Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
716/22.0T8PTM.E1
Relator: SÓNIA KIETZMANN LOPES
Descritores: COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
COISA DEFEITUOSA
PRESUNÇÃO DA ANTERIORIDADE DO DEFEITO
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: i) Tendo a Autora comprado um veículo novo, que, 1 ano e 4 meses após a entrega, inicia uma sucessão de abruptas perdas de potência e subsequente imobilização durante a circulação, várias das quais alvo de posterior reparação, opera a presunção de não estar o veículo conforme com o contrato de compra e venda, nos termos do estatuído no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril.
ii) Uma vez que a falta de conformidade se manifestou dentro do prazo de 2 anos a contar da data da entrega do veículo (persistindo, depois, para além do mesmo), presume-se, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, que tal desconformidade já existia nessa data, cabendo ao vendedor, para ilidir a presunção e, assim, impedir a sua responsabilização pelas anomalias verificadas no veículo, demonstrar o facto concreto, posterior à entrega, que gerou a falta de conformidade.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 716/22.0T8PTM.E1 – Apelação

Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível de Faro – Juiz 2

Recorrente – (…) – Comércio de Automóveis, S.A.
Recorrida – (…)
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Sumário (…)
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Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1.
(…) intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…) – Comércio de Automóveis, S.A. e Opel Portugal, Lda., pedindo, no que ora releva, a declaração de resolução do contrato de compra e venda do veículo adquirido à 1ª Ré e do respetivo contrato de extensão de garantia, a condenação das Rés a devolver à Autora as quantias pagas pela viatura e pela extensão da garantia, bem como a condenação das Rés no pagamento de danos patrimoniais, não patrimoniais e juros.
Para o efeito alegou, em síntese, ter adquirido à 1ª Ré, em 16/07/2019 e mediante o preço de € 23.482,70, um veículo automóvel produzido pela 2ª Ré, tendo o mesmo, a partir de 16/11/2020, avariado por diversas vezes, sem que as Rés lograssem repará-lo definitivamente.
Mais alegou ter subscrito junto da 1ª Ré o pacote “Opel Flexcare – Extensão de Garantia”, o qual prolongou a garantia relativa ao veículo para um total de 5 anos e previa, designadamente, a entrega de carro de substituição, se necessário.
Alegou, ainda, que as sucessivas avarias e períodos de imobilização da viatura, causados pela sua condição anómala, e a circunstância de, por diversas vezes, não lhe ter sido facultada viatura de substituição, lhe determinou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais e a perda de confiança na fiabilidade da viatura.
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A 1ª Ré contestou, invocando, designadamente, a caducidade do direito invocado pela Autora, para o que alegou, em síntese, que o veículo em questão não apresentou, no período legal de garantia, defeito que não tivesse sido devidamente reparado, sendo as demais situações enunciadas pela Autora posteriores ao referido período.
Mais alegou, que o veículo em questão foi entregue à Autora sem qualquer defeito ou anomalia, que o veículo foi alvo de uma reparação ao nível da bomba de injeção de combustível no prazo de garantia com entrega de veículo de substituição à Autora e que as avarias subsequentes ou bem que tiveram origem na incorreta utilização e deficiente manutenção do veículo ou bem que foram devidamente reparadas no âmbito da extensão da garantia.
Por último, sustentou estar a viatura em normais condições de utilização e apta para o fim a que se destina.
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Verificada a extinção da 2ª Ré, por incorporação na (…) Portugal, S.A., substituiu esta a 2ª Ré.
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A Ré (…) Portugal, S.A. (de ora em diante designada 2ª Ré) contestou, invocando quer a sua ilegitimidade, quer a caducidade do direito da Autora, bem como sustentou estar esta a agir em abuso de direito.
Mais alegou que a viatura não padeceu de qualquer falta de conformidade ou defeito de fabrico, tendo sido feita, antes, uma utilização indevida da mesma, o que não é coberto pela garantia e, logo, não conferia à Autora o direito a veículo de substituição.
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Convidada a pronunciar-se sobre as invocadas exceções, a Autora pugnou pela sua improcedência e pela condenação das Rés como litigantes de má fé.

2.
Realizada audiência prévia, nesta foi proferido despacho saneador, definindo-se o objeto do litígio e os temas da prova.
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Após a audiência final, foi proferida sentença no âmbito da qual foi decidido:
«a) Absolver a 2ª Ré (…) Portugal, SA dos pedidos deduzidos pela Autora (…);
b) Declarar resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Opel”, modelo “Crossland Innovation 1.2T 110”, de matrícula (…), celebrado em 16 de julho de 2019 entre a Autora (…) e a 1ª Ré (…) – Comércio de Automóveis, SA;
c) Condenar a Autora Caroline (…) a entregar à Ré (…) – Comércio de Automóveis, SA o veículo automóvel veículo da marca “Opel”, modelo “Crossland Innovation 1.2T 110”, de matrícula (…) referido em b);
d) Condenar a Ré (…) – Comércio de Automóveis, SA a restituir à Autora o montante de € 15.000,00 relativo ao preço no momento da entrega do veiculo referida em c) e o valor de € 408,00 pago pela subscrição do pacote “Opel Flexcare”;
e) Condenar a Ré (…) – Comércio de Automóveis, SA a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia total de € 20.253,48, sendo € 2.253,48 por danos patrimoniais e € 18.000,00 por danos não patrimoniais, sendo a primeira quantia acrescida de juros de mora desde a citação e a segunda acrescida de juros de mora a partir do dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis;
f) Absolver a Ré (…) – Comércio de Automóveis, SA do demais peticionado;
g) Absolver as Rés do pedido de condenação como litigantes de má fé».

3.
Inconformada, a 1ª Ré interpôs recurso de apelação da sentença, enunciando as seguintes conclusões:
«1. A matéria de facto dada como provada contém erros e contradições, constituindo claramente uma errada avaliação da prova produzida.
2. Foi dado como não provado (na alínea b) da Fundamentação) que a avaria detetada era resultante do facto de a válvula canister se encontrar cheia de pó fino no seu interior, situação, por um lado, incomum e que, por outro lado, evidenciava uma utilização intensa em ambientes com muito pó e sem a devida manutenção e limpeza.
3. Igualmente se tendo dado como não provado (alínea h)) que os problemas da viatura são devidos a fatores externos ao mesmo, que são impulsionados pelo uso que a Autora dá à viatura. E
4. Ainda foi dado como não provado (alínea i)) que o veículo da Autora está em normais condições de utilização.
5. Mas resulta evidente que foi provado que o veículo da Autora apresenta continuadamente vestígios de pó fino tipo giz, situação que se encontra devidamente espelhada nos factos provados.
6. No facto n.º 9) dá-se conta que na revisão ocorrida em 21 de Julho de 2020 quando o veículo tinha percorrido 19.117 kms ficou mencionado na folha de registo da intervenção “viatura c/pó”.
7. No facto n.º 13) comprova-se que em 17 de Novembro de 2020 o veículo deu entrada na oficina da 1ª Ré constando na Guia da empresa de reboques a observação “Inspeção viatura muito suja de pó”.
8. No facto n.º 28) refere-se que em 12 de Abril de 2021 a viatura se apresentou na oficina com vestígios de pó.
9. Acrescentando-se no facto 29) que “Toda a viatura se apresentava coberta do mesmo pó fino”.
10. Referindo-se nos factos 31) e 32) que a Autora teve acesso ao vídeo do veículo – que foi junto pela 2ª Ré na sua Contestação – onde se demonstra a inusitada existência de elevadíssima quantidade de pó na “parte de baixo” do automóvel e que a válvula canister se encontrava completamente cheia de pó no seu interior.
11. Constando ainda no facto 97) i), que a perícia colegial realizada em 30 de Junho de 2023 verificou na parte inferior considerável acumulação de pó fino tipo giz”.
12. Situação que denota que o veículo por um lado circula com muita frequência em local com o referido pó fino e por outro lado que não é feita a regular e necessária limpeza da parte de baixo do veículo.
13. Sendo por um lado o vídeo e por outro lado os depoimentos de todas as testemunhas indicadas pelas Rés, unânimes em considerar que a entrada do pó fino no interior do veículo é manifestamente prejudicial e causa necessária e evidente da avaria que foi detectada e reparada.
14. E mesmo a testemunha (…) – que vive no mesmo local – refere que o seu veículo e o do seu marido são lavados semanalmente e inclusive na parte de baixo, coisa que a Autora declarou não fazer.
15. Constando no relatório da perícia colegial em resposta ao quesito 7 que a não respiração através do filtro (…), por colmatação pode provocar avarias constantes como a falta de potência, como a falta de pressão de combustível e consequente e perda de potência do motor.
16. Existindo assim notória contradição entre os factos provados n.os 9), 13), 28), 29), 31), 32) e 97, ponto i) e a não consideração como provado do referido na alínea b) dos factos não provados.
17. E a mesma ordem de razões valem para a incompreensível consideração como não provados relativamente aos factos insectos nas alíneas h) e i).
18. De facto e para alem das referências feitas acima no ponto v.) do facto provado n.º 97) extrai-se que da perícia colegial realizada não detectou qualquer desconformidade na viatura.
19. E na inspeção ao veículo feita pelo Tribunal com os srs. Peritos e cujo Auto consta a folhas 473 e 474 dos autos evidencia-se que o veículo se encontra objectiva e tecnicamente em normais condições de utilização e funcionamento.
20. Donde é forçoso concluir que as avarias detetadas se devem a fatores externos ao veículo, nomeadamente à intromissão no interior do veículo de grande quantidade de pó fino tipo giz que necessariamente afeta o regular funcionamento e desempenho.
21. Por outro lado ainda na inspeção ao veículo feita pelo Tribunal com os srs. Peritos e cujo Auto consta a folhas 473 e 474 dos autos foi possível verificar que a Autora conduz o veículo a reduzidas velocidades sem reduzir as mudanças, forçando o veiculo a circular em terceira ou mesmo quarta velocidade quando circula a velocidade muito baixa, especialmente em locais em que tem que obedecer aos sinais de Stop ou de cedência de prioridade.
22. Provocando o (mesmo involuntário) accionamento de sistemas de segurança do veículo.
23. Por outro lado não se compreendendo que por exemplo a Autora alegue o que consta (erradamente) nos factos provados n.os 92) a 94), ou seja uma alegada avaria em 14 de Abril de 2023 que não reportou às Rés e que o veículo permaneceu na sua casa sem circular até à perícia colegial que ocorreu em 30 de Junho de 2023 – altura em que os srs. Peritos não detectaram qualquer desconformidade na viatura.
24. E ainda que o veículo tenha “voltado a avariar” no dia 24 de Junho de 2024 e que após reboque para a oficina da 1ª Ré a testemunha (…) tenha referido na sua inquirição em 4 de Setembro de 2024 que não verificou nenhuma anomalia dizendo que “o veículo sempre funcionou perfeitamente, nós não detectámos nada de não funcionar” (conforme resulta a minutos 3:40 da gravação da inquirição), que “fizemos o diagnóstico para verificar a queixa da cliente e não encontramos nada” (conforme resulta a minutos 4:20 da gravação da inquirição), que “não havia qualquer avaria no carro” (conforme resulta a minutos 5:00 da gravação da inquirição), que explicou que a cliente referiu-lhe que “tentou várias vezes ligar o carro e pode ter accionado o modo de segurança” (conforme resulta a minutos 5:58 da gravação da inquirição), esclarecendo ainda que “foi feito teste de estrada (…) e não foi detectado nada” (conforme resulta a minutos 7:22 da gravação da inquirição).
25. Foi assim dado erradamente como não provados (alíneas b), h) e i)) factos que foram objeto de adequada e suficiente prova e que têm que estar em harmonia com os demais factos provados, pelo que se impõe que seja considerado provado:
26. – que a avaria detetada era resultante do facto de a válvula canister se encontrar cheia de pó fino no seu interior, situação por um lado por um lado incomum e que por outro lado evidenciava uma utilização intensa em ambientes com muito pó e sem a devida manutenção e limpeza (alínea b) dos factos não provados);
27. – que os problemas da viatura são devidos a fatores externos ao mesmo, que são impulsionados pelo uso que a Autora dá à viatura (alínea h) dos factos não provados); e
28. – que o veículo da Autora está em normais condições de utilização (alínea i) dos factos não provados).
29. Por outro lado, os factos considerados provados com os n.os 1) a 4), 78) e 80) e respetiva fundamentação não estão de acordo com a prova produzida.
30. Efectivamente, a Autora nas suas declarações de parte refere que efetuou prévia consulta de outros operadores (stands de automóveis) antes de adquirir o veículo em questão, tendo declarado na sessão da Audiência de 5 de Junho de 2024 que “foram ver vários concessionários ao longo da estrada, Volkswagen, Peugeot, etc., e entraram na Opel”, conforme resulta do minuto 04:00 da gravação do depoimento.
31. E a testemunha (…) na sua inquirição em 24 de Junho de 2024 referiu expressamente que se tratava de “carro com altura para o caminho que me tinha dito (…) disse que morava no campo, circulando tanto em caminhos de cidade como em caminhos com alguns buracos (…) não falou no ”, conforme resulta do minuto 3:50 da gravação do depoimento.
32. Acrescentando que “o interessa da cliente era ter um carro alto e eu sugeri-lhe o SUV, espécie de jipe não sendo jipe (não é?) e foi o carro pelo qual ela se apaixonou. Disse: é isto mesmo que eu quero. Ela conhecia a marca e o modelo”, conforme resulta do minuto 9:20 da gravação do depoimento.
33. Acrescentando ainda “É um suvezinho, pronto”, conforme resulta do minuto 10:52 da gravação do depoimento.
34. Pelo que os factos acima referidos deveriam esclarecer adequadamente que a Autora verificou previamente outras opções, que não referiu expressamente a existência de pó no caminho de acesso a sua casa, que o veículo foi anunciado como “carro mais alto” que permitia uma adequada utilização em cidade e num caminho com buracos e que a funcionária da 1ª Ré não conhecia o local onde a Autora reside.
35. Quanto ao facto provado n.º 5) é errada a referência a que o veículo é “fabricado e produzido pela 2ª Ré (…), Portugal, SA” porquanto a própria Ré refere nos pontos 5º, 8º e 9º da sua contestação que não se dedica à produção mas somente à comercialização de automóveis sendo representante do fabricante em Portugal.
36. Não havendo qualquer prova de que a 2ª Ré seja fabricante dos veículos Opel, pelo que se impõe a devida correção.
37. O facto provado n.º 17) não tem qualquer suporte fáctico pois que como é alegado nos pontos 23 e 24 da Contestação da 1ª Ré e do doc. n.º 9 que a Autora juntou com a sua P.I., foram feitos testes de diagnóstico preconizados pela Opel e feito teste de estrada sem se verificar qualquer avaria, não havendo registo de qualquer tipo de situação anómala.
38. Sendo nesse sentido – para alem do citado doc. n.º 9 – as declarações de todas as testemunhas inquiridas sobre tal facto.
39. Pelo que se impõe a substituição do teor do facto n.º 17) deve ser substituído pela redação constante nos pontos 23 e 24 da Contestação da 1ª Ré e do doc. n.º 9 junto com a P.I..
40. Por outro lado, a prova produzida não é de molde a aceitar-se a redação dos factos provados números 90), 92) e 95) na parte em que é repetidamente referido que o veículo da Autora “voltou a avariar”. Pois
41. Efectivamente, em 25 de Março de 2022, em 14 de Abril de 2023 e em 24 de Junho de 2024 não foi verificada nenhuma avaria nem foi feita qualquer reparação ou intervenção no veículo.
42. Devendo quanto muito poderá aceitar-se que a Autora tenha conseguido fazer com que o veículo voltasse a falhar devido à forma de utilização e condução, sendo que qualquer avaria que pudesse existir não desapareceria – sendo evidente que como já foi referido na perícia colegial realizada em 30 de Junho de 2023 não foi detectada qualquer desconformidade, conforme resulta do relatório dos srs. Peritos.
43. Por fim, o vertido no facto 96) carece de fundamento em face da prova produzida.
44. O relatório da perícia colegial é unânime ao considerar que após um “diagnóstico geral” a viatura não apresenta qualquer indicação de anomalia, conforme consta no § 2º do preâmbulo.
45. No que diz respeito à origem das anomalias o relatório da perícia colegial – para alem de referir que não foi verificada qualquer desconformidade ou anomalia – menciona que após intervenção no motor e sistema de recuperação de vapores de combustível feita em Março de 2022 não existem dados que permitam concluir sobre a origem das anomalias anteriormente detectadas (e reparadas), conforme reposta ao quesito 6.
46. E na resposta ao quesito 7 o relatório da perícia refere a existência de uma elevada camada de pó muito fino na parte inferior do veículo, acrescentando que com a modificação e instalação do filtro suplementar a colmatarão do filtrado canister será muito difícil.
47. Esclarecendo que a não respiração através desse filtro por colmatação pode provocar as avarias constantes no processo como a falta de potência, como a falta de pressão de combustível e consequente perda de potência do motor (resposta ao quesito 7).
48. Acrescentando o relatório pericial ter sido realizado teste de estrada durante 26,7 kms em zonas urbanas, estrada asfaltada, estrada em terra e auto-estrada sem ter sido detectada qualquer falta de potência (resposta ao quesito 8).
49. Na verdade a avaria que foi detectada (e reparada) no veículo resulta da mencionada colmatarão que tem origem na utilização que ao mesmo é dada e à falta de manutenção e limpeza.
50. Concluindo-se que objetivamente o veículo não padece atualmente de qualquer tipo de desconformidade e que as avarias detectadas (e reparadas) resultaram da introdução do pó tipo giz que foi amplamente verificado na parte de baixo do veiculo e que provocou a colmatação do filtro.
51. Razões pelas quais se impugna a matéria de facto, que deve ser objeto das alterações acima referidas.
52. Por outro lado, a douta Sentença merece fortes reparos no que diz respeito à matéria de direito.
53. Após a devida correção da matéria de facto resulta evidente que não se está perante uma desconformidade ou anomalia susceptível de enquadramento no Decreto Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
54. A anterior Lei das Garantias protege o Consumidor ao estipular que os bens devem ser conformes e ao impor que o vendedor responde por qualquer falta de conformidade que exista no momento da venda / entrega, presumindo-se existentes nessa data as que se manifestem no prazo de dois anos.
55. No caso vertente é determinante apurar se o veículo vendido à Autora em 16 de Julho de 2019 possuía nessa data alguma desconformidade ou anomalia. E a resposta é negativa.
56. Em 16 de Julho de 2019 o veículo encontrava-se em normais e adequadas condições de funcionamento e utilização.
57. E tal facto resulta desde logo de cerca de um ano depois – em 21 de Julho de 2020 – ter sido feita a (primeira) revisão periódica ao veículo que tinha 19.117 kms e não ter havido qualquer queixa ou reclamação, tendo sido apenas sido mencionado nas observações da folha da intervenção “viatura c/pó”.
58. E somente em 17 Novembro de 2020 foi o veículo apresentado na oficina da 1ª Ré com a empresa de reboque a atestar que a mesma estava “muito suja de pó”, não tendo no entanto sido verificada qualquer avaria após a realização dos testes de diagnóstico preconizados pelo fabricante, e foi feito novo diagnóstico no dia 20 de Novembro de 2020 quando foi verificada a necessidade de substituição da bomba de injeção de combustível e do módulo da bomba de combustível.
59. Após a deteção da mencionada anomalia foi feita a devida reparação, que foi suportada pela Opel no âmbito da garantia contratual fornecida pela marca.
60. Resulta da prova produzida e da matéria dada como provada que após essa primeira intervenção o veículo da Autora voltou à oficina da Ré “com vestígios de pó” em Abril de 2021.
61. E nessa altura o que foi verificado e resulta patente no vídeo junto aos autos pela 2ª Ré na sua Contestação foi que a parte de baixo do veiculo apresentava-se completamente chia de pós fino tipo giz e que a avaria detectada teve origem na introdução de elevada quantidade desse pó através da válvula canister nos circuitos interiores de funcionamento do veículo.
62. Encontrando-se a válvula canister cheia desse pó fino, que atingiu peças sensíveis do circuito de combustível do veículo e que provocaram danos no funcionamento e desempenho do automóvel.
63. Verificou-se assim a colmatação do filtro canister em virtude dessa intromissão de considerável quantidade desse pó fino no interior do veículo.
64. Ou seja: a origem da avaria que motivou a primeira reparação em Novembro de 2020 (substituição da bomba de injeção de combustível e do módulo da bomba de combustível do depósito) resultou não de defeito de fabrico e/ou de montagem do veiculo ou de qualquer peça ou componente mas única e exclusivamente da colmatação provocada pela introdução do pó fino no interior do circuito de combustível.
65. E o mesmo ocorreu em Abril de 2021 quando foi feito o vídeo junto aos autos onde é evidenciado o estado anormal de sujidade e a grande quantidade de pó fino tipo giz.
66. Não havendo uma vez mais nenhum defeito de fabrico e/ou de montagem do veiculo ou de qualquer peça ou componente mas única e exclusivamente da colmatação provocada pela introdução do pó fino no interior do circuito de combustível.
67. Sendo que consta nos factos provados que a 1ª Ré manteve um reunião com a Autora e respectivo Advogado em 5 de Maio de 2021 onde foi mostrada presencialmente a parte de baixo do veículo e as peças afetadas mencionadas no vídeo a que a Autora também teve imediato acesso.
68. E ainda acresce que – como se refere no facto provado n.º 46) – a válvula canister (original) foi substituída por uma nova que voltou em Setembro de 2021 (e provavelmente na sequência da circulação durante o período do Verão) a ficar “completamente suja de pó fino tanto no seu interior como no respirador da peça”, como se menciona no facto provado n.º 55.
69. O que claramente significa que não era a peça (válvula canister ou filtro canister) que padecia de qualquer defeito ou desconformidade, sendo a origem do problema a colmatação do filtro canister em virtude da introdução e acumulação no interior dos circuitos do veículo de grande quantidade de pó fino do tipo giz.
70. Assim, a questão jurídica fundamental é a de saber se existe anomalia susceptível de enquadramento na anterior Lei das Garantias: se é possível presumir que as anomalias efetivamente detectadas em Novembro de 2020 e em Abril de 2021 existiam à data em que o veículo foi vendido e entregue à Autora (16 de Julho de 2019).
71. E a conclusão é forçosamente negativa: a desconformidade não existia quando o veículo foi vendido e entregue à Autora – não se concebendo como possível que o interior do veículo viesse de fabrica “inundado” de pó fino do tipo giz.
72. Nem que a válvula ou filtro canister sofresse de anomalia ou defeito, dado que foi a grande quantidade de sujidade e a introdução de elevada quantidade de pó fino que provocou os danos verificados no circuito de combustível do veículo em Novembro de 2020 e em Abril de 2021.
73. Assim, não existe qualquer falta de conformidade existente ou que se possa presumir existente na data da venda e entrega do veículo à Autora, pelo que é inaplicável o disposto no Decreto Lei n.º 67/2003.
74. Independentemente de as queixas reportadas terem sido originadas pelo mencionado pó fino tipo giz e resolvidas no âmbito da garantia contratual da Opel, a garantia legalmente prevista no Decreto Lei n.º 67/2003 caducou em Julho de 2021,
75. Pelo que qualquer possível falta de conformidade que se possa manifestar posteriormente não merece a proteção do regime previsto no Decreto Lei n.º 67/2003!
Termos em que deverá o presente recurso ser deferido e revogada a douta Sentença do tribunal a quo de forma a absolver a 1ª Ré, assim se fazendo Justiça.»
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A 2ª Ré apresentou o que designou de “contra-alegações”, contra o que se insurgiu a Autora, juntando, ainda, documentos, com vista a demonstrar uma nova avaria da viatura após prolação da sentença.
*
A Autora não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido e foram colhidos os vistos, tendo sido determinado o desentranhamento das “contra-alegações” apresentadas pela 2ª Ré.
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4. Questão prévia (Da admissibilidade dos documentos juntos pela Autora no requerimento com a ref.ª citius 13748905)
Após apresentação do recurso pela 1ª Ré, a Autora juntou três documentos (do que notificou as rés), por via dos quais pretende demonstrar que a viatura avariou em 11/03/2025, ou seja, após prolação da sentença, datada de 14/02/2025.
Na fase de recurso a junção de documentos reveste natureza excecional, conforme resulta do disposto no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC), nos termos do qual as “partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
A situação dos autos não se subsume, manifestamente, a este último segmento da norma, que encontra justificação essencialmente na imprevisibilidade do resultado da sentença proferida[1].
O artigo 425.º do CPC reporta-se, por sua vez, aos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.
Ora, é evidente, face às datas dos documentos – todas supervenientes ao encerramento da discussão e, inclusivamente, da prolação da sentença - que não era possível apresentar os mesmos até ao encerramento da discussão, e, sendo o facto probando também ele posterior ao encerramento da discussão, seriam tais documentos de admitir.
Contudo, a Autora não extrai, ao nível do pedido, qualquer ilação da prova do facto visado. Trata-se, por isso, de documentos desnecessários, na medida em que não são suscetíveis de se repercutir no desfecho da lide, atentando a sua junção contra o princípio da relevância da prova.
Em face do exposto, não se admite a junção dos documentos que se encontram a fls. 566, frente e verso, e 567.
Notifique.

5. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do CPC, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:
i) se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
ii) se os factos permitem concluir pela falta de conformidade do veículo, com consequente aplicação da legislação sobre a venda de bens de consumo e garantias a ela relativas.

II. FUNDAMENTOS
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

1.1. Contradição entre a alínea b) dos factos não provados e os factos provados números 9), 13), 28), 29), 31), 32) e 97), ponto i)

Defende a Recorrente, antes de mais, existir uma notória contradição entre os factos provados números 9), 13), 28), 29), 31), 32) e 97), ponto i) e a alínea b) dos factos não provados.

A alínea b) dos factos não provados tem o seguinte teor:

“Sendo a avaria detetada resultante do facto de a mencionada válvula canister se encontrar cheia de pó fino no seu interior, situação por um lado incomum e por outro lado evidenciando uma utilização intensa em ambientes com muito pó e sem a devida manutenção e limpeza”.

Os factos provados acima referidos, por sua vez, têm o seguinte teor:

“9) Em 21 de Julho de 2020 o veiculo da Autora esteve na oficina da 1ª Ré para uma revisão e tinha percorrido 19.117 km e o funcionário da oficina da 1ª Ré fez constar nas notas da mencionada folha de controlo “viatura c/pó”, tal como resulta do doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”

“13) No dia 17 de novembro de 2020 o veiculo da Autora deu entrada na oficina da Ré e na Guia de Transporte utilizada pela empresa de reboques consta em “Observações”: “Inspeção viatura muito suja de pó”, tal como resulta do doc. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”

“28) A viatura da Autora apresentou-se na oficina da 1ª Ré com vestígios de pó, tendo ficado a constar na Guia de Transporte utilizada pela empresa de reboques “Trabalha mas aparece mensagem de avaria no painel”, tal como resulta do doc. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”

“29) Toda a viatura se encontrava coberta do mesmo pó fino – como aliás já havia sido verificado nas anteriores visitas do veículo à oficina.”

“31) Carregando em tal link, a Autora acedeu a vídeo realizado na oficina, em que é apontado o “pó” como causa da avaria, que se introduziu, através da válvula canister colocada na “parte de baixo” do automóvel, em circuitos internos e sensíveis da viatura.”

“32) No referido vídeo, a 1ª Ré refere que ‘’verificamos que a válvula canister está completamente cheia de pó, terra (…) completamente cheia de pó no seu interior, o qual não deixa o seu depósito respirar (…) a viatura se encontra cheia de pó (…) vai ter que substituir a válvula canister, verificar o depósito e, provavelmente, depois de substituir, se continuar a dar entradas de pó, com muito bastante pó, irá voltar a acontecer o mesmo. Isto não é um defeito de produto, defeito de fabrico mas, sim, provocado pelo pó onde a viatura anda”.

“97) Da perícia colegial realizada nos autos resultou que:
i. o veículo apresentava-se em geral cuidado, sem sinais de utilização desadequada e sem danos à vista, estando os resguardos inferiores, os amortecedores e todos os elementos da parte inferior da carroçaria, em bom estado, evidenciando estar parado há algum tempo pela oxidação nos discos dos travões e pelas teias de aranha nos elementos de ligação do solo, apresentando na sua parte inferior considerável acumulação de pó fino tipo giz, bem como nos eixos, suspensão, elementos de travagem e suas zonas contíguas, não tendo qualquer indicação luminosa de anomalia, nem após diagnóstico, sendo que o sistema “canister”, o filtro, a válvula e as tubagens de ligação não apresentam qualquer dano, havendo um filtro adicional no sistema (que terá sido adicionado numa das reparações feitas na 1ª Ré por causa da acumulação de pó da viatura).
[…]”

Apreciando, importa atentar, antes de mais, nos seguintes aspetos:
i. a alínea b) da matéria de facto não provada versa a alegação inserta no ponto 28 da contestação da 1ª Ré, no qual esta se reporta à paragem da viatura descrita pela Autora nos pontos 31 a 61 da petição inicial, ou seja, a paragem verificada em 12/04/2021 (com devolução da viatura à Autora em 02/06/2021);
ii. o facto que consta da alínea b) da matéria de facto não provada contém a enunciação de um duplo nexo de causalidade: por um lado, entre a paragem do veículo em 12/04/2021 e o pó na válvula canister e, por outro lado, entre a existência deste pó e o tipo de utilização do veículo pela Autora e/ou a manutenção que a Autora fazia ao veículo.

Ora, os factos 9) e 13) reportam-se a eventos anteriores à paragem em causa (eventos esses datados de 21/07/2020 e 17/11/2020, respetivamente), pelo que o seu teor necessariamente não está em contradição com o aludido facto não provado.

Por outro lado, os factos 28), 29), 31) e 32), reportando-se, é certo, à paragem verificada em 12/04/2021, apenas contêm ou bem que a menção de que a viatura apresentava pó (factos 28) e 29) ou bem que a menção de que a Recorrente, então, apontou o pó como causa da paragem (factos 31) e 32). Ou seja, nenhum destes factos encerra uma afirmação contraditória com a não prova dos nexos de causalidade afirmados na alínea b) dos factos não provados.
Dito de outro modo, a circunstância de estar assente que uma parte afirmou um nexo de causalidade (cfr. factos 31) e 32) não choca com julgar-se não provado que tal nexo de causalidade efetivamente existiu.

O mesmo se dirá, por um último, quanto ao ponto 97) i. da matéria de facto provada: a circunstância de, aquando da perícia (realizada em 30/06/2023), o veículo apresentar “considerável acumulação de pó fino tipo giz”, não corresponde à afirmação de um nexo de causalidade entre tal pó e a paragem do veículo ocorrida em 12/04/2021. Tanto assim é que, embora tivessem feito a constatação do referido pó, os mesmos senhores peritos concluíram não ter “sido possível chegar a uma conclusão acerca da origem das paragens da viatura” (cfr. relatório pericial, 1º § de fls. 356).

Inexiste, pois, a contradição assinalada pela Recorrente, improcedendo a impugnação, nesta parte.

1.2. Do erro de julgamento quanto aos factos não provados das alíneas b), h) e i)

A Recorrente sustenta, ainda, que deviam ter sido considerados provados os factos não provados das alíneas b), h) e i), por terem sido objeto de “adequada e suficiente prova”.
Alicerça esta sua asserção no seguinte:
i. a perícia colegial não detetou qualquer desconformidade na viatura;
ii. aquando da inspeção da viatura pelo tribunal o veículo encontrava-se em normais condições de utilização e funcionamento;
iii. na mesma inspeção foi verificada uma condução desadequada por parte da Autora.
E, com base nestas constatações, entende a Recorrente ser “forçoso concluir que as avarias detetadas se devem a fatores externos ao veículo, nomeadamente à intromissão no interior do veículo de grande quantidade de pó […]”.

Sem razão, contudo. Se não vejamos.

Para uma adequada análise impõe-se separar a factualidade em questão, por díspar, dizendo as alíneas b) e h) respeito às causas da(s) paragem/paragens do veículo, enquanto a alínea i) respeita ao estado atual do veículo.

