Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
390/10.7TBCCH-D.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1 - Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 – Determinando a lei apensação dos processos relativos ao menor, não fazendo qualquer distinção entre processos anteriores pendentes ou findos, tal distinção não cabe ao intérprete fazer, não sendo, por isso, obstáculo à apensação o estado em que se encontre o processo ao qual se fará a apensação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém – Instância Central – 1ª secção de Família e Menores – J2), no âmbito de processo de Promoção e Proteção, instaurado pelo Ministério Público relativamente à menor, BB, filha de CC e de DD, foi além do mais, pedida a apensação dos autos ao processo tutelar comum n.º 390/10.7TBCCH-J2, referente à mesma menor, tendo sobre este segmento incidido em 12/02/2016, o seguinte despacho:
Os autos do processo n.º 390/10.7TBCCH e seus apensos A e B mostram-se todos já findos.
A nosso ver, a interpretação do art.º 81.º da LPCJP, na atual redação, no sentido de permitir a apensação de processos de promoção e proteção a processos tutelares cíveis já findos leva a consequências desrazoáveis, que certamente o legislador não pretendeu, como desde logo o potencial afastamento do processo relativamente ao local da residência atual da criança ou jovem, sendo o tribunal deste lugar o que se encontra em situação privilegiada, pela proximidade, para conhecer do caso.
Afigura-se-nos, assim, que tal artigo terá de ser objeto de uma interpretação restritiva, por forma a impedir tais consequências nefastas, fazendo apenas apensar processos ainda pendentes, pois que apenas nessas situações se mostra salvaguardada a atualidade do conhecimento do caso que possibilita a intervenção mínima do tribunal (que, cremos, será a ratio desta norma).
Assim, a apensação dos presentes autos de promoção e proteção aos autos do processo n.º 390/10.7TBCCH carece de fundamento, por não ser esta Unidade (J2) a competente para tramitar o processo.
Notifique e, após trânsito, remeta os autos, de novo, ao J1, Unidade em que foram distribuídos inicialmente.
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Não se conformando com esta decisão foi dela interposto recurso pelo MP, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. Nestes autos, o Ministério Público instaurou o presente processo de promoção e proteção em benefício de BB, tendo, no requerimento inicial, requerido a apensação deste processo ao processo tutelar comum n.º 390710.7TBCCH, nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 1 e 4 da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro.
2. No âmbito do processo de ação tutelar comum n.º 390/10.7TBCCH, por sentença proferida em 28 de Outubro de 2010, transitada em julgado, o exercício das responsabilidades parentais atinentes a BB foi regulado e a menina foi confiada à guarda da respetiva avó paterna, EE, exercendo esta as responsabilidades parentais da criança.
3. Correram termos, por apenso, ao referido processo tutelar comum, o apenso A (de alteração do regime das responsabilidades parentais desta menina) e o apenso B (incumprimento de tal regime), sendo que, neste último, foi proferida sentença em 2 de Outubro de 2015;
4. Nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 1 da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, na redação introduzida pela n.º 142/15, de 8 de Setembro “quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e que quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados sucessivamente processos de promoção e proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar”.
5. Ainda de acordo com o n.º 4 do artigo 81.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, a apensação a que se reporta o n.º 1 do mesmo normativo, tem lugar independentemente do estado dos processos (sublinhado nosso).
6. Também o artigo 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível estatui que “se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção (…), devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar”.
7. Transpondo as previsões normativas em apreço para o caso vertente, conclui-se que o presente processo de promoção e proteção tem, necessariamente, de correr por apenso ao processo tutelar comum (e seus apensos) já existente e no qual constam, certamente, outros elementos de prova atinentes à situação desta menina, à sua história de vida, ao seu contexto familiar, e que certamente auxiliariam o tribunal a proferir uma decisão neste processo.
8. Isto, independentemente do processo tutelar cível estar ou não findo, na justa medida em que o legislador, nos normativos legais citados, não faz qualquer distinção entre processos pendentes e findos. E, como se sabe, onde o legislador não distingue, não pode, nem deve o intérprete distinguir.
9. A seguir-se o critério adotado na decisão recorrida, fica comprometido objetivo da visão e da resolução conjunta, multidisciplinar e integrada da situação de cada criança ou jovem, independentemente do sentido da intervenção em causa (se na perspetiva tutelar cível, se na perspetiva da promoção e proteção, se na perspetiva tutelar educativa), visada pelas novas leis em matéria de crianças e jovens e que tem como objetivo a obtenção de decisões harmoniosas e complementares entre si, sempre que respeitantes ao mesmo menor.
10. Em todos os processos, há informações e meios de prova respeitantes à criança que nunca perdem atualidade e que, nessa medida, podem ser, a todo o tempo, tidos em consideração pelo Tribunal nas decisões a tomar.
11. Em segundo lugar, entendemos que o entendimento seguido na decisão recorrida é que será antagónico com o da intervenção mínima do tribunal: na verdade, os processos já existentes, mesmo que arquivados, contêm elementos passíveis de serem usados como meios de prova e, nessa medida, evita-se a recolha de nova prova, a duplicação de diligências e, consequentemente, assegura-se a intervenção mínima do tribunal.
12. Por último, sempre diremos que não concordamos com o entendimento de que é o tribunal da atual residência da criança que se encontra em situação privilegiada pela proximidade, para conhecer do caso, na justa medida em que hoje em dia os tribunais têm à sua disposição meios técnicos que asseguram a imediação da prova (pense-se, a título de exemplo, no sistema de videoconferência).
13. No caso vertente, importa sublinhar dois aspetos: a residência de BB permanece a mesma. Logo, não colhe, muito menos no caso concreto, o argumento de que a apensação iria potenciar o afastamento do processo relativamente ao local da residência atual da criança.
14. Acresce que, caso ocorra uma alteração das circunstâncias da vida desta menina justificadora da instauração de uma ação de alteração do regime das responsabilidades parentais a ela atinentes ou uma situação de incumprimento de tal regime, que imponha a instauração de um incidente de incumprimento, sempre tal ação e incidente correrão por apenso ao processo n.º 390/10.7TBCCH. Independentemente de este estar findo!
15. Logo, não vemos, também nesta perspetiva, fundamento para a decisão proferida.
16. A sentença recorrida violou, assim, os normativos legais ínsitos nos artigos 81.º, n.º 1 e 4 da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro e no artigo 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, os quais devem ser interpretados no sentido de que a apensação de processos ali prevista tem lugar independentemente do estado dos mesmos isto é, independentemente de os instaurados em primeiro lugar estarem ou não findos.
17. No entanto, Vossas Exªs. farão a habitual Justiça.
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Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se este Processo Judicial de Promoção e Proteção a favor da menor BB, deve ou não ser apensado ao processo tutelar comum nº 390/10.7TBCCH, também respeitante à mesma menor.


