Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
52149/19.0YIPRT.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: INJUNÇÃO
MEIO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A pretensão que pode ser exercida no processo de injunção é apenas aquela que se baseia em relações contratuais, cujo objeto da prestação seja diretamente referido a uma determinada quantidade monetária, ou seja, obrigações pecuniárias que tenham como fonte direta um contrato e não obrigações que tenham como origem outra fonte, nomeadamente, dívida derivada de responsabilidade civil.
II.- Dito de outro modo, o pedido processualmente admissível será a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.
III.- O princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do CPC visa a realização da justiça em prazo razoável, cumprindo o comando constitucional do artigo 20º/4, mediante um procedimento equitativo, mas que garanta também a efetivação dos princípios da segurança jurídica, da aquisição processual dos factos e do dispositivo.
IV.- Se a convolação do processo especial para processo declarativo comum redunda em diminuição do prazo para a defesa do Réu, não está garantida a efetivação do princípio do processo equitativo e da segurança jurídica, mediante os quais o tribunal está obrigado a garantir às partes um estatuto de igualdade substancial no uso de meios de defesa, como o preconiza o artigo 4.º do CPC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 52149/19.0YIPRT.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)


Recorrido: (…), Lda.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Olhão, Juiz 1, nestes autos de ação declarativa especial foi proferida a seguinte decisão:

Nos presentes autos de ação declarativa especial a que se refere o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, inicialmente tramitado como injunção que (…) deduziu contra (…), Lda., antes de mais, importa considerar a adequação da forma processual.
A Autora peticiona nos presentes autos a condenação da Ré no pagamento do capital no montante de Euros 11.700,00, acrescido de juros de mora no montante de Euros 1.972,33.
Para tanto alegou a celebração em 23 de dezembro de 2016 de um contrato de “fornecimento de bens e serviços” e de modo mais concretizado alegou o seguinte:
“A requerente é proprietária de uma caravana que se encontra no prédio rústico propriedade da mesma.
O requerido é empresário realizando trabalhos de reparação e construção em vários materiais leves.
Em 23-12-2016 realizou um contrato de prestação de serviços com a requerente pelo qual construía uma casa de depósito pelo valor de € 2.500,00 e restaurava a "casa" (caravana) pelo valor de € 4.500,00, conf. doc.1.
E pelo qual recebeu como sinal o valor de € 700,00.
A obra dever-se-ia ter iniciado em 2017.
Em abril de 2017 apesar de e-mails trocados entre a requerente e requerido e ainda com o Sr. (…) o requerido nada fez.
Após tal data o requerido veio a tirar portas e janelas para a sua oficina, tendo arrancado parte das paredes e telhado, danificando a caravana.
Deixando entrar animais, chuva e pessoas no espaço.
Bem sabendo que destruía toda a caravana o que quis e pretendeu e tendo-o conseguido.
Assim veio a danificar a caravana no valor de € 3.800,00 para além de se ter quedado com o valor de € 700,00.
A requerente teve de contratar nova sociedade tendo deixado de ali viver durante o tempo que passa em Portugal, impossibilitando o seu uso cerca de 16 meses e devendo ser indemnizada no valor de € 15,00 por dia o que determina o valor de € 7.200,00.
Acrescido do valor supra referido de € 700,00 (do sinal) e ainda do valor do dano provocado de € 3.800,00.
Capital: 11.700 no valor de 11.700,00 € + juros entre 23/12/2016 e 20/05/2019 (20,19 € (9 dias a 7,00%) + 406,13 € (181 dias a 7,00%) + 412,87 € (184 dias a 7,00%) + 406,13 € (181 dias a 7,00%) + 412,87 € (184 dias a 7,00%) + 314,14 € (140 dias a 7,00%))
Capital Inicial: 11.700,00 €
Total de Juro: 1.972,33 €
Capital Acumulado: 13.672,33 €”
Atenta a causa de pedir apresentada importa considerar o seguinte: dispõe o artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que se considera “injunção” a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 269/98, ou das obrigações emergentes de transações comerciais.
O mencionado preceito legal refere-se aos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a Euros 15.000,00 (quinze mil euros).
Obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação (artigo 397.º do Código Civil).
Pela inserção sistemática das fontes das obrigações no Código Civil (Livro II, Título I, Capítulo II), verificamos que este vínculo pode ter por origem:
a) a própria lei, em sentido lato (obrigação legal);
b) um contrato;
c) um negócio unilateral;
d) uma gestão de negócios;
e) um enriquecimento sem causa;
f) a responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos, pelo risco, ou mesmo por factos lícitos.