As alíneas b) e h) dos factos não provados têm o seguinte teor:
“b) Sendo a avaria detetada resultante do facto de a mencionada válvula canister se encontrar cheia de pó fino no seu interior, situação por um lado incomum e por outro lado evidenciando uma utilização intensa em ambientes com muito pó e sem a devida manutenção e limpeza.
…h) A avaria da viatura é devida a fatores externos ao mesmo, que são impulsionados pelo uso que a Autora dá à viatura”.
Escrutinando os meios probatórios invocados pela Recorrente, temos que:
- a perícia colegial (com relatório a fls. 354 e ss. dos autos, completado a fls. 404) não incidiu concretamente sobre a paragem do veículo ocorrida em 12/04/2021 (versada no facto b), pelo que não é possível com base no resultado da perícia concluir no sentido do que é defendido pelo Recorrente quanto ao facto b);
- na perícia colegial, os senhores peritos, muito embora consignassem a existência de “considerável acumulação de pó tipo giz fino” na viatura (cfr. fls. 354 verso), afirmaram expressamente “não ter sido possível chegar a uma conclusão acerca da origem das paragens da viatura” (cfr. 1º § de fls. 356). Vale isto por dizer que, embora cientes da problemática do pó na viatura, ainda assim os senhores peritos não lograram fazer o silogismo ora proposto pela Recorrente, no sentido de que as várias paragens sofridas pelo veículo se deveram a fatores externos a este.
E compreende-se esta asserção dos senhores peritos. Na verdade, como muito acertadamente refere o tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto (cfr. página 41 da sentença), a “situação da acumulação do pó não pode [genericamente, acrescentamos nós] ser considerada causa da avaria quando há avarias que têm de intervalo poucos dias após a viatura sair da oficina da Ré, onde todos os componentes terão sido limpos, não havendo tempo para nova acumulação de pó”;
- aquando da inspeção judicial ao veículo (descrita na ata de fls. 72 e ss.), foi efetivamente verificado que a Autora a dada altura conduzia em 4ª e/ou 5ª mudança, quando o adequado para a situação seria a 3ª mudança, descrição que, só por si, não legitima a conclusão de que as múltiplas paragens do veículo analisadas na presente ação se devessem a uma tal circunstância, tanto mais que, subsequentemente a tais paragens, se deram reparações que não foram relacionadas com o sistema de mudanças (na sequência da paragem de 20/11/2020 a reparação incidiu sobre a bomba de injeção do combustível e o módulo da bomba de combustível do depósito – cfr. facto 23); na sequência da paragem de 12/04/2021 a reparação incidiu sobre a válvula canister - cfr. facto 38); na sequência da paragem de 10/01/2022 a reparação incidiu sobre o sensor de pressão do tubo de distribuição de combustível – cfr. facto 62) e na sequência da paragem de 27/01/2022 a reparação incidiu sobre o software do motor, a unidade de controlo do motor, a régua de combustível e sensor – cfr. facto 75).
Assim, não se extrai dos meios probatórios invocados pela Recorrente que hajam sido erroneamente julgados não provados os factos b) e h).

O teor do facto i) é, por sua vez, o seguinte:
“O veículo da Autora está em normais condições de utilização”.

A Recorrente pretende que se considere provado este facto, porquanto:
i. a perícia colegial não detetou qualquer desconformidade na viatura;
ii. aquando da inspeção da viatura pelo tribunal, o veículo encontrava-se em normais condições de utilização e funcionamento.
Trata-se, em bom rigor, de facto conclusivo. Porém, tendo sobre o mesmo incidido a perícia, não repugna conhecer do mesmo nos termos invocados pela Recorrente.
É dado assente que, quer aquando da perícia, realizada em 30/06/2023 – cfr. fls. 354 verso – quer aquando da inspeção judicial, realizada em 03/07/2024 – cfr. fls. 472 – o veículo não apresentava qualquer avaria ou anomalia.
Contudo, se se atentar na descrição fáctica no seu todo, constata-se que entre paragens e/ou reparações o veículo teve diversos períodos sem manifestação de comportamentos anómalos, sendo variável o tempo decorrido entre eventos (os intervalos entre paragens variaram de 4 dias – cfr. os eventos de 16/11/2020 e 20/11/2020 [factos 10) e 18)] – até cerca de 5 meses – cfr. os eventos de 12/04/2021 e 13/09/2021 [factos 26) e 50]), o que significa não poder extrair-se da afirmação de ausência de anomalia em dado momento, a afirmação genérica de que o “veículo da Autora está em normais condições de utilização”.
Assim, em síntese, também quanto ao facto vertido em i) os meios probatórios invocados pela Recorrente não permitem concluir que haja sido erroneamente julgado não provado.

1.3. Do erro de julgamento quanto aos factos provados em 1) a 4), 78) e 80)

A Recorrente impugna os factos sobremencionados referindo que os mesmos “deveriam esclarecer adequadamente que a Autora verificou previamente outras opções, que não referiu expressamente a existência de pó no caminho de acesso a sua casa, que o veículo foi anunciado como “carro mais alto” que permitia uma adequada utilização em cidade e num caminho com buracos e que a funcionária da 1ª Ré não conhecia o local onde a Autora reside”.
Visto o teor dos aludidos pontos da matéria de facto e confrontando-os com o que a Recorrente sustenta, conforme acabado de transcrever, verifica-se que esta não se insurge verdadeiramente quanto a terem os mesmos sido julgados provados, pretendendo, isso sim, ver aditada matéria de facto.
Ora, em face das soluções jurídicas possíveis, revela-se absolutamente irrelevante saber se a Autora “verificou previamente outras opções”, pelo que, não constituindo quer facto constitutivo, modificativo ou extintivo, quer facto instrumental ou complementar, não deve esta asserção ser levada à matéria de facto (artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), a contrario, e 611.º, ambos do CPC), independentemente de ter sido referida pela Autora nas suas declarações de parte.

Ouvidas as declarações de parte da Autora e, bem assim, o depoimento da testemunha (…), interlocutora da Autora aquando do evento descrito nos factos 1) e 2), verifica-se a conformidade do alegado pela Recorrente com tal prova (na passagem 00:49:45 a Autora admitiu não ter, na altura, sequer pensado na questão do pó e não ter mostrado também o caminho à testemunha e esta, por sua vez, confirmou, na passagem 00:03:58, não ter sido abordado entre ambas esse concreto aspeto).
Pelo que procede a impugnação nesta parte, com aditamento do seguinte facto:
2-A) Na altura a Autora não referiu expressamente a existência de pó no caminho de acesso a sua casa, nem a funcionária da 1ª Ré conhecia tal caminho.

A Autora e a testemunha confirmaram, também, o mais invocado pela Recorrente (cfr. passagem 00:04:22 das declarações de parte da Autora e passagens 00:03:11, 00:03:28 e 00:03: 36 do depoimento da testemunha …), pelo que se altera o facto 2) nos seguintes termos:
2) Definido o perfil da aqui Autora, foi-lhe então aconselhado como adequado o “Opel Crossland Innovation 1.2 T 110”, enquanto veículo mais alto, adequado tanto à utilização em cidade, como para percorrer o caminho de terra batida e com buracos para chegar à sua residência.

Consequentemente, devem também ser alterados os factos 78) e 80), que passarão a ter a seguinte redação:
78) O veículo adquirido pela Autora não é vendido como apenas um citadino.
80) O veículo foi aconselhado à Autora pela 1ª Ré em face, também, da descrição que a Autora fez do local onde residia, como sendo um caminho de terra batida e com buracos.

1.4. Do erro de julgamento quanto ao facto provado 6)

A Recorrente defende igualmente não ter sido produzida prova que permitisse que fosse julgado provado o facto 6) (na verdade, referiu nas suas alegações e conclusões o facto 5), mas da simples leitura dos factos 5) e 6) extrai-se que apenas neste consta o segmento impugnado, qual seja que o veículo era fabricado e produzido pela 2ª Ré).
O tribunal a quo julgou tal facto provado com base “no acordo das partes”, mas, efetivamente, extrai-se da defesa da 2ª Ré não ter o mesmo merecido o seu acordo (cfr. artigos 5º, 8º, 9º e 96º da respetiva contestação), pelo que, atento o disposto no artigo 574.º, n.º 2, 2ª parte, do CPC e na ausência de outro meio probatório que sustente este facto, deverá o mesmo passar a não provado, nos seguintes termos:
j) O automóvel adquirido pela Autora é fabricado e produzido pela 2ª Ré.

1.5. Do erro de julgamento quanto ao facto provado 17)

Constata-se, efetivamente, ter o tribunal a quo incorrido em confusão no que a este facto diz respeito.
Trata-se, como do mesmo consta, da realização de um diagnóstico de avarias, com indicação, pelo equipamento, da necessidade de substituição da bomba de injeção de combustível e de substituição do módulo da bomba de combustível do depósito.
Ora, tal facto foi alegado no artigo 25º da contestação da 1ª Ré (e não, como indicado pelo tribunal a quo, no facto 24º da mesma peça processual). Sendo que o artigo 25º da contestação da 1ª Ré reporta-se à paragem do veículo em 20/11/2020, conforme ressalta da remissão para os “pontos 24 a 30 da P.I.”.
Como tal, não obstante o facto se mostre efetivamente provado, desde logo porque alegado por ambas as Rés, conforme artigos 25º e 102º das respetivas contestações, e demonstrado pelo documento n.º 10 junta à petição inicial (cfr. fls. 35), o certo é que a sua inserção após o facto 16) não está correta, por aí se tratar de evento ocorrido anteriormente.
Sem embargo, o facto correto foi feito constar pelo tribunal a quo no ponto 23 da matéria de facto.
Os pontos 17) e 23) da matéria de facto são, portanto, uma duplicação do mesmo facto, pelo que importa apenas determinar a eliminação do facto 17).

Aproveita-se o ensejo para, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, corrigir um lapso de escrita nos factos 15) e 16), passando a constar dos mesmos, respetivamente, “16.11.2020” e “17 de novembro de 2020” (conforme doc. 9, junto a fls. 3, que sustenta estes factos, tal como enunciado pelo tribunal a quo – cfr. facto 15), ao invés de ”16.10.2020” e “17 de novembro de 2021”.

Como tal, determina-se que:
i. o facto 15) passe a ter a seguinte redação (sem referência ao documento, que não constitui um facto, mas sim um meio de prova):
15) A propósito dessa avaria de 16.11.2020, só a 5 de julho de 2021 é que a Autora teve acesso ao registo de intervenção à viatura, no qual é referido que nenhuma avaria foi diagnosticada.

ii. o facto 16) passe a ter a seguinte redação:
16) Em 17 de novembro de 2020 foram feitos os testes de diagnóstico preconizados pela marca Opel e foi feito teste de estrada sem se verificar qualquer avaria.

iii. o facto 17) seja eliminado.