Para apreciação da questão há que ter em conta os factos aludidos no relatório, bem como nas conclusões 1ª, 2ª e 3ª das alegações do recorrente, que nos dispensamos de fazer constar de novo.

Conhecendo da questão
Dispõe o artº 81º, nº 1. da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pelo artigo 1º da Lei nº 147/99, de 01 de Setembro e a ela anexa, sob a epígrafe de “Apensação de processos de natureza diversa”:
1 - Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
(…)
4 – A apensação a que se reporta o nº 1 tem lugar independentemente do estado dos processos.”
Como decorre do preceito legal citado, a lei determina a respetiva apensação dos processos relativos ao menor, não fazendo a lei qualquer distinção entre processos anteriores pendentes ou findos, distinção esta que igualmente não cabe ao intérprete fazer.
E, na realidade, assim se compreende a determinação e alcance da lei, na apensação de processos relativamente a um só menor, não só por razões de economia processual mas sobretudo por exigência dos princípios do “interesse superior da criança e do jovem” e da “proporcionalidade e atualidade da intervenção” previstos e definidos nas als. a) e e) do artº 4º da LPCJP, os quais impõem a apreciação em conjunto e de forma harmonizada e atualizada de todas as situações que justificaram a sua instauração.
É neste sentido e contexto que a apensação se configura como um ato aglutinador, necessário e útil às finalidades dos processos de promoção e proteção pendente, de modo a justificar um desvio às regras de competência territorial e/ou da distribuição entre juízes do mesmo tribunal territorialmente competente, a que o superior interesse da criança e do jovem que caracteriza e domina este tipo de intervenção judicial terá sempre que sobrepor-se. (v. Ac. do TRG 16/01/2014, in www.dgsi.pt).
Assim, acompanhamos o Digno Magistrado do Ministério Público, pois que a razão primacial da apensação é a aquisição processual, no fundo, o aproveitamento que se pode fazer, de todos os elementos que já constam do processo, relativamente à menor em causa. E, isto quer o processo esteja findo ou esteja pendente, uma vez que a lei no seu nº 4 do referido artº 81º, não faz qualquer referência, antes refere que a apensação tem lugar independentemente do estado dos processos.
Portanto, como já se deixou dito, não fazendo a lei qualquer distinção entre processos anteriores pendentes ou findos, também o intérprete a não deverá fazer.
Assim, assiste razão ao recorrente, quanto à apensação requerida, tendo por isso, que alterar-se o decidido, revogando-se o despacho impugnado que deverá ser substituído por outro que acolha a pretensão do apelante.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que acolha a pretensão de apensação.
Sem custas.

Évora, 16 de Junho de 2016
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes