Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO XAVIER | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA CAUSA PREJUDICIAL | ||
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Data do Acordão: | 04/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I) A pendência de acção em que se pretende anular a escritura de alienação de quinhão hereditário, de cuja decisão favorável decorrerá a qualidade de interessado do requerente no processo de inventário, constitui causa prejudicial ao prosseguimento do inventário, nos termos do artigo 1335º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 329º-A/95, de 12 de Dezembro. II) A suspensão do inventário só pode ocorre após completo relacionamento dos bens deixados pelos inventariados, o que não sucede quando se determinou a cumulação de inventários e não estão relacionados os bens deixados por um dos inventariados, ou estão pendentes questões respeitantes a tal matéria. III) Verificando-se que houve demora na propositura da acção prejudicial e que são maiores os inconvenientes decorrentes do diferimento da partilha do que os derivados da sua realização provisória, não deve determinar-se a suspensão do inventário, ordenando-se o seu prosseguimento, observando-se o disposto nos artigos 1335º, n.º 4, e 1384º do Código de Processo Civil, caso à data da realização da partilha ainda não haja decisão com trânsito em julgado na acção prejudicial. IV) É o que sucede num caso como o dos autos, em que o inventário já pende desde 2006, em que a requerente, autora na acção prejudicial, já conhecia a escritura de alienação do seu quinhão hereditário na herança do filho da inventariada, com o qual foi casada, desde o início de 2010, e só em 2015 pediu a sua intervenção no processo de inventário, que veio a ser indeferida por não ter a qualidade de interessada, vindo a intentar a acção prejudicial para declaração de nulidade da escritura em causa, apenas em 2020, a qual, atentos os seus fundamentos, era previsível só poder ser decidida por via de acção, e não de incidente no inventário, estando ainda pendentes, à data, entre outras, diligências periciais com vista à avaliação de bens, bem como questões relacionadas com saldos bancários relacionados. (Sumário pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1. Nos presentes autos de inventário, iniciados para partilha do acervo hereditário de R.M.T.F.M., em que são interessados M.M.F.M.D.B. e Outros, veio aquela interessada e actual cabeça-de-casal, interpor recurso do despacho ref.ª 117513926, que, ao abrigo do disposto no artigo 1335.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, julgou suspensos os autos até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 1040/20.9T8PTM.2. A decisão recorrida é do seguinte teor (despacho ref.ª 117513926): «Fls. 2064 a 2067, 2080 a 2081, 2083 a 2107 (Da suspensão da instância) Em face do estado dos autos a primeira questão que importa tratar diz respeito à suspensão da instância por via da instauração de uma acção por O.D. tendente, entre o mais, à declaração de nulidade da escritura pública de alienação do quinhão hereditário outorgada em 25/01/2008. Ora, quanto a tal questão o facto é que admitir-se o prosseguimento dos autos sem estar resolvida a acção se mostra desavisado uma vez que da sua procedência poderá resultar uma ilegitimidade de M.R.J.D. na representação de J.N.M.R.D. sendo, portanto, desaconselhável o prosseguimento dos autos, ainda que por via do art. 1335.º, n.º 3 do CPC, na justa medida em que os mesmos já se mostram complexos o suficiente para, a prosseguirem e perante uma eventual procedência da acção, virem a ser, a montante, enredados numa nova teia de complexidade adicional que, de todo, virá contribuir para se alcançar o resultado final pretendido pelas partes que é o da resolução, a título definitivo, da partilha em causa no processo. Em face do exposto e atento o previsto no art. 1335.º, n.º 1 e 2 do CPC, julgam-se suspensos os autos até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no proc. n.º1040/20.9T8PTM.» 3. A Interessada/Recorrente discorda desta decisão, pedindo o prosseguimento dos autos de inventário, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª Foi decretada a suspensão dos autos de inventário por se encontrar pendente uma acção instaurada por O.D. em que é peticionada a anulação de escritura pública de venda de quinhão hereditário outorgada em 25.01.2008 a favor de M.R.J.D.. 2.ª Em 12.01.2010 foi junta aos autos a escritura de alienação de quinhão hereditário. 3.ª Em finais de 2014 foi pedida e negada por decisão de 2.12.2014 a confiança dos autos a O.D. por não ser parte nos autos sendo-lhe sugerido que requeresse a intervenção principal o que esta veio a fazer em 5.03.2015. 4.ª Por decisão datada de 09.03.2020 veio o juiz a quo a decidir não admitir a intervenção principal de O.D., decisão que transitou em julgado pelo que não é interessada nos autos. 5.ª Quando juntou aos autos prova de que tinha proposto a acção não era parte no processo pelo que o Tribunal não pode tomar decisões no processo para acautelar direitos de terceiros relativamente a este. 6.ª Os direitos a ter em conta são os da definição da quota ideal da interessada M.R.J.D., e não os de O.D. que não é parte nos autos. 7.ª Mesmo que se entenda que estão preenchidos os pressupostos para a suspensão do inventário, o que não acontecia pois não está nos autos a relação de bens de J.R.D., esta não deve ser decretada automaticamente sem ponderação das circunstâncias próprias do processo. 8.ª Devem ser ponderadas circunstâncias como o tempo que demorou a propositura da acção e as dificuldades e tempo que demora a tramitação de um processo com tantos sujeitos processuais. 9.ª Bem como as diligências de avaliação de imóveis que ainda não foram realizadas para atribuição de valor a uma quota social relacionada como bem da herança; 10.ª E a necessidade de resolução da questão do dinheiro que existia em contas tituladas pela autora da herança e que, actualmente, se encontra em contas tituladas apenas por algumas interessadas no inventário com todas as consequências nefastas que pode ter para o património a partilhar caso aquelas venham a falecer ou vejam o seu património penhorado ou onerado de qualquer forma. 11.ª Também foi cumulado o inventário de J.R.D. cuja relação de bens ainda não foi apresentada pelo que foi violada a condição prevista no n.º 1 do art. 1335º do CPC para a suspensão do inventário. 12.ª A decisão da acção proposta para anulação de alienação de quinhão hereditário nunca poderá ter como consequência a ilegitimidade de M.R.J.D. como é afirmado pela decisão recorrida, apenas poderá ter consequências na extensão da sua quota ideal de 1/10 avos para 1/20 avos. 13.ª A ora recorrente em 05.11.2018 requereu a continuação do inventário mesmo que estivesse pendente acção para resolução de questão prejudicial atentos todos os condicionalismos do processo que invocou. 14.ª O Tribunal na decisão de suspensão do inventário não ponderou nenhuma das razões aduzidas pela ora recorrente para a continuação do processo e não fundamentou a razão pela qual não considerou essas razões. 15.ª A consideração de todas as circunstâncias particulares deste inventário deveriam ter determinado a sua continuação e, caso a partilha tivesse lugar antes da decisão da acção deviam ser tomadas as cautelas relativamente aos bens que coubessem à estirpe representada por M.R.J.D. nos termos do disposto no art. 1335º e 1384º do CPC; 16.ª Ou deveria continuar até o processo estar pronto para a partilha, momento em que esperaria pela decisão da acção prejudicial pois a tramitação até esse momento em nada prejudicaria os eventuais direitos que venham a ser reconhecidos a O.D.. 17.ª Esta seria a única decisão que salvaguardaria os interesses de todos os interessados de forma proporcional e justa. 4. Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o relator, verificando que se encontrava pendente e já distribuído em separado o apenso “D”, referente ao recurso interposto do despacho, de 18/02/2021, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade apresentado por O.D., por não lhe terem sido notificadas as alegações do recurso de apelação da decisão de suspensão da instância decretada nos autos principais, aqui em apreciação, por despacho de 16/11/2021 suspendeu a presente instância de recurso até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no proc. n.º 1817/06.8TBPTM-D.E1. Entretanto, em 25/11/2021, foi proferido acórdão no referido apenso, que transitou em julgado em 14/12/2021, onde se decidiu julgar a apelação procedente e revogar a decisão recorrida, “que deve ser substituída por outra que ordene a notificação da apelante para contra-alegar, querendo, no recurso interposto pela interessada M.R.J.D. na representação de J.N.M.R.D.”. Em face do decidido neste apenso e para cumprimento da decisão, por despacho de 05/01/2022, sustou-se o conhecimento do objecto do presente recurso, interposto pela interessada M.M.F.M.D.B., e determinou-se a remessa dos autos à 1ª instância, para cumprimento do decidido no acórdão proferido no apenso “D”. 5. Na 1ª Instância, na sequência da notificação que lhe foi dirigida em cumprimento do decidido pela Relação, O.D. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com os fundamentos seguintes: 1.ª O Douto Despacho recorrido observou as formalidades previstas no artigo 1335.°, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (Antigo). mormente pela ponderação das consequências da regular tramitação dos presentes autos durante a pendência ele acção judicial. 2.ª Ao contrário do que alega a Recorrente o Tribunal ponderou adequadamente as consequências do não decretamento da suspensão, já que ao contrário do que é referido nas Alegações e Conclusões de Recurso, a procedência da acção instaurada pela Terceira/Interessada terá como consequência a verificação da excepção dilatória de ilegitimidade de M.R.J.D., por preterição de litisconsórcio necessário para a representação de J.N.M.R.D.. 3.ª A densificação dos autos que seria inevitavelmente provocada pela continuação da tramitação dos presentes autos no decorrer da acção judicial instaurada pela Terceira/Interessada afigura-se contraproducente e em nada contribuiria para a justa composição do litígio de forma célere e adequada, o que será a pretensão de todas as partes envolvidas. 4.ª Ao contrário do que a Recorrente alega, o Tribunal ponderou os “prós e os contras” do não decretamento da suspensão dos presentes autos, mormente quando refere que «Ora, quanto a tal questão o facto é que admitir-se o prosseguimento dos autos sem estar resolvida a acção se mostra desavisado uma vez que da sua procedência poderá resultar uma ilegitimidade de M.R.J.D. na representação de J.N.M.R.D. sendo, portanto, desaconselhável o prosseguimento dos autos, ainda que por via do art. 1335.º, n.º 3 do CPC,, na justa medida em que os mesmos já se mostram complexos o suficiente para, a prosseguirem e perante lima eventual procedência da acção. virem a ser, a montante, enredados numa nova leia de complexidade adicional que, de todo, virá contribuir para se alcançar o resultado final pretendido pelas partes que é o da resolução, a titulo definitivo. da partilha em causa no processo», pelo que não assiste razão à Recorrente quando alega que o Tribunal apenas ponderou os interesses da Terceira/Interessada. 5.ª O Tribunal foi prudente ao decretar a suspensão da instância, impedindo assim a prática de actos que poderão vir a revelar-se inúteis, por neles terem intervindo sujeitos processuais sem “habilitação legal” para tal. 6.ª Não deixa, aliás, se ser bem expressivo da razão que assiste à aqui contra-alegante, o vertido na conclusão 12.ª do recurso, onde, confessadamente, se admite a pertinência do defendido pela aqui recorrente. 7.ª Pelo que deverá o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado improcedente e, consequentemente, confirmar-se o Douto Despacho recorrido, no segmento em que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção judicial instaurada pela Terceira/Interessada. 6. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.II – Objecto do recurso Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se deve suspender-se os termos do inventário até ao transito em julgado da acção prejudicial em causa. * 1. Na decisão recorrida suspendeu-se os termos do inventário, ao abrigo do disposto no artigo 1335º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (aplicável ao presente processo de inventário), até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 1040/20.9T8PTM, instaurada por O.D., cônjuge sobrevivo de J.N.M.R.D., filho da inventariada.III – Fundamentação Fáctico/Jurídica Nesta acção, tida como prejudicial, a requerente pede, além do mais, a declaração de nulidade da escritura pública de alienação do seu quinhão na herança aberta por óbito do seu marido, J.N.M.R.D., outorgada em 25/01/2008, a M.R.J.D. (cf. certidão da acção junta aos autos). Entendeu-se na decisão recorrida que da procedência desta acção poderá resultar a ilegitimidade de M.R.J.D., filha de J.N.M.R.D., na “representação” deste, sendo desaconselhável o prosseguimento dos autos, ainda que com as cautelas previstas no artigo 1335º, n.º 3, do Código de Processo Civil, “na justa medida em que os mesmos já se mostram complexos o suficiente para, a prosseguirem e perante uma eventual procedência da acção, virem a ser, a montante, enredados numa nova teia de complexidade adicional que, de todo, virá contribuir para se alcançar o resultado final pretendido pelas partes que é o da resolução, a título definitivo, da partilha em causa no processo”. A recorrente discorda, invocando, em síntese, que os direitos a ter em conta no processo são os da definição da quota ideal da interessada M.R.J.D. e não os de O.D., que não é parte nos autos; que tendo havido cumulação do inventário com o de J.R.D., cuja relação de bens ainda não foi apresentada, houve violação do n.º 1 do artigo 1335º do Código de Processo Civil; que o tribunal não ponderou as circunstâncias alegadas que impunham a continuação do processo, como o tempo que demora a tramitação de um processo com tantos sujeitos processuais e as diligências em curso no inventário (avaliação dos bens e a questão do dinheiro em contas tituladas apenas por algum dos interessados); e que, caso a partilha tivesse lugar antes da decisão final da acção prejudicial, deveriam ser tomadas as cautelas relativamente aos bens que coubessem à estirpe representada por M.R.J.D., nos termos do disposto nos artigos 1335º e 1384º do Código de Processo Civil. Em alternativa, refere a recorrente que o processo devia continuar até estar pronto para a partilha, momento em que esperaria pela decisão da acção prejudicial, pois até esse momento em nada seriam prejudicados os interesses que venham a ser reconhecidos a O.D.. Vejamos: 2. O regime das questões ou causas prejudiciais, de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados na partilha, estava regulado no artigo 1335º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (aqui aplicável), nos seguintes termos: «1 - Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados. 2 - Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276.º, n.º 1, alínea c), e 279.º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata algumas das questões a que se refere o número anterior. 3 - A requerimento das partes principais, pode o tribunal autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração, em conformidade com o que vier a ser decidido, quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial, quando a viabilidade desta se afigure reduzida ou quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória. 4 - Realizada a partilha nos termos do número anterior, serão observadas as cautelas previstas no artigo 1384.º, relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem. 5 - Havendo interessado nascituro, o inventário é suspenso desde o momento em que se deveria convocar a conferência de interessados até ao nascimento do interessado.» Como refere Lopes do Rego, em anotação a este artigo (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume II, Almedina, 2ª edição, 2004, pág. 254): «II – Da conjugação dos n.ºs 1 e 3 deste preceito, decorre a solução dos casos em que ocorram questões prejudiciais de que depende a admissibilidade do próprio inventário (abarcando as situações que eram perspectivadas no âmbito da “oposição ao inventário”, que era regulada no artigo 1332.°) ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha (nomeadamente, as hipóteses de impugnação da legitimidade do interessado citado ou da invocação da existência de outros herdeiros, não indicados pelo cabeça-de-casal). Assim, inserindo-se alguma destas questões em inventário em curso, poderá o juiz: a) decidir a questão no âmbito do próprio inventário, como decorrência da regra segundo a qual o tribunal da causa é competente para dirimir todos os incidentes e meios de defesa nela suscitados; b) abster-se de tomar sobre ela decisão, remetendo os interessados para os meios comuns e suspendendo a instância, até que ocorra decisão definitiva – logo que os bens tenham sido relacionados – sempre que a natureza da questão impeça a sua decisão no próprio inventário (designadamente, porque ela só pode ser controvertida e decidida como objecto de uma acção de estado ou de registo) ou a complexidade da matéria de facto a ela subjacente desaconselhe tal decisão como incidental, já que esta não as seguraria suficientemente as garantias das partes (v.g., por se reportar à anulação de testamento ou a interpretações de cláusula testamentária de particular complexidade); c) autorizar – a requerimento das partes principais (os interessados directos na partilha ou o M. P., nos termos do n.º l do artigo 1327.º) - o prosseguimento do inventário com vista à realização de partilha provisória (sujeita a alteração em função do que vier a ser decidido acerca da questão prejudicial), em temos análogos aos que eram consentidos pelo n.º 2 do artigo 1384.º, na anterior redacção; tal decisão será pertinente nas situações enunciadas no n.º 3 deste art. 1335.º: quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da acção prejudicial, quando a viabilidade desta pareça (numa análise perfunctória) reduzida, quando os inconvenientes da suspensão do processo e no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como meramente provisória. » E, como acrescenta o mesmo autor (ob. e loc. cit.): «O n.º 2 resolve a dúvida doutrinária sobre a aplicabilidade do regime geral de suspensão da instância por prejudicialidade, considerando expressamente aplicável o disposto nos artigos 276.º, n.º 1, c) e 279.º, relativamente à suspensão por determinação do juiz. Competirá, deste modo, ao julgador a formulação de um juízo concreto sobre a conveniência de suspender ou não o inventário quando a realização da partilha esteja dependente do julgamento de outra causa já proposta; e podendo naturalmente optar, em termos paralelos aos previstos nos n.ºs l e 3, pela suspensão do inventário ou pelo seu prosseguimento, nos termos ali prescritos.» 3. No caso concreto, a questão da eventual intervenção nos autos de inventário de O.D., como interessada, por ser o cônjuge sobrevivo de J.N.D., filho da inventariada, que faleceu após esta, há muito que havia sido referenciada nos autos, mas esta questão ficou, então, resolvida com a junção, em 18/01/2010, da certidão de escritura de cessão de quinhão hereditária, outorgada em 25/01/2008, na qual M.A.F.M.D. (também interessada nestes autos) declara, como procuradora de O.D. que, “em nome da sua representada”, pelo preço de € 26.1508,05, aliena a M.R.J.D., “o quinhão na herança aberta por óbito do marido de sua representada, J.N.M.R.D.”. Deste modo, tendo a referida O.D., alienado o seu quinhão na herança do seu falecido marido à filha deste (M.R.J.D.), não tinha aquela que intervir nos presentes autos de inventário, daí que por despacho de 04/03/2010, se tenha decidido que “nenhuma diligência se realizará quanto a O.D.”. Porém, em 28/10/2014, O.D. veio requerer a confiança dos autos, mas tal pretensão foi indeferida (cf. despacho de 02/12/2014) com fundamento no facto de não ser interessada nos autos, como já se havia decidido em anteriores despachos, logo se adiantando, que a mesma podia consultar os autos na secretaria e requerer a sua intervenção, nos termos previstos nos artigos 1330º e 1331º do Código de Processo Civil de 1961, “caso entenda que possui legitimidade para o efeito, alegando e comprovando os factos que a sustentem”. Foi no seguimento desta decisão que O.D. veio, então, ao abrigo dos referidos preceitos, apresentar o requerimento de 05/03/2015, requerendo a intervenção principal como interessada, juntando a escritura de habilitação de herdeiros por morte J.N.M.R.D., lavrada em 04/05/2006, na qual declara que o falecido deixou como únicas herdeiras legitimárias a sua esposa, a ora requerente, e uma filha, M.R.J.D., e alegando que a escritura de alienação do quinhão hereditário não corresponde à vontade da interessada, que desconhecia o seu conteúdo, não tendo sido representada com procuração, pois a assinatura nela aposta não corresponde à sua antiga assinatura, o mesmo sucedendo com a aposta no termo de autenticação. Na conferência de interessados de 24/10/2018, logo se adiantou que as questões levantadas pela requerente O.D. poderiam não poder ser resolvidas no processo de inventário com as necessárias garantias processuais, atenta a complexidade subjacente, determinando-se a audição dos interessados quanto à eventual suspensão do inventário nos termos do artigo 1335º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Por requerimento de 05/11/2018, a interessada M.M.F.M.D.B., ora recorrente, pronunciou-se no sentido da remessa da questão da intervenção da requerente O.D. para os meios comuns, sem a suspensão do inventário, atentos os interesses dos demais interessados que desde 2006 aguardam o desfecho da partilha. Idêntica posição foi assumida por M.R.J.D. (cf. requerimento de 05/11/2018). Os interessados L.D.M. e Outro, declararam nada ter a opor à suspensão do inventário (cf. requerimento de 06/11/2018). Porém, após diversas vicissitudes processuais, apenas em 09/03/2020 foi apreciada a pretensão de O.D., não se admitindo a sua intervenção nos autos, com fundamento no facto de ter alienado o quinhão a que teria direito no âmbito deste processo, não tendo, assim, a qualidade de interessada “(sem prejuízo de, por via de acção, vir a colocar com sucesso em causa a escritura que suporta tal alienação e, assim, vir a aceder à condição de interessada nestes autos e tudo sem prejuízo de uma vez instaurada acção que, nesse âmbito, se possa reconhecer como prejudicial ao andamento dos autos se venha a ponderar a suspensão da instância destes autos nos termos legalmente previstos)”. Em 21/05/2020, O.D. requereu a junção aos autos do comprovativo da instauração da acção judicial, com vista à obtenção da declaração de nulidade da escritura de alienação do quinhão hereditário, pedindo a suspensão da instância no processo de inventário, nos termos do disposto nos artigos 269º, n.