Uma última nota a respeito, para dizer que o facto alegado pela Recorrente no artigo 23º da sua contestação (de que o artigo 24º é mera clarificação) já se mostra vertido no ponto 16) da matéria de facto provada, não podendo, pois, proceder a impugnação, nesta parte.

1.6. Do erro de julgamento quanto aos factos provados sob 90), 92) e 95)

A Recorrente insurge-se contra a utilização da expressão “avaria” nestes pontos da matéria de facto.
Argumenta que na sequência dos eventos ali descritos, ocorridos em 25/03/2022, 14/04/2023 e 24/06/2024, não foi verificada qualquer avaria nem foi feita qualquer reparação ou intervenção no veículo.
Ora, como é bom de ver, o facto de a 1ª Ré não ter verificado a avaria ou não ter procedido a qualquer reparação ou intervenção no veículo não significa necessariamente que este não haja avariado. Acresce que o descrito no facto 91) (“entregou após realizar reparações”) e na segunda parte do facto 92) («confirmou-se a avaria, sendo assinalado nas observações da Guia de Reboque – “mensagem não ligar motor”») dá conta de que, pelo menos em 25 de março de 2022 e 14 de abril de 2023, de avarias efetivamente se tratou.
Concede-se, porém, que o termo “avaria” no ponto 95) encerra um juízo valorativo que, na ausência de descrição fáctica que permita concluir ter-se tratado de uma anomalia do veículo, poderá levar a conclusões sem respaldo nos acontecimentos verificados/provados, devendo, por isso, tal expressão ser substituída nos seguintes termos:
95) O veículo da Autora voltou a parar quando circulava no dia 24 de junho de 2024, após a inspeção feita pelo Tribunal, tendo sido transportado para as instalações da 1ª Ré em Faro no dia seguinte e, no dia 26 de junho de 2024, a 1ª Ré informou a Autora de que não tinha sido detetada qualquer avaria na viatura e que a mesma estava a funcionar e sem qualquer anomalia.

1.7. Do erro de julgamento quanto ao facto provado sob 96)

A Recorrente pretende que se julgue não provado o facto 96), cujo teor é:
“Desconhece-se a causa das avarias da viatura da Autora”.
Para o que invoca, novamente, o relatório pericial quando ali se refere:
- que na data da perícia a viatura não apresentava indicação de anomalia, incluindo após realização de teste de estrada;
- o facto de em março de 2022 ter sido feita uma intervenção no motor e no sistema de recuperação de vapores de combustível;
- a constatação, pelos senhores peritos, de pó na parte inferior do veículo;
- que a colmatação do filtro canister será muito difícil, uma vez que o filtro suplementar vai reter todo o pó fino e que a não respiração através do filtro canister por colmatação pode provocar avarias como a falta de pressão de combustível e consequente perda de potência do motor.
Ora, muito embora do relatório pericial constem as afirmações acabadas de enunciar (acrescendo a menção, no esclarecimento adicional de fls. 404, de que “não foi observada evidência de que o filtro adicional esteja a limitar o correto funcionamento do sistema no qual se encontra montado”), os senhores peritos foram perentórios na afirmação de que não foram apresentados dados nem resultados que permitam chegar a uma conclusão acerca da origem das anomalias verificadas na viatura. Dito de outro modo, os senhores peritos, cientes da problemática do pó na viatura, da intervenção no motor em 2022 e consequente possibilidade de o filtro adicional poder vir a provocar avarias, ainda assim, não lograram identificar a/s específica(s) causa(s) das sucessivas paragens súbitas do veículo. E o certo é que não se descortina qualquer vício de raciocínio no que foi expendido pelos senhores peritos, pelo que não pode concluir-se, como o fez a Recorrente, de que as anomalias verificadas no veículo resultam da colmatação que, por sua vez, teria origem na utilização dada ao veículo e à falta de manutenção e limpeza.
Termos em que improcede a impugnação também quanto a este ponto.
*
Nas conclusões 23 e 24 do recurso a Recorrente invoca “não compreender” determinadas alegações da Autora, concretamente as que deram azo aos factos provados enunciados sob 92) a 95) (este último, pese embora não referido expressamente pela Recorrente, é o que se reporta ao evento de 24/06/2024, referido pela Recorrente na conclusão n.º 24.). Fá-lo, porém, sem que desta invocação extraia qualquer ilação, já que se limita a dizer que a factualidade “consta (erradamente) nos factos provados”, o que, face à prolixidade da alegação, impede que se compreenda se, no entender da Recorrente, não deviam tais factos ter sido sequer levados à matéria de facto ou se pretendia que fossem julgados não provados (o que, desde logo se afigura peculiar, na medida em que o depoimento que a Recorrente invoca a respeito do facto 95) – depoimento da testemunha (…) – confirma o que consta deste facto, ou seja, que o veículo foi transportado para as instalações da 1ª Ré em Faro, mas que, quando foi feito o diagnóstico [e um posterior teste de estrada], não foi detetada qualquer avaria – cfr. passagens 00:03:49, 00:04:19, 00:07:27 do depoimento desta testemunha). Não observou a Recorrente, como tal, o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pelo que importa rejeitar a impugnação que, porventura, pretendeu fazer neste segmento.

2. Matéria de facto estabilizada

Atenta a parcial procedência do recurso sobre a matéria de facto, a factualidade assente e não provada passa a ser a seguinte (mostrando-se destacados, para melhor perceção, os factos que resultaram da procedência da impugnação):