O procedimento de injunção, a que a ora Autora recorreu, destina-se a conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e apenas a estas.
No caso dos autos, a Autora não se encontra a peticionar qualquer quantia pecuniária que constitua uma prestação fixada num qualquer contrato visto a Autora alegar ser dona de uma determinada obra e ter acordado com a Ré a realização de determinados trabalhos.
Com efeito, a Autora alegou ter celebrado “contrato de prestação de serviços com a requerente pelo qual [a Requerida] construía uma casa de deposito pelo valor de € 2.500,00 e restaurava a "casa" (caravana) pelo valor de € 4.500,00”.
Aquelas prestações eram, pois, devidas à ora Ré e não à Autora, uma vez completados os trabalhos previstos pelas partes.
Mais alegou a Autora que a Ré nada fez; que tirou as portas e janelas para a sua oficina tendo arrancado parte das paredes e telhado, danificando desse modo a caravana, permitindo a entrada de animais, chuva e pessoas no espaço, pelo que terá causado a destruição da caravana no valor de Euros 3.800,00 para além do valor que a Autora entregou a título de sinal (Euros 700,00).
Alega ainda danos relativos à perda do gozo daquele espaço, que constituiria a sua habitação, peticionado a este respeito a condenação da Ré no pagamento da quantia de Euros 7.200,00 correspondendo a dezasseis meses à razão diária de quinze euros.
As quantias peticionadas, como se encontra evidenciado, constituem assim alegados danos decorrentes da falta de cumprimento do contrato e não podem considerar-se prestações pecuniárias previstas no próprio contrato.
Como escreve Salvador da Costa acerca da espécie pela qual tramitam os presentes autos, “O regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual (…)” – cfr. A injunção e as conexas ação e execução, Coimbra, 5.ª ed., pp. 41-43.
Conforme tem sido afirmado pela jurisprudência, apenas as obrigações pecuniárias em sentido estrito, isto é, aquelas em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação, serão suscetíveis de reconhecimento por esta via processual.
Já as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação, pelo que esta via processual será inadequada – cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2010 e de 12 de maio de 2015 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de outubro de 2015 (processo número 96198/13.1YIPRT-A.L1-2), publicados em http://www.dgsi.pt.
Assim, julga-se que a Autora recorreu a meio processual inadequado para exigir o pagamento da indemnização peticionada, pelo que se conclui ocorrer nos autos exceção dilatória de conhecimento oficioso e, no caso, insuscetível de sanação, desde logo porquanto a forma escolhida implicou sensível diminuição dos meios de defesa da Ré considerando o prazo de contestação inferior àquele que se prevê no processo comum, pelo que se impõe a absolvição da Ré da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 193.º, n.º 2, 196.º, 200.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
A Autora responde pelas custas do processo, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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Não se conformando com o decidido, a autora recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

1. A Autora, ora Recorrente apresentou requerimento de injunção peticionando a quantia de € 13.672,33 devido a incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré (…), Lda.

2. Por sentença datada de 22-06-2020 o tribunal “a quo” julgou que a Autora recorreu a meio processual inadequado para exigir o pagamento da indemnização peticionada, e concluiu ocorrer nos autos exceção dilatória de conhecimento oficioso e no caso insuscetível de sanação.

3. A Autora, ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto o pedido deduzido pela Autora tem como fundamento a responsabilidade civil no âmbito do contrato de prestação de serviços, não se tratando de responsabilidade civil extracontratual, mas sim responsabilidade contratual por contrato de prestação de serviços.

4. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que o presente procedimento de injunção não se destina a cumprir a obrigação pecuniária emergente de contrato.

5. Porém, nos presentes autos, ponderando a matéria alegada e a documentação junta, fica minimamente demonstrado que a dívida invocada resulta de uma transação comercial e de uma obrigação assumida no contrato de prestação de serviços celebrado.

6. Não existe erro na forma de processo, uma vez que a Autora, ora Recorrente pode recorrer ao procedimento de injunção para obter um título executivo com vista ao cumprimento coercivo de obrigação pecuniária.

