Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
108/10.4TBPTG-C.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Não se vê qualquer obstáculo à admissão de um articulado superveniente na Oposição à execução, uma vez que a mesma tem a natureza de um processo declarativo, aplicando-se a norma geral do art. 588º do CPC.
- A apensação de processos não é uma mera junção material de processos, mas um acto que produz efeitos jurídicos, passando os processos apensados a constituir uma unidade processual, que será objecto de uniformidade do julgamento.
- Não é de admitir a apensação de uma acção declarativa a uma acção executiva para prestação de facto, em que o título executivo é uma sentença, ainda que seja por via da apensação ao apenso de Oposição à execução (considerando a incompatibilidade intrínseca, dado que a acção executiva, diferentemente da declarativa não tem por fim a decisão de uma causa mas a efectivação de um ou mais direitos anteriormente reconhecidos, por sentença ou outro título), sendo que na acção declarativa intentada pelos executados os RR/exequentes ainda nem foram citados.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:


1- Relatório:

Na actual Instância Local Cível, AA e BB, executados nos autos de execução para prestação de facto, em que são exequentes CC e DD, deduziram Oposição à execução contra estes exequentes, alegando em síntese que a interpretação da decisão do STJ não permite o que pedem os exequentes, verificando-se a inexequibilidade de parte do Acórdão.
Pedem que:
a) Que se declare que, devidamente interpretada a decisão exequenda, o seu sentido é o de que:
- são de pé, e não de carro, as passagens nela previstas tanto para acesso ao rústico da al. A) dos factos assentes, como para a retaguarda do urbano da al. B);
- é junto ao muro que define a estrema nascente do logradouro do prédio dos executados que deve correr o leito de passagem de acesso ao prédio rústico dos exequentes;
- esse leito não deve ter mais de 0,50 metros de largura.
b) Que se declare que não confere aos exequentes nenhum direito sobre a casa de banho e a fosse séptica o facto de nela (decisão) se aludir a uma e outra.
c) Que os executados não terão de demolir nenhum muro à entrada das servidões, devendo o acesso ao leito destas fazer-se através do portão existente.
d) Que os executados não são obrigados a retirar o portão, apenas ficando vinculados a entregar uma chave dele aos exequentes.
e) Que os executados só terão que cortar, no muro que separa o seu logradouro do prédio rústico dos exequentes e no muro que separa o mesmo logradouro do que fica atrás da casa deles exequentes, uma abertura com a largura suficiente para passagem de pé, de não mais de 50 cms.
f) Que se declarem nulos os acórdãos da Relação e do Supremo na parte que se referem à passagem de acesso ao prédio rústico se não for possível encontrar neles sentido que se conforme com a geografia do terreno.
Na Execução pedem os exequentes que: ”Se nomeie perito para avaliar o custo dos trabalhos necessários ao derrube e retirada dos muros construídos no local por onde foram reconhecidas as servidões de passagem, bem como da retirada do portão lá colocado, de modo a permitir o livre exercício acesso aos prédios dos exequentes por esse local, nos precisos termos da decisão condenatória dada à execução”.
Anteriormente tinham os exequentes intentado no Tribunal Judicial, uma acção ordinária que correu termos na 2ª Secção Cível com o nº 108/10.4 TBPTG no qual pediam: «
Que fossem os Réus, ora executados/oponentes, condenados a:
1) Reconhecerem que está constituída por destinação de pai de família uma servidão de passagem a favor dos prédios identificados nos art.ºs 1.º e 5.º que tem o seu início no largo fronteiro ao prédio identificado no art.º 2.º e se desenvolve no sentido Sul/Norte pelo prédio dos RR com um leito de largura de 8 metros até atingir o prédio dos AA.
2) Reconhecerem que está constituída por destinação de pai de família uma servidão de passagem a pé para o logradouro situado nas traseiras da casa referida no art.º 2.º com o inicio no mesmo local da anterior, mas com a largura de dois metros e que dá acesso também à casa de banho e fossa séptica referidas nos art.ºs 28.º e 29.º
3) Derrubarem e retirarem a expensas suas os muros que construíram no local onde se exerciam as servidões e o portão que lá colocaram e a manterem livre e desocupado todo o espaço por onde se exerce a servidão, de modo a que nada impeça o livre acesso aos prédios dos Autores.»
