Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
81/14.0TBORQ-B.E1
Relator: MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - No incidente de liquidação, a fixação do valor da indemnização só ocorre com a decisão do incidente;
- Na fixação desse valor, releva o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, devendo arbitrar-se uma quantia equivalente à diferença entre a situação patrimonial atual do lesado e a que ele teria atualmente caso não tivesse ocorrido o dano a ressarcir;
- A desvalorização da moeda é um facto notório, a atender na fixação da indemnização;
- Enquanto não for liquidada a indemnização, correm por conta do devedor as oscilações do valor da moeda, pelo que deve na operação de liquidação ser cumprido o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 81/14.0TBORQ-B.E1 – Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 1
Recorrentes – (…) e (…)
Recorridos – (…), (…), (…) e marido, (…), (…), (…) e (…)
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Sumário: (…)
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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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1. – RELATÓRIO
1.1.
(…), (…), (…) e marido, (…), (…), (…) e (…), deduziram “Incidente de Liquidação de decisão condenatória, nos termos dos artigos 358.º e seguintes do CPC”, contra (…) e (…).
Em síntese, alegam que por Acórdão proferido neste Tribunal, os requeridos foram condenados a pagar aos requerentes, até ao limite de € 27.273,34, o valor correspondente a metade do mencionado prédio desanexado – terreno com 260 m2 –, calculado à data da desanexação do prédio descrito sob o n.º (…), a liquidar posteriormente.
Tendo os prédios existentes, já identificados nos autos implantados no terreno, legado também aos AA. e de que os RR. se apropriaram, o valor global de € 163.640,00, e sendo prática comum na construção civil atribuir ao terreno de implantação o valor de um terço do construído, deverá ser-lhe atribuído o valor global de € 54.546,67. Pertencerá metade aos AA., ou seja, € 27.273,34.
O imóvel pré-existente (descrição …) tinha à data da Ap. (…) o valor patrimonial de 15.901$00; e à data de Ap. (…) o valor de € 29.927,87. Cabia aos AA. metade ou seja, € 14.963,94.
Assim o valor do terreno e do imóvel pré-existente confere aos AA. o valor global de (€ 14.963,94 + € 27.273,34), ou seja, € 42.237.275.
Porém, cumprindo o douto Acórdão, importa proceder à liquidação do valor e serem os RR. condenados a indemnizar os AA. da metade do valor do terreno de implantação dos imóveis (€ 27.273,34).

Pedem que seja fixado em € 27.273,34 o valor do terreno de implantação do imóvel em causa.

1.2.
Os requeridos foram notificados para deduzirem oposição, o que fizeram.
Alegam que o imóvel pré-existente, (descrição …) tinha à data da Ap. (…) o valor patrimonial de € 79,31 (então ainda em escudos, o valor de 15.901$00); e à data de Ap. (…), após desanexação e obras, o valor de € 29.927,87.
Os Requerentes em nada contribuíram para o melhoramento do prédio, para a sua valorização, para as suas obras, pelo que não podem aproveitar-se das mesmas para virem agora calcular e exigir uma indemnização.
Assim, não podem ter direito a um valor superior a metade do valor do prédio antes da desanexação e das obras efetuadas pelos Requeridos, isto é, € 39,65, correspondente a metade do valor do prédio à data da supra referida apresentação Ap. … (€ 79,31 : 2 = € 39,65).
Se assim não se entender, devem os requeridos ser condenados a pagar aos Requerentes o valor de € 2 493,98, correspondente a metade do valor pelo qual venderam a (…) e mulher (…), os 260 m2 do prédio em causa nos autos (€ 4.987,97 : 2 = € 2.493,98).


1.3.
Realizada a audiência, foi proferida decisão que condenou “(…) os Requeridos a pagar aos Requerentes a quantia de € 13.013,57 (treze mil e treze euros e cinquenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento”.


1.4.
Os requeridos, inconformados com esta decisão, dela vieram interpor o presente recurso, cuja motivação concluíram do seguinte modo:
I - O Tribunal da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, condenou os ora Apelantes a reconhecer o direito de propriedade dos Requerentes sobre ½ do prédio urbano composto por três quartos, uma sala de banho, corredor, cozinha, uma sala, sótão e quintal, com a área coberta de 155 m2 e descoberta de 157 m2, sito na Rua (…), n.º 23, em (…), freguesia de (…), concelho de Ourique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob o n.º (…);
II - Deste prédio urbano, foi desanexado e vendido, um lote de terreno com a área de 260 m2, o prédio urbano descrito Conservatória do Registo Predial de Ourique sob o n.º (…).
III - O Tribunal da Relação de Beja, em recurso subordinado, condenou os ora Apelantes:
- a pagar aos Requerentes, a título de indemnização, uma quantia em dinheiro, correspondente a metade do valor do prédio desanexado, à data da desanexação, até ao limite de € 27.273,34 (vinte sete mil e duzentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), valor a liquidar posteriormente.
IV - Os Requerentes, na sequência da sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, intentaram o presente incidente de liquidação de sentença.
V - As partes requereram uma perícia judicial para determinar esse valor.
VI - Com base na perícia judicial elaborada pelo sr. Perito (…), cujo teor se dá por reproduzido, o Tribunal a quo veio a considerar provado o seguinte:
“À data da desanexação o valor de mercado correspondente a metade do prédio em causa nos autos desanexado era de € 7.700,00.”
VII - Não obstante, o Tribunal a quo não condenou os Requeridos a pagar esta quantia aos Requerente, decidindo, por sua livre iniciativa, proceder à correção deste valor, utilizando, como fator de correção, a variação da média anual do índice de preços ao consumidor.
VIII - Consequentemente fixou em € 13.013,57 (treze mil e treze euros e cinquenta e sete cêntimos), o valor a pagar pelos Requeridos aos Requerentes, a título de indemnização;
IX - Este valor é superior em € 5.313,75 (cinco mil e trezentos e treze euros e setenta e cinco cêntimos) ao valor de mercado do prédio à data da desanexação, considerado provado.
X - Este valor é ainda superior ao valor do prédio atualmente, que o sr. Perito fixou em € 13.000,00 (treze mil euros).
XI - O Tribunal a quo não o podia ter feito esta atualização ao valor do prédio, porquanto:
XII - Os Requerentes não pediram qualquer atualização da indemnização a fixar pelo Tribunal, com base na variação da média anual do índice de preços ao consumidor, ou com base em qualquer outro método de cálculo para atualização de preços, limitaram-se, a pedir que os Requeridos fossem condenados a pagar-lhes o montante de € 27.273,34, isto é, o montante máximo que podiam pedir neste apenso de liquidação de sentença.
XIII - Ao atualizar a indemnização a atribuir aos Requerentes, sem que os mesmos a solicitassem, com base na variação da média anual do índice de preços ao consumidor, o Tribunal a quo violou o princípio do pedido plasmado no artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
XIV - Paralelamente, há que ter em conta a douta sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, que se limitou a condenar os Requeridos a pagar aos Requerentes uma indemnização, sem qualquer atualização, conforme resulta do corpo da sentença:
“…condenando os réus (…) e (…), a pagar aos autores, até ao limite de € 27.273,34 (vinte sete mil e duzentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), o valor correspondente a metade do mencionado prédio desanexado – terreno com 260 m2 –, calculado à data da desanexação do prédio descrito sob o n.º (…), a liquidar posteriormente.”
XV - Ao atualizar a indemnização a atribuir aos Requerentes, em liquidação de sentença, sem uma condenação prévia do Tribunal, transitada em julgado, que assim decidisse, o Tribunal a quo violou o princípio do caso julgado plasmado nos artigos 619.º e 661.º, ambos do Código Processo Civil.
XVI - Nesse sentido têm decido os nossos tribunais superiores, invocando-se a título exemplificativo o Acórdão da Relação de Lisboa, que explana de forma clara, os limites do Incidente de Liquidação de Sentença, disponível em wwww.dgsi.pt e datado de 11.10.2023:
“I – O incidente de liquidação de sentença destina-se a obter a concretização do objeto de condenação da decisão proferida na acção declarativa, dentro dos limites do caso julgado.
II – O período temporal a relevar para o cômputo da antiguidade do trabalhador para efeitos de indemnização por despedimento ilícito é o que decorreu entre a data da cessação irregular do contrato de trabalho e a data do trânsito em julgado da sentença judicial que decretou a invalidade desta cessação.
III – Tendo sido apenas deduzido o incidente de liquidação de sentença relativamente à condenação da R. no pagamento de salários intercalares, mas já não relativamente à indemnização de antiguidade que a sentença igualmente condenou a R. a pagar ao A., foi sobre aqueles que o tribunal se pronunciou, não o podendo fazer sobre qualquer outra matéria, por força do princípio do pedido.”
XVII - Refira-se, por fim, que o prédio desanexado do prédio descrito sob o artigo (…), com os 260 m2 da área descoberta, em causa neste apenso, foi vendido pelos Requeridos pelo valor de € 4.987,97, a 19 de fevereiro de 1999, conforme consta da certidão de compra e venda junta pelos RR. como Doc. 3, nos autos principais.
XVIII - Tendo agora sido avaliado em € 15.400,00 (€ 7.700,00 x 2), à data da sua desanexação, os Requerentes, que não tiveram qualquer intervenção na mesma, bem como na venda do prédio, já beneficiam, de uma mais-valia de € 9.012,03, de uma atualização do seu valor, termos em que não sofrem qualquer prejuízo se lhes for atribuído o valor de € 7.700,00, fixado pelo senhor perito e determinado pelo Tribunal da Relação de Évora como o valor adequado, a serem indemnizados, isto é, o valor correspondente a metade do mencionado prédio desanexado – terreno com 260 m2 –, calculado à data da desanexação, o que é de salientar para um adequado juízo de equidade e de justiça material no caso concreto”.

Pedem que seja revogada a decisão recorrida e substituída “por outra que condene Requeridos/Apelantes a pagar aos Requerentes/Apelados, uma indemnização não superior a € 7.700,00 (sete mil e setecentos euros)”.


Não foi apresentada resposta.
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2. QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações dos Recorrentes, há duas questões que importa apreciar:
- saber se a indemnização fixada a favor dos Recorridos deve ser atualizada;
- saber se, não tendo sido expressamente pedida, a atualização da indemnização viola o princípio do dispositivo ou os limites do caso julgado.
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Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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3. - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na decisão recorrida, foram considerados os seguintes factos provados:
«1. Por Acórdão da Relação de Évora proferido na ação principal foi decidido, além do mais: “julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelos autores, condenando os réus (…) e (…), a pagar aos autores, até ao limite de € 27.273,34 (vinte sete mil e duzentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), o valor correspondente a metade do mencionado prédio desanexado – terreno com 260 m2 –, calculado à data da desanexação do prédio descrito sob o n.º (…), a liquidar posteriormente”;
2. Em Fevereiro de 1999 o prédio descrito sob o n.º (…) foi desanexado do ora descrito sob o n.º (…) com a área de 260 m2.
3. À data da desanexação o valor de mercado correspondente a metade do prédio em causa nos autos desanexado era de € 7.700,00.»
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Os Recorrentes não impugnam a decisão relativa à matéria de facto.
Os factos relevantes para a decisão são, portanto, aqueles que o Tribunal Recorrido elencou.
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3.2.1.
A atualização da indemnização
Antes de entrarmos na apreciação do objeto do recurso, interessa recuarmos ao processo principal para percebermos com exatidão os contornos da questão suscitada.
Lê-se, no Acórdão desta Relação proferido no processo principal em 03.12.2020:
(…) está assente que do prédio descrito sob o n.º (…) foi desanexado o descrito sob o n.º (…) com a área de 260 m2, ficando o prédio modificado.
E mais se provou que o 1º Réu, após a desanexação, realizou obras de reconstrução e de reabilitação do prédio.
O prédio desanexado e descrito sob o artigo n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Ourique, com a área de 260 m2, rés do chão e 1º andar, sito na Rua (…), 25, freguesia de (…), concelho de Ourique, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), foi vendido pelos 1.ºs RR. à 3ª Ré (…) e esta, por sua vez, em 19/07/2010, pelo valor de € 129.000,00, vendeu à 4ª Ré … (Ap. …, de …). Este imóvel tinha, em 2013, o valor patrimonial de € 59.213,65.
Ora, o direito à indemnização pretendida assenta na responsabilidade civil extracontratual, cujos contornos gerais estão plasmados no artigo 483.º e segs. do Código Civil.
Assim, constitui princípio geral de que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" – artigo 483.º do Código Civil.
São pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, Almedina, pág. 557, e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10.ª edição, Vol. I, pág. 526.
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e verificado o respetivo nexo de causalidade entre o dano e o facto danoso – artigos 562.º e 563.º do Código Civil.
(…)
Ora, os autores não alegaram, nem demonstraram, qualquer dano decorrente na privação do direito de ½ sobre o imóvel descrito no (…), razão pela qual deverá improceder a apelação, nesta parte.
O mesmo não se dirá relativamente ao dano sofrido pelos autores, em consequência do comportamento ilícito dos réus/apelantes, traduzido na apropriação indevida e consciente de ½ do prédio descrito sob o n.º (…) e desanexação deste do prédio, dando origem ao prédio descrito sob o n.º (…), com a área de 260 m2, modificando esse prédio, sendo que o prédio desanexado (com a área de 260m2), deu lugar à implantação de um prédio urbano – rés do chão e 1.º andar, sito na Rua (…), 25, freguesia de (…), concelho de Ourique, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), que depois foi vendido à 3ª Ré (…) e esta, por sua vez, em 19/07/2010, pelo valor de € 129.000,00, vendeu à 4ª Ré … (Ap. …, de …).
Assim, os Réus apropriaram-se indevidamente de ½ do valor desse prédio desanexado, no caso, um terreno com 260 m2.
Por isso, não obtendo os autores a procedência total do seu pedido principal, têm direito a receber dos réus o valor correspondente a ½ do valor desse terreno e que consubstancia o prejuízo por eles sofrido, nele não se incluindo, naturalmente, o valor da construção nele implantado posteriormente e que foi vendido, porquanto os autores não alegaram, nem demonstraram, ter suportado parte das despesas de construção/reconstrução.
O valor a receber pelos autores não pode ultrapassar o montante de € 27.273,34 (correspondente ao peticionado, a esse título).
Porque inexistem elementos de facto que permitam determinar o valor do terreno e seu estado (com eventual construção) à data da desanexação e, em consequência, o montante a pagar aos autores, deve ser relegado para posterior liquidação, nos termos dos artigos 609.º/2 e 358.º e segs. do C.P.C.”.

Como se lê na decisão recorrida e decorre do Acórdão de 03.12.2020, o direito invocado pelos autores reconduz-se ao exercício de responsabilidade civil extracontratual.

O artigo 550.º do CC, sob a epígrafe “Princípio nominalista”, dispõe que “O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efetuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário.
Significa isto que as obrigações pecuniárias (ou seja, de pagamento em dinheiro) devem ser cumpridas pelo valor nominal da moeda, independentemente das flutuações do seu poder aquisitivo (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I Vol., págs. 557 e 558: “2. Consagra-se neste artigo, para as obrigações chamadas de soma ou de quantidade, que são as mais frequentes e importantes das obrigações pecuniárias, o princípio chamado nominalista. O pagamento das obrigações pecuniárias deve fazer-se, em regra, atendendo ao valor nominal da moeda na data do cumprimento (…). As desvalorizações ou valorizações da moeda, nomeadamente as alterações do seu valor de troca ou aquisitivo, não interessam (…)”).

Diversamente, as dívidas de valor – as que não têm por objeto uma quantia em dinheiro, mas sim um valor patrimonial – devem ser atualizadas até ao momento do pagamento para assegurar a reparação integral. Às dívidas de valor, portanto, aplica-se o princípio da equivalência real ou da conservação do valor. É o que sucede com as indemnizações por danos (patrimoniais ou não patrimoniais), que por constituírem dívidas de valor, devem ser atualizadas até ao pagamento – sem o que não cumpririam a sua função reparatória – afastando-se o princípio nominalista.
A obrigação de pagar uma indemnização em dinheiro (por equivalente) é uma dívida de valor, e não uma dívida de dinheiro, o que significa que o objeto da obrigação é um valor económico – a reparação do dano – e o dinheiro é apenas o meio de cálculo desse valor, permitindo o artigo 551.º do CC a atualização dessas obrigações em virtude das flutuações do valor da moeda.
Um propósito de justiça material demanda que as indemnizações sejam corrigidas monetariamente reputando-se injusto e desequilibrado que o lesado (credor) suporte sozinho as consequências da desvalorização da moeda.

Neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 28.04.2015, em www.dgsi.pt:
A obrigação de indemnizar um dano tem como finalidade primeira a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento gerador dessa obrigação (artigo 562.º do Código Civil).
A indemnização é efectivamente considerada uma dívida de valor [2], uma vez que o seu objecto não é constituído por uma importância monetária, podendo o dinheiro intervir apenas como substitutivo do valor económico de um bem, da reconstituição de uma determinada situação ou como compensação de prejuízo sofrido, o que sucede quando, nos termos do artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, a reconstituição natural não é possível.
Nestes casos, o dinheiro funciona como um mero instrumento de liquidação. Não constitui o fim em si da obrigação, desempenhando apenas a função instrumental de permitir a reparação do dano, a qual apenas é efectiva se a quantia indemnizatória fixada for suficiente, tanto quanto possível, para restabelecer a situação anterior à ocorrência do evento danoso.
As dívidas de valor não estão sujeitas ao princípio nominalista, devendo por isso a fixação da indemnização tomar em consideração uma eventual depreciação monetária entretanto ocorrida entre a data em que ocorreu o prejuízo e a data em que é fixada a indemnização monetária destinada a ressarci-lo, pois só dessa forma se atribuirá ao lesado uma soma em dinheiro susceptível de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação [3].
Daí que o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil disponha que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Porém, a partir do momento em que é feita a conversão da dívida de valor em dívida de dinheiro, a respectiva obrigação já passa a estar sujeita ao princípio nominalista, podendo apenas o devedor reclamar o pagamento de juros pela mora que possa ocorrer na sua satisfação [4].
Ora, no caso sub iudice a liquidação do valor da indemnização só vai ocorrer com o resultado do presente incidente, pelo que na fixação desse valor tem que se tomar em consideração o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, devendo arbitrar-se uma quantia equivalente à diferença entre a situação patrimonial do lesado actual e a que ele teria actualmente caso não tivesse ocorrido o dano a ressarcir, o que obriga necessariamente à actualização monetária das quantias cujo montante teve em consideração o valor da moeda à data do dano”.

Em conclusão, diremos portanto que a obrigação que impende sobre os Recorrentes, enquanto obrigação de valor, é suscetível de atualização.
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E, assim, entramos na apreciação da segunda questão.

3.2.2.
O princípio do dispositivo e os limites do caso julgado
No Acórdão de 03.12.2020, este Tribunal decidiu condenar os aqui Recorrentes “a pagar aos autores, até ao limite de € 27.273,34 (vinte sete mil e duzentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), o valor correspondente a metade do mencionado prédio desanexado – terreno com 260 m2 –, calculado à data da desanexação do prédio descrito sob o n.º (…), a liquidar posteriormente”.
A referência à data da desanexação surge apenas para indicar que é esse o momento a atender para o cálculo do valor de metade do prédio. Diz-se, portanto, que deve ser determinado o valor à data da desanexação, o que foi feito.
No relatório pericial junto em 18.09.2023, o sr. Perito concluiu que “o valor de metade do prédio em causa nos autos desanexado – terreno com 260 m2 – calculado à data de desanexação do prédio descrito sob o n.º (…), é de € 9.750,00 (nove mil e setecentos e cinquenta euros)”; no relatório da 2ª perícia junto em 10.10.2024, o sr. Perito diz que atribui “a metade do prédio desanexado do descrito sob o n.º (…) – terreno com 260 m2 – o valor de mercado à data da desanexação (fevereiro de 1999) de € 7.700,00 (sete mil e setecentos euros)”.