2.1 Factos provados
1) A Autora (…), pretendendo comprar um novo automóvel para o seu quotidiano e uso particular, dirigiu-se ao Stand da Ré comerciais da 1ª Ré, em ordem ao apregoado aconselhamento, escrutinaram a capacidade, circunstâncias, necessidades e expectativas da Autora, designadamente, e além do modelo de negócio pretendido (veículo usado, novo, com ou sem financiamento, renting, etc.), estilo de vida e de condução, tipo de veículo desejado, local/características da sua residência/zona e percursos habituais, quilometragem média anual, número do agregado familiar, expectativas de consumo e de desempenho, orçamento disponível e extras pretendidos.
2) Definido o perfil da aqui Autora, foi-lhe então aconselhado como adequado o “Opel Crossland Innovation 1.2 T 110”, enquanto veículo mais alto, adequado tanto à utilização em cidade, como para percorrer o caminho de terra batida e com buracos para chegar à sua residência.
2-A) Na altura a Autora não referiu expressamente a existência de pó no caminho de acesso a sua casa, nem a funcionária da 1ª Ré conhecia tal caminho.
3) A Autora seguiu o aconselhamento e adquiriu o novo Opel Crossland Innovation 1.2T 110.
4) Todo o serviço de aconselhamento, modus operandi, descrição do veículo, pacotes de garantia, lemas e credibilidades das Rés, são publicitadas nas suas páginas oficiais na internet, conforme fls. 15 a 24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 16 de julho de 2019, a Autora adquiriu no concessionário da 1ª Ré (...) – Comércio de Automóveis, SA (em Faro), o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca “Opel”, modelo “Crossland Innovation 1.2T 110”, com chassis (…), de matrícula n.º (…), no estado de novo, pelo preço de € 23.482,70 (vinte e três mil e quatrocentos e oitenta e dois euros e setenta cêntimos), conforme docs. 5 e 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6) ------
7) Acessoriamente, a Autora subscreveu, também junto da 1ª Ré, com a Opel Portugal, Lda., o pacote “Opel Flexcare – Extensão da garantia”, o qual prolongou a garantia, para além do período legal, e por mais 3 anos (num total de 5 anos), o qual incluía, durante esse período, serviço de assistência em viagem da Marca (prevendo “carro de substituição, se necessário”), sendo que ‘’A Extensão de Garantia Opel Flexcare não inclui o pagamento ou a indemnização por quaisquer outros eventuais custos ou perdas adicionais, como sejam por exemplo as despesas decorrentes (…) de veículo de substituição (…) quando a avaria, após exame do Concessionário/Reparador Autorizado não seja considerada elegível ao abrigo da Extensão de Garantia Opel Flexcare (…)’’, tal como resulta do doc. 7 da petição inicial e doc. 2 junto com a contestação da 1ª Ré, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8) Dos termos e condições da garantia comercial adquirida pela Autora, resulta que:
‘’10. Situações de exclusão da Extensão de Garantia Opel FlexCare
Não serão aceites reclamações ao abrigo da Extensão de garantia nos seguintes casos e circunstâncias:
(…)
b. Nos casos de (…) utilização abusiva ou inapropriada do veículo (…)
k. em caso de avaria ou danos em peças (tenham ou não garantia) causados por (…) acumulação de impurezas, lama ou sedimentos ou outros resíduos que impeçam as peças de funcionar convenientemente.
11. Situações de exclusão da Extensão de Garantia Opel FlexCare conforme origem da avaria:
Esta garantia também não se aplica se a avaria tiver origem numa das seguintes circunstâncias:
(…)
b. o veículo tiver sido tratado incorreta ou desadequadamente ou tiver sido forçado;
(…)
d. influências mecânicas ou químicas externas tiverem afetado o automóvel (…)”.
9) Em 21 de Julho de 2020 o veiculo da Autora esteve na oficina da 1ª Ré para uma revisão e tinha percorrido 19.117 km e o funcionário da oficina da 1ª Ré fez constar nas notas da mencionada folha de controlo “viatura c/pó”, tal como resulta do doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10) No dia 16 de novembro de 2020, e durante a condução, a Autora sentiu uma abrupta falha e perda de potência, iniciando a viatura uma imediata desaceleração, acendendo acessoriamente, no painel de instrumentos, luz de avaria no motor.
11) Não podendo acelerar, ou manter a velocidade, foi a Autora obrigada a encostar à berma.
12) Desamparada, a Autora contactou a assistência “ACP” (e não da marca Opel), sendo em consequência, assistida por técnico de reboque, conforme email e anexo da “ACP”, tal como resulta do doc. 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13) No dia 17 de novembro de 2020 o veiculo da Autora deu entrada na oficina da Ré e na Guia de Transporte utilizada pela empresa de reboques consta em “Observações”: “Inspeção viatura muito suja de pó”, tal como resulta do doc. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14) Desta avaria de 16 de novembro de 2020, a Autora recebeu:
a) Da “ACP” recebeu email e anexo a identificar uma avaria (relacionada com a pressão da régua do sistema de combustível),
b) Da 1ª Ré, a Autora recebeu um telefonema, a informá-la de que a viatura estaria pronta a ser levantada no dia 18.11.2020.
15) A propósito dessa avaria de 16.11.2020, só a 5 de julho de 2021 é que a Autora teve acesso ao registo de intervenção à viatura, no qual é referido que nenhuma avaria foi diagnosticada.
16) Em 17 de novembro de 2020, foram feitos os testes de diagnóstico preconizados pela marca Opel e feito teste de estrada sem se verificar qualquer avaria (artigo 23º da contestação da 1ª Ré).
17) -----
18) Em 20 de novembro de 2020, 2 dias após sair da oficina da 1ª Ré, voltou a viatura a avariar através de nova abrupta perda de potência, impossibilidade de aceleração, e acendimento da luz vermelha de avaria do motor, foi novamente a Autora obrigada, a arriscada manobra de paragem na berma.
19) Contactada a assistência, regressou a viatura à oficina da 1ª Ré.
20) Em novo telefonema da 1ª Ré, foi a Autora a informada, de que foi diagnosticado um qualquer problema com a viatura.
21) Desta avaria de 20 de novembro de 2020, só em 05.07.2021 a Autora obteve, por solicitado, o registo de intervenção, que igualmente consta, com data de elaboração daquele dia (05.07.2021), tal como resulta do doc. 10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22) Os custos da reparação não foram apresentados à Autora e a viatura permaneceu por 5 dias na oficina da 1ª Ré, sendo entregue à Autora, após reparação, no dia 24 de novembro 2020.
23) A 1ª Ré efetuou o diagnóstico de avarias, tendo o equipamento indicado a necessidade de substituição da bomba de injeção de combustível e a substituição do módulo da bomba de combustível do depósito, tendo procedido à substituição dessas peças no âmbito da garantia do veículo, tal como resulta do doc. 10 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
24) A Autora esteve sem veículo de substituição, apesar de o ter solicitado, entre 16 e 18 de novembro de 2020 e entre 20 e 23 de novembro de 2020.
25) Entre 24 e 27 de novembro de 2020, foi facultado gratuitamente à Autora veículo de substituição pela Peugeot Portugal através da Free 2 Move Rent.
26) Em 12 de Abril de 2021, enquanto a Autora conduzia a viatura, sentiu nova abrupta perda de potência, falha de aceleração, seguido de paragem e luz de avaria do motor.
27) Novamente parada, a Autora contactou a assistência em viagem Opel, sendo a viatura rebocada para a oficina da 1ª Ré, em Portimão.
28) A viatura da Autora apresentou-se na oficina da 1ª Ré com vestígios de pó, tendo ficado a constar na Guia de Transporte utilizada pela empresa de reboques “Trabalha mas aparece mensagem de avaria no painel”, tal como resulta do doc. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29) Toda a viatura se encontrava coberta do mesmo pó fino – como aliás já havia sido verificado nas anteriores visitas do veículo à oficina.
30) No dia seguinte (13.04.2021), e após diagnóstico, a 1ª Ré enviou email à Autora, contendo o link “https://eu.citnow.com/vtblTDTb6F8”, tal como resulta do doc. 11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
31) Carregando em tal link, a Autora acedeu a vídeo realizado na oficina, em que é apontado o “pó” como causa da avaria, que se introduziu, através da válvula canister colocada na “parte de baixo” do automóvel, em circuitos internos e sensíveis da viatura.
32) No referido vídeo, a 1ª Ré refere que ‘’verificamos que a válvula canister está completamente cheia de pó, terra (…) completamente cheia de pó no seu interior, o qual não deixa o seu depósito respirar (…) a viatura se encontra cheia de pó (…) vai ter que substituir a válvula canister, verificar o depósito e, provavelmente, depois de substituir, se continuar a dar entradas de pó, com muito bastante pó, irá voltar a acontecer o mesmo. Isto não é um defeito de produto, defeito de fabrico mas, sim, provocado pelo pó onde a viatura anda”.
33) Preocupada, a Autora telefonou para a oficina da 1ª Ré, em Portimão, questionando a razão de entrada de pó em circuitos supostamente estanques, visto que os automóveis circulam em estradas, caminhos e acessos, onde consabidamente existe “pó”.
34) Questionou assim a Autora, atendendo que qualquer válvula sempre goza da genérica função de “valvular”, ou seja, permitir o fluxo de “algo” num sentido, restringindo o fluxo em sentido contrário, a estranheza da colocação de uma válvula que suga de fora para dentro, na parte de baixo, rente ao chão), precisamente em local, mais sujeito ao pó, chuvas, gelos, etc..
35) Contudo, evitando explicações, e mantendo o “pó” como causa da avaria, avançou a 1ª Ré que tais causas se devem a uso inadequado e, nessas circunstâncias, a reparação não seria coberta pela garantia, cabendo à Autora, suportar os custos da reparação.
36) A 1ª Ré enviou email à Autora em que avançou sem explicações, para a apresentação de dois orçamentos de reparação a assumir pela aqui Autora, tal como resulta dos docs. 12, 13 e 14, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
37) Ainda nesse email informou também a 1ª Ré a Autora que a viatura que lhe havia sido cedida no dia anterior (a 12.04.2021), teria de ser devolvida, pois que a avaria não se encontra coberta pela garantia.
38) Em concreto, a reparação inicial e necessária, contemplada substituição da válvula “Canister”, verificação do depósito de combustível, consubstanciando-se nos serviços e peças seguintes:
Mão de obra – substituição da válvula “Canister“ ------- € 19,51
Mão de obra – tempo diagnóstico --------------------------- € 48,78
Mão de obra – verificação depósito combustível --------- € 63,41
Mão de obra – limpeza de componentes ------------------- € 48,78
Mão de obra – verificação após serviços -------------------- € 12,20
Peças – válvula “Canister” -------------------------------------- € 29,92
IVA 23% sobre toda a soma ------------------------------------ € 51,20
Total: € 273,80.
39) Já a reparação complementar, apenas a executar eventualmente, no caso, de se verificar durante a primeira reparação, maiores danos, e necessidade de mais intervenção, consubstanciava-se, nos seguintes serviços e material:
Mão de obra – Tempo diagnóstico ---------------------------- € 48,78
Mão de obra – Verificação depósito combustível ---------- € 63,41
Mão de obra – Limpeza de componentes -------------------- € 48,78
Mão de obra – Verificação após serviços ---------------------€ 12.30
Peças – Válvula “Canister” -------------------------------------- € 29,92
Peças – Depósito Combustível -------------------------------- € 587,43
Peças – Casquilho ------------------------------------------------- € 5,40
Peças – Junta Depósito Combustível --------------------------- € 4,32
Peças – Tubo ------------------------------------------------------ € 81,86
Peças – Tubo Enchimento --------------------------------------- € 32,05
Peças – Abraçadeira ---------------------------------------------- € 26,70
IVA 23% sobre toda a soma ----------------------------------- € 216,40
Total: € 1.157,25.
40) Confrontada com tais orçamentos, a Autora aceitou o custo da reparação mais baixo de € 273,80, conforme email que enviou à 1ª Ré, tal como resulta do doc. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
41) A 1ª Ré enviou à Autora uma comunicação interna entre as Rés da qual consta “Exmos. Senhores,
Conforme solicitado pelo nosso comum cliente informo que a viatura Opel Crossland de matricula (…) deu entrada nas nossas oficinas com luz do motor acesa, apos diagnostico foi verificado anomalia na válvula canister, sendo necessário substituir a mesma e limpar o circuito de combustível. Apos autorização do serviço, o material foi encomendado, não tendo ainda data prevista de chegada. Assim informo que a viatura se encontra imobilizada nas nossas oficinas aguardar peça”, tal como resulta do doc. 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
42) Dias depois a 1ª Ré informou a Autora de que os custos das reparações já não seriam aqueles de € 273,80 para a reparação inicial e € 1.157,25 para a reparação complementar, pois houve alteração de preço da válvula “canister” e que a “peça” apenas chegaria à oficina no dia 29 de abril 2021, devendo a Autora, tal como resulta dos docs. 17 e 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
43) A Autora, em 28.04.2021, por escrito, por via eletrónica e por carta registada c/aviso de receção, interpelou a 1ª Ré, para, sem custos, reparar integral a viatura, ceder-lhe, durante o restante período de reparação, um veículo de substituição, e a compensasse pelas despesas, que até então, sofreu pelo recurso a transporte alternativo, tal como resulta dos docs. 19 e 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
44) A 1ª Ré respondeu com convite para reunião nas suas instalações, a que Autora anuiu, e que veio a ocorrer a 5 de maio de 2021, da qual resultou que ”a posição da Marca continua a ser a mesma, ou seja, que a avaria da válvula em causa não se deve a um defeito do produto e/ou montagem mas sim devido ao tipo de utilização a que a viatura é sujeita, nomeadamente num ambiente com bastante pó”, mas que a 1ª Ré assumiria a reparação da viatura, “com a substituição da válvula avariada e dos seus componentes”, sem custos para a Autora, “apenas como um ato de gestão comercial e não através da assunção de qualquer responsabilidade” e que não se responsabilizava por quaisquer despesas da Autora e sugeria que passasse a lavar a parte de baixo da viatura, e passasse a revisões de 6 em 6 meses, em vez da comum, tal como resulta do doc. 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
45) Essa foi a posição que 1ª Ré manteve, apesar de a Autora, expressamente se ter oposto a parciais reparações, que não garantissem a reposição da viatura no estado e padrões qualidade e segurança legalmente exigidos, tal como resulta do doc. 22, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
46) A 1ª Ré procedeu, na sequência da avaria de 12 de abril de 2021, à substituição da válvula canister por uma nova.
47) Em 2 de Junho de 2021, a 1ª Ré, após realizar a reparação, devolveu a viatura à Autora, conforme de registo de intervenção, tal como resulta do doc. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
48) A Opel Portugal comunicou à 1ª Ré que a Autora não teria direito a veiculo de substituição por não se tratar de reparação em garantia, facto também comunicado à Autora.
49) A 1º Ré nunca cedeu viatura de substituição à Autora, apenas a 2ª Ré.
50) No dia 13 de setembro de 2021, enquanto a Autora a conduzia a viatura, voltou a perder abruptamente a potência, não podendo acelerar e manter a velocidade, acendendo, imediatamente, no painel de instrumentos, luz vermelha de avaria do motor.
51) A Autora encostou à berma.
52) A Autora voltou a contactar a assistência Opel, e uma vez mais, foi a viatura rebocada para a oficina da 1ª Ré.
53) Na oficina da 1ª Ré, foi diagnosticado o mesmo problema de pó no interior das tubagens e circuitos, conforme registo de intervenção e nota de ordem de reparação, tal como resulta dos docs. 24 e 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
54) No email enviado à Autora no dia 17 de setembro de 2021, diz o sr. (…), colaborador da 1ª Ré, conforme ora transcreve integralmente, que:
“Bom dia, Sra. ,
Peço desculpa por não ter dito nada mais cedo.
Venho por este meio informar que a sua viatura se encontra na nossa oficina num diagnóstico complexo de avarias no qual já pedimos apoio à Opel para nos ajudar nesta situação.
Neste momento não tenho mais nenhuma informação para lhe transmitir.
Cumprimentos,
(…)
Recepcionista da oficina”, tal como resulta de doc. 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
55) No registo de intervenção e diagnóstico entregue à Autora no momento da devolução da viatura, diz que:
“(….)
Constatou-se que a válvula canister se encontra completamente suja com fino tanto no seu interior como no respirador da peça.

Conforme esclarecido em anterior intervenção (ordem de serviço …, de 12-04-2021), válvula em questão localiza-se por baixo do veículo, sendo que a razão para a avaria se prende com a presença em excesso do referido fino, que se acumulou no interior da válvula e provoca obstrução do sistema.
(….)
Realizado check-up, a oferta de desinfecção à viatura e teste de experiência de estrada, sendo que após a realização de controlos finais, a viatura foi entregue ao cliente sem se constatarem quaisquer anomalias adicionais”, tal como resulta de docs. 24 e 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
56) Após 11 dias, em que a 1ª Ré referiu que apenas verificou, desinfectou e testou, veio a 23 de setembro de 2021, devolver a viatura à Autora.
57) Em 10 de Janeiro de 2022, ao fim da manhã, enquanto a Autora regressava a casa, conduzindo a viatura na EN 125, sentido Portimão-Lagos, após passar a zona da Penina, sentiu abrupta perda de potência, vendo-se impossibilita de acelerar e manter a velocidade, acendendo imediatamente, no painel de instrumentos, luz de avaria de motor.
58) Não podendo continuar a condução, viu-se a Autora obrigada a encostar à berma, e contactar a assistência em viagem, que, em consequência, efetuou reboque da viatura para a oficina da 1ª Ré.
59) Horas depois, a Autora recebeu email da 1ª Ré, solicitando autorização para diagnóstico, tal como resulta dos docs. 27 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
60) A Autora autorizou o diagnóstico e solicitou veículo de substituição, durante o período, em que iria ser privada do seu único transporte.
61) Em resposta a 1ª Ré informou a Autora:
“(…) que relativamente a viatura de substituição, a mesma não se encontra abrangida pelo seu contrato de extensão de garantia.
O diagnóstico de avarias foi efectuado e foram encomendadas as peças necessárias para a reparação, este serviço encontra-se abrangido pela garantia, não terá custos para si.
Caso pretenda temos ao dispor um serviço de mobilidade a partir de € 22,00/dia (iva incluído)”, através de email enviado pela digna Funcionária (…), tal como resulta do doc. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
62) Em 13 de janeiro de 2022, a 1ª Ré informou a Autora (“conforme solicitado informo”) sobre o resultado do diagnóstico à viatura, designadamente, avaria no sensor de pressão do tubo de distribuição de combustível, que será substituído, aguardando-se a chegada do material, que se prevê chegar no dia 14.01.2022, tal como resulta do doc. 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
63) Sem custos e sem explicações, foi no dia 14.01.2022, conforme previu a 1ª Ré devolvida a viatura à Autora, sem qualquer veículo de substituição, sendo à Autora entregue o registo descritivo de intervenções constante do doc. 31, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
64) Em 25 janeiro de 2022, a viatura deu novo sinal de avaria, desta feita quando a Autora estava a regressar a sua casa, em que, “pura e simplesmente se desligou” durante a condução.
65) Impossibilitada de reiniciar a viatura, contactou a assistência em viagem, ficando a aguardar a chegada do técnico.
66) Enquanto aguardava, a Autora, irritada e desgastada com todo o transtorno que a viatura lhe tem causado, enviou email à 1ª Ré, dando-lhe conta desta nova avaria, nomeadamente, das várias luzes que apareciam no painel de instrumentos, conforme email e anexos, tal como resulta do doc. 32, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
67) Entretanto, com a chegada do técnico de reboque, aquele técnico, após dar à chave, constatou que a viatura fez um “reset” e voltou a trabalhar, explicando à Autora, que através da paragem a viatura fez uma “auto-regeneração”, mas que tal procedimento indicia eminente avaria.
68) Em todo o caso, como a viatura, quando da chegada do técnico de reboque, ao dar à chave, funcionou, aquele não efetuou o reboque, recomendando, ainda assim, deslocação à oficina.
69) Contudo, na decorrência da avaria, a Autora recebeu mensagem telefónica da assistência em viagem, informando-a de que se deveria deslocar “a um reparador autorizado o mais breve possível”, tal como resulta do doc. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
70) A Autora não se deslocou à oficina da 1ª Ré.
71) Em 27 de janeiro de 2022, voltou a viatura a avariar, perdendo, durante a condução em estrada, abruptamente a potência, e desligando-se, acendendo imediatamente, a luz vermelha, de avaria no motor.
72) Contactada a assistência em viagem, foi a viatura rebocada para oficina da 1ª Ré.
73) Apesar de, por diversas vezes a Autora ter solicitado veículo de substituição, durante o período de mais de um mês, em que a viatura esteve a ser reparada, a 1ª Ré sempre, através da sua funcionária (…), lho recusou, conforme troca de correspondência eletrónica, tal como resulta do doc. 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
74) Em 11 de março de 2022, a 1ª Ré devolveu a viatura à Autora, tal como resulta dos docs. 35 e 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
75) A 1ª Ré concluiu, após os necessários diagnósticos que o veiculo apresentava uma anomalia diferente das anteriormente referidas e necessidade de atualização e reprogramação de software do motor, com necessidade de substituição da unidade de controlo do motor e régua de combustível e sensor, intervenção feita no âmbito da extensão de garantia e por indicação da Opel Portugal.
76) A Autora reside em Portimão.
77) A Autora durante os 7 anos em que reside naquela local antes de adquirir o veículo dos autos nunca teve qualquer problema com o seu anterior automóvel, designadamente, o BMW 3 convertible (cabrio) de 2004.
78) O veículo adquirido pela Autora não é vendido como apenas um citadino.
79) A Autora, por pelo menos 7 vezes, ficou sozinha e desamparada no meio da estrada, impedida de cumprir com as suas vontades, necessidades, expectativas, compromissos e urgências.
80) O veículo foi aconselhado à Autora pela 1ª Ré em face, também, da descrição que a Autora fez do local onde residia, como sendo um caminho de terra batida e com buracos.
81) A Autora gastou € 93,48 em despesas com aluguer de veículos em “rent-a-car” entre 28 de janeiro de 2021 e 1 de fevereiro de 2022, na sequência da avaria da sua viatura.
82) O veículo referido em 1) era o único meio de transporte da Autora.
83) Foram muitas as noites mal dormidas, penitenciando-se pela confiança que depositou nas Rés e ter adjudicado o seu orçamento disponível para aquisição daquela viatura.
84) Sentindo-se profundamente defraudada e chateada com as acusações de mau uso dirigidas pela 1ª Ré, dado que sempre cuidou de dar um uso adequado àquela viatura, seu único meio de transporte.
85) A Autora, por conta das diversas avarias da viatura, viu-se constrangida e limitada nas suas deslocações quando não tinha nem a sua viatura nem viatura de substituição.
86) Em maio de 2021, o pai da Autora, que se encontrava em França, faleceu e a Autora deslocou-se a esse país ao funeral num Renault Grand Senic de 7 lugares alugado pelo seu marido, em virtude de terem de transportar na viagem os seus cães de grande porte.
87) A 1ª Ré, na sequência de indicação da representante da marca em Portugal, efetuou a substituição da válvula canister sem qualquer custo para a Autora.
88) A Autora nunca reportou nenhuma das avarias à 2ª Ré.
89) A válvula canister em questão foi substituída e voltou a nova peça a ser encontrada novamente com pó fino em setembro de 2021.
90) Em 25 de março de 2022, o veículo da Autora voltou a avariar e foi levado à oficina da 1ª Ré.
91) A Autora esteve privada do seu veiculo entre 25 de março de 2022 e 31 de agosto de 2022, data em que a 1ª Ré o entregou após realizar reparações.
92) O veículo da Autora voltou a avariar no dia 14 de abril de 2023 ficando a Autora novamente parada, após se ver obrigada a paragem/manobra de emergência de encostar à berma gerindo a velocidade, tendo chamado a assistência em viagem, esperado pelo reboque, confirmando-se a avaria, sendo assinalado nas observações da Guia de Reboque – “mensagem não ligar motor”, conforme comprovativo da empresa (…) Reboques, bem como que a viatura tinha 43.223 km, tal como resulta de fls. 255, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
93) A Autora não solicitou a intervenção da 1º Ré na sequência da avaria de 14 de abril de 2023, tendo o veículo sido transportado para sua casa, tendo aguardado pela realização da perícia dos autos, não querendo deixar o veículo nas instalações da 1ª Ré, a qual se realizou em 30 de junho de 2023, apresentado o veículo da Autora 43.223 km.
94) A Autora não usou o veículo entre o dia 14 de abril de 2023 até à realização da perícia em 30 de junho de 2023, o qual se encontrava na sua residência.
95) O veículo da Autora voltou a parar quando circulava no dia 24 de junho de 2024, após a inspeção feita pelo Tribunal, tendo sido transportado para as instalações da 1ª Ré em Faro no dia seguinte e, no dia 26 de junho de 2024, a 1ª Ré informou a Autora de que não tinha sido detetada qualquer avaria na viatura e que a mesma estava a funcionar e sem qualquer anomalia.
96) Desconhece-se a causa das avarias da viatura da Autora.
97) Da perícia colegial realizada nos autos resultou que:
i. o veículo apresentava-se em geral cuidado, sem sinais de utilização desadequada e sem danos à vista, estando os resguardos inferiores, os amortecedores e todos os elementos da parte inferior da carroçaria, em bom estado, evidenciando estar parado há algum tempo pela oxidação nos discos dos travões e pelas teias de aranha nos elementos de ligação do solo, apresentando na sua parte inferior considerável acumulação de pó fino tipo giz, bem como nos eixos, suspensão, elementos de travagem e suas zonas contíguas, não tendo qualquer indicação luminosa de anomalia, nem após diagnóstico, sendo que o sistema “canister”, o filtro, a válvula e as tubagens de ligação não apresentam qualquer dano, havendo um filtro adicional no sistema (que terá sido adicionado numa das reparações feitas na 1ª Ré por causa da acumulação de pó da viatura);
ii. Tal filtro adicional tinha pó exteriormente, estando interiormente limpo;
iii. Está em causa um veículo de utilização em estrada e citadina;
iv. O filtro de carvão ativo e o respetivo filtro acoplado estão localizados na parte inferior da viatura, no eixo traseiro, junto ao depósito. Estão expostos à sujidade, humidade e detritos, que são levantados, durante a condução, pela circulação da viatura. Esta localização é comum em diversos veículos Opel, como o Opel Corsa e o Opel Mokka, que apresentam a mesma zona de montagem, junto do eixo traseiro com o mesmo tipo de exposição. A utilização nos caminhos algarvios não obedece a qualquer especificação ou tratamento especial ao que apuramos junto da marca em causa e as demais conhecidas pelos peritos.
v. Não foi detetada desconformidade da viatura com as normas do fabricante em relação à válvula canister, tendo a mesmo funcionado de forma correta e colocada no local correto, não tendo sido possível chegar a uma conclusão cerca da origem das paragens da viatura, sendo que o filtro adicional torna muito difícil a colmatação do filtro canister, não se tendo registado qualquer anomalia no teste de estrada efetuado, tal como resulta de fls. 354 a 368 e 404, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
98) O modelo do veículo é o Crossland da marca Opel, pode circular nas mesmas condições que qualquer outro veículo de passageiros do segmento "B", de turismo, uma vez que dispõe de suspensão e pneus homologados para utilização estrada e citadina.
99) A Autora esteve privada do uso da viatura, por estar em reparação nas oficinas da 1ª Ré na sequência de avaria, sem viatura de substituição, entre os dias:
i. 16.11.2020 a 18.11.2020;
ii. 20.11.2020 a 23.11.2020;
iii. 12.04.2021 a 02.06.202;
iv. 13.09.2021 a 24.09.2021;
v. 10.01.2022 a 14.01.2022;
vi. 27.1.2022 a 11.03.2022.
100) A presente ação foi intentada em 18 de março de 2022.