Tramitado essa acção em primeira instância, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Não se conformando os aqui exequentes e AA. nessa acção interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que o julgou procedente e proferiu acórdão que revogou a sentença recorrida e condenou os RR apelados, nos pedidos formulados e acima transcritos, na sua exacta formulação.
Os aqui executados e RR nessa acção recorreram então para o STJ, que confirmou na íntegra a decisão da Relação.
Os então AA e agora exequentes intentaram a supra referida acção executiva para prestação de facto, pedindo que nessa execução se desse cumprimento ao decidido, tendo sido deduzida a presente oposição à execução.
Nestes autos de Oposição à execução em 09/10/2014, vieram os executados apresentar um “articulado superveniente” onde alegam o seguinte:
1) Que no dia 4 de Dezembro de 2014 deram entrada nessa mesma instância local cível, a uma acção que tomou o nº 475/14.0T8PTG.
2) Que nessa acção pedem a extinção da servição com fundamento na sua inutilidade ou sua modificação quanto à extensão e uso e que se vier a julgar-se pela não extinção, que se prescinda da demolição dos muros e levantamento do portão.
3) No artigo 3º dizem que “aqui se dá por reproduzida, a petição apresentada.”
4) Juntam cópia da petição dessa acção e dizem que, por ser a “mesma questão a apreciar na oposição e na acção, há toda a conveniência em que a oposição e a acção sejam apreciadas em conjunto. Favorece essa concentração o facto de estarem em momentos processuais próximos.” (art.º 4º)
) Mais afirmam que “ a apresentação da acção constitui, por outro lado, facto novo com a virtualidade de travar o andamento da execução.” (art.º 6º)
6) E, ironia das ironias, nesse mesmo artigo 6º dizem que a travagem do andamento da execução se deve fazer“ por virtude do princípio de que não se deve decidir num sentido o que logo a seguir pode ser decidido em sentido contrário.”
Ora é exactamente isso que, os executados querem.
Querem que a oposição à execução se decida em sentido contrário ao que se decidiu na acção!!!
7) Terminam pedindo a apensação da acção a esta oposição à execução e que “ se ordene a sustação da execução até decisão sobre os factos extintivos os modificativos invocados”.(sic).
Os executados intentaram no dia 4 de Dezembro de 2014 na Instância local uma acção com o n.º475/14.0T8PTG, onde pedem “que se declare extinta a servidão, com fundamento na sua desnecessidade; ou, a não se decidir nesse sentido, se ordene a sua modificação com redução do leito de exercício nos limites do necessário a uma passagem de pé.”
Mais pedem que, por o leito assim definido ser compatível com a permanência do portão, se prescinda da demolição dos muros e levantamento do portão.
Pedem que “porque é a mesma questão fundamental a apreciar na oposição e na acção sejam apreciadas em conjunto. Favorece essa concentração o facto de estarem em momentos processuais próximos.”
Na oposição à execução também apresentam outro requerimento onde pedem a apensação daquela nova acção a estes autos de Oposição à execução para prestação de facto.
Na audiência prévia de 10/12/2014 foi proferida decisão que ordenou a apensação aos autos da nova acção nº 475/14.0T8PTG da Secção Cível da Instância Local e admitiu o articulado superveniente, nos seguintes termos (transcrição):
1) “Tendo em conta que o pedido dos autores na acção de processo comum com o n.º 475/14.0T8PTG, que corre termos na Secção Cível da Instância Local, emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à defesa nos presentes embargos de executado, ao abrigo do disposto nos artigos 267.º, n.º 1 e n.º 4 e 266.º, n.º 2, alínea a) do NCPC, defiro o requerido e determino a apensação do referido processo aos presentes autos.”
2) “Relativamente ao articulado superveniente apresentado pelos Embargantes cumpre proferir despacho liminar nos termos do artigo 588.º, n.º 4 do NCPC o que se passa a efectuar de imediato.-
Tendo em conta a apensação ora determinada efectuar da acção de processo comum em apreço, nos termos do disposto no artigo 588.º, n.º 1, n.º 3, alínea a) e n.º 5 do NCPC, verifica-se ser de admitir liminarmente o articulado superveniente ora apresentado pelos embargantes, na medida em que por via do mesmo foram trazidos ao processo os factos alegados e as provas oferecidas na referida acção e que são susceptíveis de constituir factos modificativos da obrigação supervenientes, considerando os termos enunciados nos artigos 874.º, n.º 2 e 875.º, n.º 2, ambos do referido Código.-
Com efeito nos termos desta última norma um dos fundamentos de oposição à execução consiste em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação a que alude o artigo 874.º e que nos termos do artigo 729.º seja motivo legítimo de oposição.-
Ora, prevê a alínea g) do artigo 729.º precisamente como fundamento de oposição da execução baseada em sentença qualquer facto modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão na acção declarativa e se prove por documento.-
Neste caso não há dúvidas que a petição inicial da referida acção comum não pode deixar de se considerar como um documento que é posterior ao encerramento da discussão na acção principal destes autos, e dado que nessa petição se requer a alteração do modo de exercício e mudança do local de servidão ao abrigo do disposto no artigo 1568.º, n.º 1 e 3 do Código Civil, e tendo ainda presente o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Outubro de 2010 (Proc. 67/09.6TBSPS.C1), in www.dgsi.pt, conclui-se que o mesmo consubstancia um facto modificativo da obrigação superveniente com relevo para a boa decisão da presente causa.-
Face ao exposto, nos termos e com os fundamentos supra vertidos, admite-se liminarmente o articulado superveniente apresentado e determina-se a notificação da parte contrária para responder em 10 dias nos termos da 2.ª Parte do n.º 4 e n.º 5 do artigo 588.º do NCPC, caso a mesma não considere já ter exercido o seu direito de resposta no requerimento que antecede.-”
Inconformados com estas decisões pelos exequentes foi interposto recurso contra a mesma, com as seguintes conclusões (transcrição):
1) A oposição à execução fundada em sentença só pode ter como fundamento algum dos casos previstos no art.º 729.º.
2) O n.º2 do art.º 732.º não admite que na oposição à execução seja junto qualquer articulado superveniente.
3) Em sede de oposição à execução só é possível alegar factos supervenientes que se insiram nalguma das alíneas do art.º 729.º
4) A propositura de uma acção pelos executados contra os exequentes, deduzindo pedidos de sinal contrário à decisão que se executa não integra o conceito de facto extintivo ou modificativo da decisão que se está a executar.
5) Da petição junta com o articulado superveniente resulta com clareza que a obrigação exequenda não está extinta, nem modificada e, por isso, não deve ser admitido o articulado superveniente, por não trazer qualquer facto que integre a alínea g) do art.º 727.º.
6) Não é admissível a apensação de uma acção em que os RR ainda não foram citados, a outra que se encontra em fase de execução.
7) A oposição à execução não é uma acção nova, mas um prolongamento da execução; e esta, um prolongamento da acção declarativa onde foi proferida a decisão exequenda e que já transitou em julgado.
8) Não é admissível a apensação de uma acção declarativa em fase de citação a uma acção declarativa finda.
9) Os embargos de executado não servem para o executado apresentar defesa contra a execução, mas para demonstrar que a sentença exequenda padece de vício que a invalida ou que a obrigação do executado foi extinta ou modificada e, por isso, não lhe pode ser apensada uma nova acção cujo pedido visa alterar a decisão que se executa.
10) A oposição à execução nunca comporta pedido reconvencional.
11) Não é admissível a apensação a uma oposição à execução de uma acção declarativa cujas partes, factos, provas e pedidos são iguais, pois tal situação constitui litispendência.
12) A acção que foi mandada apensar está ferida da excepção de caso julgado, por pretender a extinção ou a modificação da decisão transitada em julgado e que se executa.
13) Não é admissível a apensação de uma acção cuja instância ainda não está estabilizada, nem o valor definitivamente fixado, a uma oposição à execução que corre na instância local quando é ainda possível que a acção a apensar possa vir a ser tramitada pela instância central.
14) Deve ser atribuído ao recurso o efeito suspensivo das decisões recorridas.
15) O recurso é admissível e deve subir imediatamente em separado e com efeito suspensivo.
16) A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto no art.º 729.º alínea g); no n.º2 do art.º 732.º n.º1 e n.º4 do art.º588.º; n.º1 do art.º267.º e n.º2 do art.º 576.º do CPCivil.
17) Deve o recurso ser julgado procedente e em consequência, revogarem-se as decisões recorridas e substituírem-se por outras que não admitam o articulado superveniente nem a apensação da acção n.º475/14.0T8PTG e que mande prosseguir a execução.
Assim fazedo, farão V. Exas JUSTIÇA!»
Foram oferecidas contra-alegações, com as seguintes conclusões (transcrição):.
«1- Não se questiona já, porque a questão está resolvida, a justeza da pretensão da recorrente, irmã da recorrida, de querer passar pelo logradouro desta quando tem á sua disposição uma Estrada Nacional que cobre toda a frente dos seus dois prédios.
2- Inútil também relembrar a justificação apresentada para, na sua defesa, terem os recorridos suscitado a eventualidade de deverem ser tidos por nulos os Acórdãos dados á execução, na parte em que são insusceptiveis de execução pratica. Para V.Exªs. não existem as áreas sagradas que parecem existir para os recorrentes.
3- A apensação tida em vista pela Meritíssima Juiz é fruto da sensibilidade jurídica de quem julga e aplicação dos princípios de celeridade e economia processual que impregnam o direito processual civil vigente.
4- Ela tem fundamento no artº267º do C.P.Civil, por se verificar o pressuposto do artigo 266º nº2 al.a), como lucidamente se decidiu na decisão recorrida.
5- E é a forma de assegurar que, em um só julgamento, se aprecia o âmbito da servidão e se deve a mesma ser extinta ou reduzida, por forma a assegurar que não se retire com uma mão ( executando os Acórdãos) o que logo a seguir teria de ser dado com outra ( cumprindo a decisão de extinção/modificação).
6- A sabedoria dos Romanos exprimiu a ultrapassagem desse conflito de interesses – de prevalência do pragmatismo sobre o formalismo – com o brocado dolo agit qui petit quod statim rediturus est .
7- Também o articulado superveniente é legal, justificado, por pertinente.
8- É justificado dentro da filosofia expressa de que, por pragmatismo, deve o tribunal poder, num só julgamento resolver todas as questões.
9- É legal porque exprime um facto que pode travar o cumprimento da execução dos Acórdãos, sem que lhe possa ser oposto que a desnecessidade da servidão ou o seu excesso têm de constar já de documento.
10- Relembrando o que escreveu o Prof. Lebre de Freitas, a prova documental não é necessária nos casos em que não é normal ou possível a sua recolha e seja por testemunhas ou por outro meio de prova que a prova do facto pode ser feita. A aliena g) do artº729º, na sua parte final, ao falar em prescrição, permite essa extensão interpretativa.
Nestes termos e nos mais de direito que V.Exªs doutamente suprirão, deve julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida.
Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da JUSTIÇA»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos com relevo para a decisão são os que constam do relatório e ainda que :
Na nova acção declarativa intentada pelos executados os RR/exequentes ainda não foram citados.


2 – Questões a decidir:

Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir (por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do mesmo diploma) é as seguinte:
- Saber se é possível deduzir um articulado superveniente numa Oposição à execução para prestação de facto;
- Saber se se verificam os requisitos da apensação;


3. Apreciando o Recurso:

Não cabe aqui – neste recurso - analisar a admissibilidade da oposição à execução (sendo os fundamentos que é possível opor à execução fundada em sentença muito limitados) nem analisar substancialmente os fundamentos invocados nesta oposição.
O presente recurso limita-se apenas à análise da admissibilidade do articulado superveniente e da apensação.
Os exequentes insurgem-se quanto às decisões proferidas na audiência preliminar da Oposição à execução que admitiu o articulado superveniente e ordenou a apensação aos presentes autos.
Argumentam em primeiro lugar que o n.º2 do art.º 732.º do CPC não admite que na oposição à execução seja junto qualquer articulado superveniente.
A este propósito, importa referir que, no nosso entendimento, não se vê qualquer obstáculo à admissão de um articulado superveniente na Oposição à execução, uma vez que a mesma tem a natureza de um processo declarativo.
E nem se diga que, o é obstáculo a essa admissibilidade o nº 2 do artigo 732º do Código de Processo Civil (como elemento literal que impede a produção de quaisquer outros articulados em sede de oposição à execução, para além da petição e da contestação, por aí se dizer que: “Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.”), pois este artigo trata apenas da situação comum do processado, não afastando a norma geral do art. 588º do CPC.
Coloca-se então a questão de saber se a alegação de que foi intentada uma determinada acção traduz um facto superveniente no sentido consagrado nesse artigo.
Como diz Castro Mendes, Dir. Processual Civil 1980, 111- 152: “Factos supervenientes são os factos que ocorram posteriormente ao oferecimento dos articulados normais (factos objectivamente supervenientes), bem como os anteriores, mas de que a parte só teve conhecimento depois de findarem os articulados (factos subjectivamente supervenientes)”.
Em bom rigor, o facto superveniente é o que respeita aos fundamentos da oposição aduzidos pelo oponente (qualquer facto que consubstanciasse qualquer dos fundamentos enumerados no artigo 729º do Código de Processo Civil), não integrando este conceito as ocorrências processuais, como a instauração de uma acção.
A factualidade alegadamente superveniente corresponde à prática de um acto processual – intentar uma acção – que não configura factualidade superveniente para os efeitos que o legislador previu no art. 588º do CPC.
De qualquer forma, este entendimento não impedia os executados oponentes de terem requerido, num único requerimento, dando conta da propositura da acção, a sua apensação, pelo que, o conhecimento da nova acção sempre poderia chegar aos autos, por outra via que não a do articulado superveniente, sendo por isso despiciendo discutir a admissibilidade do articulado em causa.
Mas não significa isto que, no nosso entender, deva ser admitida a apensação, pois entendemos que não se verificam os requisitos para tal admissão.
Dispõe o nº 1 do artigo 275º do CPC que: “Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”.
Como se pode ler no Ac. do STJ de 3.11.2011, proc. nº 850/2001.C1.S1 disponível em www.dgsi.pt.
“segundo o ensinamento de Alberto dos Reis, a junção dos processos com base nos critérios de conexão subjectiva ou objectiva (identidade de partes ou de pedidos, que não se confunde com litispendência como vimos) tem algumas vantagens de monta, não constituindo mero capricho do julgador.
O citado Mestre assim escrevia, (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º volume, pg. 203:
«O fundamento da junção é a conexão: Juntam-se as causas que são conexas; e juntam-se, como dissemos, para se conseguirem estes dois benefícios:
a) Economia de actividade
b) Coerência, ou melhor, uniformidade de julgamento.»
Claro que actualmente se poderá aditar a vantagem de alguma celeridade processual adveniente da economia de actividade.
(…) A apensação de acções não é uma mera junção material de processos, mas um acto jurídico e jurisdicional, isto é, produtor de efeitos jurídicos e proferido por um Tribunal, com estrutura e objectivos legalmente traçados, constituindo o conjunto resultante (processo principal e apensos) uma unidade processual (por isso os apensos tomam o número do processo principal ao qual foram juntos, distinguindo-se geralmente em função das letras atribuídas que se seguem ao número).
(…) A terminar este breve excurso recordemos, uma vez mais, as lapidares palavras de Alberto dos Reis:
«A unificação do processo tem consequência natural que a sentença é só uma para as várias causas que se juntaram. Todas elas hão-de ser decididas no mesmo acto jurisdicional» (Op. cit na nota 5, pg. 220).
(…) Em suma, não há que conferir à apensação de processos um relevo processual superior ao que tem a finalidade precípua para a qual tal junção de causas foi legalmente concebida e que é, como é sabido, a da uniformidade do julgamento.
Como sentenciou este Supremo Tribunal no seu Acórdão 23-06-1999, de que for Relator o Exmº Juiz Conselheiro Pereira Rodrigues, «visando a apensação de processos a economia processual e a uniformidade de julgamento, tendo em vista os interesses da paz social e da justiça, deve deixar-se ao prudente arbítrio do julgador a apreciação das suas vantagens ou inconvenientes no caso concreto» (Pº 0027474 in www.dgsi.pt).
Ora, não se vislumbra qualquer utilidade na apensação em causa.