7. Resultando a quantia peticionada do contrato e do não cumprimento deste.

8. Ao arrepio da decisão recorrida consideramos que estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito.

9. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 7.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.

10.Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que ordene que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos.

11. Sem prescindir e caso assim não se entenda sempre se dirá que andou mal o tribunal ao não ponderar a adequação formal dos presentes autos e a convolação em ação comum.

12. O tribunal “a quo” deveria ter feito uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual e convolar os presentes ação em ação comum de condenação ou convidar as partes ao aperfeiçoamento, com vista a permitir uma solução justa do litígio evitando-se a instauração de outra acção.

13. A decisão recorrida viola assim o princípio da adequação formal, e o disposto no artigo 547.º do Código de Processo Civil.

14. E bem assim a nossa jurisprudência dominante, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 53691/18.5YIPRT.A-G1, datado de 31-01-2019, disponível em www.dgsi.pt.

15. Não devendo razões de natureza adjetiva obstar à realização do direito substantivo.

16. Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada por violação do princípio da adequação formal e do disposto no artigo 547.º do Código de Processo Civil, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.


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Foram dispensados os vistos.

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As questões que importa decidir são as de saber:
1.- Se a recorrente formulou a sua pretensão mediante o processo legalmente previsto e,
2.- Se foi violado o princípio da adequação formal.
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A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial.
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Conhecendo.
1.- Saber se a recorrente formulou a sua pretensão mediante o processo legalmente previsto.
Na sentença recorrida considerou-se que a recorrente fez uso indevido do procedimento de injunção, porque as obrigações cujo cumprimento se peticiona não emergem diretamente de um contrato, como obriga o DL 269/98, 01-09, pelo que se verifica in casu, um uso indevido do processo o que conduz necessariamente à absolvição da instância recorrido, uma vez que tal uso indevido constitui exceção dilatória inominada.
Contra esta asserção se insurge agora a recorrente argumentando em sentido inverso, defendendo que a relação jurídica que se estabeleceu entre as partes não configura uma relação extracontratual, mas tem como fonte um contrato.
Quid juris?
O artigo 7.º do Regime dos Procedimentos Destinados a Exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor Não Superior à Alçada do Tribunal de 1ª Instância dispõe que se considera injunção, a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações, a que se refere o artigo 1.º do DL 269/98, de 01-09.
Da matéria de facto acima referida, resulta que a autora/recorrente peticiona a condenação do Réu/recorrido no pagamento do capital no montante total de € 13.672,33.
E que esta quantia se subdivide em € 11.700,00 de capital, acrescido de juros no valor de € 1.972,33.
Por sua vez, a quantia em dívida resulta do incumprimento de um contrato de fornecimento de bens e serviços, consubstanciado para o recorrido na obrigação de construir um depósito, restaurar uma casa/caravana, mas que esta veio a ser danificada o que causou uma diminuição patrimonial no valor de € 3.800,00; teve de contratar nova sociedade tendo deixado de viver na caravana durante algum tempo, impossibilitando o seu uso cerca de 16 meses, peticionando, por isso, uma indemnização no valor de € 7.200,00 a que acresce a devolução de € 700,00 que o recorrido recebeu e fez seus.
Aqui chegados somos levados a concluir que, face ao teor do requerimento de injunção, verifica-se que a requerente utilizou o procedimento de injunção não para exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato, mas sim para exigir várias obrigações pecuniárias decorrente da resolução desse contrato.
Neste conspecto importa trazer à colação o que se escreveu no Ac. TRL de 17-12-2015, Procº 122528/14.9 YIPRT.L1-2:
1.- É pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa, apenas nos interessando para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária atuável pela via da injunção - as obrigações pecuniárias acima referidas, como obrigações de quantidade (aquelas que têm por objeto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária).
2.- É, no entanto, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito.
3.- Enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação, já as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.
4.- Será, pois, o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos (Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013), de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objetivo de admissibilidade do processo de injunção.

No caso dos autos, a recorrente faz apelo à responsabilidade em que o devedor terá incorrido pelo incumprimento do contrato, ao peticionar o valor correspondente ao não uso da sua habitação, prestação que, como é evidente, não deriva diretamente de qualquer cláusula do contrato de fornecimento de bens e serviços, mas se inscreve num ressarcimento reintegrativo da sua esfera jurídica patrimonial que terá sofrido uma diminuição patrimonial correspondente.