º, alínea c) e 272º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com fundamento na existência da causa prejudicial. Este requerimento da requerente O.D., de suspensão da instância no inventário, mereceu a aceitação dos interessados L.D.P. e de L.F.P., e a oposição de M.M.F.M.D.B.. 4. É neste contexto que, em face do requerimento apresentado por O.D. e da junção da certidão da acção por esta instaurada que se vem a concluir no despacho recorrido, pela existência da causa prejudicial, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 1351º do Código de Processo Civil. No recurso, não vem colocada em causa a relação de prejudicialidade entre a referida acção e o processo de inventário, sendo manifesto que da procedência daquela acção resultará uma alteração subjectiva na “representação” da estripe do falecido filho da inventariada, J.N.D., pois, a requerente O.D. passará a ter a qualidade de interessada no inventário, concorrendo, juntamente com a filha do falecido J.N.D. (M.R.J.D.) ao quinhão que ao falecido pertenceria na herança da inventariada. Assim, não tendo a questão da intervenção da requerente sido admitida no âmbito do incidente deduzido no inventário, e suscitando-se na causa prejudicial questão que interfere com a definição dos direitos dos interessados na partilha, decorrente da existência de outro herdeiro a ser tido como interessado na partilha em causa, em caso de procedência da acção, ocorre o fundamento objectivo elencado no n.º 1 do artigo 1335º do Código de Processo Civil, para que se determine a suspensão da instância, como previsto no n.º 2 do referido preceito. 5. Porém, tal suspensão, além de não ser automática, como logo resulta do n.º 3 do artigo 1335º e do n.º 2 do 279º do Código de Processo Civil, a mesma só pode ser decretada após os bens se mostrarem relacionados (cf. artigo 1335º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil). Ora, no caso, verifica-se que, por despacho de 09/03/2020, constatando-se que a fls. 946 tinha sido admitida a cumulação do inventário com o inventário relativo a J.N.D. (J.R.D., marido da inventariada e que era pré-falecido), determinou-se que fossem tomadas declarações à cabeça-de-casal, no caso à entretanto nomeada M.M.F.M.D.B., a qual prestou declarações por escrito em 02/07/2020 (cuja rectificação foi pedida pelos interessados L.D. e L.F.P., em 01/09/2020), tendo, então, requerido prazo para juntar a relação de bens por óbito do seu falecido pai, J.R.D.. Embora se verifique que no despacho de 04/01/2010, a cumulação de inventários dos dois cônjuges foi admitida “pressupondo que os bens a partilhar por morte de J.N.D. são os relacionados e não mais”, certo é, que em face do processado posterior se impõe que a cabeça-de-casal apresente a relação de bens “em falta”, não se percebendo porque é que ainda não o fez, ou se esclareça a situação. Assim, não se pode concluir que os bens deixados por morte deste inventariado e ainda não partilhados se mostram relacionados, pelo que, como diz a recorrente, não podia determinar-se a imediata suspensão do inventário. 6. Acresce que, ao decretar a suspensão tem o julgador que ponderar se ocorrem as circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo 1335º do Código de Processo Civil, que obstam à suspensão e conduzem à realização da partilha provisória, a alterar na sequência do que vier a ser decidido na acção prejudicial, concretamente, “quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da acção prejudicial, quando a viabilidade desta pareça (numa análise perfunctória) reduzida, quando os inconvenientes da suspensão do processo e no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como meramente provisória”, que a recorrente alega não terem sido ponderadas. Embora não se mostre correcta esta conclusão da recorrente, pois, ainda que em termos genéricos, resulta da decisão recorrida que foram equacionados os inconvenientes da suspensão e da realização da partilha provisória, não se concorda com a decisão tomada, porquanto se entende que houve demora anormal da propositura da acção prejudicial, assim como se entende que os inconvenientes da suspensão do inventário superam os venham a ocorrer em caso da procedência da dita acção. Senão vejamos: A requerente O.D. instaurou a acção n.