Em cumprimento do Acórdão de 03.12.2020 o Tribunal a quo diligenciou por determinar o valor de metade do prédio à data da desanexação.
Nada se dizendo quanto à atualização do valor – nem na decisão, nem nos fundamentos – não ofende os limites do caso julgado que o valor encontrado seja atualizado.

O que está em causa, agora, é apurar se a atualização deve ocorrer, mesmo não tendo sido pedida.
O artigo 566.º, n.º 2, do CC, sob a epígrafe “Indemnização em dinheiro”, dispõe que “(…) a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
A indemnização em dinheiro tem caráter subsidiário. Tem lugar apenas porque: (i) não é possível a reposição da situação anterior à lesão, (ii) a restituição natural não repara integralmente o dano ou (iii) é excessivamente onerosa para o devedor.
A determinação da indemnização através da avaliação da situação real e da situação hipotética deve reportar-se à data mais recente que puder ser atendida. Sendo liquidada por via judicial, corresponderá, normalmente, à data do encerramento da discussão na primeira instância ou do incidente de liquidação posterior a que haja lugar.

Vejamos.
Na petição inicial, o autor deve, no que agora interessa, (i) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e (ii) formular o pedido (artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC).
Quem pede uma indemnização deve alegar os factos que justificam a pretensão indemnizatória e indicar o montante pretendido.
Contudo, quando se trata da desvalorização da moeda, não é necessário provar nem alegar este facto. É facto notório, sujeito ao regime previsto no artigo 412.º, n.º 1, do CPC, que sob a epígrafe “Factos que não carecem de alegação ou de prova”, dispõe que “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.
Parece, portanto, não fazer sentido a exigência de formulação expressa de um pedido de atualização monetária, tratando-se de facto notório a que, em linha com o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, do CC e 611.º do CPC, o Tribunal deve atender.

Retomando o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.04.2015, que acompanhamos, lê-se:
(…) para que seja efectuada essa operação na determinação do montante indemnizatório não é necessário que o Requerente do incidente de liquidação já tenha deduzido o respectivo pedido na acção em que se determinou a liquidação da indemnização em incidente posterior.
Não se tendo ainda procedido à liquidação da indemnização, esta dívida ainda não se converteu em dívida pecuniária, correndo por conta do devedor as oscilações do valor da moeda, pelo que cumpre a quem procede à operação de liquidação dar cumprimento ao disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil”.

No incidente de liquidação de sentença a liquidação do valor da indemnização só vai ocorrer com o resultado do incidente, pelo que na fixação desse valor tem de considerar-se o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, devendo arbitrar-se uma quantia equivalente à diferença entre a situação patrimonial atual do lesado e a que ele teria atualmente caso não tivesse ocorrido o dano a ressarcir, o que obriga necessariamente à atualização monetária das quantias cujo montante teve em consideração o valor da moeda à data do dano.

Trata-se de entendimento que não ofende o caso julgado nem viola o princípio do dispositivo, ademais porque o valor encontrado está contido nos limites definidos na decisão de 03.12.2020 e nos limites do pedido formulado – € 27.273,34 – não sendo demais recordar que a condenação dos RR. resultou da procedência do pedido subsidiário deduzido no processo principal, de que os RR. “fossem condenados solidariamente a indemnizar os AA. pelos danos causados que, não sendo agora quantificáveis, deverão ser apurados em execução de sentença”, não se referindo, mas também não se excluindo a atualização do valor da indemnização.

Deve por isso manter-se a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em:
- julgar improcedente a apelação e, em consequência,
- confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes.
Notifique.
Évora, 27.11.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Ana Margarida Leite
Maria Emília Melo e Castro