Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2458/18.2T8EVR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O despedimento com justa causa por falta disciplinar do trabalhador apenas pode ser decretado se ocorrer absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral.
2. Ao empregador cabe o ónus de alegar e demonstrar os factos essenciais para aferir a ocorrência de um acto doloso ou gravemente negligente, apto a quebrar de forma definitiva o suporte psicológico mínimo necessário ao desenvolvimento da relação laboral.
3. No caso de uma ajudante de lar e centro de dia, que durante a higiene corporal prestada a uma idosa indefesa, mas na presença de outra trabalhadora e da própria filha da idosa, introduz uma esponja na boca da idosa, não se pode concluir pela ocorrência de um tratamento violento, ou humilhante e degradante, se igualmente se apura a ocorrência de um quadro em que a idosa tentava introduzir na boca a esponja e as toalhas, e se ignoram factos relevantes associados à intensidade e gravidade do acto, como intenção maliciosa, tempo do acto, quantidade de esponja introduzida, ou se a utente engoliu nessa sequência alguma água ou sabão. (sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, C…a impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pelo empregador Centro Social e Paroquial ….
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, o empregador apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, concluindo pela ilicitude daquela decisão e pedindo o pagamento de indemnização de antiguidade e retribuições devidas desde o despedimento, bem como € 1.394,53 a título de diferenças salariais.
Realizado o julgamento, a sentença declarou a ilicitude do despedimento, condenando o empregador a pagar uma indemnização equivalente a 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção, bem como as retribuições devidas desde o despedimento, sem prejuízo de eventual desconto das quantias a que se refere o art. 390.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho, e absolvendo do demais peticionado.

Introduzindo a presente instância recursiva, o empregador conclui:
1.ª O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, por em seu entender, ter ocorrido erro manifesto na apreciação das provas, no que respeita aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados;
2.ª A decisão recorrida errou, ainda, ao não considerar como provados factos que resultam da prova produzida, dando como não provados factos que deviam ter sido dados como assentes;
3.ª A sentença fez uma incorrecta apreciação dos factos e do direito, tendo deixado violadas normas jurídicas, designadamente o artº 128º e o artigo 351º do Código do trabalho.
4.ª Com relevância para o presente recurso, o despedimento da Autora foi promovido pelo Réu com fundamento violação dos deveres de a trabalhadora realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as suas ordens e instruções respeitantes a execução ou disciplina do trabalho.
5.ª Entendeu o Recorrente que a trabalhadora desobedeceu a ordens que legitimamente lhe foram transmitidas no sentido de consultar os livros de recados e de ocorrências, assim como que a trabalhadora apesar de ter visto que o soro não estava a ser infundido na idosa doente, não adoptou nenhum procedimento tendente à resolução do problema, deixando a mesma entregue à sua sorte.
6.ª Foi ainda tido em conta como fundamento do despedimento com justa causa, o facto da trabalhadora quando estava a fazer a higiene corporal da utente A…, lhe ter introduzido na boca a esponja que estava a usar para a lavar, tendo-o feito na presença da filha da idosa, factos que foram do conhecimento de outros familiares, os quais manifestaram ao Recorrente o seu desagrado pelo sucedido.
7.ª O Recorrente considerando a actuação da Autora como ilícita e violadora das normas constantes das alíneas a), c), e e) do nº 1 do artigo 128º, a qual pela sua gravidade e consequência, abalou irremediavelmente a confiança que nela depositava, procedeu ao seu despedimento com justa causa, nos termos do disposto no artº 351º nº 1 e nº 2 a), d) h) e i) do Código do Trabalho.
8.ª Em contrapartida, a trabalhadora considerou que a justa causa de despedimento prevista no artº 351º não se encontra preenchida por não ter praticado qualquer ato doloso ou culposo consubstanciado na violação de qualquer dever funcional, nem ter assumido qualquer comportamento que, pela sua gravidade e consequências, impossibilite a continuidade da relação laboral.
9.ª Decidiu a Mmª Juiz que a entidade patronal não logrou provar a factualidade que esteve na base do despedimento e nem que de tal factualidade se pode retirar a culpa da trabalhadora e a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, tendo em consequência declarado ilícito o despedimento e o Recorrente sido condenado a pagar à Recorrida uma indemnização em valor equivalente a trinta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção, até há data do trânsito em julgado da decisão.
10.ª Foi ainda a entidade patronal condenada a pagar à trabalhadora as retribuições que seriam devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo férias e os subsídios de férias e de Natal devidos no referido período, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se referem os artigos 390º, 2 c) do Código do Trabalho, e 98º-N 1 a 3 do Código do Processo de Trabalho, acrescidas dos juros à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
11.ª A Meritíssima Juiz considerou que a Recorrida não violou o seu dever de obediência no que se refere à consulta dos livros de recados da enfermeira e da médica, por a respectiva existência e consulta não resultarem de obrigação imposta pela Segurança Social
12.ª A Mmºa Juiz decidiu incorrectamente, quando deu como não provado tal facto (nº 1 dos factos dados como não provados) motivo porque se impugnando a decisão sobre a matéria se requer a reapreciação da prova gravada no que se refere às testemunhas:
i) T… (início da gravação: 11:24:19, fim da gravação 11:53:10)
ii) S… (início da gravação: 10:44:04, fim da gravação 11:23:10)
iii) I… (início da gravação 11:53:59, fim da gravação 12:22:43)
13.ª Tais depoimentos mostram-se em harmonia entre si e dos mesmos o que ficou demonstrado é que quer o Livro de Ocorrências das trabalhadoras, quer o Livro de Recados da enfermeira e da médica, existem na ERPI, por imposição do Instituto da Segurança Social, sendo este último essencial à boa comunicação entre o corpo clínico do Lar de Idosos e as restantes colaboradoras.
14.ª Assim como ficou demonstrado, com base nos supra referidos depoimentos, que é através da leitura deste livro de recados da enfermeira e da médica que as trabalhadoras têm conhecimento de quais os procedimentos clínicos que devem observar relativamente a cada um dos idosos, o que só por simples dever de diligência e zelo seria suficiente para incutir na Recorrida a necessidade de os consultar.
15.ª Acresce que nenhuma dúvida subsiste, face à prova produzida, de que todas as colaboradoras têm ordens, transmitidas pela sua directora técnica, de que devem iniciar os respectivos turnos pela leitura dos referidos livros, encontrando-se os mesmos em local acessível e do conhecimento de todas as colaboradoras.
16.ª Mais resulta daqueles depoimentos, sobretudo do da testemunha S…, que as colaboradoras têm ordens para ler os recados referentes aos dias em que estejam ausentes do lar, por ser esta a única forma de tomarem conhecimento do que ali se passou durante a sua ausência e, assim, poderem dar continuidade aos cuidados devidos aos idosos. Facto aliás dado como provado relativamente ao livro de ocorrências das trabalhadoras (13º dos factos assentes) mas que, tendo em conta a prova supra indicada, também o devia ter sido quanto ao Livro de recados da enfermeira e da médica.
