Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
382/13.4TBPSR-A.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: REMIÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Há fundamento bastante para considerar o prazo de 15 dias para depósito da parte do preço em falta, previsto no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC, como prazo processual.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 382/13.4TBPSR-A.E1-1ª (2015)
Apelação-1ª
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
*

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

Em processo de execução, a correr actualmente termos na Instância Central Cível e Criminal da Comarca de Portalegre, em que é exequente a «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL» e executada (…), estando os autos já na fase da venda de bem imóvel ali penhorado, e em sede da diligência de abertura de propostas em carta fechada (a que se refere o auto certificado a fls. 6-7, datado de 10/12/2014), em que se consignou a existência e aceitação de proposta da própria exequente de adjudicação do bem pelo valor de 182.750,00 €, foi declarado por (…), na qualidade de filho da executada, que pretendia exercer direito de remição, nos termos do artº 843º do NCPC – pelo que, perante a entrega pelo remidor, a título de caução, de quantia correspondente a 5% do valor da proposta (por cheque, no valor de 9.137,50 €), ao abrigo do artº 824º, nº 1, ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC, foi o mesmo admitido a exercer tal direito, para cujo efeito foi notificado para proceder ao depósito da parte restante do preço, no prazo de 15 dias, em conformidade com o disposto no nº 2 do citado artº 824º.

Em 30/12/2014, o agente de execução, por considerar ter já decorrido o referido prazo de 15 dias (ainda que sem fundamentar a razão desse entendimento, mas sendo de admitir que se partiu do pressuposto de ter aquele prazo natureza substantiva), e sem que o remidor tivesse ainda depositado o resto do preço, proferiu decisão no sentido de declarar sem efeito a remição, com perda pelo remidor do valor da caução, e de aceitar a proposta de adjudicação apresentada pela exequente – a que se seguiu, na mesma data, decisão de adjudicação à exequente do bem imóvel em causa (cfr. decisões certificadas a fls. 11 e 12).

Perante essas decisões, veio o remidor requerer ao tribunal de 1ª instância a anulação das decisões proferidas pelo agente de execução, ao abrigo do artº 195º do NCPC (cfr. requerimento certificado a fls. 8-10), com os seguintes fundamentos: não poderia o agente de execução declarar a perda da caução prestada, por se entender não aplicável ao remidor a consequência prevista no artº 825º do NCPC, que não estaria abrangida nessa parte pela remissão do artº 843º, nº 2, do NCPC (já que não é proponente ou preferente, como exigem os artos 824º e 825º do NCPC); não poderia o agente de execução declarar já decorrido em 30/12/2014 o prazo de 15 dias concedido para o depósito da parte do preço em falta (nem adjudicar ao exequente o prédio em questão), uma vez que esse prazo é de natureza processual (e não substantiva), pelo que, interpondo-se as férias judiciais do Natal, em que se suspendeu o decurso daquele prazo, ao abrigo do artº 138º, nº 1, do NCPC, o mesmo só terminava em 7/1/2015, ficando assim o remidor impedido de exercer o seu direito de remição.

Sobre esse requerimento do remidor recaiu despacho do tribunal de 1ª instância (datado de 12/2/2015, e certificado a fls. 4-5), em que se concluiu pelo indeferimento das nulidades invocadas e a manutenção das decisões proferidas pelo agente de execução.

Para fundamentar essa decisão, argumentou-se, essencialmente, o seguinte: o artº 843º, nº 2, do NCPC manda aplicar ao remidor o disposto no artº 825º do mesmo diploma, «com as adaptações necessárias», pelo que, prevendo-se ali a perda do valor da caução em caso de falta de depósito do preço pelo proponente ou preferente, a mesma consequência terá de ser aplicada ao remidor em circunstâncias semelhantes, como sucede no caso; o prazo de 15 dias previsto no artº 824º, nº 2, do NCPC, para que remete o artº 843º, nº 2, do mesmo diploma, na medida em que se refere ao exercício de um direito, constitui prazo de caducidade, nos termos do artº 298º, nº 2, do C.Civil, sendo assim de natureza substantiva, pelo que não se suspendeu, designadamente durante as férias judiciais do Natal (invoca-se, em abono deste entendimento, a argumentação usada – a propósito de uma situação de contagem do prazo para depósito de preço, em acção em que é exercido direito de preferência, previsto no artº 1410º, nº 1, do C.Civil – no Ac. RP de 7/12/2010, Proc. 2255/08.3TBVRL.P1, in www.dgsi.pt); desse modo, o prazo concedido ao requerente, enquanto remidor, terminava a 25/12/2014, dia feriado, pelo que o seu termo se transferiu para o dia útil seguinte, 26/12/2014, ao abrigo do artº 279º, al. e), do C.Civil, data em que caducou o direito de remição.

