Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2004/16.2T8LLE-C.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: CUSTAS
EXECUÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Na execução em que é realizado o montante da quantia exequenda à custa do produto de uma penhora, as custas, onde se incluem os honorários e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2 – Idêntica solução se impõe quando a quantia exequenda é satisfeita com o valor da caução prestada em substituição de uma penhora, isto é, com vista ao levantamento da mesma.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2004/16.2T8LLE-C.E1

(1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), co-executada nos autos que lhe foram movidos pelo (…) Banco, SA, interpôs recurso de despacho proferido pelo Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou improcedente a reclamação da liquidação elaborada pelo agente de execução.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
«Notificada da liquidação elaborada pelo agente de execução, a executada (…) apresentou reclamação em 7/8/2019, alegando que por litigar com apoio judiciário apenas responde pelo pagamento da quantia exequenda e respetivos juros, razão porque deverá ser reformada a liquidação em conformidade e devolvida à executada a quantia de € 3.525,85 e não € 209,81 como consta na liquidação.
A exequente pronunciou-se, sustentando que sempre será devida a quantia relativa a imposto de selo nos termos do artigo 120º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, alínea b), e que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, saem precípuas do produto de bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes de pagamento voluntario, não estando abrangidas pelo apoio judiciário; subsidiariamente pede a restituição pelo IGFEJ, da quantia de € 3.221,96, correspondente as custas de parte, suportadas pelo Exequente.
O agente de execução pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, alegando que as quantias consideradas na liquidação foram provenientes de depósitos efetuados nos autos, resultantes da penhora e do depósito efetuado.
Apreciando.
Em primeiro lugar devemos ter em conta que as quantias recebidas e indicadas na liquidação são provenientes:
- no valor de 35.373,30 euros – caução prestada pela executada … (depósito bancário à ordem do Sr. Agente de Execução, no valor de € 35.373,30, nos termos constantes da sentença proferida no apenso C);
-no valor de 1.231,37 euros – penhora efetuada nos autos.
Por outro lado, dever-se-á ter presente que a prestação da caução destinou-se a permitir o levantamento da penhora efetuada sobre o bem imóvel da titularidade da executada (fração autónoma designada pela letra J do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …), tendo sido admitida a substituição nos termos do disposto no artigo 751º, n.ºs 5 a 7, do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, o destino do valor da caução seguirá o regime da penhora que substitui, não sendo considerado pagamento voluntário, nos ternos previstos no artigo 846º do Código de Processo Civil (sendo irrelevante para o efeito a designação de pagamento voluntário que consta na liquidação).
Posto isto, naturalmente, que às quantias depositadas nos autos, provenientes da caução substitutiva da penhora do imóvel e da outra penhora, será aplicado o disposto no art.º 541º do Código de Processo Civil, onde se prevê que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.
Assim sendo e ainda que a parte beneficie de apoio judiciário, as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução terão pagamento precípuo pelo produto dos bens penhorados. Neste sentido, entre outros, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/7/2019, proc.º 1034/14.3TJVNF-C.G1, ou de 17/11/2016, proc.º n.º1033/14.5TBBCL.G1, in www.dgsi.pt/jtrg.
Refira-se também que relativamente às quantias respeitantes a imposto de selo, nunca assistiria razão à executada, por as mesmas derivarem de uma obrigação legal.
Por último, ainda se dirá que em qualquer caso existem outros executados nesta execução, que não litigam com o benefício do apoio judiciário e que sempre responderiam pelas custas da execução.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a reclamação apresentada pela executada (...).
Custas incidentais pela executada, que se fixam em 1 U.C., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.»


I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«a) Nos julgamentos os tribunais não podem aplicar normas legais em violação da constituição e seus princípios, por força do artigo 204.º da CRP.
b) E neste caso o artigo 31.º, n.º 6, do RCP, na parte em que limita o recurso a contas superiores a 50 ucs, é inconstitucional, por tal disposição violar os princípios constitucionais, da proporcionalidade, decorrente do artigo 2º (estado de direito democrático) e artigo 20.º (Tutela jurisdicional efetiva-Acesso ao direito), e da igualdade do artigo 13.º, todos da Constituição.
c) De acordo com o artigo 629.º do CPC, o recurso em 1ª instância é possível quando o valor da ação seja superior a € 5.000,00 e a decisão desfavorável num valor superior a € 2.500,00.
d) O artigo 31.º, n.º 6, do RCP, restringe o direito ao recurso de forma discriminatória, desequilibrada, desproporcionada, e excessiva, não havendo motivo razoável para que um recurso sobre custas, seja objeto de limites de valor mínimos, duas vezes mais elevados da regra geral, do artigo 629.º, n.º 1, do CPC, ou seja exigindo um valor superior a € 5.100,00, quando a regra geral permitiria este no valor de € 2.500,01.
e) O RCP, no seu artigo 4.º, com a epígrafe isenções, no n.º 7, diz o seguinte:
“7 - Com exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará.”
e) A interpretação da segunda parte dessa norma, “a contrario” leva a que se possa extrair a regra de que os beneficiários do apoio judiciário por insuficiência económica, estão isentos do reembolso de custas de parte à parte vencedora.
f) Nesse sentido veja-se a obra “O apoio judiciário” do Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa, 7ª Edição, pág.118, em anotação ao art.16º n.º1 a), da Lei do Apoio Judiciário, o referido autor, diz que essa modalidade “...compreendendo a dispensa de pagamento de taxa de justiça e outros encargos do processo, designadamente os encargos e as custas de parte.”
g) “...Assim, artigo 532º do CPC estabelece que os encargos são da responsabilidade da parte que lhes deu origem, “salvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito” e o artigo 19.º, n.º 1, do RCP estatui que, se a parte beneficiar de apoio judiciário, os encargos são adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP (IGFEJ). O artigo 533º do CPC impõe que a parte vencida suporte as custas da parte vencedora, considerando, no nº 2, alínea c), compreendidas nas custas de parte as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas; mas o artigo 4.º, n.º 7, do RCP estabelece que a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, “com exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais”.
Termos estes em que deverá ser deferido o presente recurso, revogando-se a sentença e fazendo-se a vossa habitual justiça!»


I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
A única questão a decidir resume-se a saber se, beneficiando a executada de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo, os valores pagos a título de honorários e despesas com o agente de execução saem precípuos do produto da execução, nos termos do artigo 541.º do CPC.

II.3.
Factos
II.3.1.
Dão-se aqui por reproduzidos os factos relatados na decisão sob recurso (cfr. supra I.1).
II.3.2.
Resulta ainda dos autos a seguinte factualidade:
1 – A presente execução foi movida pelo (…) Banco, SA contra a sociedade (…) – Ótica, Lda., (…), (…) e (…), para satisfação da quantia de € 30.726,70.
2 – O título dado à execução consiste numa livrança subscrita pela sociedade executada e avalizada pelos demais executados.
3 – No âmbito dos autos de execução, foi realizada a penhora da fração autónoma designada pela letra J do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial de €64.180,00.
4 – No âmbito da ação executiva, a executada (…) propôs-se prestar caução através de depósito bancário, em substituição da penhora acima referida.
5 – Mediante decisão já transitada em julgado, o tribunal a quo admitiu a substituição da penhora sobre o imóvel acima identificado por um depósito bancário à ordem do agente de execução, no valor de € 35.373,30.
6 – Após a concretização do depósito a penhora que recaiu sobre o imóvel foi levantada.
7 – Por sentença já transitada em julgado, o tribunal a quo julgou improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida pela executada (…) e ordenou o prosseguimento da execução.

II.4.
Mérito do recurso
Na ação executiva que foi movida pelo (…) Banco, SA (também) contra a ora apelante, o agente de execução notificou a executada da nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas do agente de execução, da qual resulta existir um saldo a favor da executada no montante de € 209,81.
A apelante/executada apresentou reclamação da referida nota, alegando que por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça de demais encargos com o processo está dispensada de pagar quaisquer taxas de justiça e demais encargos com o processo, designadamente, honorários e despesas do agente de execução, tendo requerido, a final, que lhe fosse devolvida a diferença entre o valor depositado à ordem do processo (€ 36.604,67) e o valor da responsabilidade da executada compreendendo capital e juros (€ 33.078,82), ou seja, que lhe fosse restituído o montante de € 3.525,00.
A reclamação em causa foi indeferida porquanto o tribunal de primeira instância entendeu que às quantias depositadas nos autos – resultantes, respetivamente, de uma penhora e de uma caução prestada pela executada/apelante destinada a permitir o levantamento da penhora efetuada sobre um imóvel, seguindo, por isso, o regime da penhora – se aplica o disposto no artigo 541.º do Código de Processo Civil, no qual se prevê que as custas da execução, incluindo honorários e despesas devidas ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa, saem precípuas do produto dos bens penhorados. Ou seja, o tribunal a quo entendeu que, no caso, se deve aplicar o princípio da precipuidade prevista naquele normativo, ainda que a executada beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos no processo.
É contra esta decisão que a apelante se insurge.
Quid juris?
De acordo com o disposto no artigo 529.º, n.º 1, do CPC, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do art. 529.º que as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
O art. 533.º, n.º 1 do mesmo diploma normativo dispõe que «Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Judiciais»[1]. Este normativo remete para o disposto nos arts. 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Judicias.
O art. 25.º, n.ºs 1 e 4 do RCJ, inserido no capítulo Custas de Parte e sob a epígrafe Nota justificativa, dispõe o seguinte:
«1 – Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.
2 – (…)
3 – (…)
4 – Na ação executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior».
Em face do disposto no art. 25.º, n.º 4, a responsabilidade do executado a liquidar abrange a quantia paga pelo exequente a título de encargos, de taxa de justiça, de despesas previamente suportadas pelo agente de execução, os honorários deste e os do mandatário.
No nº 2 do art. 533.º estão elencadas, a título meramente exemplificativo, as despesas compreendidas nas custas de parte, entre elas, os encargos efetivamente suportados pela parte e as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas.
Sobre a garantia de pagamento de custas, prevê o art. 541.º do CPC que:
«As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados».
No normativo citado está assim consagrado o princípio da precipuidade, o qual significa que, penhorados bens ao executado, sai do seu produto, em primeiro lugar, o valor necessário ao pagamento das custas relativas à execução. Ou seja, o património do executado garante em primeiro lugar, o crédito do Estado – custas processuais - e da parte com direito a reembolso de custas de parte. O que constitui um verdadeiro privilégio creditório – neste sentido, vd. Ac. RP de 11.05.2020, processo n.º 2835/13.5TBGDM-D.P1, consultável em www.dgsi.pt.
Por sua vez, dispõe o art. 721.º, n.º 1, do CPC que:
«Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art. 541.º».
Também o artigo 45º, nº 2, da Portaria 282/2013, de 29 de agosto – diploma que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis - dispõe que:
«Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado».
Resulta assim do cotejo das normas supra citadas que no pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução a primeira regra é a da sua precipuidade (art. 541º) e no caso de aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, serão suportados pelo exequente (o qual, refira-se tem sempre de adiantar aqueles valores sob pena de a exceição não prosseguir), podendo este reclamá-los do executado.
Quid juris se o executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo? Deverá, ainda assim, o executado responder pela satisfação dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao seu pagamento?
Essa é a questão que se coloca no presente recurso e cuja resposta não se mostra pacífica na jurisprudência.
A posição que julgamos ser maioritária e que se mostra expressa, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.11.2020[2], entende que ao executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução, seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (artigo 541.º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (artigo 721.º), não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (artigo 847.º).
Já em outros arestos, designadamente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2020 supra referido se entendeu que numa execução em que é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorário e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sufragamos esta última posição.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido por força da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (art.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
O apoio judiciário constitui uma das vertentes em que se desdobra a proteção jurídica – a qual visa precisamente a concretização do direito de acesso ao direito e aos tribunais o qual tem consagração constitucional; art. 12.º da CR -, abrangendo o patrocínio judiciário e a assistência judiciária. Esta última pode traduzir-se na dispensa de taxa de justiça de demais encargos com o processo.
O princípio da precipuidade previsto no art. 541.º do CPC em nada contende com o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, quando se chega à venda executiva é porque não houve oposição à execução ou esta foi julgada improcedente, pelo que nesta fase do processo executivo já se sabe que o executado é o responsável final pelas custas do processo, pelo que o seu direito a defender-se no processo não é afetado pelo facto de o seu património responder pelas custas do processo executivo. Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, que o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo visa garantir, já não será postergado pelo facto de se retirar do produto da venda dos bens penhorados os valores necessários ao pagamento das custas do processo.
Como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto acima citado, «se o direito do credor comum é satisfeito sem que tal inculque a ideia de que o devedor fica afetado na satisfação das suas necessidades básicas – o que é obviado através da regra da impenhorabilidade – artigos 737.º e 738.º do CPCivil – não faria sentido que o crédito do Estado, contrapartida da prestação de um serviço comunitário essencial, eivado de cariz eminentemente social, qual seja a administração da justiça, ficasse por satisfazer.
É que o artigo 541.º do CPCivil acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738.º, nº 1 e 746.º do C. Civil, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens diretamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens».
Por conseguinte, mesmo que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade acima mencionada, o produto da venda dos bens que lhe foram penhorados no âmbito da execução não deixarão de responder pelas custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
O caso concreto tem uma variante: o valor depositado nos autos não resulta apenas da realização de uma penhora mas também de uma caução prestada pela executada através de depósito bancário à ordem do agente de execução em substituição da penhora sobre um imóvel, ao abrigo do disposto no art. 751.º, n.º 8, do CPC (com efeito, nos autos, encontra-se depositado o montante global de € 36.604,67, do qual € 1.231,37 é fruto de penhora e o remanescente é fruto da prestação de caução).
Ao depósito da quantia de € 35.373,30 (valor da caução prestada pela executada) há, todavia, que aplicar o regime previsto no artigo 541.º do CPC, na medida em que o mesmo se destinou a substituir a penhora de um imóvel da executada. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 650.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 733.º, n.º 6, do mesmo diploma normativo, a caução só pode ser libertada se o executado provar que pagou a obrigação exequenda, no prazo ali referido; não o provando, o montante prestado a título de caução é utilizado para satisfação da quantia exequenda. Quer isto dizer que o valor depositado a título de caução responde pela satisfação da quantia exequenda tal qual o valor resultante da venda do(s) bem penhorado que a caução visou substituir.
Resulta, pois, do exposto que a apelante não tem o direito a ver-lhe devolvidos os valores relativos aos honorários e despesas do agente de execução porquanto os mesmos quais saem precípuos dos valores depositados nos autos nos termos previstos no artigo 541.º do CPC, valores resultantes de uma penhora e da prestação de caução pela executada.
Improcede, assim, a apelação.

Sumário:
(…)

III.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, porquanto a apelante beneficia de apoio judiciário.
Évora, 14 de janeiro de 2021
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato


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[1] A salvaguarda do disposto no n.º 4 prende-se com a exceção derivada da falta de recurso injustificada aos meios de resolução alternativa de recursos, por banda da parte vencedora.
[2] Processo n.º 500/09.7TBSRT.1.C1, consultável em www.dgsi.pt.