17.ª Assim, demonstrada a obrigatoriedade da existência do livro de recados da enfermeira, bem como a obrigatoriedade da respectiva consulta, que resulta de ordens legítimas da direcção técnica do Recorrente, melhor justiça teria sido feita se o Tribunal tivesse decidido que a Recorrida violou o seu dever funcional de obediência ao não proceder aquela consulta.
18.ª Sendo irrelevantes os factos dados como provados em 38º e 39º, impondo-se por isso, interpretação diversa daquela que foi efectuada pela Mma. Juiz, porquanto ainda que nenhuma colega tenha transmitido à Autora que a utente M… estava a soro, ou que essa informação não constasse dos registo desse dia, sempre a trabalhadora a teria obtido se tivesse lido o livro de recados da enfermeira, referente aos dias em que esteve ausente, como era sua obrigação funcional.
19.ª Em consequência, se tivesse ocorrido um correto julgamento da prova produzida, necessariamente teria sido decidido que a trabalhadora Autora/Recorrida ao não consultar aqueles livros, como a própria comunicou à Directora Técnica, sua superior hierárquica, e como era sua obrigação funcional, sem que se tenha apurado qualquer razão justificativa de tal omissão, desobedeceu às ordens expressas da sua entidade patronal, violando com isso o dever de obediência a que estava adstrita, tal como foi considerado em sede de processo disciplinar.
20.ª O Tribunal recorrido também errou quando decidiu que não assiste razão à entidade patronal Recorrente quando esta despediu a Recorrida com justa causa, por considerar que a mesma lhe desobedeceu ilegitimamente actuando sem zelo nem diligência quando não adoptou nenhum procedimento tendente a resolução do problema da infusão do soro na cliente M…, apesar de a conhecer, não procurou reverter a situação através do manuseamento do dispositivo aplicado na doente, não comunicou esse facto às colegas a quem induziu erro quando lhes disse que estava tudo bem e não reportou a informação nem à enfermeira, nem à médica, nem à directora técnica.
21.ª O tribunal estribou a sua decisão no facto da enfermeira não ter escrito no seu livro de recados que a infusão do soro devia demorar 24 horas, considerando, erradamente, que tal levou a que as colaboradoras não percebessem que o soro não estava a ser infundido correctamente, concluindo que a Recorrida não incorreu na violação dos seus deveres de zelo e diligência na execução do trabalho e de obediência às ordens que legitimamente lhe são transmitidas.
22.ª Contudo, ficou demonstrado que a omissão da informação sobre a velocidade de gotejamento do soro e o período de tempo que o mesmo, previsivelmente, demoraria a ser infundido, não explica nem justifica a conduta da Autora, consubstanciada na não consulta dos livros de ocorrência e no não cumprimento dos procedimentos instituídos na ERPI, com vista à resolução destes episódios e salvaguarda do bem-estar e saúde dos idosos.
23.ª A este respeito deve ser reapreciada a prova resultante do depoimento da seguinte testemunha:
i) T… (início da gravação: 11:24:19, fim da gravação 11:53:10)
24.ª Resulta do depoimento desta testemunha enfermeira de serviço no Lar do Recorrente, que não registou o período de e tempo que a infusão do soro previsivelmente demoraria, por tal informação ser irrelevante, já que o fundamental era que o soro se mantivesse a ser infundido, lentamente ou não, estando esta testemunha bem como as demais, cientes de que velocidade de infusão depende de vários factores, designadamente a posição e movimentos quer do doente, quer dos aparelhos aplicados.
25.ª Razão pela qual, resulta da prova produzida que as colaboradoras que viram a correr o soro lentamente, não reportaram esse facto nem a direcção, nem ao corpo clínico (factos provados em 19º, 20º e 23º)
26.ª Assim como resulta assente que as testemunhas I…e M…, apercebendo-se de que o soro não corria e não conseguido repor o mesmo pelo simples manuseamento, reportaram essa dificuldade à directora técnica (factos provados em 21º, 22º, 25º, 26º e 27º)
27.ª Pelo que o Tribunal devia ter dado como provado que as colaboradoras que contactaram a idosa, ou viram o soro a correr lentamente (C…., S… e I…), ou percebendo que o soro não corria, cumpriram os procedimentos instituídos (M… e I…).
28.ª Considerando (em 4º) tais factos como não provados o tribunal fez uma incorrecta apreciação da prova decidindo em consequência, erradamente.
29.ª Melhor justiça tinha sido feita se o tribunal tivesse face à prova produzida, tivesse concluído que quem não cumpriu as ordens funcionais que lhe foram transmitidas, foi a trabalhadora C… aqui Recorrida, a qual, sem qualquer justificação para o efeito, e embora ciente de que a utente estava submetida a soro e que este não estava a ser infundido, nada fez para resolver a situação.
30.ª Efectivamente ficou demostrado que bastava à Recorrida a constatação de que o soro não corria, para, pelo menos, tentar resolver o problema manuseando o cateter, ou, caso não o conseguisse, reportar esse facto ou à enfermeira ou à directora, sendo-lhe indiferente a que horas o soro devia ser retirado.
31.ª Ora a trabalhadora, percebendo que o soro não estava a ser absorvido, tal como o disse à directora, optou por ignorar a situação da idosa não cumprindo nenhum dos procedimentos funcionais a que estava obrigada.
32.ª Acresce que não se compreende, nem se aceita, a conclusão do tribunal a quo quando considera que as funcionárias M… e I… que entraram ao serviço no turno de sábado respectivamente as 14,30h e as 16,00h, constatando que o soro não corria, nada fizeram.
33.ª Esta decisão está em flagrante contradição com a matéria dada como provada em 21º, 22º, de onde resulta que se apercebendo da ausência de infusão reportaram tal facto a directora, que lhes pediu que manuseassem o infusor tendo sido suficiente para que o soro retomasse o seu curso, o que tornou desnecessário naquela altura, a intervenção da enfermeira.
34.ª Não podia, pois, o tribunal ter concluído em sentido contrário aos factos que deu como provados.
35.ª Pela mesma razão, bem como atendendo aos factos dados como provados em 25º, 26º e 27º, não podia a Mmª Juiz concluir que estas colaboradoras, M… e I…, só depois de terem passado 48 horas é que entraram em contacto com a directora.
36.ª Isto porque é claro, da matéria dada como provada, que foram estas as únicas colaboradoras quem indubitavelmente, agiu em conformidade com as regras instituídas no lar, telefonando à directora reportando-lhe que o soro não corria, assim que assumiram o seu turno de trabalho de sábado e avistaram a doente.
37.ª A conduta da Recorrida acarretou um prejuízo grave para o Recorrente, ainda que não de carácter patrimonial, mas traduzido na afectação séria da autoridade daquele, enquanto entidade patronal.