É desta decisão que vem interposto pelo requerente remidor o presente recurso de apelação (a fls. 24-29), cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«QUANTO À PERDA DA CAUÇÃO:

1ª No caso dos autos em que a proposta para a compra do prédio apresentada pela exequente, objecto da remição, se manteve, não obstante, o ora recorrente se ter apresentado a pretender remir e, na tese do Sr. Juiz, não ter pago o remanescente do prazo, não há lugar à perda da caução prestada nos termos do nº 1 do artº 824º do C.P.C..

2ª E não há lugar a tal perda porque não se verificou nenhum dos pressupostos contidos nas als. a) e b) do nº 1 do artº 825º do C.P.C., ou seja, não houve a aceitação de proposta de valor imediatamente inferior e não se efectuou a venda dos bens através de modalidade mais adequada.

3ª O Sr. Agente de Execução tomou a decisão de fazer perder a caução sem qualquer respaldo legal, não estando autorizado a fazê-lo, cometendo grave irregularidade que logo prejudicou o ora recorrente em € 9.137,50.

QUANTO À CONTAGEM DO PRAZO:

4ª A natureza do prazo de 15 dias, aludido no nº 2 do artº 824º do C.P.C., é de índole processual.

5ª Tendo sido o ora recorrente, remidor, notificado em 10/12/2014 para depositar no prazo de 15 dias a parte do preço em falta, conforme dispõe o nº 2 do artº 824º do C.P.C., este podia fazer tal depósito até ao dia 07/01/2015, sendo que, pagando a multa nos termos do disposto no nº 5 do artº 139º do C.P.C, podia fazer o depósito até 12/01/2015.

6ª Tendo sido a adjudicação do prédio feita à exequente logo no dia 30/12/2014, e o seu registo efectuado na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 168, de 31/12/2014, o ora recorrente foi impedido de exercer o seu direito de remição que, aliás, lhe tinha sido concedido.

7ª A venda foi precedida da violação do direito de remição que assiste ao ora recorrente, conforme dispõe o artº 842º do C.P.C., pela errada contagem do prazo de 15 dias que lhe foi concedido para pagamento da parte do preço em falta, conforme dispõe o nº 2 do artº 824º do C.P.C..

8ª A decisão recorrida fez errada interpretação do disposto no nº 2 do artº 824º do C.P.C., no que tange à forma de contar o prazo de 15 dias, não tendo presente a suspensão da sua contagem, conforme dispõe o nº 1 do artº 138º do C.P.C..

9ª Contrariamente ao decidido no douto Despacho recorrido, o Sr. Agente de Execução, contando erradamente o prazo para o ora recorrente exercer o direito de remição, não aplicando o disposto no nº 1 do artº 138º do C.P.C., e adjudicando o prédio à exequente em 30/12/2014 e logo registando-o na Conservatória a favor desta em 31/12/2014 pela Ap. 168, quando o prazo para a remição se estendia até 12/01/2015, praticou irregularidade que, por si só, impediu o ora requerente de exercer o direito de remição, o que significa impediu-o de adquirir o bem de sua mãe e facilitou que ele fosse vendido a estranhos.

10ª Deu-se ao recorrente o direito de remição e foi-lhe conferido o prazo legal para o seu exercício, mas procedendo o Sr. Agente de Execução à adjudicação do imóvel (e logo registando-o a favor do exequente) 13 dias antes de decorrer o prazo que lhe fora concedido de 15 dias para fazer o depósito da parte do preço em falta, foi cometida irregularidade que deve determinar a anulação do acto da venda (artº 839º, nº 1, al. c), do C.P.C.).