º1040/20.9T8PTM, visando, além do mais, obter a declaração de nulidade da escritura de alienação do quinhão hereditário outorgada em 25/01/2008, com fundamento no facto de a assinatura aposta na procuração usada na dita escritura e no respectivo termo de autenticação não ser a sua. Porém, esta acção só foi instaurada em 2020, mas a requerente já sabia da existência da referida escritura desde a conferência de interessados realizada no dia 7 de Janeiro de 2010, como confessa nos articulados desta acção (cf. certidão junta aos autos). Ora, não obstante saber da existência da dita escritura desde aquela data, só em 28/10/2014 é que veio requerer a confiança dos autos de inventário e, apenas em 05/03/2015, portanto, 5 anos após o conhecimento daquele facto, é que veio pedir a sua intervenção como interessada nestes autos. E, o facto de o pedido de intervenção só ter sido decidido em 09/03/2020, não justifica o atraso na propositura da acção, pois, sabendo a requerente, desde o início de 2010, da existência da dita escritura, só em 2015 é que suscitou a questão no inventário, e estando assistida por mandatário, é razoável presumir, aliás na sequência da pronúncia dos demais interessados, que não podia ser admitida a intervir no inventário em face da escritura de alienação do seu quinhão hereditário, e que a invalidação deste acto, atentos os fundamentos invocados, só poderia ser decidida por via de acção e não por via incidental no processo de inventário. Deste modo, conclui-se que houve demora injustificada na propositura da acção prejudicial. 7. Acresce que os inconvenientes decorrentes para os demais interessados com a suspensão do inventário são manifestamente superiores aos que poderão advir da eventual procedência da acção prejudicial, cujo estado se desconhece. Na verdade, ainda que haja que se refazer a partilha, caso a decisão da acção prejudicial venha a ser favorável à requerente, a mesma apenas afectará a divisão da quota ideal na herança dos inventariados que caberia ao falecido J.N.D., que, assim, será a dividir pela sua filha M.R.J.D. e pela requerente O.D., havendo apenas que se anular e alterar os actos que então se venham a mostrar necessários. Aceitamos que o presente processo se tornou complexo, em face do número de intervenientes e incidentes suscitados, mas não é menos certo que tal complexidade se agrava com o tempo de pendência do inventário e que os demais interessados aguardam pela realização da partilha desde o já longínquo ano de 2006, pelo que se entende que, em face do tempo já decorrido, só em circunstâncias muito excepcionais seria de impor a suspensão do inventário. Por outro lado, a suspensão foi decretada numa altura, em que, para além da questão relativa à “falta” de relacionamento dos bens deixados por morte de um dos inventariados, que não está resolvida, estavam a decorrer diligências com vista à avaliação dos bens, por prova pericial, que até já decorre há vários anos, bem como questões relacionadas com os depósitos bancários e partilha dos mesmos, a que se faz referência em diversos requerimento juntos aos autos, bem como questões relacionadas com a penhora de quinhão hereditário (processo n.º4395/14.0YYLSB), questões estas que ficaram suspensas de decisão, como aliás resulta dos despacho proferido na mesma data do despacho que decretou a suspensão do inventário. 8. Deste modo, e concluindo, entende-se que deve ser revogada a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento do processo de inventário, devendo a partilha ser realizada provisoriamente, nos termos previstos nos artigos 1335º, n.º 3 e 4, e 1384º do Código de Processo Civil, caso à data da sua realização ainda não se mostre decidida, com trânsito em julgado, a acção n.º1040/20.9T8PTM, a correr termos no Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 2. As custas devem ficar a cargo de O.D., que interveio no recurso e contra-alegou, decaindo na decisão, sem prejuízo do apoio judiciário. * Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento do processo de inventário, devendo a partilha ser realizada provisoriamente, nos termos previstos nos artigos 1335º, n.º 3 e 4, e 1384º, do Código de Processo Civil, caso à data da sua realização ainda não se mostre decidida, com trânsito em julgado, a acção n.º 1040/20.9T8PTM, a correr termos no Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 2.IV – Decisão Custas a cargo de O.D., sem prejuízo do apoio judiciário. * Évora, 28 de Abril de 2022 Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro Florbela Moreira Lança (documento com assinatura electrónica) |