38.ª O Recorrente perdeu a confiança na Autora por via do desrespeito por parte desta, das regras e procedimentos instituídos no âmbito da sua organização, o que se revela tanto mais grave quanto esses procedimentos se destinam a salvaguardar a vida e integridade física de pessoas idosas e doentes.
39.ª A conduta supra descrita abalou indubitavelmente a confiança que necessariamente terá de existir entre a entidade patronal/Recorrente e a Recorrida e criou legitimamente, no espirito daquele, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura da trabalhadora, não sendo de exigir que mantenha ao seu serviço uma colaboradora capaz de ignorar uma pessoa doente, eximindo-se sem qualquer justificação, à responsabilidade de lhe garantir ajuda.
40.ª A factualidade apurada demonstra o cumprimento do requisito subjectivo do despedimento sanção, traduzido no comportamento culposo da trabalhadora, bem como o requisito objectivo correspondente à gravidade e consequências dessa conduta e ainda o nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral
41.ª Com efeito, o comportamento da Recorrida é revelador da violação dos deveres estabelecidos nas alíneas c) e e) do artigo 128º do Código do Trabalho o que manifestamente, legitima a aplicação da sanção disciplinar, sendo que tal comportamento, por força do disposto no artigo 351º nº 1 e 2 alínea a) e d) do mesmo diploma legal constitui justa causa de despedimento.
42.ª Mas, a Sentença recorrida merece igualmente censura quando decidiu que a conduta da trabalhadora relativamente à utente A…, não determinou a quebra definitiva de confiança ou a impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, concluindo pela inexistência de justa causa de despedimento da Recorrida.
43.ª Importa relembrar que a este respeito foi dado como provado que:
i) No dia 1 de Outubro de 2018 a trabalhadora deslocou-se a casa da cliente A…, acompanhada da colega F…, para fazerem a higiene da mesma e, de seguida transportarem-na para o centro de Dia da Ré (facto 29º);
ii) Quando procedia à higiene corporal da referida utente, utilizando para o efeito uma esponja, com a qual procedia a lavagem do corpo da idosa, a trabalhadora introduziu a mesma na boca da cliente, na presença da filha desta. (facto 30º);
iii) A trabalhadora conhece a A… e sabe que a mesma se encontra demente, que grita e gesticula quando lhe mexem e que é totalmente dependente de terceiros sendo incapaz de se defender de qualquer agressão. (31º)
iv) Que a idosa A… apresenta, por vezes, comportamentos muito alterados que quando no banho, se manifestam através da tentativa de apanhar a esponja e toalhas de banho e levá-las à boca (44º)
44.ª Todavia, entendeu o Tribunal a quo que foi um num “contexto de agitação da utente que puxava o braço da trabalhadora na direcção da sua boca como se quisesse abocanhar a esponja, gesto que faz habitualmente, que a trabalhadora colocou a esponja na boca da utente, dizendo-lhe “Vá morde lá”, retirando-a logo de seguida”.
45.ª E considerando a factualidade dada como provada, a Mmª Juiz entendeu tratar-se de “um comportamento desrespeitoso em relação a qualquer pessoa e ainda mais em relação a alguém idoso e demente incapaz de se defender”, considerando que “houve aqui uma violação do dever em apreço”.
46.ª Contudo, ao arrepio desta constatação, o tribunal acabou por decidir que a violação do referido dever de respeito, praticado como refere, contra uma idosa, demente e incapaz de se defender, não constitui justa causa de despedimento.
47.ª A Mmª juiz cimenta a sua errada decisão na consideração que o gesto da trabalhadora não foi violento, não visou calar a utente e que a esponja foi retirada de imediato, não tendo provocado o engasgamento da utente nem tendo esta engolido água.
48.ª Mais se explana na douta decisão recorrida que o facto de a filha da idosa estar presente no local e ter ficado muito incomodada com a situação se explica pelo facto desta, a filha, ser uma pessoa portadora de deficiência mental e muito nervosa.
49.ª Não pode, no entanto, impor-se ao Recorrente que aceite que os seus clientes/utentes, seja qual for a sua condição clínica, estejam ou não na posse das suas faculdades mentais, sejam sujeitos a situações humilhantes ou degradantes.
50.ª Acresce que para além do aspecto moral, a Recorrente presta serviços que lhe são pagos pelos clientes/utentes, não podendo deixar de ter presente que essa prestação tem de ser de qualidade sob pena de perder o cliente.
51.ª Não pode por isso proceder a decisão ora em pareço, quando determinou que a conduta da trabalhadora não revestiu gravidade suficiente para constituir justa causa de despedimento.
52.ª Não subsistindo dúvidas de que o gesto da trabalhadora foi desrespeitoso, tal devia ter sido suficiente ao tribunal para considerar que o mesmo reveste gravidade suficiente para integrar o conceito de justa causa de despedimento, já que mais não seja porque praticado contra uma pessoa idosa e incapaz de se defender e por não se alcançar outro objectivo da prática do mesmo que não a vontade apoucar e humilhar a idosa.
53.ª E carecendo de justificação os métodos irregulares utilizados pela trabalhadora contra uma pessoa dependente, e tendo presente que nada na factualidade provada permite supor que tais métodos tenham sido autorizados pela entidade patronal, não podia deixar de se concluir que a trabalhadora infringiu os deveres de respeito, zelo e diligência a que estava adstrita, em termos que impossibilitam prática e imediatamente a subsistência da relação de trabalho.
54.ª A conduta da trabalhadora é grave no confronto dos seus deveres de boa trabalhadora e é ainda mais grave pelas consequências, na medida em que é susceptível de afectar irremediavelmente a imagem da Ré junto dos seus clientes.
55.ª Além da gravidade intrínseca dos factos, a situação tornou-se conhecida dos familiares, tendo o Réu/Recorrente sido obrigado a comunicar a mesma e a dar explicações sobre o sucedido.
56.ª Factos cuja prova resulta das declarações prestadas pela testemunha J…, sobrinho de A…, cujo depoimento prestado a 13.05.2016 se mostra gravado com início as 10:37:38 e fim às 10:43:14 e que não foram tidos em conta pelo Tribunal e deviam ter sido.
57.ª O tribunal ignorou e não podia ter ignorado, que estes factos foram do conhecimento dos familiares dos idosos. Desde logo da sua filha, a qual, ainda que padecendo de limitações cognitivas, assistiu a agressão o que a deixou muito perturbada, sentimentos que deviam ter sido tidos em conta pelo tribunal e não desvalorizados como o foram.
58.ª Acresce que também os demais familiares da idosa conhecedores da situação ponderaram prescindir dos serviços do Ré, caso a Autora se mantivesse a fazer a higiene da idosa.
59.ª Ou seja, o tribunal a quo errou quando desconsiderou factos praticados pela colaboradora afectaram a imagem do Recorrente que viu diminuída a confiança que os clientes em si depositavam.