2.2. Factos não provados:
a) Poucos meses depois, veio o Covid e os confinamentos, pelo que a Autora, durante o período que mediou entre a aquisição e a primeira avaria, em novembro de 2020, utilizou a viatura residualmente.
b) Sendo a avaria detetada resultante do facto de a mencionada válvula canister se encontrar cheia de pó fino no seu interior, situação por um lado incomum e por outro lado evidenciando uma utilização intensa em ambientes com muito pó e sem a devida manutenção e limpeza.
c) A Autora não o fez, por reconhecer qualquer sua culpa a avaria, mas antes, face ao valor “relativamente” baixo (€ 273,80), acreditando tratar-se de avaria isolada e fortuita, prescindia a envolver-se em debates com as gigantes Rés sobre carros e engenharia automóvel, evitar maiores custos, e não dificultar a reparação do seu único meio de transporte.
d) Ultrapassagens que a Autora, desde de que, a perda abrupta de potência se tornou circunstância previsível, decidiu, responsavelmente abdicar, por absoluto receio que lhe falte a potência a meio (durante) a manobra, e possa colocar, pessoas e bens em perigo.
e) A Autora é uma experiente condutora, que nunca, sequer, foi autuada por qualquer infração rodoviária, ou interveniente em qualquer acidente de viação.
f) Impedida de “arrancar” imediatamente para França( por conta da imobilização da viatura na oficina da 1ª Ré), como era sua vontade, para apoiar e dar conforto à sua mãe, assistindo-a na preparação do funeral do seu pai, viu-se a Autora, pelo contrário, obrigada a mais uma vez, esperar, encontrar viatura para alugar, antecipar pagamento, suportar seguros, ter especiais cuidados com um veiculo de rent-car, importando mais arrelias, trabalhos e incómodos, que naquele momento, causaram acrescida revolta e sofrimento.
g) Durante aquele período, em que as Rés se recusam em assumir as suas responsabilidades, a Autora, especialmente frágil, viu-se indisponível mentalmente para se dirigir ao luto pela morte do seu pai, à reflexão, à recordação, à serenidade e ao apoio a familiares.
h) A avaria da viatura é devida a fatores externos ao mesmo, que são impulsionados pelo uso que a Autora dá à viatura.
i) O veiculo da Autora está em normais condições de utilização.
j) O automóvel adquirido pela Autora é fabricado e produzido pela 2ª Ré.
*
3. Fundamentos de Direito
A Recorrente defende que “não se está perante uma desconformidade ou anomalia suscetível de enquadramento” no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, porquanto à data da venda o veículo se encontrava em normais e adequadas condições de funcionamento de utilização e as avarias depois verificadas foram determinadas pela grande quantidade de sujidade e pó fino.
Vejamos se assim é.
À situação dos autos aplica-se – como adequadamente entendeu o tribunal a quo, não sendo também posto em causa pela Recorrente – o diploma atinente à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril). Não só por a aquisição do automóvel pela Autora o ter sido para seu uso particular, mas também quando vista a atividade económica exercida pela Recorrente e a data em que ocorreu a compra e venda, anterior a 01/01/2022 (cfr. factos provados 1) e 5).
O artigo 2.º, n.º 1, do referido diploma impõe ao vendedor o dever de entregar ao consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda e enuncia, nas várias alíneas do seu n.º 2, um elenco de factos que, a verificarem-se, fazem presumir que os bens de consumo não são conformes com o contrato.
E é assim que, de acordo com a alínea d), se presume não conforme com o contrato a situação em que os bens não apresentam “[...] as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelos seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.
Considerando a matéria de facto provada é manifesto enquadrar-se o caso dos autos na primeira parte desta alínea, sem necessidade de apelo às declarações públicas sobre as características do bem.
Efetivamente, tendo a Autora adquirido um automóvel novo para seu uso quotidiano, devia poder razoavelmente esperar que o mesmo circulasse sem percalços. É da natureza de um automóvel que circule e qualquer pessoa que adquira um automóvel novo espera que o faça sem paragens súbitas.
Ao invés, 1 ano e 4 meses após a aquisição (em 16 de julho de 2019) do automóvel à 1ª Ré, ora Recorrente, o veículo iniciou uma sucessão de súbitos e inusitados eventos, traduzidos na abrupta perda de potência, ocorridos, no que releva por ora, em (i) 16/11/2020 – cfr. facto 10) –, em (ii) 20/11/2020 – cfr. facto 18) – e em (iii) 12/04/2021 – cfr. facto 26).
Estes eventos obrigaram a Autora, que se encontrava em plena circulação, a encostar à berma (cfr. facto 11), a fazer arriscada manobra de paragem na berma (facto 18) e a ver a viatura rebocada para a oficina da 1.ª Ré (facto 27), ficando períodos mais ou menos longos sem poder utilizá-la (v.g. na última destas três vezes a viatura foi-lhe devolvida após um mês e três semanas – cfr. facto 47).
Trata-se, em suma, de eventos que, por atentarem contra as qualidades e o desempenho que normalmente se espera de um automóvel, fazem presumir não estar o mesmo conforme com o contrato de compra e venda, nos termos do estatuído no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 67/2003.
Na verdade, aquando da segunda e terceira das referidas ocorrências, a viatura foi alvo de reparação pela 1ª Ré, com, respetivamente, substituição da bomba de injeção de combustível e do módulo da bomba de combustível do depósito (cfr. facto 23) – e substituição da válvula canister por uma nova (cfr. facto 46), pelo que é incontornável concluir que a viatura sofreu avarias, suscetíveis de enquadramento no preceito sobremencionado.
Ora, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 67/2003 determina, no seu n.º 1, que o vendedor “responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue”, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo normativo, as “[…] faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois […] anos a contar da data da entrega de coisa móvel corpórea […], presumem-se existente já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”.
E, como vimos, nos dois anos subsequentes à aquisição do veículo pela Autora, o mesmo parou inusitadamente por três vezes, duas das quais em manifesta avaria. Ou seja, a Autora fez prova, como lhe cumpria, dos factos que fazem operar a presunção de desconformidade do bem com o contrato de compra e venda, estando demonstrado, também, que tais faltas de conformidade se manifestaram no prazo de dois anos a contar da compra (sem prejuízo de terem subsistido muito para além disso), pelo que opera a presunção de que a desconformidade já existia em 16/07/2019.
Querendo ver ilidia esta presunção, cabia às Rés – nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil – demonstrar que as anomalias sucessivamente verificadas no veículo se haviam devido a outro motivo que não a desconformidade do bem com o contrato. Não lograram, porém, tal elisão, pois, como está assente, desconhece-se a causa das avarias da viatura (cfr. facto 96).
Para determinar a responsabilidade da 1ª Ré pelas anomalias verificadas no veículo adquirido pela Autora é, portanto, irrelevante que o mau funcionamento da viatura não se verificasse no momento daquela aquisição. Como refere Jorge Morais Carvalho[2], a «garantia de bom estado e de bom funcionamento apenas pode ser afastada no caso de a deterioração do bem resultar de facto imputável ao consumidor», o «vendedor tem de provar […] o facto concreto, posterior à entrega, que gerou a falta de conformidade»[3], o que as Rés não lograram fazer no caso dos autos, como se extrai quer do facto provado sob 96), quer das alíneas b) e h) da matéria de facto não provada. Na verdade, as Rés procuraram imputar as sucessivas paragens da viatura ao facto de a Autora circular numa estrada com muito pó e à má condução por parte da Autora, mas não conseguiram demonstrar cabalmente estes factos.
Tanto basta para que se conclua, como o tribunal a quo, que a 1ª Ré responde perante a Autora pelas referidas anomalias, que, aliás, se prolongaram muito para além do período de dois anos, num quadro de, ao todo pelo menos 7 vezes (cfr. facto 79), francamente ilustrativo de que a viatura em questão não oferece qualquer garantia de segurança ao respetivo condutor.
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A Recorrente termina as suas alegações afirmando que «independentemente de as queixas reportadas terem sido originadas pelo mencionado pó fino tipo giz e resolvidas no âmbito da garantia contratual da Opel, a garantia legalmente prevista no decreto Lei n.º 67/2003 caducou em Julho de 2021, [p]elo que qualquer possível falta de conformidade que se possa manifestar posteriormente não merece a proteção do regime previsto no Decreto Lei n.º 67/2003».
O tribunal a quo pronunciou-se acerca da caducidade invocada pelas Rés, debruçando-se adequadamente sobre os prazos de garantia e para exercício de direitos, previstos nos artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003. A Recorrente não se insurge contra tal apreciação, pretendendo, antes, significar que, uma vez que, na sua versão, as anomalias verificadas no prazo de dois anos previsto no artigo 3.º, n.º 2, do diploma se teriam devido a fatores imputáveis à Autora, os eventos posteriores, que, como vimos, foram pelo menos quatro (perfazendo ao todo sete) não caberiam já no âmbito da garantia conferida pelo referido diploma.
Contudo, como explanado já, as Rés não lograram demonstrar, como era seu ónus, que as anomalias verificadas até julho de 2021 – data em que se perfez dois anos sobre a entrega da viatura – foram imputáveis à Autora. Como tal, falece o pressuposto desta última asserção da Recorrente.
Em face do exposto, importa concluir que o recurso não merece provimento.

4. Custas

i) Dado o decaimento, as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais);
ii) A Recorrida vai condenada nas custas do incidente pela não admissão dos documentos juntos no requerimento com a ref.ª citius 13748905, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC (artigo 527.º, n.º 1, do CPC e artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).

III. DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas nos termos determinados.
Évora, 13 de novembro de 2025
Sónia Kietzmann Lopes (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunta)
Manuel Bargado (2º Adjunto)
(Acórdão assinado digitalmente)


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[1] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª ed., pág. 544.
[2] In “Manual de Direito do Consumo”, 2020, 7.ª ed., Almedina, pág. 284.
[3] Jorge Morais Carvalho, in ob. cit., pág. 320.