11ª Sendo que o ora recorrente teve o cuidado de registar na Conservatória do Registo Predial a sua pretensão [de] ver declarada a anulação da venda em questão.

12ª a) O Sr. Juiz, no douto despacho recorrido, decidiu erradamente, quanto à perda da caução, fazendo errada interpretação e má aplicação do disposto no nº 2 do artº 843º e do disposto no nº 1 do artº 825º, ambos do C.P.C.;

b) O Sr. Juiz, no douto despacho recorrido, decidiu erradamente, por contar mal o prazo de 15 dias concedido ao remidor, pois considerou tratar-se de um prazo substantivo e não processual, tendo violado o disposto no nº 1 do artº 138º do C.P.C..»

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações do recorrente resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto do despacho recorrido, do ponto de vista da verificação da ocorrência de nulidades enquadráveis no artº 195º do NCPC – ou seja, ajuizar, por ordem de precedência lógica (aliás, inversa à seguida pelo tribunal a quo), sobre as orientações seguidas pelo tribunal de 1ª instância nessa decisão (e contrárias às do apelante), no sentido: a) de que o prazo de 15 dias para depósito da parte do preço em falta, no âmbito do exercício do direito de remição, previsto no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC, é prazo de natureza substantiva (e não processual), de que decorre a ocorrência da caducidade do prazo concedido ao remidor, por falta do respectivo depósito dentro desse prazo; b) e de que, caso essa caducidade tenha ocorrido, o remidor perde, em consequência, o valor da caução constituída nos termos do artº 824º, nº 1, por força do disposto no artº 825º, nº 1, aplicável, «com as adaptações necessárias», ex vi do artº 843º, nº 2, todos do NCPC.

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, apreciemos então o objecto do presente recurso.

Como se disse, a questão nuclear do recurso traduz-se em apurar a natureza (substantiva ou processual) do prazo de 15 dias previsto no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC.

Tendo em conta, como resulta dos mencionados elementos supra descritos, que a notificação do recorrente para em 15 dias exercer o seu direito de remição (na qualidade de descendente da executada), mediante o depósito da parte do preço em falta, ocorreu em 10/12/2014, apresentam-se as alternativas de solução seguintes:

a) o prazo em causa é de natureza substantiva, sujeito às regras de contagem do C.Civil (como prazo de caducidade, nos termos dos artos 298º, nº 2, e 328º a 333º, todos do C.Civil), pelo que o mesmo teria decorrido desde então em continuidade, sem qualquer suspensão, e teria tido o seu termo em 26/12/2014 (terminaria a 25/12/2015, mas, por ser feriado de Natal, transferira-se para o primeiro dia útil seguinte, ao abrigo do artº 279º, al. e), ex vi do artº 296º, ambos do C.Civil), data em que caducou o direito de remição: a seguir-se esta tese, seria de considerar válidas as decisões do agente de execução, proferidas em 30/12/2014, no sentido de declarar sem efeito a remição e de aceitar a proposta de adjudicação apresentada pela exequente, bem como de adjudicar o bem penhorado à exequente; caberia, assim, confirmar, neste ponto, o entendimento sustentado pelo tribunal a quo (caso em que improcederia, desde logo, o respectivo segmento do presente recurso), devendo passar-se a apreciar a subsequente questão da eventual perda pelo remidor do valor da caução prestada;

b) o prazo em causa é de natureza processual, sujeito às regras de contagem do processo civil (actualmente previstas no artº 138º do NCPC), pelo que o mesmo teria decorrido desde então em continuidade, mas com suspensão no período de férias judiciais do Natal (entre 22/12 e 3/1, conforme artº 28º da actual Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26/8, e em vigor desde 1/9/2014 – cfr. artº 44º, nº 1, da LOSJ), terminando apenas em 7/1/2015 (e sem prejuízo da prática do acto nos 3 dias úteis subsequentes, ao abrigo dos nos 5 e seguintes do artº 139º do NCPC, que remeteriam o último dia para 12/1/2015): a seguir-se esta tese, seria de considerar intempestivas as decisões proferidas pelo agente de execução, em 30/12/2014, e consequentemente inválidas, por constituírem a prática de actos proibidos por lei, com influência relevante no processo, ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC (e de que decorreria, consequencialmente, a anulação da adjudicação, nos termos do artº 195º, nº 2, do NCPC, reforçado pelo disposto no artº 839º, nº 1, al. c), do NCPC); ficaria, assim, prejudicada a questão da perda pelo remidor do valor da caução prestada e caberia declarar a revogação do despacho recorrido e a anulação de todo o processado relativo à venda do bem penhorado em causa, a partir do auto de abertura de propostas, com a consequente determinação ao tribunal a quo para proferir novo despacho a conceder o referido prazo de 15 dias (agora contado como prazo processual) para exercício do direito de remição pelo recorrente (caso em que procederia integralmente o presente recurso).

Para aferir qual destas duas vias de solução deve ser seguida, importa ter presente a argumentação utilizada pelo tribunal a quo para defender a tese sob a al. a), quanto à natureza do prazo em questão. Afirma-se que se trata de um prazo para exercício de um direito – e que, por isso, esse prazo seria de natureza substantiva (como prazo de caducidade). Ora, estamos perante uma óbvia petição de princípio: está por demonstrar que qualquer prazo concedido para exercício de um direito confere a tal prazo natureza substantiva. A ser esse o critério relevante poderíamos, por absurdo, fazer a seguinte inferência: se todo o prazo para exercício de um direito é de natureza substantiva, então todos os prazos concedidos pelo CPC para exercício de direitos processuais são prazos substantivos. É óbvio que esse critério não tem a mínima sustentabilidade ou razoabilidade. A distinção entre prazos substantivos e processuais terá de ser fundada em diferentes considerandos.

Neste conspecto, será ainda de atender ao critério de distinção que propunha ALBERTO DOS REIS, quando definia o prazo processual (ou prazo judicial, como então se designava) como o «período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual», reformulando a noção clássica, por mais ajustada ao prazo peremptório e menos apta a incluir o prazo dilatório, segundo a qual seria prazo processual o «período de tempo marcado para a prática dum acto judicial» ou seja, de um acto a praticar num processo (v. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 57; e cfr., na mesma linha, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 264-266). E explicitava assim aquele autor a sua concepção: «O prazo judicial pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração duma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório)» (ibidem). Concluía com uma regra prática: será prazo processual aquele que, sendo fixado por lei, poderia ser, sem inconveniente, fixado pelo juiz – pelo que os prazos posteriores ao início de um processo e para valer nele são normalmente processuais, sendo os prazos pré-processuais normalmente substantivos (idem, p. 58). E, embora não seja argumento absolutamente decisivo, terá algum relevo o facto de um determinado prazo estar previsto na lei civil, o que será um indicador de se tratar de prazo substantivo, ou na lei processual, caso em que será provavelmente prazo processual (idem, p. 56). Por contraponto, será prazo substantivo (ou prazo civil, como o autor o designava) aquele que, estabelecido na lei, ainda constitui elemento integrante do regime jurídico de uma relação de direito substantivo ou material, como sucederá com o prazo legal de proposição de uma acção (ibidem).

Com este enquadramento, começaremos por dizer, em relação ao prazo em causa no presente recurso (prazo de 15 dias, previsto no artº 824º, nº 2, do NCPC), que existem vários indicadores no sentido de se tratar de prazo processual: está previsto na lei processual (o que, desde logo, o afasta da analogia, ensaiada pelo tribunal a quo, com o prazo para depósito de preço no âmbito de acção de preferência, que está previsto na própria lei civil); é concedido para exercício de um direito no contexto da própria acção e na sequência de determinada tramitação processual, i.e. após a abertura de propostas de venda executiva e na decorrência de um acto processual de notificação ordenado pelo tribunal (diferentemente do prazo de «15 dias seguintes à propositura da acção», concedido pelo artº 1410º, nº 1, do C.Civil, que tem aplicação num momento preliminar da acção, em que ainda não houve, nem haverá em regra, intervenção judicial); trata-se de um prazo que poderia ser, indiferentemente, fixado na lei ou pelo próprio tribunal, sendo concebível que o próprio tribunal, ao ter de ordenar a notificação prevista no artº 824º, nº 2, do NCPC, pudesse fixar esse prazo, com recurso à regra geral do artº 149º do NCPC, se o legislador não o tivesse especificamente estabelecido (diferentemente também do prazo do artº 1410º, nº 1, do C.Civil, que se aplica em momento equiparável a uma fase pré-processual, por ocorrer normalmente antes de qualquer intervenção processual do juiz ou da contraparte). Ou seja: os diferentes factores de aferição da natureza do prazo supra enunciados apontam no sentido de se tratar de prazo processual.

E também não se poderá olvidar a expectativa que o circunstancialismo da concessão de um prazo gera nos sujeitos processuais: a notificação para exercício de um acto em determinado prazo, no contexto de um processo e na sequência de específica tramitação processual, ordenada pelo próprio juiz (no decurso de uma diligência de abertura de propostas), é claramente susceptível de induzir a convicção num qualquer sujeito processual de que o prazo concedido estará sujeito às regras de contagem dos prazos processuais (i.e., que se trata de prazo processual), suspendendo durante as férias judiciais – convicção que sai ainda mais reforçada, quando o tribunal não tem o cuidado de advertir o notificando, no acto da notificação, de que se perfilha o entendimento de que o prazo que se concede é de natureza substantiva e que este não se suspenderá em férias judiciais que se avizinham. Há procedimentos que a lei não impõe, mas que a ética judicial e a lealdade processual aconselham…

Mas ainda que se entenda que o prazo previsto no artº 824º, nº 2, do NCPC é de natureza substantiva, fica por esclarecer como é que um prazo para exercício de um acto no contexto de um processo (ainda que para ser materialmente realizado junto de uma instituição de crédito, mas sem deixar de ter repercussão directa num processo judicial) não foi considerado como um acto a «ser praticado em juízo», para os efeitos do artº 279º, al. e), do C.Civil (que até foi invocado pelo tribunal a quo para transferir o fim do prazo para o dia seguinte ao dia de Natal) – o qual equipara os domingos e dias feriados às férias judiciais, assim determinando que o prazo, mesmo substantivo, se suspende, nesse caso, durante as férias judiciais. De igual modo, também exigências de transparência aconselhariam a que o agente de execução tivesse evitado o afã de proceder, em pleno decurso das férias judicias do Natal, à prolação das decisões que declararam a caducidade do exercício do direito de remição e a adjudicação do bem penhorado à exequente (em 30/12/2014) e à inscrição dessa adjudicação no registo predial (em 31/12/2014) – e isto sem ter a cautela de aguardar pela eventual demonstração de que o remidor considerara o prazo concedido de natureza processual (através de um eventual depósito do resto do preço até ao termo do prazo contado como se de processual se tratasse), caso em que a possível dúvida sobre a natureza do prazo poderia então ser posta à consideração do tribunal, sem que tivessem sido já praticados actos cuja hipotética anulação sempre suscitaria inconvenientes evitáveis.

Do acima exposto resulta haver fundamento bastante para considerar o prazo de 15 dias para depósito da parte do preço em falta, previsto no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC, como prazo processual. Sendo assim, tal prazo – cujo termo inicial ocorreu em 10/12/2014 – suspendeu-se no período de férias judiciais do Natal (entre 22/12 e 3/1, como se referiu supra), pelo que o seu termo final só teria ocorrido em 7/1/2015. E, nessa medida, estava ainda a decorrer tal prazo, à data da prolação dos despachos do agente de execução, em 30/12/2014, em que este declarou já decorrido aquele prazo, com a consequência de caducidade do direito de remição, e determinou a adjudicação do bem penhorado à exequente (com o que se fez precludir a eventualidade de tal depósito ainda vir a ocorrer até à data daquele termo final).

Por tal prazo ter natureza processual, como se demonstrou, deve considerar-se intempestiva a prolação daqueles despachos do agente de execução. Dessa intempestividade emerge a invalidade desses despachos, por constituírem a prática de actos proibidos por lei, com influência relevante no processo, ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC. Daqui decorrerá a anulação de todo o processado relativo à venda do bem penhorado em causa, e subsequente ao auto de abertura de propostas lavrado nos autos, bem como todos os actos dependentes daqueles despachos (designadamente, a própria adjudicação e respectiva inscrição no registo predial), nos termos do artº 195º, nº 2, e (na parte concernente) do artº 839º, nº 1, al. c), ambos do NCPC.

Por sua vez, deverá ser retomada a tramitação processual no momento prévio à parte anulada do processado, com a consequente eliminação das consequências dos actos anulados, assim cabendo ao tribunal de 1ª instância – para além de providenciar no sentido de ser concretizado o cancelamento da indevida inscrição no registo predial supra referida – conceder nova oportunidade ao requerente remidor para exercício do direito de remição, nos termos previstos no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC: para esse efeito, deverá o tribunal a quo proferir novo despacho a determinar a sua notificação para, em novo prazo de 15 dias (agora contado como prazo processual), exercer, querendo, tal direito, mediante o depósito da parte do preço em falta. Consequentemente, devendo conceder-se novo prazo para o exercício do direito de remição, aproveitar-se-á para este efeito o depósito de 5% do valor devido já efectuado pelo requerente remidor (com o que fica prejudicada, neste recurso, a discussão sobre a aplicabilidade ao remidor das consequências previstas no artº 825º, ex vi do artº 843º, nº 2, em caso de falta do depósito, com a subsequente perda pelo remidor do valor da caução prestada).

De tudo isto se extrai, pois, que o tribunal de 1ª instância não ajuizou correctamente a situação verificada nos autos, devendo proceder integralmente a presente apelação.

Em suma: merece provimento o presente recurso, pelas razões aduzidas, devendo ser revogada a decisão recorrida e decretada a nulidade dos despachos do agente de execução proferidos em 30/12/2014, bem como a anulação de todo o posterior processado relativo à venda do bem penhorado em causa, subsequente ao auto de abertura de propostas lavrado nos autos, e absolutamente dependente daqueles despachos (o que inclui a própria adjudicação, aqui também nos termos do artº 839º, nº 1, al. c), do NCPC, e respectiva inscrição no registo predial), ao abrigo do artº 195º, nos 1 e 2, do NCPC – após o que se determinará a retoma da adequada tramitação processual, o que implicará, em primeira linha, a prolação pelo tribunal de 1ª instância de despacho que ordene a notificação ao requerente remidor para, em novo prazo de 15 dias (agora contado como prazo processual), exercer o seu direito de remição, nos termos previstos no artº 824º, nº 2, aplicável ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC.

*

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se conceder provimento à presente apelação e revogar a decisão recorrida, decretando o seguinte:

a)a nulidade dos despachos do agente de execução proferidos em 30/12/2014 (e certificados a fls. 11 e 12), ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC;

b)a anulação de todo o posterior processado relativo à venda do bem penhorado em causa, subsequente ao auto de abertura de propostas lavrado nos autos (e certificado a fls. 6-7), e absolutamente dependente daqueles despachos (o que inclui a adjudicação e respectiva inscrição no registo predial), ao abrigo do artº 195º, nº 2, e (na parte concernente) do artº 839º, nº 1, al. c), ambos do NCPC;

c)a subsequente retoma da normal tramitação processual, mediante a prolação pelo tribunal de 1ª instância de despacho que ordene a notificação ao requerente remidor para, em novo prazo de 15 dias (agora contado como prazo processual), exercer o seu direito de remição, nos termos previstos no artº 824º, nº 2, ex vi do artº 843º, nº 2, ambos do NCPC, a que se seguirão os demais termos que forem legalmente adequados.

Sem custas, por a apelada a elas não ter dado causa (artº 527º, nos 1 e 2, a contrario, do NCPC).

Évora, 09 / Julho / 2015
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)