Aliás, parece-nos inadmissível a apensação de uma acção declarativa a uma acção executiva, ainda que seja por via da apensação à Oposição.
Afigura-se-nos que, há uma incompatibilidade intrínseca, dado que a acção executiva, diferentemente da declarativa não tem por fim a decisão de uma causa mas a efectivação de um ou mais direitos anteriormente reconhecidos, por sentença ou outro título.
Como se escreveu no Ac RL de 7 de Maio de 2009, proc. nº 10525/08-2: "Para se proceder à apensação de processos, é necessária a verificação de pressupostos positivos, consubstanciados na conexão objectiva e na compatibilidade processual, e um pressuposto negativo destinado a aferir da inconveniência da apensação", pressupostos que, neste caso não se verificam.
(…) para se proceder à apensação de processos, é necessária a verificação de pressupostos positivos, consubstanciados na conexão objectiva e na compatibilidade processual, e um pressuposto negativo destinado a aferir da inconveniência da apensação.
Como refere Rodrigues Basto, Notas ao CPC, Vol. II, 37, atribui-se ao Tribunal um poder discricionário na ponderação do aludido pressuposto negativo.
Assim, e como salienta Rodrigues Basto, ob. cit., 36, a parte que requer a apensação deverá demonstrar a existência da conexão entre as acções e que a apensação serve em concreto a um mais perfeito desenvolvimento da relação jurídica processual”.
Conforme se diz no Ac. Rel. Coimbra de 21/05/2013 proferido no Pr.º 4044/07.3TJCBRC (acessível em www.dgsi.pt):
“A finalidade de apensação de acções é a economia de actividade processual e a uniformidade de julgamento que pode proporcionar a circunstância da causa de pedir ser a mesma e única, ou de os pedidos estarem numa relação de dependência nas acções apensadas”.
“A uniformidade de julgamento evitando que as causas em questão que versam sobre questões idênticas ou conexas sejam objecto de julgamentos díspares, apresenta-se como a maior vantagem da apensação de acções, pois serão objecto de uma única decisão proferida pelo mesmo juiz.”
Ou seja, a apensação tem em vista a facilidade de percorrer um caminho processual único e conjunto, o que não pode acontecer no caso dos autos, porque de formas processuais diferentes se trata e porque estamos perante percursos processuais em fases temporais muito distintas.
De resto, a acção declarativa nenhum efeito poderia ter sobre a acção executiva, ainda para mais quando é certo que, neste caso, a declarativa é já o sucedâneo da oposição.
Não há qualquer vantagem processual na apensação e a mesma é desaconselhada em razão do estado mais avançado do processo executivo e da oposição (note-se que na nova acção ainda nem citação ocorreu).
É que estamos perante a execução de uma sentença.
A sentença é titulo executivo e embora os executados insistam em não aceitar a mesma, não será com a nova acção que poderão reverter o se trânsito.
Não se pode voltar a discutir os fundamentos da acção declarativa onde foi proferida a decisão que se executa, pois a isso se opõe o princípio da imutabilidade das sentenças transitadas em julgado.
Embora não seja ainda o momento oportuno para discutir o mérito da oposição à execução, tem razão os exequentes quando dizem que a própria oposição só é permitida com limitações.
Os fundamentos de oposição à execução são os que taxativamente constam do nº 1 do artº 814º do anterior CPC e 729º do novo CPC.
Esses fundamentos podem-se agrupar em três categorias: oposição por falta de pressupostos processuais gerais da acção; oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva; e oposição por motivos substanciais - cfr. Anselmo de Castro, in Acção Executiva, pág. 279, Lebre de Freitas, in Acção Executiva, pág. 172 e Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 154.
Ora, mais do que a oposição que também já é limitada, uma acção declarativa nova não pode de forma alguma inviabilizar uma sentença transitada.
Em suma:
Não se mostram verificados os pressupostos para a apensação que foi ordenada, impondo-se a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida.
4. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que indefere a apensação requerida pelos executados.
Custas na primeira instância, pelo indeferimento do requerimento de apensação, a cargo dos requerentes/executados, com 2 UC’s de taxa de justiça.
Sem custas nesta instância de recurso.


Évora, 23.02.2016

Elisabete Valente
Acácio Luís Jesus das Neves
Bernardo Domingos