60.ª Consabidamente os danos na imagem, no prestígio e bom nome do Recorrente, revestem grande relevância, tendo em conta as características dos seus utentes, os quais facilmente deixarão de contratualizar os seus serviços se souberem que entre funcionários, poderá estar quem não se coíbe de praticar contra si ou contra os seus pares, gestos que na desrespeitosos e humilhantes.
61.ª Face à prova produzida não podia o tribunal a quo ter deixado de considerar a conduta da Recorrida como grave e culposa, reveladora de desrespeito pelo próximo e do desinteresse pelo cumprimento escrupuloso das suas obrigações contratuais, o qual passava necessariamente pela adopção de outros métodos de condução da idosa a aceitar que lhe fizessem a higiene impedindo que a mesma abocanhasse a esponja como pretendia.
62.ª A conduta da Recorrida foi, por isso, apta a quebrar a confiança que um empregador normal tem de ter nos seus trabalhadores para prosseguir os fins a que se propõe, enquanto instituição que presta cuidados a idosos, e pessoas dependentes e indefesas, porque não os pode entregar aos cuidados de quem não os sabe respeitar.
63.ª Também neste caso a conduta supra descrita abalou indubitavelmente a confiança que necessariamente terá de existir entre a entidade patronal e a trabalhadora e criou legitimamente no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura da mesma, não sendo de exigir aquele que mantenha ao seu serviço uma colaboradora capaz de desrespeitar uma pessoa idosa e doente, bem como os próprios familiares.
64.ª Verifica-se, pois, o cumprimento do requisito subjectivo do despedimento sanção, traduzido no comportamento culposo da trabalhadora, bem como o requisito objectivo correspondente à gravidade e consequências dessa conduta e ainda o nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.
65.ª Com efeito, o comportamento da Recorrida é revelador da violação dos deveres estabelecidos nas alíneas a) e c) do artigo 128º do Código do Trabalho o que manifestamente legitima a aplicação da sanção disciplinar, sendo que tal comportamento, por força do disposto no artigo 351º nº 1 e 2 do mesmo diploma legal constitui justa causa de despedimento.
66.ª O bom comportamento da recorrida, traduzido na ausência de processo disciplinares, não pode sobrepor-se à gravidade dos actos por si praticados, sendo certo que esse bom comportamento anterior não desonera a trabalhadora dos cumprimentos dos seus deveres laborais, antes exige, pelo menos, o mesmo rigor na sua observância.
67.ª Assentando o contrato de trabalho numa relação de confiança entre empregador e trabalhadora, a conduta desta destruiu de forma irreversível essa mesma confiança, deixando de existir suporte mínimo para a manutenção da relação laboral. Assim, a aplicação por parte do Recorrente à Recorrida da sanção disciplinar de despedimento não se mostra nem excessiva nem desproporcional relativamente à gravidade da infracção e ao grau de culpa daquela.
68.ª Mostra-se verificada a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, porquanto tendo em conta a factualidade e os interesses lesados pela colaboradora, a continuidade da relação representaria uma insuportável e injusta imposição à entidade empregadora. Em suma
69.ª Com relevância para a decisão a formular, a Mmª juiz não apreciou correctamente a prova produzida, desvalorizando a matéria provada e não provada, violando com a sua indevida apreciação o teor dos artigos 128º alíneas a), c) e) e 351º nº 1 e nº 2 alíneas a), d) e i) ambos do Código do Trabalho
70.ª Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere como provada a justa causa e, em consequência, declare lícito e regular o despedimento da Autora/Recorrida.

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando que se mostram reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica, nada obsta à sua apreciação.
Começa o Recorrente por afirmar que a trabalhadora violou o seu dever de obediência ao não consultar o livro de recados da enfermeira e da médica, pois a sua existência e consulta decorrem de obrigações impostas pela Segurança Social e pela entidade patronal.
Daqui decorreria que os pontos 1.º e 2.º do elenco de factos não provados foram incorrectamente julgados. Nestes pontos, a sentença recorrida declarou não provado que:
“1.º Por ordem da directora técnica da ERPI, as colaboradoras que iniciem o respectivo turno de trabalho devem proceder à leitura do livro de recados de forma a tomar conhecimento do que sucedeu no lar enquanto estavam ausentes, bem como dos procedimentos a que devem dar continuidade face ao que venha a ser feito nos turnos antecedentes.
2.º A existência do livro de recados da enfermeira resulta de imposição da Segurança Social.”
Analisando os depoimentos prestados pelas testemunhas T… (enfermeira), S… (directora técnica) e I… (auxiliar de acção directa), o que resulta é que existe um livro de ocorrências, onde os trabalhadores que lidam directamente com os utentes anotam as incidências de maior relevância, sendo a existência e consulta de tal livro imposta pela Segurança Social e pelo empregador. Paralelamente, existe outro livro, este de recados anotados pela médica e pela enfermeira, onde estas anotam os diversos tratamentos que prestam aos utentes – os demais trabalhadores não realizam ali quaisquer notas, dispondo para o efeito do outro livro, o de ocorrências.
Acerca do livro de recados anotados pela médica e pela enfermeira, não resultou da qualquer dos aludidos testemunhos quem determinou a sua existência e se os demais trabalhadores estão obrigados a efectuar a sua consulta ou autorizados a realizar ali quaisquer notas.
Ponderando, ainda, que o aludido livro de recados se destina à anotação pela médica e pela enfermeira dos tratamentos que ministram aos utentes, constituindo um meio de comunicação escrita entre estas duas profissionais, e inexistindo qualquer prova acerca da obrigatoriedade de consulta pelos demais trabalhadores, bem se procedeu ao declarar-se esta matéria como não provada.
Entende o Recorrente, ainda, que deve ser declarado provado o ponto 4.º do elenco de factos não provados da sentença recorrida, com o seguinte teor: “As demais trabalhadoras que contactaram com a utente M… ou viram o soro a correr, ainda que lentamente, ou, apercebendo-se que o mesmo não estava a ser infundido, actuaram prontamente, no sentido de corrigirem a situação ou de promoverem a ajuda por parte da enfermeira.”
A propósito desta matéria, importa recordar que o soro foi colocado no dia 21.09.2018, uma sexta-feira, entre as 18 e as 18.30 horas, e que se sucederam vários turnos até ao que se iniciou no domingo, dia 23, às 14.30 horas, integrado pelas trabalhadoras M… e I…, que alertaram para a circunstância do saco do soro continuar, sensivelmente, com a mesma quantidade que apresentava no dia 21.09.2018 às 22.00 horas.
Ora, estando o saco de soro, dois dias depois, sensivelmente com a mesma quantidade que tinha quando foi colocado, quando deveria estar totalmente infundido em apenas 24 horas, tal significa necessariamente que não foram tomadas medidas eficazes de correcção da situação, até depois das 14.30 horas de domingo, quando finalmente foi chamada a enfermeira.
