegados, do excurso pelas disposições legais que ao caso em apreço importam, e repristinando o artigo 9º, nºs 1 e 2, do Código Civil, preceito legal de acordo com o qual, se na interpretação da lei não deverá o intérprete cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, mas, por outro, não poderá o intérprete considerar pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, afigura-se-nos que se impõe concluir, como muito bem fez o Digno Magistrado do Ministério Público, na 1ª instância, que em caso de liberdade condicional de várias penas de prisão em execução sucessiva, importa considerar a autonomia material de cada uma delas e que o facto gerador da revogação da liberdade condicional há-de ser apreciado em função da liberdade condicional vigente para cada uma das penas de prisão em execução, ademais, como in casu, quando os crimes cometidos pelo condenado libertado apenas foram praticados durante o período de vigência da liberdade condicional por referência tão só a uma das penas de prisão em execução. Os crimes cometidos pelo condenado libertado no âmbito do processo nº 453/11.1PBPDL, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, datam de 09.04.2011, isto é, foram praticados durante o período de vigência da liberdade condicional concedida entre 20.01.2011 e 02.03.2012, por referência à pena única de prisão em que foi condenado no processo nº 79/06.1PEPDL, também do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, e não durante o período de vigência da liberdade condicional concedida entre 02.03.2012 e 02.11.2013, por referência à pena única que lhe foi imposta no âmbito do processo 61/05.6PEPDL, do 1º Juízo do mencionado Tribunal Judicial.

É que, em verdade, a prática pelo condenado libertado dos crimes datados de 09.04.2011, não fora a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional ser, como bem salienta o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, “(…) uma mera ficção legal, (…) adoptada pelo legislador no âmbito do cumprimento sucessivo de penas, por forma a não prejudicar o condenado, pois se assim não fosse no caso de duas penas em sucessão aquele teria de cumprir sempre uma delas na íntegra”, nunca tais factos teriam a virtualidade de gerar a ponderação da eventual revogação da liberdade condicional concedida entre 02.03.2012 e 02.11.2013, por referência à pena de prisão imposta e à ordem do aludido processo nº 61/05.6PEPDL. E, porque assim, em desfavor, e ressalvado o devido respeito por diferente opinião, não se argumente, como na decisão recorrida, que o cometimento daqueloutros crimes “(…) não só põe em causa os objectivos subjacentes a esta liberdade condicional [a do processo nº 79/06.1PEPDL, aditamento nosso], como inviabiliza o início do período da liberdade condicional relativamente à segunda das penas”, a do aludido processo nº 61/05.6PEPDL.

Sufragando e louvando, cum venia et lauda, o restante argumentário expendido na peça recursiva, de que se salienta, designadamente, que as penas em cumprimento não perdem autonomia porque “(…) Caso assim não fosse, então não haveria necessidade de contagens individualizadas das penas em execução, bastando para tanto o cômputo de execução sucessiva e também seria despicienda a individualização dos respectivos períodos de liberdade condicional (…)”, em obediência ao preceituado no artigo 177º, nº 2, do CEPMPL, e “(…) se o cumprimento das penas é sucessivo o recluso não pode, obviamente, estar a cumprir duas penas ao mesmo tempo (…)”, somos do entendimento que “em caso de execução de penas de forma sucessiva quando o artigo 64º nº 2 prescreve que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão, ainda, não cumprida”, só pode entender-se que a ponderação da revogação é efectuada em relação a cada um dos períodos de liberdade condicional referente a cada uma das penas e não relativamente a uma única situação de liberdade condicional referente a uma espécie de cúmulo jurídico de penas atípico, como no caso foi decidido.”.

Em face de tudo o que se deixa exposto, impõe-se, pois, concluir que o recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público merece provimento.

IV
Tendo em consideração o estatuído no artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 239º do CEPMPL, não há lugar a tributação.

V
Decisão
Nestes termos acordam em:

A) – Conceder provimento ao recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que decida a revogação da liberdade condicional e determine o cumprimento da pena de prisão (remanescente e não cumprida) pelo condenado por referência tão só à pena que lhe foi imposta no âmbito do processo 79/06.1PEPDL, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada;

B) – Não há lugar a tributação.

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)]

Évora, 17 de Junho de 2014
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(Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares)

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(Fernando Paiva Gomes Monteiro Pina)