Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
163/14.8T8BJA.E1
Relator: ANTÓNIO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INSOLVÊNCIA
COMPETÊNCIA ORGÂNICA
Data do Acordão: 01/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É da competência da Instância Local (Secção Cível) do Tribunal da comarca - e não da sua Instância Central - a tramitação dos processos especiais de Insolvência, seja qual for o seu valor.
Decisão Texto Integral: CONFLITO 163/14.8T8BJA.E1
COMARCA DE BEJA
INSTÂNCIA LOCAL/INSTÂNCIA CENTRAL

A Sr.ª Juíza da instância central de Beja, da comarca de Beja, remeteu a este tribunal, para efeitos de resolução do conflito de competência, o processo de insolvência de pessoa colectiva (requerida) no qual foram proferidos despachos pela Sr.ª Juíza da instância local de Beja e por si própria, nos quais, do mesmo passo que declinam a competência respectiva, mutuamente a atribuem para a tramitação daqueles autos.
Cumprido o disposto no art. 112º do CPC, a Digna Magistrada do MºPº se pronunciou no sentido do deferimento da competência à Srª Juíza da instância local.

Consta dos autos que:
1 – Em 15.10.2014, (…) e (…) requereram na comarca de Beja, a declaração da sua insolvência.
2 – O valor da acção é de 59.080,00 €.
3 – Na sequência da entrada em vigor da LOSJ a Srª Juíza da instância local proferiu despacho declarando o seu tribunal incompetente, em razão do valor e ordenou a remessa à instância central
4 – Recebido o processo na instância central, aqui foi proferido despacho declarando a instância central incompetente em razão da matéria para tramitação e conhecimento da acção e competente a instância local da mesma comarca.
5 – Ambas as decisões transitaram em julgado.

QUESTÃO PRÉVIA
Como resulta do elenco factual referido, não estamos perante o típico conflito de competência previsto e regulado nos arts. 109º e segs. do CPC, mas perante um conflito atípico (como acertadamente o qualificou a Srª juíza da instância local) que, de qualquer forma, importa solucionar.
Na verdade a Sr.ª Juíza da instância local julgou o seu tribunal incompetente em razão do valor, ou seja, declarou a respectiva incompetência relativa. Já a Srª Juíza da instância central julgou o seu tribunal incompetente em razão da matéria, ou seja, declarou a respectiva incompetência absoluta.
Ambas as decisões transitaram em julgado.
Para cada uma daquelas declarações de incompetência o legislador consagrou caminhos de resolução diferentes.
Para a incompetência relativa a competência para a decisão definitiva cabe ao juiz do tribunal em que corre o processo, estabelecendo o art. 105º, nº 2 que “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”.
Daqui resulta que, em circunstância alguma, haverá conflito de competência relativa (em razão do valor da causa ou dos demais casos previstos no art. 102º do CPC), uma vez que a decisão que primeiro transita em julgado é aquela que fixa, de forma definitiva, a competência.
Já no caso de incompetência absoluta, como é o caso da incompetência em razão da matéria, poderá haver conflito, negativo ou positivo, consoante os casos, a tramitar com observância do estabelecido nos arts. 109º e segs. do CPC, cuja resolução cabe ao presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em, conflito (art. 110º, nº 2 do CPC).
No caso, temos de um lado uma declaração de incompetência relativa e do outro uma declaração de incompetência absoluta, sendo, todavia certo que ambos os juízes declinam a sua competência, ainda que por razões diferentes.
Dado que as decisões transitaram em julgado, estamos perante um verdadeiro conflito, ainda que atípico, que importa solucionar e cuja resolução cabe a esta presidência, nos termos do art. 110º, nº 2 do CPC (por analogia).

Decidindo.

A questão da competência coloca-se por força da entrada em vigor, em 1.09.2014 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26.01) (diploma a que se reportarão todos os preceitos doravante indicados sem indicação de outra fonte), que estabelece na al. a) do nº 1 do art. 128º que “compete às secções de comércio preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização”.
A comarca de Beja não tem secção de comércio.
Nos termos do art. 117º, nº 2, “nas comarcas onde não haja secção de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a essas secções”.
E determina o nº 1 do mesmo preceito:
“1 - Compete à secção cível da instância central:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a € 50 000, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outra secção ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.”
Tendo à acção em causa sido atribuído o valor de 59.080,00 €, entendeu a Mmª Juíza da Instância Local caber a competência à Instância Central por força do transcrito nº 1, al. a).
Mas, com todo o respeito, não tem razão.
O preceito em causa é perfeitamente claro ao atribuir a competência à Instância Central para as ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000.
Exigem-se, assim, dois requisitos cumulativos:
1 - ações declarativas cíveis de processo comum
2 - de valor superior a € 50 000.
Não basta pois, que o valor da causa seja superior a € 50 000. É ainda necessário que se trate de acção de processo comum.
E nem se diga que nesta interpretação fica esgotado o estabelecido no nº 2 em causa.
A Instância Central será a competente para as acções indicadas nas alíneas b) a i) e nºs 2 e 3 do art. 128º, desde que se trate de ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000.
Não oferece dúvidas, face ao estabelecido nos arts. 546º, 548º e 549º, nº 1 do CPC e no CIRE, que o processo de insolvência é um processo especial.
Consequentemente, sendo um processo especial, a competência para a sua tramitação e conhecimento, nas comarcas em que não haja secção de comércio, não cabe à Instância Central, seja qual for o valor da causa, mas à Instância Local, por força da competência residual atribuída no art. 130º, nº 1, al. a) (“compete às secções de competência genérica preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada”).
Refira-se ainda que a tese da competência da instância central ou local consoante o valor poderia conduzir ao absurdo da eventual alteração da competência poder ocorrer em qualquer fase do processo, já que, nos termos do art. 15º do CIRE o valor da causa é determinado pelo activo do devedor indicado na petição, mas a ser corrigido logo que se verifique ser diferente do valor real.
Por conseguinte e sem necessidade de maiores considerandos, a competência para a presente acção de insolvência cabe à Instância Local de Beja.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 30.01.2015

(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Vice-Presidente)