Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
| Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM USUCAPIÃO ADMISSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | - perante o pedido de reconhecimento e declaração da constituição de serventia por usucapião em favor do prédio misto da A., a qualidade de proprietária desta sobre o prédio dominante constitui elemento integrante nuclear da causa de pedir, de tal modo que, não se provando tal qualidade, o pedido será julgado improcedente; - os RR. impugnaram a alegação da A. no sentido de que lhe pertence o prédio, mais sustentando que é nulo o documento através do qual a A. declarou adquirir o direito de propriedade sobre o mesmo, deduzindo reconvenção peticionando que seja declarada a nulidade do documento; - tal pedido formulado pelos RR. em sede de reconvenção emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, do facto de que é nulo o contrato de aquisição do direito de propriedade pela A. sobre o prédio misto; - a Reconvenção é admissível nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrentes / Reconvintes: (…) e (…) Recorrida / Reconvinda: (…) Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A. peticionou fosse reconhecida e declarada a constituição de serventia por usucapião pelo caminho desde a estrada municipal através da faixa de terreno existente na propriedade dos RR. até ao logradouro da A., com a largura de 3 metros e com o marco colocado de forma a que a A. possa levar a sua viatura até ao logradouro ou, em alternativa, ser reconhecida e declarada a constituição de serventia por usucapião pelo pátio existente anteriormente, devendo os RR. retirar o portão da entrada e a colocar o caminho no estado em que antes se encontrava, abstendo-se os RR. de praticar atos que impeçam a passagem da A. e seus familiares até ao logradouro e habitação da mesma. Para tanto, invocou que se encontra inscrito a seu favor o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da freguesia de (…), concelho de Albufeira, composto por prédio urbano destinado a habitação; que tal prédio confronta com o prédio dos RR. a sul e poente; que os antepossuidores do prédio sempre ocuparam e utilizaram o pátio comum que dava acesso à sua habitação, sendo este o único acesso, quer a pé quer de carro à sua habitação; que não tem outra comunicação com a via pública, nem para circular a pé, nem para deslocar a sua viatura até à porta, nem condições que permitam estabelecê-la; os RR. fecharam a passagem de acesso à sua casa; com o seu comportamento, os RR. colocam em causa o direito à habitação à Autora. Em sede de contestação, os RR. invocaram a exceção da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo, a nulidade do documento que consubstancia a aquisição do prédio pela A., mais impugnando a factualidade alegada na p.i.. Os RR. deduziram reconvenção peticionando que seja declarado nulo o documento de compra e venda autenticado que serviu de base à aquisição do prédio pela Autora. A A. apresentou réplica, na qual sustentou que a reconvenção não se enquadra no regime inserto no artigo 266.º/2, do CPC, uma vez que pretende que seja reconhecida e declarada a constituição de uma serventia por usucapião, o que em nada tem conexão com o pedido formulado pelos RR. em reconvenção. II – O Objeto do Recurso Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão rejeitando a reconvenção deduzida, consignando-se que não há coincidência na causa de pedir da ação e da reconvenção, atenta a natureza diversa dos direitos reais em presença (a servidão de passagem na ação, o direito de propriedade, na reconvenção) e que o pedido reconvencional não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa. Inconformados, os Reconvintes apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que admita a reconvenção. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «A reconvenção é admissível porque o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento quer à ação quer à defesa, estando de acordo com o estabelecido no artigo 266.º/2, do CPC. Fez-se errada aplicação do artigo 266.º/2, do CPC.» Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar se a reconvenção deduzida é admissível. III – Fundamentos A – Dados a considerar: os acima relatados B – A questão do Recurso Nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, alíneas a) a d), do CPC, a reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. No caso em apreço, atentos os contornos da reconvenção deduzida, apenas por via da alínea a) do citado normativo pode ser de admitir, do ponto de vista processual, a reconvenção. A propósito de tal preceito legal vem sendo entendido que: - o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 518. - sendo porém necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza “efeito defensivo útil”, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. Não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da ação e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa. O requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor – Ac. TRL de 22/11/2007, Ezaguy Martins; - a defesa indireta pode sustentar uma contra-pretensão do Réu, isto é, um pedido reconvencional, contra o Autor desde que tenham sido alegados os factos consubstanciadores da sua causa de pedir e da mesma resulte um pedido autónomo que transcenda a mera consequência da defesa apresentada – Ac. TRL de 17/02/2011, Ana Paula Boularot; - os requisitos fundamentais de admissibilidade da reconvenção, são um formal (de sujeição do pedido do Autor e do Réu à mesma forma comum ou à mesma forma de processo especial) e outros objetivos, atinentes a fatores diversos de conexão entre o objeto da ação e da reconvenção. O facto jurídico a que a lei alude (a de o pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, artigo 274.º, n.º 2, alínea a), do CPC) é, no caso da ação, a causa de pedir e, no caso da defesa, qualquer exceção perentória ou impugnação motivada – factos com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial – Ac. TRL de 07/04/2009, Neto Neves; - o facto jurídico que serve de fundamento à ação constitui o ato ou a relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 320. Ora vejamos. O pedido formulado na ação consiste no reconhecimento e declaração da constituição de serventia por usucapião em favor do prédio misto da A., do qual se arroga legítima proprietária. Nos termos do disposto no artigo 1543.º do CC, servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia. A qualidade de proprietária da A. sobre o prédio dominante, portanto, constitui elemento integrante nuclear da causa de pedir, de tal modo que, não se provando tal qualidade, o pedido será julgado improcedente. Os RR. impugnaram a alegação da A. no sentido de que lhe pertence o prédio misto que beneficiará da servidão a constituir. Mais do que isso, sustentaram que é nulo o documento através do qual a A. declarou adquirir o direito de propriedade sobre o referido prédio. Mais do que isso, deduziram reconvenção formulando o pedido de declaração de nulidade do documento que titula a aquisição do prédio pela Autora. É manifesto que o pedido formulado pelos RR. em sede de reconvenção emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, do facto de que é nulo o contrato de aquisição do direito de propriedade pela A. sobre o prédio misto. A Reconvenção é admissível nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC. Procedem as conclusões da alegação do presente recurso. As custas recaem sobre a Recorrida, na vertente de custas de parte – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, julgando-se admissível a reconvenção. Custas pela Recorrida, na vertente de custas de parte. Évora, 27 de Novembro de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Miguel Teixeira Anabela Raimundo Fialho |