Aliás, é curioso que a trabalhadora M…, tendo sido informada pessoalmente pela enfermeira T…, no dia 21, que havia colocado o soro e que este deveria ser retirado no final do dia 22, verificando por volta das 21.00 horas deste dia que o soro estava praticamente ao mesmo nível do dia anterior – sinal evidente que não tinha corrido – e avisado a directora técnica S…, não tenha esta suscitado a intervenção do pessoal de enfermagem, o que só fez no domingo, depois das 14.30 horas.
De resto, lendo o livro de ocorrências, na parte relativa ao turno das 14.30 à meia-noite do dia 22, a fs. 63, é patente que a directora técnica opta por não chamar a enfermeira na noite de sábado, dia 22, deixando prolongar a situação: “Durante este turno verificámos que o soro da Sra. M… ainda estava praticamente como a enfermeira T… tinha deixado, e tínhamos ordem para ser retirado neste turno. (…) Demos conhecimento à Dra. S… (…). Amanhã a Dra. dá conhecimento à enfermeira T….”
Observando, igualmente, que o manuseio do cateter subcutâneo, vulgo “borboleta”, realizado pela trabalhadora M… ao final do dia 22, não foi bastante – o facto insofismável é que o saco do soro continuava ao mesmo nível às 14.30 horas do dia 23 – apenas há a concluir que, até esse momento, não foram tomados os procedimentos adequados e eficazes de correcção da situação.
Ponderando ainda que não é a circunstância de, momentaneamente, terem sido observadas gotas a cair, que permite afirmar que o soro correu efectivamente – não correu, o que é evidenciado pela circunstância de estar no mesmo nível às 14.30 horas do dia 23 – correctamente foi declarada não provada a matéria incluída no ponto 4.º do elenco de factos não provados, aqui em discussão.
No que respeita à higiene corporal prestada à utente A… no dia 01.10.2018, nomeadamente com a colocação da esponja na boca da idosa, argumenta o Recorrente que se deveria ter considerado provado que a filha da idosa ficou muito perturbada, e que os demais familiares da idosa foram conhecedores da situação, tendo ponderado prescindir dos serviços do Ré, caso a A. se mantivesse a fazer a higiene da idosa.
Ora, este último facto – conhecimento do acto pelos demais familiares da utente e que teriam ponderado prescindir dos serviços da Ré – não consta da nota de culpa nem da decisão de despedimento, pelo que não pode ser invocado nesta acção (arts. 357.º n.º 4 e 387.º n.º 3 do Código do Trabalho).
Quanto à perturbação manifestada pela filha da utente Ana Pateiro, o que a testemunha Francisca Nunes relatou é que ela estava presente aquando da prestação da higiene corporal no dia 01.10.2018, viu o acto e nada disse ou efectuou qualquer reparo nesse dia (10m40s a 10m50s do seu depoimento). Se o gesto de colocação da esponja na boca da utente tivesse sido ameaçador ou violento, o natural é que tal suscitasse uma atitude imediata de defesa ou de reacção por parte da filha da utente, o que não sucedeu.
E não se argumente que, possuindo a filha da utente uma deficiência mental, tendo curador – a testemunha J… – tal afecte a sua capacidade de defesa face a alguma ameaça, a si ou à sua mãe. Como afirmou a testemunha F…, a D… “não é parva nenhuma, é até mais esperta que muita gente pensa”, e seria capaz de reagir de imediato se a mãe tivesse sido alvo de algum acto de violência, acrescentando a testemunha J… que a sua prima D… entende perfeitamente “o que está certo ou o que está errado.”
De resto, foi dado como não provado que o gesto de introdução da esponja na boca da utente Ana Pateiro tenha sido efectuado como uma forma de obrigar a senhora a manter-se em silêncio, decisão que o Recorrente aceita, não a impugnando. Como revelou a testemunha F…, o acto foi momentâneo, por breves instantes, e num contexto em que a utente A… tentava apanhar a esponja e toalhas de banho e levá-las à boca (ponto 44.º dos factos provados). Como afirmou esta testemunha, aquilo foi uma “brincadeira”, na sequência de um gesto da idosa de tentar apanhar qualquer coisa e levá-la à boca (entre 18m00s e 18m40s do seu depoimento).
Mais relatou a testemunha F… que apenas no dia seguinte a D… manifestou preocupação, chorosa e perguntando se “achas que ela fez aquilo para tratar mal a minha mãe?”, respondendo a testemunha de imediato que não, que tinha sido uma brincadeira. Mas esta preocupação revelada pela filha D… não é contemporânea do acto – que todos aceitam não ter sido ameaçador, violento ou com o intuito de silenciar a idosa – e permite conjecturar se não intervieram outros factores no comportamento assumido apenas no dia seguinte pela D….
De resto, a testemunha J… revelou que a D… não lhe relatou nada do sucedido, mas é uma pessoa extremamente agitada e nervosa. Curiosamente, no dia 01.10.2018 não revelou qualquer agitação ou nervosismo, apenas o fez no dia seguinte, e esta falta de espontaneidade, associada à sua deficiência mental, coloca em dúvida a autenticidade da preocupação tardia da D…, motivo pelo qual este facto não pode ser considerado como provado.
Em resumo, improcede a impugnação da matéria de facto.

Fica assim estabelecida a matéria de facto:
Da motivação:
1. A trabalhadora foi admitida ao serviço da entidade patronal por contrato de trabalho sujeito a termo certo de seis meses, celebrado em 1 de Março de 2008, para desempenhar a actividade profissional de ajudante de lar e centro de dia.
2. O contrato a termo certo foi, entretanto, convertido em contrato sem termo, por decorrência dos respectivos períodos de renovação.
3. A actividade profissional de ajudante de lar e centro de dia é actualmente designada como ajudante de acção directa.
4. Aos ajudantes de acção directa cabem, entre outras funções, o acompanhamento diurno e/ou nocturno dos utentes, dentro e fora dos serviços e estabelecimentos, colaboração nas tarefas de alimentação do utente, participação na ocupação dos respectivos tempos livres, prestação de cuidados de higiene e conforto e colaboração na prestação de cuidados de saúde que não requeiram conhecimentos específicos, arrumação e distribuição das roupas lavadas e recolha de roupas sujas e sua entrega na lavandaria, desempenhando ainda tarefas não especificadas que se enquadram no âmbito da sua categoria profissional, requisição, recebimento, controlo e distribuição de artigos de higiene e conforto, reporte à instituição de ocorrências relevantes no âmbito das funções exercidas.
5. A trabalhadora desempenha as suas funções no lar de idosos e centro de dia de que a entidade patronal é proprietária, em São Pedro ….
6. No lar de idosos encontrava-se alojada M…, que apresentava um quadro clínico débil.
7. No decurso do mês de Setembro de 2018, M… esteve internada no Hospital do Espírito Santo de Évora, de onde regressou desidratada e com uma escara.
8. No dia 21 de Setembro de 2018 a médica que presta serviço no centro social e paroquial constatou a necessidade de M… receber soro face à dificuldade de se hidratar por outra forma e recomendou à enfermeira que lhe ministrasse soro subcutâneo durante 24 horas, de forma a evitar o agravamento do seu estado de saúde e restabelecer os níveis de hidratação.
9. Nesse mesmo dia, entre as 18,00 e as 18,30 horas, a enfermeira T… procedeu à colocação de soro subcutâneo na cliente M….
10. A quantidade de soro a ser infundida correspondia a 500 ml e, previsivelmente, prolongar-se-ia por um período de 24 horas devendo, por isso, ser retirado no fim do dia 22 de Setembro, sábado.
11. Após a colocação do soro, a enfermeira informou uma das colaboradoras de serviço naquele turno, M…, presente no local, de que o mesmo devia ser retirado no dia seguinte, sábado, ao final do dia e que tal tarefa devia ser desempenhada pela referida colaboradora e pela sua colega, I…, que estariam de serviço naquela altura.
12. No dia 21.09.2018 a enfermeira T… escreveu no livro de recados a respeito da utente M…, “Pus soro subcutâneo”.
13. Por ordem da directora técnica da ERPI, as colaboradoras que iniciem o respectivo turno de trabalho devem proceder à leitura do livro de ocorrências, de forma a tomar conhecimento do que sucedeu no lar enquanto estavam ausentes, bem como dos procedimentos a que devem dar continuidade face ao que venha a ser feito nos turnos antecedentes.
14. A existência do livro de recados da enfermeira e do livro de ocorrências são do conhecimento de todas as trabalhadoras da entidade patronal.
15. A enfermeira não informou as colaboradoras acerca da velocidade de gotejamento do soro.
16. O instrumento utilizado para a administração do soro à utente M… dispunha de um reservatório através do qual era possível perceber se as gotas estavam ou não a cair.
17. As trabalhadoras sabem que o próprio organismo do idoso pode deixar de absorver o soro, assim como sabem que, por vezes, basta mover o cateter subcutâneo para que a infusão retome o seu curso, tendo ordens expressas da entidade patronal para chamarem a Enfermeira ou a Directora Técnica, caso não o consigam através do simples manuseamento.
18. As trabalhadoras do Centro Social e Paroquial … dispõem de formação adequada à monitorização e controlo deste tipo de tratamentos.
19. No dia 22 de Setembro de 2018, sábado, a colaboradora S…, no decurso do respectivo turno, que decorreu da meia-noite às 07,30 horas, confirmou que o soro ministrado à utente M… se encontrava a ser infundido.
20. No mesmo dia 22, o turno das 07,00 às 14,30 horas foi garantido pelas colaboradoras C… e C…, tendo esta confirmado que, no momento em que esteve junto da cliente M…, o respectivo soro estava a ser infundido.
21. No turno seguinte, garantido pelas colaboradoras M… e I…, estas, cerca das 21,00 horas, aperceberam-se que o volume de soro existente no saco, naquela altura, era praticamente igual ao que haviam visto quando a enfermeira o aplicou na utente, concluindo que a referida senhora não estava a receber o tratamento.
22. De imediato, comunicaram à Directora Técnica aquele facto, tendo esta solicitado às colaboradoras que manuseassem o cateter subcutâneo, designado vulgarmente por borboleta, por saber que tal procedimento quase sempre se revela suficiente para que o soro retome o seu curso, tendo sido o que sucedeu neste caso.
23. No dia 23 de Setembro, no seu turno de trabalho, entre a meia-noite e as 07,30 horas, a colaboradora S… confirmou que o soro infundido à utente se encontrava a correr, embora muito lentamente.
24. No mesmo dia, o turno de trabalho compreendido entre as 07,30 e as 14,30 horas, foi garantido pelas trabalhadoras C… e I…, tendo ambas as colaboradoras subscrito a informação que registaram no Livro de Ocorrências, com o seguinte teor “O turno decorreu normalmente sem algo de novo registar”.
25. No mesmo dia 23 de Setembro, o turno seguinte ao referido no número anterior, foi assumido pela colaboradora M… e I…, tendo ambas as colaboradoras confirmado que o saco do soro a ser infundido na utente M… continuava com sensivelmente a mesma quantidade de soro com que o haviam deixado na sexta-feira dia 21.
26. De imediato reportaram esse facto à Directora Técnica por telefone, a qual comunicou à enfermeira de serviço.
27. A enfermeira deslocou-se ao Lar de Idosos no referido dia 23, Domingo, depois das 14,30 horas, onde, manuseando o cateter aplicado na utente, conseguiu repor a infusão do soro.
28. Em consequência de ter demorado cerca de 48 horas a receber o soro, quando o devia ter recebido em 24 horas, o estado de desidratação da utente prolongou-se, mantendo-se a mesma prostrada e desorientada durante aquele período de tempo.
29. No dia 01 de Outubro de 2018 a trabalhadora deslocou-se a casa da idosa A…, acompanhada da colega F…, para fazerem higiene da referida cliente e, de seguida, transportarem a mesma para o Centro de Dia do Centro Social e Paroquial….
30. Quando procedia à higiene corporal da referida utente, utilizando para o efeito uma esponja com a qual procedia a lavagem do corpo da idosa, a trabalhadora introduziu a mesma na boca da cliente, na presença da filha desta.
31. A trabalhadora conhece A… e sabe que a mesma se encontra demente, que grita e gesticula quando lhe mexem e que é totalmente dependente de terceiros sendo incapaz de se defender de qualquer agressão.
Da contestação:
32. Em Maio de 2018 a trabalhadora auferia o vencimento base ilíquido de 614,00€, acrescido de duas diuturnidades, no valor de 21,00€ cada, um acréscimo remuneratório de 15% do vencimento base, pago a título de subsídio de turno, e subsídio de alimentação de 2,62€, por cada dia de trabalho.
33. Em 08 de Outubro de 2018, a trabalhadora foi notificada pela entidade patronal da instauração contra si de um procedimento disciplinar e da sua suspensão preventiva sem perda de retribuição e, em 23 desse mesmo mês e ano, foi notificada da intenção do seu despedimento.
34. Na sequência do processo disciplinar, a entidade patronal procedeu ao despedimento individual da trabalhadora em 07 de Dezembro de 2018, alegando a existência de justa causa para esse efeito.
35. Pelo menos às 14,30 horas do dia 23.09.2018 o saco do soro continuava, sensivelmente, com a mesma quantidade que apresentava no dia 21.09.2018 às 22,00 horas.
36. Neste período de tempo – quase 48 horas – sucederam-se vários turnos, todos eles, com excepção de um, constituídos por dois elementos.
37. Apenas foi levantado processo disciplinar à trabalhadora.
38. No dia 22 de Setembro de 2018, após ter estado ausente por motivo de gozo de férias, a trabalhadora entrou ao serviço para, juntamente com a colega C…, assegurar o turno das 07,00 às 14,30 horas, nada lhes tendo sido transmitido sobre a situação da utente M… quando lhes foi passado o turno pela colega S….
39. Nem no livro de recados constava, naquele dia, qualquer recado ou nota sobre o assunto.
40. No dia 22 de Setembro de 2018 quando a trabalhadora foi, juntamente com a colega C…, efectuar a higiene da utente M…, o soro estava a correr.
41. Quando iniciou o turno no dia 23 de Setembro de 2018 às 07,00 horas, nada lhe foi transmitido pela colega S… sobre a referida utente, nem por ela tinha sido registada qualquer ocorrência no livro de recados.
42. Quando, naquele dia, foram efectuar a higiene da utente M…, a trabalhadora chamou a atenção da colega I… para o facto de o soro parecer não estar a correr.
43. Mas como, de seguida, se aperceberam que de vez em quando caía uma gota, assumiram que o soro estava a ser infundindo e, por essa razão, não alertaram ninguém nem inscreveram qualquer nota no livro de ocorrências.
44. A idosa A… apresenta, por vezes, comportamentos muito alterados que, quando no banho, se manifestam através da tentativa de apanhar a esponja e toalhas de banho e levá-las à boca.
Da resposta:
46. A trabalhadora é executada no processo n.º 357/12.0TBRMZ que corre termos no Juízo de Execução de Montemor-o-Novo, sendo a quantia exequenda no montante de 9.623,74€, sendo que a entidade patronal foi notificada para proceder ao desconto de 1/3 do vencimento.
47. Em 30.11.2018 foi processado pela entidade patronal o recibo de vencimento da trabalhadora no montante total de 718,51€, onde consta a quantia de 626,00€ de ordenado base de Novembro de 2018, 481,71€ a título de subsídio de Natal, 55,02€ a título de vinte e um dias de subsídio de alimentação do mês de Novembro de 2018, 42,00€ a título de duas diuturnidades do mês de Novembro de 2018, 100,00€ de retroactivos de ordenado, 32,34€ de diuturnidades de subsídio de Natal, tendo sido descontados 55,02€ a título de regularização de subsídio de alimentação, 359,25€ a título de penhora do vencimento, 141,03€ para a Segurança Social e 563,54€ a título de IRS e Sindicato.
48. A quantia de 718,51€ foi paga à autora por transferência bancária no dia 30.11.2018.
49. Em 07.12.2018 foi processado pela entidade patronal o recibo de vencimento da trabalhadora no montante total de 729,99€, onde consta a quantia de 146,07€ relativa aos sete dias de trabalho do mesmo de Dezembro de 2018, 586,05€ a título de subsídio de férias do ano da cessação do contrato, 13,10€ a título de sete dias de subsídio de alimentação do mês de Dezembro de 2018, 4,90€ a título de sete dias de diuturnidades do mês de Dezembro de 2018, 625,52€ e 30,86€ de férias não gozadas, 66,99€ de retroactivos de ordenado, 39,34€ de diuturnidades de subsídio de férias, tendo sido descontados 13,10€ a título de regularização de subsídio de alimentação, 365,00€ a título de penhora do vencimento e 774,64€ a título de IRS, Segurança Social e Sindicato.
50. A quantia de 729,99€ foi paga à autora por transferência bancária no dia 27.12.2018.

APLICANDO O DIREITO
Da justa causa de despedimento
De harmonia com o art. 351.º n.º 1 do Código do Trabalho, constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, exemplificando-se, no n.º 2 do mesmo, comportamentos susceptíveis de a integrarem, desde que e sempre, se reconduzam ao conceito definido no n.º 1.
Conforme jurisprudência unânime (cfr., por todos, o Ac. do STJ de 25.09.96, na CJ-STJ, tomo III, pág. 228; e o Ac. da RC de 21.01.97, na CJ, tomo I, pág. 30) e entendimento generalizado da doutrina, a existência de justa causa do despedimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
- e outros dois de natureza objectiva, que se traduzem na gravidade do comportamento e respectivas consequências danosas, e na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, ou seja, existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Quanto ao primeiro dos requisitos – comportamento culposo do trabalhador – o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral. O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá, verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa[3].
Mas não basta tal comportamento. Com efeito, necessário é também que a conduta seja, de per se e face às suas consequências, de tal modo grave que, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, não seja possível a subsistência do vínculo laboral.
A gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal. O art. 351.º n.º 3 do Código do Trabalho impõe que se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
No n.º 2 do citado art. 351.º, o legislador enunciou, exemplificativamente, comportamentos do trabalhador susceptíveis de integrar a noção de justa causa de despedimento. Todavia, a simples correspondência objectiva aos modelos de comportamentos prefigurados na lei, não justifica, só por si, a rotura do vínculo laboral, não dispensando a apreciação dos mesmos factos à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infractor, do respectivo meio de trabalho, e de todas as demais circunstâncias susceptíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Diz Monteiro Fernandes[4] que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Conforme jurisprudência do STJ (de entre outra, a acima citada), tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos (art. 762.º do Código Civil) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento.
Por fim, o nexo de causalidade apontado exige que impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Analisando directamente a matéria fáctica apurada nos autos, foram imputadas duas faltas disciplinares à trabalhadora, a primeira associada à ministração do soro à utente M… entre os dias 21 e 23.09.2018, e a segunda associada ao gesto de colocação da esponja na boca da utente A… durante a higiene corporal que lhe foi prestada no dia 01.10.2018.
Quanto à primeira situação, a sentença recorrida concluiu que inexistia informação anotada nos livros de ocorrências e de recados acerca do período em que deveria gotejar o soro – de facto, vê-se a fs. 36 que no dia 21.09.2018 está anotado no livro de recados pela enfermeira T… apenas o seguinte: “Coloquei soro fisiológico s.c. na D. M…” – e que a directora técnica foi avisada ao final do dia 22, sábado, optando por não fazer intervir de imediato a enfermeira, o que só fez após as 14.30 horas de domingo.
Analisando os factos, é evidente que a A. não foi informada da velocidade pretendida de gotejamento e que o soro deveria estar infundido em 24 horas, até ao final do dia 22.09.2018. Efectuou um turno na manhã de dia 22 (entre as 07.00 e as 14.30 horas), e nessa altura observou gotas a cair – mas não podia saber se era com a velocidade desejada, pois nada lhe foi dito. E quanto ao turno que efectuou na manhã de 23, também entre as 07.00 e as 14.30 horas, continuava sem informação acerca da velocidade de gotejamento pretendida.