Também sobre esta vertente se escreveu no Ac. TRP de 15-01-2019, Rodrigues Pires, Procº 141613/14.0YIPRT.P1:
I - Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não podem ser peticionadas naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil.
II - A cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito. (…).

Paulo Duarte Teixeira in Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, em Themis, VII, nº 13, pág. 184, recorta a pretensão que pode ser exercida no processo de injunção: “apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.”
Assim sendo, uma vez que está demonstrado não se basear a pretensão da recorrente uma obrigação pecuniária diretamente decorrente de uma relação contratual, o processo de injunção é um meio processual inadequado para o efeito, pelo que bem andou o tribunal a quo ao absolver da instância o recorrido.
De onde se conclui que improcedem as conclusões da recorrente nesta parte.
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2.- Resta saber se foi violado o princípio da adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC.
Este princípio obriga o juiz a adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
E é uma emanação do dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º do mesmo diploma, que autoriza a realização ou a dispensa de certo atos processuais.
Institutos que configuram uma cedência do direito continental (civil law) ao direito do common law, onde tem grande tradição a procura da resolução dos conflitos utilizando para isso instrumentos de grande abertura e pragmatismo, em detrimento de um excessivo formalismo que enforma o direto continental o que o impede, amiúde, de encontrar a justa composição material dos litígios bastando-se com decisões apenas formalmente justas (Em Inglaterra a Rule 1.1 (c)e (d) do Code of Procedural Rules e, nos EUA, o § 473º (a) (1) do Title 28 USC).
A adequação formal visa, em suma, a realização da justiça em prazo razoável, cumprindo o comando constitucional do artigo 20.º, mas mediante um procedimento equitativo, que garanta também a efetivação dos princípios da segurança jurídica, da aquisição processual dos factos e do dispositivo – neste sentido, Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. II, 2018, pág. 12 a 19 e Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. I, 219, pág. 88.
Como escreveu Cardona Ferreira no Ac. STJ de 18-11-1997, Procº 97A726 relativamente ao artigo 265.º-A do anterior CPC, onde se previa o mesmo princípio, “o princípio da adequação formal deve ser aplicado casuisticamente e com cuidado, sob pena de indisciplina e de insegurança”.

Argumenta a recorrente que, no caso dos autos, deveria o tribunal a quo convolar a injunção para ação declarativa comum, ou convidar as partes ao aperfeiçoamento com vista a permitir uma solução justa do litígio evitando-se a instauração de outra ação, pelo que foi violado o que dispõe o artigo 547.º do CPC.

Nesta sede, o tribunal a quo ponderou o prazo de defesa de 15 dias no processo declarativo especial e o de 30 dias no processo comum, concluindo que a forma processual escolhida pela autora é insuscetível de sanação porquanto a forma escolhida implicou sensível diminuição dos meios de defesa da Ré considerando o prazo de contestação inferior àquele que se prevê no processo comum.
O que equivale por dizer que, a convolação do processo especial para processo declarativo comum, redundaria numa clara diminuição do prazo para a defesa do Réu, o que não garantiria a efetivação do princípio do processo equitativo e da necessária segurança jurídica, mediante os quais o tribunal está obrigado a garantir às partes um estatuto de igualdade substancial no uso de meios de defesa, como o preconiza também o artigo 4.º do CPC.
Tudo porque o princípio da adequação formal não vive sozinho no mundo processual, para operar tem que ser integrado sistematicamente com outros princípios de igual ou superior valia, cedendo quando estes se sobreponham, como é o caso dos autos.

No mesmo sentido, cfr. Ac. TRC de 14-10-2014, Carvalho Martins, Procº 507/10.1T2AVR-C.C1:
1.- O principio da adequação formal, consagrado no art. 547.º CPC, não transforma o juiz em legislador, ou seja, o ritualismo processual não é apenas aplicável quando aquele não decida, a seu belo prazer, adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais, sob a invocação de, desse modo, assegurar um processo equitativo.
2.- Os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas (art. 4.º-2 da Lei n.º 21/85, de 30-7), e, daí, que o poder-dever que lhes confere o preceito em causa deva ser usado tão somente quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo. Trata-se de uma válvula de escape, e não de um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica.

Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao não convolar o processo, o que significa que improcede a apelação na sua totalidade.

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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º CPC.

Notifique.

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Évora, 25-02-2021

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa