Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1069/14.6TBPTM.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA
DANO
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em matéria de danos não patrimoniais, haverá que ter na sua justa consideração as lesões sofridas pela vítima, que determinaram um longo período de incapacidade, com demorado internamento, as dores e angústia sentidos aquando do acidente, dores sofridas, quantificadas de grau 5 numa escala progressiva até 7, a ansiedade provocada por saber o marido só e incapacitado, a perda de auto-estima, insónias e ansiedade de que continua a padecer e lhe causam sofrimento, tendo perdido a alegria de viver, sendo hoje uma “pessoa sofrida, triste e isolada“.
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 3


I. Relatório
(…), residente no Monte (…), Lote A, Cx. Postal (…), em São Marcos da Serra, instaurou contra (…), Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua (…), n.º 39, Apartado (…), no Porto, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, tendo em vista a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 19 de Outubro de 2011 e que alegou ter sido causado com culpa pelo condutor da viatura com a matrícula 73-(…)-27, segurado na ré, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 97.262,80 (noventa e sete mil, duzentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos), sendo € 13.110,80 para reparação dos danos patrimoniais especificados nos artigos 22.º a 26.º da petição, indemnização para reparação do dano de privação do uso, à razão de € 72,00 por cada dia até ao pagamento da indemnização, ascendendo no momento a € 64.152,00, e € 20.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora.
Citada, a ré contestou nos termos constantes de fls. 56 a 63, recusando qualquer responsabilidade dado que, segundo apurou, a culpa pela ocorrência do embate não pode ser atribuída ao condutor da viatura segura, reputando ainda de excessivos os montantes indemnizatórios peticionados, sem correspondência nos danos efectivamente sofridos.
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Em processo autónomo veio (…), com residência no mesmo lugar de Monte (…), Lote A, Cx. Postal (…), em São Marcos da Serra, demandar a (…) e, com fundamento nos danos por si sofridos em consequência do mesmo acidente estradal, pediu a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 368.007,92 (trezentos e sessenta e oito mil e sete euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros legais.
A ré contestou, declinando mais uma vez a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro, o qual ocorreu, segundo alegou, por culpa da própria autora, tendo impugnado a factualidade alegada.
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Ordenada a apensação das acções, prosseguiram os autos com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento em cujo termo foi proferida sentença que, na parcial procedência dos pedidos, decretou como segue:
1) Condenou a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. no pagamento à Autora da quantia de € 248.984,03, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
2) Condenou a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao Autor da quantia de € 39.750,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados da decisão até efectivo e integral pagamento.
3) Condenou a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora a quantia de € 35.650,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora contados desde a prolação da decisão até efectivo e integral pagamento.
4) Condenou a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao Autor da quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescendo-lhe juros de mora contados desde a data da prolação da decisão até efectivo e integral pagamento
5) Absolveu a R. Companhia de Seguros das demais quantias e demais pedidos formulados.

Inconformada, apelou a ré seguradora e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes necessárias conclusões:
“1.ª O valor da indemnização à A. mulher, por auxílio de terceira pessoa até à alta, deve ser fixado em não mais de € 15.500,00;
2.ª O valor da indemnização à A. mulher, por auxílio de terceira pessoa após a alta, deve ser fixado em não mais de € 55.000,00;
3.ª A título de indemnização por medicamentos necessários à A. mulher, deve ser fixada quantia não superior a € 9.000,00;
4.ª O valor dos lucros cessantes da A. mulher durante o período da incapacidade temporário deve ser fixado em não mais de € 3.000,00;
5.ª Não deve ser fixada qualquer indemnização à A. mulher por dano decorrente da reforma antecipada, por não existir.
6.ª A título de dano futuro – Deficit funcional, não deve ser fixada a favor da A. mulher, quantia superior a € 5.000,00;
7.ª O valor do veículo sinistrado foi oferecido e posto à disposição do A. varão, que o não aceitou.
8.ª O A. varão, após recusar o valor do veículo sinistrado que lhe foi posto à disposição pela recorrente, deixou decorrer cerca de dois anos até intentar a presente acção, pelo que tal período de privação de veículo não pode ser imputado à recorrente.
9.ª O A. varão não sofreu qualquer dano material pela privação do seu veículo, uma vez que não pagou qualquer quantia para veículo de substituição ou outro transporte alternativo.
10.ª Não deve ser atribuída qualquer indemnização ao A. varão emergente do acidente dos autos, nem a título de danos patrimoniais, nem a título de danos não patrimoniais.
11.ª Foram violados os artigos 483.º, 570.º, 806.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Com tais fundamentos requer a substituição da sentença recorrida por outra que atribua aos apelados as quantias indemnizatórias nos termos constantes das conclusões.
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Os AA contra-alegaram e interpuseram recurso subordinado, o qual remataram com as seguintes necessárias conclusões:
i. Atendendo aos factos provados, nada justifica que o valor encontrado através da multiplicação do valor diário da indemnização pelo número de dias em que o A. (…) ficou privado do veículo seja reduzido em mais de metade.
ii. Note-se, o valor do aluguer do veículo é de € 72,00, conforme ficou provado em julgamento. Este valor foi desde logo reduzido pela Sentença Recorrida, tendo em atenção os custos que a própria manutenção do veículo teria para o A. (…), para € 47,00.
iii. Feita esta redução entende o A. (…) que nada mais haveria a reduzir.
iv. Se o valor obtido através do cálculo do valor diário do veículo e do número de dias em que ocorreu a privação é largamente superior ao valor do próprio veículo, é porque a ora R optou por se manter em incumprimento e em claro desrespeito pelas leis que regulam a sua actividade por demasiado tempo.
v. Neste seguimento, entende o A. (…) que a indemnização pelo dano de privação de uso do veículo automóvel inutilizado no acidente se deve fixar em € 107.771,00, por ser o valor diário da indemnização de € 47,00 e ter ficado privado da propriedade do veículo por 2293 dias.
vi. A Sentença Recorrida fixou uma indemnização à A. (…) no valor de € 18.824,96, a título de despesas futuras com medicamentos. Este valor resultou da multiplicação do custo mensal actual da A. (…) com medicamentos pelo número de meses que faltam até que esta complete 83 anos, o qual foi posteriormente reduzido em 1/3.
vii. No que respeita ao dano de necessidade de auxílio de terceira pessoa da A. (…), entendeu a Sentença Recorrida fixar a indemnização devida em € 104.896,00, valor este que também foi obtido através da redução de 1/3 do resultado aritmético o valor que esta previsivelmente pagará pelo auxílio de terceira pessoa de que necessitará até atingir 83 anos.
viii. O mesmo raciocínio fez a Sentença Recorrida a propósito da indemnização fixada a título de lucros cessantes, por referência à pensão de reforma por invalidez que a A. (…) passou a receber e à remuneração que auferia à data do acidente. Esta indemnização foi então fixada em € 44.604,00.
ix. Quanto ao valor atribuído à A. para indemnização do dano futuro com a aquisição da medicação que fará ao longo da vida, há que atender ao facto de i) o preço dos medicamentos ter a tendência natural de aumentar, ii) a A. com toda a probabilidade vir a necessitar de aumentar a dose da medicação ou até de alterar a medicação para medicamentos mais caros e iii) à tendência instalada dos últimos anos de haver um aumento da esperança média de vida, o que significa que a A. viverá certamente mais anos e que terá maior gasto com a medicação.
x. Em suma, no caso concreto da indemnização pelo dano futuro de despesas com medicação, há que considerar que as vantagens do recebimento adiantado do valor dos medicamentos não consubstancia um enriquecimento por parte da A. (…), visto que existe toda uma série de factores que fazem prever com probabilidade o aumento real dos seus gastos com esta medicação e tratamentos, assim se obtendo um equilíbrio natural entre o valor da indemnização e o valor real a gastar pela A. (…) em medicação.
xi. Não se prevendo um enriquecimento injustificado da A. (…) com o recebimento desta indemnização, nada justifica a redução de 1/3 do valor encontrado, devendo então esta indemnização ser fixada no total de € 28.237,44.
xii. Do mesmo modo, a indemnização devida a título de dano futuro com o pagamento a terceira pessoa deve também ser paga à A. (…) sem qualquer redução em função da sua entrega antecipada.
xiii. Na verdade, é importante considerar que o valor hora dos serviços domésticos não se manterá inalterado durante 22 anos!
xiv. Aliás, é do conhecimento comum que este tipo de serviços tem um aumento anual do seu custo.
xv. Ademais, as sequelas físicas que o acidente provocou na A. (…) terão um agravamento necessário ao longo do tempo, sendo certo que esta venha a necessitar de recorrer a auxílio de terceira pessoa por um maior número de horas no futuro.
xvi. Pelo exposto, entendem os AA que a indemnização devida a título de dano futuro com o pagamento a terceira pessoa se deve fixar no resultado aritmético da diferença entre o preço que pagaria à sua empregada doméstica caso não tivesse ocorrido o acidente e o preço que pagará nos próximos 22 anos, se se manter o preço dos serviços e a necessidades dos AA, que corresponde a € 157.344,00.
xvii. O mesmo entendimento, defendem os AA no que respeita ao valor da indemnização fixada à A. (…) a título de lucros cessantes, visto que é do conhecimento público e notório que os salários sofrem aumentos periódicos e mais ou menos regulares.
xviii. Ao atribuir-se à A. (…) desde já o pagamento desta indemnização está a conferir-se-lhe, por um lado, uma vantagem com o recebimento antecipado da totalidade do valor equivalente aos seus salários, mas, por outro lado, está também a desconsiderar-se completamente a provável progressão na carreira e o consequente aumento do seu salário nos próximos anos.
xix. Assim sendo, deve a indemnização a atribuir à A., a título de lucros cessantes, ser fixada em € 66.906,00.
xx. Ainda que assim não se entenda, o que só por cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que a redução efectuada pela Sentença é claramente excessiva e injustificada.
xxi. Tem sido entendimento da jurisprudência que, havendo necessidade de fazer uma redução aos montantes indemnizatórios apurados em razão do seu pagamento antecipado ao lesado, deve esta redução fixar-se em 1/3 ou 1/4, mediante seja este solteiro ou casado. É o que resulta por exemplo dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.04.2012 e de 04.12.2007, processos n.º 3046/09.0TBFIG.S1 e n.º 07A3836, respectivamente.
xxii. Para definir a percentagem da redução a aplicar às indemnizações por dano futuro deve ainda ter-se em conta todo o conjunto de factores que, nos termos da equidade e da justiça do caso concreto, relevam para se apurar se existe ou não de facto uma vantagem para o lesado em receber aqueles montantes antecipadamente.
xxiii. In casu, faz então sentido ter em conta que i) o preço hora dos serviços da empregada doméstica considerado não se manterá inalterado, sendo previsível que venha a aumentar várias vezes ao longo dos próximos 22 anos; ii) a remuneração da A. (…) iria certamente aumentar com a sua natural progressão na carreira; iii) o preço da medicação irá também aumentar, sendo até previsível que a A. (…) venha a necessitar de medicação diferente e de maior dosagem ao longo dos anos.
xxiv. Em suma, atendendo aos vários factores referidos, bem como ao facto da A. (…) ser casada, entendendo o Tribunal ad quem que deve reduzir o valor das indemnizações para ressarcimento de danos futuros, o que só por cautela de patrocínio se admite, deve a redução a operar ser fixada em não mais de 1/4. Nestes termos, a indemnização pelo dano futuro de despesas com medicamentos fixar-se-á em € 21.178,08, a indemnização pelo dano futuro de necessidade de auxílio de terceira pessoa fixar-se-á em € 118.008,00, e a indemnização pelo dano futuro de lucros cessantes fixar-se-á em € 50.179,50.
Conclui pela total improcedência do recurso interposto pela ré e alteração da sentença apelada nos termos preconizados no recurso subordinado por si interposto.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, as questões submetidas à apreciação deste Tribunal reconduzem-se à fixação dos montantes indemnizatórios destinados a ressarcir os danos sofridos pelos AA.
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II. Fundamentação
De facto
Não vindo impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e não se vislumbrando fundamento para a sua modificação oficiosa, são os seguintes os factos a atender (agora lógica e cronologicamente ordenados):
1. No dia 19 de Outubro de 2011, pelas 14h, a autora circulava na A22, no sentido Portimão – Albufeira, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Ford, modelo Fiesta 1.3 (FAJ), com matrícula 47-94-… (artigos 1º da PI1, 2º da PI do autor … e 2º das Contestações).
2. O veículo automóvel identificado em A. pertencia a (…), marido da A. (artigos 2º da PI, 1º da PI de … e 2º da Contestação).
3. Na mesma data e hora circulava na A22 e no mesmo sentido de marcha, (…), que conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 73-(…)-27, propriedade da sociedade (…), Unipessoal Lda. (artigos 3.º da PI, 3º da PI de …, 2º da Contestação e 4º da Contestação à PI de …).
4. A A22 tem, no local, duas hemi-faixas para cada sentido, separadas das faixas destinadas ao trânsito que se processe em sentido contrário por um muro de betão (artigos 3º de ambas as contestações).
5. O (…) seguia à frente, pela hem-faixa da direita, a uma velocidade de cerca de 80 km por hora (artigos 4º de ambas as contestações).
6. O (…) seguia atrás do (…), a cerca de 110 Km por hora (artigos 5º, 6º de ambas as contestações).
7. Encontrando-se os dois veículos a circular na A22, no mesmo sentido, chegados ao quilómetro 30,300 o condutor do veículo (…), ao iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo (…), embateu com a frente do veículo na traseira desta viatura (artigos 4º da PI, 4º da PI de … e 8º das contestações).
8. Por força desse embate o veículo conduzido pela autora entrou em despiste, vindo a embater no separador lateral direito da faixa de rodagem da A22, local onde ficou imobilizado (artigo 5º da PI).
9. Nos momentos seguintes ao acidente a autora ficou sozinha (artigo 125º da PI).
10. Durante esses momentos a autora teve dores, teve medo, angústia e temeu pela vida, sem conseguir mexer-se ou pedir auxílio (artigo 126º da PI).
11. Como consequência directa e necessária do sinistro descrito, a autora foi assistida no local pelo INEM e transportada para o serviço de urgência da Unidade Hospitalar de Portimão do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, onde deu entrada pelas 15.26h, sentindo dores (artigos 12º, 128º da PI).
12. No hospital, a A. foi observada pela equipa de urgência, tendo efectuado exames complementares de diagnóstico, designadamente, TC crânio-encefálica e TC de transição dorso-lombar (artigo 13º da PI).
13. A A., em consequência directa do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral com contusão da coluna cervical e fractura em cunha de corpo vertebral L2 (artigo 14º da PI).
14. Devido às lesões sofridas, a A. ficou internada na referida unidade hospitalar (artigo 15º da PI).
15. Durante o internamento a A. manteve repouso absoluto, sem possibilidade de se mexer sem auxílio durante duas semanas (artigos 16º, 129º da PI).
16. Como consequência directa desta lesão, a A. ficou acamada durante três semanas (artigo 20º da PI).
17. Entre a segunda e a terceira semana de internamento a A. iniciou levante para recuperação dos movimentos com o auxílio de um colete de três apoios (dorsolombostato) – (artigo 17º da PI).
18. Em consequência do acidente, a autora sofreu dores nas zonas dorso-lombar e cintura pélvica, o que lhe causou dificuldade em movimentar-se, tendo a sua higiene sido feita por terceiro, no leito (artigos 18º, 19º da PI).
19. Durante todo o período em que esteve internada no Hospital do Barlavento Algarvio, mesmo após ter iniciado o processo de recuperação de movimentos, a A. teve dores, temeu que a sua situação nunca se viesse a alterar, esteve angustiada e deprimida e preocupada com o facto do marido, tetraplégico, se encontrar em casa sozinho (artigos 21º, 128º, 130º, 131º, 135º da PI).
20. Durante o tempo em que esteve internada foi submetida a vários exames médicos (artigo 140.º da PI).
21. Quando iniciou o uso do colete, só o conseguia fazer por poucas horas, em virtude das dores que sentia (artigo 22º da PI).
22. Na data de 11 de Novembro de 2011, a A. teve alta do hospital do Barlavento Algarvio (artigo 23º da PI).
23. Face às várias debilidades físicas e psicológicas que ainda apresentava, a A. foi internada num serviço de cuidados continuados (artigo 24º da PI).
24. A A. foi internada na Unidade de Cuidados Continuados (…), em Portimão, na mesma data em que teve alta hospitalar, ali tendo permanecido até 14 de Março de 2012, recebendo cuidados terapêuticos (artigo 25º da PI).
25. Enquanto esteve internada nesta instituição, a A. fez tratamentos diários de fisioterapia em ginásio, sob prescrição e orientação de médico fisiatra, com intervenção directa, diária, de fisioterapeuta e terapeuta ocupacional (artigo 28º da PI).
26. Durante este internamento os médicos aperceberam-se que a A. evidenciava, como consequência directa do acidente sofrido, um nível de trauma, tendo-se instalado um quadro psiquiátrico de ansiedade e depressão, tendo sido proposto o seu seguimento em consulta de psiquiatria e psicologia (artigos 29º, 36º da PI).
27. A A. era medicada com paroxetina, oxazepam, clopidogrel, lozartan+htz, cálcio, zolpidem, analgesia em s.o.s e amlodipina (artigo 30º da PI).
28. Durante o processo de reabilitação a A. revelou uma “atitude passiva em relação às orientações de Médico Especialista de Reabilitação e de Fisioterapeuta. Foi feito o ensino de mobilização e transferência em bloco, tendo como precaução a protecção da zona de lesão. Foi iniciado o desmame da órtotese” (artigo 31º da PI).
29. A autora fez fisioterapia, o que lhe provocou dores e ansiedade (artigo 141º da PI).
30. À data da alta, em 14 de Março de 2012, a A. mantinha dores na região dorso-lombar, não se encontrando em condições físicas para desempenhar tarefas domésticas, nem para prestar cuidados ao marido que se encontra incapacitado e com deambulação em cadeira de rodas por sofrer de Esclerose Múltipla, necessitando ainda de ajuda para colocar e retirar o colete dorsolombostato (artigo 33º da PI).
31. Ao regressar ao seu lar, a autora passou a necessitar de uma auxiliar para fazer a sua higiene e para poder descer do primeiro andar onde tem o seu quarto (artigo 144º da PI).
32. O autor, marido da autora, sofre de esclerose múltipla e encontra-se dependente de terceira pessoa, nomeadamente para fazer a sua higiene, alimentação, para se vestir para se deitar.
33. Antes do acidente era a autora, quando estava em casa, que lhe prestava os cuidados (art.ºs 131.º, 134.º da PI, 17.º da PI do autor marido).
34. A autora deixou de poder auxiliar o seu marido na sua higiene ou alimentação (artigo 145º da PI).
35. Em 12.11.12 a A. apresentava défice funcional, dores na região lombar, sinais neurológicos distais (disestesias) e fazia deambulação autónoma, usando o dorsolombostato (artigo 26º da PI).
36. Nesta fase, a A. já conseguia caminhar de forma autónoma, mas continuava a necessitar de auxílio para fazer a sua higiene pessoal e para colocar o colete dorso-lombar que lhe foi prescrito pelo médico, o qual tinha que usar diariamente e só podia retirar à noite (artigo 27º da PI).
37. O uso do colete dorsolombar provocava dores na A., só o conseguindo tolerar durante um dia inteiro após algumas semanas de uso diário por períodos curtos (artigo 142º da PI).
38. Todo este quadro fez com que a autora ficasse cada vez mais triste, mais ansiosa e agravasse a sua situação depressiva (artigo 143º da PI).
39. A A. foi observada nos serviços clínicos da R. em 28.03.2012, tendo o médico concluído que a A. não estava apta a retomar o trabalho, mantendo a sua situação de incapacidade temporária absoluta (artigo 34º da PI).
40. Em 30.04.2012, a A. recorreu a consulta de Psiquiatria na Clínica … (artigo 37º da PI).
41. A A. começou a ser seguida através dos serviços médicos da Ré, na Consulta de Psiquiatria do Hospital Particular do Algarve, pelo Dr. … (artigo 38º da PI).
42. Durante o acompanhamento da A. na referida consulta foi-lhe prescrita terapêutica psicofarmacológica que a mesma cumpriu, com fluvoxamina 100mg, mirtazapina 30 mg, duloxetina 60 mg, bupropion 300 mg, trimipramina 100 mg, pregabalina 150 mg, alprazolam, flurazepam 30 e levomepromazina 25 mg (artigo 39º da PI).
43. A A. teve gastos com medicação que ascendem a € 222,92 (artigo 106º da PI).
44. Em Junho de 2012, a A. foi encaminhada pelo Psiquiatra para consultas de Psicologia para realização de psicoterapia no contexto de Perturbação Pós-Stress Traumático na sequência do acidente, tendo sido requisitadas 12 sessões (artigo 40º da PI).
45. Apesar do referido acompanhamento, a A. demonstra medo e ansiedade sempre que é exposta à necessidade de andar de automóvel, ficando com a respiração descompassada e suores frios (artigos 41º, 42º, 43º da PI).
46. Durante as, pelo menos, primeiras 10 sessões de Consultas de Psicologia no Hospital Particular, a A. demonstrou grande resistência a todas as alterações no tratamento, evocando bastantes vezes a frase “tenho medo”, apesar de ter havido da sua parte um esforço em colaborar na terapia (artigo 45º da PI).
47. Dada a persistência do quadro depressivo, que não revelava qualquer evolução positiva, a A. foi observada na consulta de Psiquiatria pelo Prof. Dr. (…) em 24.01.13 e 18.07.13, tendo o mesmo efectuado ajuste da terapêutica que vinha sendo seguida pela A. (artigo 47º da PI).
48. A autora, após seis meses de tratamento, apresentava melhoria ligeira, mas mantinha o quadro inicial de “Perturbação Pós-Stress Traumático”, associado a “Depressão Major”, com diminuição de motivação, sentimento de baixa autoestima, ansiedade e insónias (artigos 48º, 49º, 51º, 154º da PI).
49. Em 10 de Abril de 2013, a A. foi novamente observada pelos serviços clínicos da R., que concluíram que se encontrava apta para o trabalho, tendo-lhe atribuído grau de incapacidade (artigo 35º da PI).
50. Desde a ocorrência do acidente, a A. tem pesadelos relacionados com o acidente e acorda a gritar (artigo 50º da PI).
51. Fala do acidente como se ele tivesse acabado de acontecer, não conseguindo distanciar-se do mesmo, emocionando-se quando é relembrado o acidente (artigo 51º, 159º, 161º da PI).
52. Apesar de toda a terapêutica psicofarmacológica que cumpriu e das várias sessões de psicoterapia que realizou, no contexto de Perturbação Pós-Stress Traumático, a A. tem vindo a sofrer um “agravamento do quadro depressivo com desesperança, perda do gosto de viver” (artigo 52º da PI).
53. A A., após e por causa do acidente, apresenta falta de memória, avolia, medo, um discurso derrotista, baixa auto-estima, perdeu a alegria que anteriormente tinha, sente tristeza devido ao facto de não conseguir executar a sua actividade laboral e tarefas simples da vida diária, tem dificuldades em expressar-se, apresentando lentificação do discurso (artigos 53º, 54º, 58º da PI).
54. Após o acidente, a autora não voltou a trabalhar, conduzir, realizar tarefas domésticas complexas e tem apresentado isolamento social, com dificuldade na interacção com familiares e amigos (artigos 54º, 62º, 155º, 156º da PI).
55. Após o acidente, além de não conseguir conduzir, tem resistência a deslocar-se de automóvel, porque sente medo, fica com a respiração alterada, suores frios, e só se desloca de automóvel para ir ao médico, viajando sempre no banco traseiro (artigos 62º, 156º, 157º, 161º da PI).
56. A autora, em consequência do acidente, padece, em permanência, de perturbação de stress pós-traumático/depressão major, o qual, embora já existente, se agravou, em consequência do acidente, em 50%, situação que impede a implantação e sucesso de medidas terapêuticas (artigos 56º, 65º, 163º, 164º da PI).
57. A autora, como consequência do acidente, ficou ainda a padecer de dorsolombalgia de características mecânicas, generalizada e por vezes polisegmentar, com repercussão na execução de actividades de vida diária e profissional (artigo 57º da PI).
58. Após o acidente a A. ficou incapaz de executar a maioria das tarefas domésticas e tem dificuldade em realizar as tarefas inerentes aos cuidados básicos de higiene pessoal e não consegue ajudar o marido, tetraplégico, em cadeira de rodas, nas tarefas de higienização, levante e alimentação, as quais realizava antes do acidente (artigos 59º, 60º, 91º da PI).
59. A autora necessita diariamente de terceira pessoa para a ajudar em todas as tarefas domésticas, nomeadamente com a prestação de cuidados a seu marido (artigos 61º, 92º da PI, 18º da PI de …).
60. A autora, no período compreendido entre 14.03.2012 e 15.09.2012, necessitou do apoio de terceira pessoa durante 8 horas por dia, durante 7 dias por semana, pagando um valor unitário por hora de € 6,00 (artigos 93º, 94º da PI, 19º, 20º da PI de …).
61. A partir de 16.09.2012 e até 31.03.2014, o apoio de terceira pessoa passou a ser prestado 7 dias por semana, durante 6 horas por dia (artigo 95º da PI).
62. A autora, antes do acidente, recorria aos serviços de uma auxiliar, mas apenas pelo período de 4 horas diárias, em dias úteis (artigo 97º da PI, 21º da PI de … e 29º da contestação a este respeitante).
63. A auxiliar também não trabalhava nos dias de férias da autora (artigo 98º da PI).
64. Em consequência do acidente a autora sofreu dores, fixadas num grau 5 numa escala crescente de 7 (concretização dos artigos 19º, 21º da petição inicial).
65. A autora, em consequência do acidente, sofreu um período de défice funcional parcial de 392 dias (concretização dos artigos 35º, 67º da petição inicial e artigo 88º da mesma peça).
66. A autora sofreu, em consequência do acidente, um período de défice funcional temporário por 147 dias (concretização do artigo 35ºda petição inicial).
67. A autora, em consequência do acidente, sofreu um período de repercussão na actividade profissional total de 539 dias (concretização dos artigos 35º, 67º da petição inicial e artigo 90º da mesma peça).
68. A autora, em consequência do acidente, apresenta um défice funcional permanente de integridade psíquico-física fixável em 27 pontos (concretização do artigo 35º, 65º da petição inicial).
69. A autora, em consequência do acidente, terá que fazer medicação para o resto da vida e tratamentos médicos regulares (concretização dos artigos 107º, 118º, 121º da petição inicial).
70. A A. despende mensalmente a quantia média de € 109,96, nos seguintes medicamentos, os quais terá que tomar ao longo da vida:
· Rivotril – 2 caixas por mês – € 4,32 a caixa;
· Paroxetina Aurobindo – 2 caixas por mês - € 5,13 a caixa;
· Sertralina Parke Davis – 1 caixa por mês - € 10,26 a caixa;
· Omeprazol Generis – 1 caixa por mês - € 18,13 a caixa;
· Fosavance – 1 caixa por mês - € 6,41 a caixa;
· Optimos – 1 caixa por mês - € 19,20 a caixa;
· Coveram – 1 caixa por mês - € 16,56;
· Atorvastatina – 1 caixa por mês - € 20,50 (artigos 119º, 120º da petição inicial).
71. A autora, em consequência dos danos provocados pelo acidente gastou as seguintes quantias:
· Em consulta na Clínica (…) o valor de € 100,00;
· Em consultas de Psiquiatria o valor de € 280,00;
· Em deslocações para as consultas de Psiquiatria o valor de € 129,85;
· Em consultas no Centro de Saúde o valor de € 38,00;
. Em medicamentos o valor de 222,92 (artigos 104º, 106º da petição inicial).
72. Em consequência do acidente, a autora não consegue baixar-se (artigo 166º da petição inicial).
73. Em consequência do acidente, a autora não consegue fazer a sua higiene completa sozinha (artigo 167º da petição inicial).
74. Em consequência do acidente, a autora não consegue calçar-se (artigo 168º da petição inicial).
75. Em consequência do acidente, a autora não consegue ajudar o seu marido a deitar-se ou ir para a cadeira de rodas, o que a aflige e preocupa, porque o casal vive sozinho e teme que algo aconteça durante a noite, sem que possam pedir ajuda, o que a faz sofrer (artigos 169º, 172º da petição inicial).
76. A autora terá agravamento progressivo das queixas dorso-lombares ao longo dos anos (artigo 69º da PI).
77. A autora apresenta sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual de administrativa, funções que desempenhava no Centro de Saúde de … (artigos 70º, 73º, 173º da PI).
78. A Segurança Social concedeu à autora um subsídio de doença pelo período que decorreu entre 20.10.2011 e 13.11.2012[1], por considerá-la incapaz para a prática do trabalho habitual (artigo 71º da PI).
79. No período compreendido entre 20.11.2011 e 14.11.2012, a autora recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, a quantia de € 7.141,20 (artigos 83º, 84º, 85º da PI).
80. Em 29.01.2013, a Segurança Social contactou a autora informando que a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, por deliberação datada de 25.01.2013, a considerou incapaz para o exercício da sua profissão e remeteu-lhe requerimento de pensão de invalidez para preenchimento e devolução (artigo 72º da PI).
81. A autora encontra-se reformada por invalidez desde Fevereiro de 2013, auferindo uma pensão mensal de € 275,00 (artigo 74º da PI).
82. A autora nasceu no dia 22 de Dezembro de 1956 (artigo 76º da PI).
83. À data do acidente auferia uma remuneração mensal base de € 683,13, acrescida de € 4,27 de subsídio diário de alimentação e de remuneração por horas extraordinárias, de montante mensal médio correspondente a € 118,6, num total de € 806,00 (artigos 75º, 81º da PI).
84. A autora, antes do acidente, era autónoma, alegre, bem-disposta e afável com os demais (artigo 146º, 147º, 148º, 152º da PI).
85. A autora tinha o seu emprego (artigos 149º da PI).
86. Ia às compras, sozinha (artigo 150º da PI).
87. Ia ao café, conversava com as pessoas (artigo 151º da PI).
88. Ajudava o seu marido/autor nas tarefas que este já não podia fazer (artigo 153º da PI).
89. O acidente de viação tornou a autora numa pessoa sofrida, triste, isolada e agravou a depressão pré-existente (artigo 178º da PI).
90. Como consequência directa e necessária do sinistro descrito, o veículo automóvel do autor ficou totalmente destruído, sem recuperação (artigo 11º da PI de …).
91. O veículo automóvel encontrava-se adaptado com acelerador circular electrónico e um travão de serviço de alavanca, uma vez que o autor, em virtude de sofrer de esclerose múltipla, não consegue usar os pés na condução (artigo 12º da PI de …).
92. A adaptação em causa tem um custo de cerca de € 3.570,00 (artigo 13º da PI de …).
93. O veículo do autor, sem adaptações, tem um valor de € 1.300,00 (artigo 14º da PI de …).
94. Os salvados do veículo do autor tinham o valor de € 100,00 (artigo 17º da Contestação/autor).
95. O aluguer de veículo equivalente ao automóvel adaptado do autor (…) é de, pelo menos, € 72,00 por dia (artigo 33º da PI do autor …).
96. Sem veículo adaptado às suas necessidades, o autor (…) deixou de poder deslocar-se sozinho à farmácia, ao café, ao supermercado, como fazia antes (artigos 35º, 41º, 42º da PI de …).
97. Situação que provocou isolamento e ansiedade ao autor (…), que era um homem alegre e comunicativo (artigos 35º, 43º, 46º da PI de …).
98. O autor (…), face à impossibilidade de se deslocar na sua viatura adaptada no período de internamento da autora (…), efectuou as seguintes deslocações, no veículo da sua empregada doméstica e conduzido por esta: 12 deslocações ao Hospital do Barlavento Algarvio (actualmente CHA), percorrendo um total de 130 Km por viagem, 48 deslocações à Unidade de Cuidados Continuados, sita em Portimão, percorrendo um total de 140 Km por viagem (artigos 26º a 29º, 31º da PI de …).
99. A (…), Unipessoal Lda. transferira a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros para a R., através da Apólice n.º … (artigos 9º da PI, 5º da PI de …).
100. A R., por comunicação datada de 23.12.2011, declarou assumir a responsabilidade por todos os danos decorrentes da produção do acidente e, após peritagem que teve lugar no dia 30.12.2011, e comunicada por carta datada de 31.12.2011, fez uma proposta ao autor para pagamento da quantia de € 1.500,00, a qual não foi aceite (artigos 10º da PI, 6º, 8º, 9º, 10º da PI de … e parte do 13º, primeira parte do 14º, 27º, 42º, 43º da contestação apresentada em resposta à PI de …).
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Factos não provados:
a) O condutor do veículo (…) pôs-se em fuga após o acidente, não prestando auxílio à autora (segunda parte do artigo 6º e parte final do artigo 125º, ambos da PI).
b) A autora sofreu um dano estético de grau 2 numa escala de um a sete de gravidade crescente (artigos 67º e 176º da PI).
c) A autora, em consequência do acidente, encontra-se impedida de exercer qualquer actividade profissional dentro da sua área de preparação técnico-profissional (segunda parte do artigo 70º da PI).
d) Os exames a que a autora foi sujeita foram muito dolorosos e desconfortáveis (parte final do artigo 140º da PI).
e) A autora sofreu um prejuízo de afirmação pessoal de 4 numa escala de um a cinco de gravidade crescente (artigo 177º, 49º e 55º da PI).
f) O condutor do (…) seguia a alguma distância e à velocidade de 110 Km/hora (artigo 6º da Contestação).
g) Sem que nada o fizesse prever e quando estava quase ao nível do (…), este dá uma guinada para a esquerda, invadindo a hemi-faixa da esquerda, em que já seguia o segurado da ré, tendo aparecido imediata e repentinamente à sua frente, cortando a sua linha de trânsito (artigo 7º da Contestação).
h) A autora pode fazer as suas tarefas normais, como higiene pessoal e deslocar-se livremente ou cuidar das suas coisas (artigo 25º da Contestação).
i) A reparação das peças danificadas ascendia sem IVA ao valor de € 4.243,81 (artigos 15º, 43º da Contestação/autor).
j) O valor do veículo, antes do acidente, era de € 800,00 (artigos 16º, 43º da Contestação/autor).
k) Nenhuma das peças de utilização especial para pessoas com capacidade diminuída, nomeadamente o acelerador electrónico de serviço de alavanca, sofreram qualquer dano, não se mostrando necessário serem substituídas ou reparadas (artigo 18º da Contestação/autor).
l) As peças acima referidas podem ser retiradas do (…) e colocadas em qualquer outro veículo similar, sem causarem danos nelas próprias ou nos veículos (artigo 19º da Contestação/autor).
m) O autor é proprietário de outro veículo, de matrícula 93-44-(…), adaptado à sua condição física, nomeadamente o travão e o acelerador, possibilitando ser por ele conduzido (artigos 23º e 33º da Contestação/autor).
n) Com o valor da indemnização oferecido pela seguradora o autor poderia ter comprado outro veículo similar procedendo à sua adaptação com os equipamentos que tinha instalado no veículo acidentado (artigos 33º, 37º da Contestação/autor).
o) O autor só informou a seguradora de que não aceitava o montante de indemnização proposto, de € 1.500,00, um ano depois da proposta (artigo 45º, última parte da Contestação/autor).
p) O autor não teve que recorrer a mais ninguém relativamente ao que antes fazia e a nenhumas outras despesas (artigo 30º da Contestação/autor).
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De Direito
Da medida da obrigação de indemnizar
Não questionando (agora) a ré que a culpa pela ocorrência do acidente em que interveio a autora mulher quando conduzia a viatura automóvel pertencente ao autor marido é de imputar, em exclusivo, ao condutor da viatura segura, tal como foi decidido em segmento decisório não impugnado, cumpre agora determinar quais os danos sofridos pelos lesados e montantes indemnizatórios ajustados ao respectivo ressarcimento, na medida em que tais danos e indemnizações vêm questionados em sede de recurso.
A Autora peticionou a quantia global de € 368.007,92, decomposta nas seguintes pretensões indemnizatórias:
- € 298.007,92[2], a título de danos patrimoniais, sendo € 110.880,00 de remunerações perdidas considerando o prolongamento da sua vida activa até aos 75 anos de idade; € 12.107,59 de remunerações perdidas durante o período de incapacidade; € 8.952,00 atinente ao dispêndio realizado com o apoio de 3.ª pessoa, à qual teve de recorrer em consequência do acidente; € 570,85 e € 222,92 gastos em medicamentos e consultas médicas; € 119.448,00 correspondendo à quantia que despenderá previsivelmente até ao final da sua vida com o auxílio de terceira pessoa; € 36.949,56 de previsíveis gastos com medicamentos;
- € 70.000,00 para reparação dos danos de natureza não patrimoniais sofridos (ainda que no art.º 179.º tenha referido como ajustado o valor de € 60.000,00).
Na sentença recorrida foram atribuídas os seguintes montantes indemnizatórios:
- € 9.017,77 de reembolso das despesas efectuadas com a aquisição de medicamentos, tratamentos médicos e deslocações, contabilizados até 31.01.2018;
- € 43.740,00 correspondente ao custo do auxílio de terceira pessoa a que teve de recorrer em virtude do acidente, calculado até 31.01.2018;
- € 8.351,30 de remunerações perdidas durante o período de incapacidade para o trabalho;
- € 18.824,96 destinado a cobrir o dano futuro decorrente da necessidade de adquirir medicação;
- € 104.896,00 para reparação do dano futuro determinado pela necessidade permanente do auxílio de terceira pessoa;
- € 44.604,00 destinado a cobrir o dano futuro determinado pela incapacidade permanente para o trabalho;
- € 19.550,00 para compensar o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que ficou portadora, num total de € 248.984,03;
- € 35.650,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial.
A ré, como se vê do enunciado das conclusões formuladas, pretende a redução dos montantes indemnizatórios fixados para reparação dos danos decorrentes da necessidade de auxílio de 3.ª pessoa, quer na modalidade de danos emergentes, aqui entendendo que o montante a atribuir não deveria ter ultrapassado os € 15.500,00, quer na de lucros cessantes, propondo € 55.000,00, ao passo que a autora mulher sustenta a atribuição de € 157.344,00, valor aritmético encontrado pela multiplicação do gasto mensal pelo n.º de anos de esperança de vida; apela a ré à redução para € 9.000,00 do valor destinado a cobrir os gastos futuros com a aquisição de medicamentos, contrapõe a autora que tal valor deve ser fixado nos € 28.237,44 encontrados por força da operação aritmética de multiplicação do gasto mensal pelo tempo previsível de vida, sem qualquer redução, por injustificada; defende a ré que a indemnização pelos danos, na modalidade de lucros cessantes decorrentes das perdas salariais durante o período de baixa, deverá ser reduzido a € 3.000,00, nada sendo devido depois da reforma, por não se ter estabelecido o necessário nexo causal entre as lesões sofridas no acidente e a reforma antecipada, propondo € 5.000,00 como montante adequado a compensar o dano futuro decorrente do défice de que ficou portadora, ao passo que a autora requer a sua majoração para € 50.179,50, por considerar excessiva a redução operada na sentença recorrida.
Defende finalmente a ré a redução para € 17.500,00 do montante fixado para reparação dos danos de natureza não patrimonial, cumprindo apreciar o bom fundamento (ou não) dos argumentos recursivos apresentados pelas partes.
Não está em causa que, conforme se consignou na sentença apelada, consoante dispõe o artigo 562º Código Civil, " Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação."
A reparação faz-se assim por reconstituição ou reposição natural e só quando esta não se mostrar possível há lugar à fixação de uma indemnização em dinheiro (cfr. art. 566º, n.º 1, do Código Civil) atendendo-se à diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (cfr. artigo 566º, n.º 2, do citado diploma).
A obrigação de indemnizar compreende os prejuízos causados (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) – cfr. artigo 564º, n.º 1, Código Civil –, os danos futuros desde que previsíveis (cfr. artigo 564º, n.º 2, Código Civil) e os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496º, n.º 1, Código Civil).
Isto dito, impõe-se fazer notar, a título prévio, que nenhuma das partes deduziu impugnação contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, que deste modo se estabilizou, surgindo portanto como irrelevantes todos os argumentos desenvolvidos pela ré a partir de factualidade que não se mostra provada e ignorando aquela que se encontra assente nos autos. Daqui decorre desde logo a inutilidade da pretensão de ver reduzida a indemnização fixada para compensação dos gastos com o auxílio de terceira pessoa com o argumento de que não se fez prova do dispêndio, o que surge contrariado pelos factos vertidos nos pontos 58. a 63. Por outro lado, e ao invés do que a recorrente sustenta nas suas alegações, na sentença proferida foi considerado apenas o acréscimo do dispêndio com o auxílio de terceira pessoa determinado pelo acidente em causa, porque também a demandante passou a carecer de tal ajuda por ser incapaz de desempenhar as tarefas domésticas que antes levava a cabo, nada havendo portanto neste aspecto que censurar à decisão apelada.
No que respeita ao dano futuro, que na sentença recorrida se fixou em € 104.896,00, indemnização que não satisfez nenhuma das partes, foi considerada “a diferença entre as horas de apoio de terceira pessoa antes e depois do acidente, a partir de 1 de Fevereiro de 2018 e durante 22 anos”. Sustenta a ré que o valor a arbitrar não deverá exceder os € 55.00,00, uma vez que deverá ser tida em conta a contratação de um auxiliar a tempo inteiro, que implica um dispêndio menor do que o pagamento a horas, ao passo que a autora não encontra justificação para a redução operada na sentença, uma vez que deverá ser tido em conta previsível aumento da remuneração da auxiliar.
Não se questionando que estamos perante um dano futuro previsível, dadas as limitações físicas e psíquicas sofridas pela lesada derivadas do dano biológico, o cálculo efectuado na sentença, tendo por base o valor de 6 euros por hora, afigura-se razoável, não havendo razões objectivas para dele dissentir. Por outro lado, se é verdade quanto alerta a autora mulher no sentido das remunerações do auxiliar se encontrarem sujeitas a actualizações, também não pode deixar de se reconhecer alguma razão à autora quando argumenta que a contratação de um trabalhador com horário completo, agora necessária – ainda que a imputação à demandada do seu custo seja apenas parcial – será eventualmente menos onerosa do que o pagamento à hora. Deste modo, tendo em mente que o lesado tem o dever de optar pela solução menos onerosa, de modo a não agravar o dano, fazendo a ponderação de tais argumentos não se vê fundamento válido para alterar o montante indemnizatório fixado para compensação deste dano, que assim se mantém.
No que respeita aos previsíveis gastos futuros com a aquisição de medicamentos, tendo resultado apurado nos autos que a autora despende mensalmente o valor médio de € 109,96, dispêndio que se manterá ao longo da sua vida (cfr. ponto 70), e não questionando a apelante seguradora que a necessidade de toma de todos os medicamentos elencados tenha sido determinada pelo acidente dos autos, será aquele o valor a considerar, fazendo-se notar mais uma vez a irrelevância de considerações sem qualquer suporte na factualidade apurada, caso da pela ré invocada redução de gastos, ultrapassado que foi o período de doença, ou invocação de que a condenação se baseia numa operação aritmética sem ter em atenção que o pagamento é feito “à cabeça”, argumento que só manifesta desatenção na leitura da decisão recorrida justifica. Com efeito, tendo-se apurado em resultado da tal mera operação de multiplicação o valor de € 28.237,44, procedeu a Mm.ª juíza à sua redução em 1/3, não se justificando nova e idêntica redução.
Inversamente, defende a autora, como vimos, a atribuição daquele valor de € 28.237,44, apontando a previsibilidade da progressão deste gasto ao longo dos anos, determinada pelo aumento do preço dos medicamentos e também pela necessidade de reforçar a sua toma.
Pois bem, fazendo-se notar que não ficou de modo algum comprovada a necessidade de reforço da tomada de medicamentos mas admitindo uma subida no preço respectivo que, todavia, não excederá previsivelmente 1% (trata-se de um bem que não segue o regime de evolução dos preços dos bens comuns), partindo do apurado gasto mensal e tendo por referência o período de 22 anos ao longo do qual subsistirá a necessidade de tal dispêndio, considerando uma taxa de 3% possível de obter como remuneração do capital arbitrado e que corresponde ao benefício da antecipação, fixa-se o montante indemnizatório no valor de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros).
No que respeita aos danos decorrentes das perdas salariais verificadas durante o período de doença da autora, lucros cessantes, novo reparo se impõe, uma vez que a apelante seguradora argumentou sem atentar devidamente na factualidade apurada nos autos. Com efeito, e como se vê do ponto 88., dele consta que a autora recebia a remuneração média mensal de € 806,00. Não se diz, é certo, se se trata da remuneração líquida (tal como não se diz que corresponde ao vencimento bruto) mas se atentarmos nos recibos que sustentam o facto em causa (cfr. fls. 105 a 110 do I. volume), é evidente que se trata da remuneração líquida. Todavia, já assiste razão à ré quando defende que o subsídio de alimentação, recebido pela autora durante 22 dias num total de € 93,94, não integra o conceito de remuneração (cfr. art.º 260.º, n.º 1, do CT[3]), corrigindo-se em conformidade o valor mensal a considerar e que é de € 712,06. Por força da rectificação efectuada, o valor a receber durante os 539 dias de incapacidade seria de € 14.481,13, a que haverá que deduzir o montante recebido da Segurança Social, ascendendo o montante indemnizatório a cargo da demandada seguradora ao montante de € 7.339,93 (sete mil, trezentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).
Quanto ao dano futuro decorrente da incapacidade de ganho atribuível às lesões sofridas pela autora no acidente, não assiste razão à ré quando sustenta que não se verifica nexo causal entre tais lesões e a incapacidade que apresenta, que é absoluta para o exercício da profissão habitual, tendo determinado a sua reforma antecipada. A este respeito, reconhecendo-se embora que tal nexo causal não é expressamente afirmado no ponto 84., o mesmo extrai-se do encadeado lógico dos factos vertidos nos pontos 75. a 87., sendo ainda inequivocamente sustentado pela perícia médico-legal realizada, como se vê com clareza dos esclarecimentos que constam de fls. 1077 a 1079. Com efeito, tendo o Sr. Perito médico feito consignar a existência de patologias anteriores – donde ter considerado que para a incapacidade que a autora apresenta determinada por sequelas neurológicas o acidente terá contribuído apenas com 50% (8 dos 16 pontos percentuais atribuídos) –, não deixou de afirmar que as sequelas de que ficou portadora em consequência do mesmo sinistro determinavam a incapacidade para a sua profissão habitual, ainda que fossem compatíveis com o desempenho de outras profissões da área da sua preparação técnica (sem embargo de a autora se encontrar completa e absolutamente incapacitada para o exercício de qualquer profissão, mercê da acumulação da incapacidade pré existente com aquela de que ficou portadora em consequência do quadro sequelar resultante do acidente).
Deste modo, não tendo a ré seguradora feito prova da possibilidade de reconversão profissional da autora, agora na consideração de que a única incapacidade relevante para este efeito é a que decorre das lesões sofridas no sinistro dos autos, subsiste o facto de ter sido reformada antecipadamente por força desta última, a qual, repete-se para que não subsistam dúvidas, nos termos da perícia médica realizada nos autos determinou a sua impossibilidade de exercer a sua profissão habitual.
Assim estabelecido o nexo causal entre o acidente dos autos e a reforma antecipada, com a consequente perda de rendimentos futuros, encontrou a Mmª juíza o valor de € 44.604,00, aqui tendo ponderado apenas o período de vida activa da autora, que se estenderia por 9 anos mais. A este valor fez acrescer € 19.550,00, destinados a compensar o denominado dano futuro decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 27 pontos percentuais, dano biológico aqui considerado na sua vertente de dano patrimonial, tendo recorrido para o efeito a tabelas financeiras, que enunciou, corrigidas por apelo à equidade.
No que respeita a estas parcelas indemnizatórias, sendo notório que a ré delas dissente, afigura-se no entanto que se encontra cabalmente explicitada na decisão recorrida a justificação para a sua atribuição e critérios utilizados na respectiva fixação.
Quanto às perdas salariais, pese embora a autora beneficie da antecipação do capital, que ao longo do período mais ou menos longo que consideramos lhe poderia render uma taxa de juro de 3%, também seria previsível que o vencimento sofresse actualização, ainda que não superior a 1%, considerando a evolução salarial dos funcionários públicos nos últimos anos, pelo que, partindo do salário mensal médio de € 712,00, deduzido o valor percebido a título de reforma, encontra-se como justo o valor de € 49.700,00 (quarenta e nove mil e setecentos euros).
Ocupando-nos agora do dano decorrente do défice funcional permanente de que a autora ficou comprovadamente portadora, fixado em 27 pontos percentuais, trata-se de dano inegavelmente carecido de reparação.
Com efeito, e tal como a propósito se deixou já referido na apelação 324/10.9TBCVL[4], convergindo na caracterização do dano biológico, em que inequivocamente se traduz uma incapacidade genérica permanente, como a diminuição somático-psíquica do indivíduo, o prejuízo “in natura”, com natural repercussão na vida de quem a sofre, têm os nossos Tribunais hesitado na sua integração numa ou outra das referidas categorias tradicionais[5], não faltando quem o reconheça como categoria autónoma[6], relevando num e noutro planos, consoante, enquanto dano primário, se projecta depois negativamente no património do lesado, repercutindo-se, do mesmo passo, como ofensa na esfera dos seus valores imateriais (danos consequentes)[7][8].
No caso da autora, resultou comprovadamente afectada não só a sua capacidade de obter ganhos pela força do trabalho -sendo certo que não é forçoso que ao atingir a idade da reforma deixasse de desenvolver uma qualquer outra actividade propiciadora de rendimento- mas também o seu desempenho na realização das tarefas quotidianas mais elementares, como fazer a sua higiene completa ou calçar-se, tendo ficado incapaz de desempenhar as tarefas domésticas que antes cumpria e ainda de conduzir, o que acarreta uma grave limitação da sua autonomia, pelo que o valor encontrado pela Mm.ª juíza, tendo por referência o salário da autora e a sua esperança de vida, surge como adequado.
Quanto aos danos de natureza não patrimonial, não questionando a ré na sua apelação a gravidade dos mesmos, requisito essencial à tutela dos danos desta natureza (cf. art.º 496.º, no seu n.º 1 do CC), pretende no entanto a sua redução para metade. Mas sem fundamento o faz.
A indemnização atribuída pelo dano não patrimonial não tem a virtualidade de colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, conforme impõe o art.º 562.º, destinando-se a compensá-lo pela ofensa sofrida através da atribuição de uma indemnização pecuniária que, por indicação da lei, é determinada com recurso à equidade (cfr. n.º 4 do art.º 496.º).
Por expressa remissão da lei, os critérios a atender na determinação do dano de cálculo são o grau de culpa do lesante – ter actuado com dolo ou negligência – a situação económica de lesante e lesado, que pode reconduzir-se a uma ideia de proporcionalidade (critério que, todavia, não temos por aplicável aos casos em que o responsável pela indemnização é uma seguradora) e outras circunstâncias do caso, aqui podendo ser ponderada a natureza do bem jurídico violado, género e idade da vítima e natureza da lesão (cfr. art.º 494.º).
De todo o modo, e em qualquer caso “a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil)”[9].
Neste domínio, haverá que ter na sua justa consideração as lesões sofridas pela autora, que determinaram um longo período de incapacidade, com demorado internamento, as dores e angústia sentidos aquando do acidente (pontos 9., 10., 13. a 17), dores sofridas, quantificadas de grau 5 numa escala progressiva até 7., a ansiedade provocada por saber o marido só e incapacitado, a perda de auto estima, insónias e ansiedade de que continua a padecer e lhe causam sofrimento, tendo perdido a alegria de viver, sendo hoje uma “pessoa sofrida, triste e isolada “ (cfr. ponto 89.)
Revela assim a factualidade a indiscutível gravidade dos danos sofridos, afigurando-se que o montante arbitrado segue o padrão referencial que vem sendo seguido pelo nosso STJ[10], não se vendo, também aqui, fundamento válido para a sua redução.
Sintetizando, fixa-se o montante indemnizatório global a atribuir à autora mulher no montante de € 293.393,70, atinando a quantia de € 257.743,70 (duzentos e cinquenta e sete mil, setecentos e quarenta e três euros e setenta cêntimos) aos danos de natureza patrimonial sofridos e o de € 35.650,00 (trinta e cinco mil, seiscentos e cinquenta euros) aos danos de natureza não patrimonial.
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O autor marido reclamou da ré indemnização no valor global de € 97.262,80, assim distribuído: € 13.110,80, a título de danos materiais, € 64.152,00 para reparação do dano da privação do uso (dano patrimonial), tendo por referência o valor de € 72,00 por dia, e € 20.000,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial.
Na sentença apelada, fixou-se o dano da privação do uso no valor de € 39.750,00, tendo sido arbitrados € 5.000,00 para compensação do dano de natureza não patrimonial daí decorrente.
Insurge-se a ré, defendendo nada ser devido a este título, uma vez que o valor da viatura, declarada que foi a perda total, foi oferecido ao demandante em 31/12/2011, e ainda porque não foi feita prova de qualquer dispêndio, sendo em todo o caso abusivo vir pedir indemnização pela privação do uso decorridos dois anos depois de lhe ter sido oferecido o valor correspondente ao valor venal da viatura. Diversamente, sustenta o autor que a indemnização deve ser fixada nos apurados € 107.771,00 encontrados pela operação aritmética de multiplicar o custo diário de aluguer de viatura equivalente pelos dias de privação.
Com relevo para decidir esta questão, resultou apurado que:
- Como consequência directa e necessária do sinistro descrito, o veículo automóvel do autor ficou totalmente destruído, sem recuperação (ponto 90.);
- O veículo automóvel encontrava-se adaptado com acelerador circular electrónico e um travão de serviço de alavanca, uma vez que o autor, em virtude de sofrer de esclerose múltipla, não consegue usar os pés na condução (ponto 91.);
- A adaptação em causa tem um custo de cerca de € 3.570,00 (ponto 92.);
- O veículo do autor, sem adaptações, tem um valor de € 1.300,00 (ponto 93.);
- Os salvados do veículo do autor tinham o valor de € 100,00 (ponto 94.).
- O aluguer de veículo equivalente ao automóvel adaptado do autor (…) é de, pelo menos, € 72,00 por dia (ponto 95.);
- Sem veículo adaptado às suas necessidades, o autor (…) deixou de poder deslocar-se sozinho à farmácia, ao café, ao supermercado, como fazia antes (ponto 96.);
- Situação que lhe provocou isolamento e ansiedade, uma vez que era um homem alegre e comunicativo (ponto 97.)
- A R., por comunicação datada de 23.12.2011, declarou assumir a responsabilidade por todos os danos decorrentes da produção do acidente e, após peritagem que teve lugar no dia 30.12.2011, e comunicada por carta datada de 31.12.2011, fez uma proposta ao autor para pagamento da quantia de € 1.500,00, a qual não foi aceite (ponto 100.).

No que respeita ao dano agora sob apreciação, afigura-se hoje largamente maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, vantagem que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável[11], mostrando-se assim ultrapassada a jurisprudência invocada pela recorrente.
De todo o modo, tendo-se apurado que o autor fazia uso da viatura – o que implica que a tetraplegia de que padece não poderá ser total – sempre resultaria comprovada a existência de dano, mesmo para quem defenda em termos mais exigentes que "o dano da privação do gozo ressarcível é a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo e não logo qualquer perda da [mera] possibilidade de utilização do bem"[12], exigindo-se assim a prova, pelo lesado, de que ocorreu efectiva diminuição ao nível da satisfação das suas necessidades, globalmente consideradas[13].
Assente a existência de um dano, que assume natureza patrimonial, tem o autor direito à respectiva reparação. E assim é porque, recaindo sobre a ré o dever de proceder à reposição da situação que existiria caso não tivesse ocorrido o evento danoso, na impossibilidade de reparar a viatura teria que oferecer ao lesado indemnização que permitisse a aquisição de bem idêntico, com todas as suas funcionalidades, o que incluía naturalmente o montante necessário à instalação de equipamento que permitisse a sua condução pelo autor, sem o que a viatura que eventualmente viesse a adquirir nenhuma utilidade teria para si. Deste modo, e embora a ré tenha oferecido indemnização correspondente ao valor comercial da viatura, tal oferecimento não foi liberatório, uma vez que não contemplava o custo da necessária adaptação.
No caso vertente o montante indemnizatório terá que ser fixado com recurso a critérios de equidade, tendo em consideração as circunstâncias concretas que se apuraram. E de concreto apurou-se que o autor utilizava a viatura no seu quotidiano, para se deslocar à farmácia, ao café ou ao supermercado, tendo ficado impedido de o fazer.
Pois bem, não resultando dos factos apurados que se tratasse de uma utilização intensiva, e pese embora se tenha apurado que o aluguer de uma viatura adaptada para ser conduzida sem uso dos membros inferiores tinha um custo de cerca de € 70,00 por dia, não podemos olvidar que o veículo pertencente ao autor, em concreto, tinha um valor comercial que sem as adaptações rondava os € 1.300,00, o que torna patente a desproporção do montante que vem reclamar.
Por outro lado, se é verdade que sobre a ré recai a obrigação de indemnizar, impõe a boa-fé que o lesado actue no sentido de não agravar a lesão, termos em que, recorrendo a um juízo de equidade e tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso, designadamente o valor comercial da viatura e custo da sua adaptação, se tem como adequado um valor indemnizatório da ordem dos € 10,00 por dia[14], no total apurado de € 22.910,00 (vinte e dois mil, novecentos e dez euros), considerando o limite temporal fixado na sentença apelada, nesta parte não impugnada, fazendo proceder parcialmente o recurso interposto pela ré e desatendendo, consequentemente, a pretensão recursiva do autor.
A propósito do dano de natureza não patrimonial, provou-se sem impugnação que, privado da viatura, o autor deixou de poder deslocar-se sozinho, como antes fazia, situação que lhe provocou isolamento e ansiedade, uma vez que era um homem alegre e comunicativo. Dada a situação de debilidade provocada pela doença, que limita a sua liberdade de se deslocar, compreende-se que a privação do veículo, que permitia ao autor que gozasse de alguma autonomia, tenha tido uma repercussão negativa no seu estado de espírito, conduzindo ao seu isolamento. Trata-se de um dano nos seus interesses imateriais ou espirituais que, atendendo à sua concreta condição, não pode deixar de merecer a tutela do direito (cfr. citado art.º 496.º), aceitando-se como justo o valor atribuído a este título.
Invoca a ré derradeiramente o instituto do abuso do direito, pretendendo que o autor deixou confortavelmente correr dois aos antes de instaurar a presente acção, confiante no acumular da indemnização diária peticionada, tanto mais que já sabia que a ré considerava a viatura perda total, tendo oferecido o seu valor venal.
Nos termos do art.º 344.º, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes. O abuso, sendo um instituto puramente objectivo, não dependente da culpa do agente nem da verificação de qualquer elemento específico subjectivo, surgindo como concretização da boa-fé – apresenta-se afinal como uma “constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima.”[15]
O instituto em causa destina-se pois a corrigir aquelas situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, conduz a um resultado que repugna ao sentimento de Justiça prevalecente na comunidade.
No caso que nos ocupa, vistos os factos apurados, não vemos que se possa concluir pelo exercício abusivo por banda do autor do seu direito a ser indemnizado, uma vez que se recusou a aceitar o valor oferecido pela ré (cfr. ponto 100.), tendo indicado, na missiva que consta de fls. 27 a 30 dos autos, datada de Abril de 2013, que pretendia ser indemnizado pelo custo de adaptação. Já a apelante de si própria se pode queixar porquanto, tendo até num primeiro momento admitido a responsabilidade exclusiva do condutor da viatura segura, uma vez recusada a sua oferta do valor de € 1.300,00, se quedou inerte, permitindo o avolumar dos danos decorrentes da privação do uso, quando € 3.570,00 (cfr. ponto 92.) teriam obstado a tal situação.
Improcede, pelo exposto, este derradeiro argumento recursivo.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos AA e pela Ré nos termos antes expostos, condenando a (…), Companhia de Seguros:
a) a pagar à autora (…) as quantias de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), destinada a cobrir o dano futuro decorrente da necessidade de adquirir medicação; € 7.339,93 (sete mil, trezentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos), a título de remunerações perdidas durante o período de incapacidade temporária; e € 49.700,00 (quarenta e nove mil e setecentos euros) para reparação do dano decorrente da perda da capacidade de ganho, confirmando-se quanto ao mais a sentença recorrida;
b) a pagar ao autor (…) o montante indemnizatório no valor de € 22.910,00 (vinte e dois mil e novecentos e dez euros) para reparação do dano de privação do uso, mantendo-se quanto ao mais o decidido em 1.ª instância.
Custas a cargo de autores e ré na proporção dos decaimentos de cada um, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que aos primeiros foi atribuído.
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Évora, 31 de Janeiro de 2019
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
José Manuel Lopes Barata
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[1] Rectifica-se o lapso de escrita, uma vez que do doc. n.º 16, junto com a petição decorre claramente que o subsídio foi concedido até 13/11/2012, sendo certo ainda que manter-se a referida data de 2013 entraria em contradição com o ponto 86.
[2] Existe erro de cálculo, uma vez que a soma dos pedidos parcelares ascende a € 289.007,92, tendo a autora, certamente por lapso, incluído o montante de € 8.880,00 referido no art.º 94.º da PI., sendo certo que o custo do auxílio de terceira pessoa relacionado com o acidente é o de € 8.952,00 apurado no art.º 103 do mesmo articulado.
[3] V., neste sentido, o aresto do TRC de 27/10/2016, processo n.º 3336/15.2T8CBR.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do TRC de 2/12/2014, relatado pela ora subscritora, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Afirmando a sua natureza patrimonial, o ac. STJ de 29/4/2010, processo 344/04.2GTSTR.S1 sintetizou: “O dano biológico traduz-se numa diminuição somático-psíquica clara, com natural repercussão no padrão de vida do indivíduo, cuja afectação física, desde logo, determina uma imediata e quase sempre irreversível perda de faculdades físicas e bem-estar psicológico, progressivamente notados, de resto, em tese geral, com repercussão necessária desfavorável na sua qualidade de vida, assim se analisando, mais apropriadamente, dada aquela determinante afectação da actividade vital, em “dano patrimonial”.
[6] Cfr. ac. STJ de 20/5/2010, processo n.º 103/2002.L1.S1 – no qual se considerou que “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”. No mesmo sentido, ac. também do STJ de 20/1/2011, processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1.
Negando relevância à conceptualização desta categoria que, no entendimento expresso, não veio “tirar nem pôr ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, ainda o STJ, em acórdão de 6/12/2011, processo n.º 52/06.0TBVNC.G1.S1. Em sentido diverso, reconhecendo méritos à conceptualização deste dano, o exaustivo acórdão desta Relação de Coimbra de 21/3/2013, processo 793/07.4TBAND.C1, todos em www.dgsi.pt.
[7] Admitindo a dupla relevância deste dano, o que não equivale obviamente à indevida duplicação de indemnização, o Ac. STJ de 17/12/2009, processo n.º 340/03.7TBPNH.C1.S1, de que se destaca o seguinte ponto do sumário: “O denominado dano biológico provocado no lesado num acidente de viação, é o dano “in natura” por ele sofrido, cuja repercussão o atinge quer em termos patrimoniais quer não patrimoniais”.
Neste sentido ainda o aresto do STJ de 21/3/2013, processo 565/10.9TBPVL.S1, assim sumariado “I - O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. II - Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art.º 564.º, nº 2, do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais. III - Este dano é distinto do dano não patrimonial (art.º 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida”.
[8] Na terminologia do aresto do STJ de 16/6/2016, processo n.º 1364/06.8TBBCL-G1-S2, acessível em www.dgsi.pt. No sentido da mesma distinção, ac. STJ de 4/6/2015, processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, no mesmo sítio.
[9] Ac. do TRC de 21/3/2013, processo n.º 793/07.4TBAND.C1.
[10] Cfr. o já citado aresto do STJ de 16/6/2016, proferido no processo 1364/06.8TBBCL.
[11] V. recente acórdão do STJ de 5/7/2018, proferido no processo 176/13.7T2AVR.P1.S1, não faltando quem considere que “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito” (acórdãos do STJ de 5/7/2007, processo n.º 07B1849 antes citado, e de 8/5/2013, processo 3036/04.9TVVLG.P1.S1; aparentemente neste mesmo sentido, Prof. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 9.ª edição, pág. 348.
[12] Paulo Mota Pinto, “Dano da Privação do Uso”, em Estudos de Direito do Consumidor nº 8, 229 e segs., estudo extraído da tese Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo – Vol. I.
[13] V. acórdãos do TRC de 6/3/2012, processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, e de 8/4/2014, processo n.º 1091/12.7TBCBR.C1, ainda no identificado sítio.
[14] Valor idêntico ao confirmado pelo STJ no recente acórdão de 8/11/2018, processo 1069/16.1T8PVZ.P1.S1, 2172/14.8TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt.
[15] Na síntese do Prof. Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectiva”, ROA 2005, acessível on-line.