Ademais, como bem se escreve na sentença recorrida, “nunca a entidade patronal poderia concluir que a trabalhadora deixou a utente M… à sua sorte, pois a sorte desta utente esteve nas mãos de várias funcionárias, entre as quais, obviamente, a trabalhadora, mas não apenas nem principalmente nas mãos desta.” Outra trabalhadora – a testemunha M… – havia sido informada que o soro deveria correr em 24 horas, até ao final do dia 22 – e notando que tal não tinha sucedido, avisou a directora técnica, tomando esta a decisão de não avisar imediatamente a enfermeira, o que só fez após as 14.30 horas de domingo.
Concorda-se, pois, que quanto a este conjunto fáctico não é possível concluir que a trabalhadora violou os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, motivo pelo qual o despedimento não poderia ter sido decretado com este fundamento.
A segunda falta disciplinar que motivou o despedimento respeita ao gesto de colocação da esponja na boca da utente A…, durante a higiene corporal que lhe foi prestada no dia 01.10.2018.
O Recorrente já não coloca a tónica na prática de um acto ameaçador ou violento, ou sequer com o intuito de silenciar a idosa, mas antes do capítulo do tratamento desrespeitoso, humilhante ou degradante, em especial “porque praticado contra uma pessoa idosa e incapaz de se defender e por não se alcançar outro objectivo da prática do mesmo que não a vontade de apoucar e humilhar a idosa” – conclusão 52.ª.
Vejamos o conjunto fáctico apurado quanto a esta situação:
29. No dia 01 de Outubro de 2018 a trabalhadora deslocou-se a casa da idosa A…, acompanhada da colega F…, para fazerem higiene da referida cliente e, de seguida, transportarem a mesma para o Centro de Dia do Centro Social e Paroquial ….
30. Quando procedia à higiene corporal da referida utente, utilizando para o efeito uma esponja com a qual procedia a lavagem do corpo da idosa, a trabalhadora introduziu a mesma na boca da cliente, na presença da filha desta.
31. A trabalhadora conhece A… e sabe que a mesma se encontra demente, que grita e gesticula quando lhe mexem e que é totalmente dependente de terceiros sendo incapaz de se defender de qualquer agressão.
44. A idosa A… apresenta, por vezes, comportamentos muito alterados que, quando no banho, se manifestam através da tentativa de apanhar a esponja e toalhas de banho e levá-las à boca.
Ignora-se durante quanto tempo foi introduzida a esponja na boca da utente (embora a decisão recorrida afirme que a mesma foi retirada de imediato, embora tal facto não tenha sido transposto para o elenco fáctico), não se sabe qual a quantidade de esponja introduzida e se a boca ficou em pequena ou em grande parte ocupada pela esponja, como também não se sabe se a utente engoliu alguma água ou sabão na sequência desse acto ou se o mesmo foi praticado com essa potencialidade – ignora-se se a esponja estava nesse momento espremida ou, pelo contrário, embebida em água e sabão. E quanto ao intuito de silenciar a utente foi dado como não provado, e nada consta acerca de outro intuito da trabalhadora ao praticar aquele acto.
Mas sabe-se que a filha da utente estava presente, como também se sabe que a higiene era prestada conjuntamente com a colega F…, e ainda que a idosa tem o comportamento de, no banho, tentar apanhar a esponja e toalhas de banho e levá-las à boca.
Neste contexto, não se pode assumir que a trabalhadora tenha pretendido exercer algum comportamento coercitivo em relação à utente A…, tanto mais que este foi praticado de forma espontânea, na presença da filha da utente e de uma colega de trabalhadora, e num quadro muito específico, da utente tentar levar a esponja e as toalhas à boca.
Nem se pode concluir que a trabalhadora tivesse a intenção de gozar, desrespeitar ou menosprezar a idosa, nem tal seria provável estando a trabalhadora na presença de uma colega e da filha da utente, que certamente reagiriam de imediato se algum acto desrespeitoso ou ameaçador fosse praticado, e certo é que ninguém reagiu ou censurou de imediato o acto, sinal que o não consideraram – pelo menos nesse momento – de maior relevância.
Para além que, estando em causa a higiene corporal da idosa, com a necessidade de lavar também a cara, torna-se necessária a passagem da esponja por essa parte do corpo, com a possibilidade de parte dela, por ínfima que seja, passar para além dos lábios, em especial se a utente não fechar a boca, não se podendo assim concluir automaticamente pelo carácter descuidado, degradante ou humilhante de tal acto.
Ora, o despedimento com justa causa por falta disciplinar do trabalhador apenas pode ser decretado se ocorrer impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, traduzida pela inexistência do suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, com absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral.
Ponderou a decisão recorrida que, “se estamos perante um gesto desrespeitoso, não consideramos, ao contrário da entidade patronal, que o mesmo tenha sido violento, não tendo resultado assente que através do mesmo a trabalhadora visasse calar a utente, e sendo certo que a esponja foi retirada de imediato. Aliás, isso mesmo referiu a testemunha F…, que descreveu o descrito gesto da trabalhadora como sendo um gesto de mau gosto, mas não violento, explicando que a utente não se engasgou nem engoliu nada.”
Na nossa perspectiva, a questão essencial é que o empregador não logrou demonstrar, como lhe competia, o intuito malicioso de tentar silenciar a idosa, que havia alegado na decisão de despedimento, como também não logrou alegar nem demonstrar outros factos essenciais para aferir a censurabilidade e intensidade do gesto, como os supra referenciados, dos quais se poderia concluir a ocorrência de um acto doloso ou gravemente negligente, apto a quebrar de forma definitiva o suporte psicológico mínimo necessário ao desenvolvimento da relação laboral, com absoluta quebra de confiança entre as partes.
As circunstâncias específicas que rodearam o acto praticado pela trabalhadora naquele dia 01.10.2018, e que permitiriam aferir da respectiva censurabilidade, ficaram por alegar e por esclarecer, e tal só pode implicar um juízo de ilicitude do despedimento – art. 381.º al. b) do Código do Trabalho – tanto mais que, como igualmente se afirma na sentença sob recurso, “sendo uma trabalhadora que exercia funções há vários anos e sem ter sido alvo de qualquer queixa, a entidade patronal deveria ter encarado a situação como algo excepcional e, ainda que pretendesse punir a trabalhadora pela conduta desadequada, deveria ter mantido a relação laboral. O facto de alguém cometer um erro em mais de 10 anos de trabalho não justifica a criação no espírito da entidade patronal de dúvida sobre a idoneidade futura dos seus comportamentos e, em consequência, a decisão de despedimento foi desproporcional às circunstâncias do caso.”
Mostrando-se, pois, desproporcionada a sanção disciplinar, bem decidiu a sentença recorrida, o que determina o insucesso do recurso.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da decisão recorrida.
Custas pelo empregador.

Évora, 5 de Dezembro de 2019

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1), na mesma base de dados.
[3] Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45.
[4] In Direito do Trabalho, 8.ª ed., vol. I, pág. 461.