Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
78/17.8PBSTB.E1
Relator: CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores: EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
RECUSA
CONTRAPROVA
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Havendo recusa de realização do exame para pesquisa de álcool no sangue através do método de ar expirado, carece de sentido a alegação pelo arguido de que não lhe foi facultado o direito à contraprova.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, na sequência de acusação do Ministério Público, o arguido JJ foi pronunciado pela prática, em concurso efectivo, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP), ex vi art. 158.º, n.º 3, do Código da Estrada (CE), e 69.º, n.º 1, alínea c), do CP e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, alínea b), do CP.

O arguido apresentou contestação, alegando a incapacidade em realizar o teste pelo método de ar expirado, bem como a disponibilidade em realizar análise de sangue e, ainda, não se ter recusado a entregar a carta de condução.

Mais requereu que se procedesse a exame à rúbrica constante do documento de fls. 7 (notificação efectuada pela PSP aquando da fiscalização em 19.01.2017), aposta por baixo da expressão “O Notificado”, o que veio a ser indeferido, por despacho do seguinte teor:

«Veio, ainda, o arguido requerer a realização de perícia, com vista a averiguar se o arguido apôs a sua rúbrica no documento de fls. 7, "com particular relevo para a parte em que refere que o arguido renunciou ao direito de contraprova (fls. 106-vº).

O arguido mostra-se incurso da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal ("ex vi" artigo 158.º, n.º 3 do Código da Estrada) e 69.º, n.º 1, alínea c), também do Código Penal, e de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

O aludido documento de fls. 7, datado de fls. 19.01.2017, foi elaborado pela PSP.

Por referência àquela data, é imputado ao arguido que este exercia a condução de veículo automóvel, que foi sujeito a ação de fiscalização rodoviária pela PSP, que lhe foi dada ordem para realizar teste em aparelho qualitativo para deteção e presença de álcool no sangue através do ar expirado, que o arguido recusou a efetuar tal teste (e de forma correta), advertido que incorria na prática do crime de desobediência, o arguido manteve a mesma conduta.

Mostrando-se o arguido pronunciado por ter desobedecido à ordem de realizar o aludido teste, não haveria que ser realizada qualquer contraprova, por nenhuma prova ter sido efetuada.

Deste modo, sendo irrelevante para o preenchimento do aludido tipo de ilícito aquela factualidade, a perícia com o objeto proposto pelo arguido não só se reveste como impertinente, como de natureza manifestamente dilatória.

Pelo exposto, a mesma é indeferida ao abrigo do disposto no artigo 476º, nº 1 do Código de Processo Civil ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal e artigos 154º e 340º, nº 4, als. b) e d) do Código de Processo Penal.».

Realizado julgamento e proferida sentença, decidiu-se:

- julgar a pronúncia procedente e, em consequência:

- condenar o arguido:

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a), do CP, aplicável ex vi do art. 152.º, n.º 3 do CE, e 69.º, n.º 1, alínea c), do CP, ocorrido em 19.01.2017, na pena de 6 (seis) meses;

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, alínea b), do CP, ocorrido em 21.10.2016, na pena de 6 (seis) meses;

- em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 10 (dez) meses de prisão suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano, condicionada à entrega da quantia de € 2000 (dois mil euros) aos Bombeiros Voluntários de Palmela, a efectuar em quatro prestações iguais, de € 500 (quinhentos euros) cada uma, de 3 (três) em 3 (três) meses, a contar do trânsito da sentença;

- na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias, prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea c), do CP, pelo período de 1 (um) ano.

Inconformado com o referido despacho, bem como com a aludida sentença, o arguido interpôs recursos, formulando, respectivamente, as conclusões:

- recurso do despacho:
1ª Não tendo sido - como não foi - detetado que o recorrente conduzia o seu veículo automóvel sob a influência do álcool, apenas a recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas constituiria, nos termos da alínea c) do nº 1 do art.º 69º do Código Penal, fundamento para a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.

Ora,
2ª Além de a acusação descrever, com suficiente pormenor, a forma como decorreu o exame por ar expirado - o que, só por si, revela não ter havido recusa por parte do arguido - parece, por outro lado, despi­ciendo salientar o interesse do arguido em impugnar, por falsificação de assinatura, o documento de imputada a afirmação de que ele próprio se teria recusado submeter-se aos exames.

Por outro lado,

3ª Pretendendo o arguido demonstrar no Julgamento que sempre in­sistiu, dadas as circunstâncias, pelo exame ao sangue, é evidente que não poderia - nem pode - deixar sem impugnação um documento cuja assinatura lhe é imputada em que teria declarado exactamente o con­trário, isto é, que renunciava a esse exame.

O douto despacho recorrido violou, pelo menos, as seguintes dis­posições legais:

- Alínea c) do nº 1 do art.º 69 do Código Penal
- Art. 374 do CC
- nº 1 do artigo 32 da Constituição da República Portuguesa, directa­mente aplicável por força do nº 1 do art.º 18º da mesma CRP.

- recurso da sentença:

1 - Relativamente ao crime de desobediência consubstanciado nos aconteci­mentos de 19 de Janeiro de 2017, a douta sentença recorrida ignorou o disposto no nº 1 do artº 4º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influên­cia do Álcool, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, nos termos do qual o condutor deve ser submetido a análise ao sangue quando por 3 vezes consecuti­vas não conseguir expirar ar em quantidade suficiente para accionar o aparelho de teste.

2 - Dispositivo normativo que se aplica, por identidade de razão, tanto ao analisador qualitativo, como ao quantitativo

De qualquer forma,

3 - Ainda que se justificasse - e não justifica - a condenação, nunca a deso­bediência assumiria a forma de recusa de realização de exames - o texto da pró­pria acusação desmente esta hipótese - que é, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 69 do CP, o único pressuposto de aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.

4 - Relativamente à desobediência concernente à não entrega atempada da carta na sequência da condenação no processo 83/16, supra referido, afigura-se que a mesma não tem justificação porque:

- No prazo de entrega foi alegado extravio da carta,

- Reencontrada a carta foi requerido que a entrega aguardasse o cúmulo jurídico das penas acessórias de inibição aplicadas neste último processo e no processo nº 124/15, também supra referido.

Indeferido o requerimento, a carta foi entregue em 3 de Março de 2017, como consta dos autos.

Pelo que,

5 - Também esta desobediência não se verificou.
Ainda,

6 - A douta sentença recorrida ignorou a Acórdão de Uniformização de Ju­risprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2018, publicado no Diário da República de 13 de Fevereiro, nos termos do qual as penas acessórias de inibição de conduzir veículos com motor estão sujeitas a cúmulo jurídico, o que a senten­ça de que se recorre manifestamente não fez.

7 - A douta decisão recorrida violou, pelo menos, as seguintes disposições legais:

- Nº 1 do art.º 4º do RFCIA, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio;

- Alínea c) do nº 1 do artº 69 do CP;

- Ac. Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 2/2018 publicado no DR de 13 de Fevereiro do mesmo ano.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, com revogação da douta sentença recorrida.

Os recursos foram admitidos.

O Ministério Público apresentou respostas, concluindo:

- quanto ao recurso do despacho:
1.O arguido JJ veio interpor recurso do despacho proferido em 03.05.2018, exarado a fls.111, que indeferiu a realização de perícia à rubrica aposta no documento de fls. 7, alegando para tanto que este documento reveste de particular importância, na medida em que dele resulta «que o arguido ter-se ia recusado a “realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado” e que teria renunciado a novo teste “através de análise sanguínea”», o que não corresponde à verdade.

2.Apesar de tal questão revestir relevância penal, porquanto foi suscitada a falsidade da rubrica aposta no doc. de fls. 7, a verdade é que a apreciação de tal questão é manifestamente irrelevante e inócua nos presentes autos.

3.É que o documento de fls. 7 apenas relevava caso o arguido tivesse concretizado o exame de ar expirado e, face ao resultado da TAS apresentada, requeresse, de imediato, a realização de contraprova, podendo fazê-lo recorrendo a novo teste de ar expirado ou através de análise sanguínea, nos termos do nº3 do art. 153º CE.

4.como muito bem referiu a Mm Juiz, o arguido mostra-se acusado da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348º nº 1 al. a), do Código Penal (“ex vi” artigo 158º, nº3, do Código da Estrada), porquanto no decurso da acção de fiscalização rodoviária a que foi sujeito, foi-lhe dada ordem para realizar teste em aparelho qualitativo para detecção e presença de álcool no sangue através do ar expirado, tendo o arguido recusou a efectuar tal teste de forma correcta, e advertido que incorria na prática do crime de desobediência com tal conduta, o mesmo persistiu na realização dessa consulta.

5.Conforme resulta da factualidade objecto dos presentes autos que, foi imputado ao arguido a prática do crime de desobediência, por o mesmo ter desobedecido à ordem de realizar o aludido teste, razão pela qual não haveria que ser realizada qualquer contraprova, por nenhuma prova ter sido efectuada (circunstância aliás que veio a ser perfeitamente esclarecida em sede de audiência de julgamento).

6.Deste modo, e concordando inteiramente com o despacho de indeferimento proferido nos autos, por se mostrar irrelevante para o preenchimento do aludido tipo de ilícito aquela factualidade, a perícia com o objecto proposto pelo arguido não só se reveste como irrelevante e até dilatória, deve manter-se na íntegra a decisão objecto de recurso!

Termos em que, e no mais que V. Exas. doutamente suprirem, deve manter-se na íntegra a decisão objecto de recurso!

- relativamente ao recurso da sentença:

1. O recorrente alega que a douta decisão recorrida violou, pelo menos, as seguintes disposições legais: Nº 1 do art.º 4 º do RFCIA, aprovado pela Lei n º 18/2007, de 17 de Maio; Alínea c) do n º 1 do artº 69 do CP; Ac. Uniformização de Jurisprudência do STJ n º 2/2018 publicado no DR de 13 de Fevereiro do mesmo ano.

2. O Ministério Público entende que o arguido se recusou a ser submetido ao teste de álcool no sangue por ar expirado, e bem andou a Mmª Juiz ao condenar o mesmo pela prática do crime de desobediência, quer na pena principal de prisão, quer na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

i. Os factos considerados provados na sentença, que não foram impugnados em recurso nos termos do artigo 412.º, nº 3 do Código de Processo Penal.

ii. Resulta dos factos provados que quando foi fiscalizado o arguido “d)(…) foi no local advertido pela PSP que tinha de realizar teste em aparelho qualitativo para detecção e presença de álcool no sangue através do ar expirado. e) Tendo-lhe sido explicado a forma correta como teria de realizar o sopro para o dito aparelho. f) em ato contínuo, o arguido realizou vários sopros que interrompeu voluntariamente antes de lhe ter sido dada ordem para os interromper, impedindo a sua medição. g) Não se tendo obtido, assim, qualquer resultado no aparelho. h) Como consequência, foi-lhe novamente explicado a forma correta de realizar o dito exame, tendo o arguido de respondido que não iria realizar qualquer teste para aquele fim. i) Perante tal recusa, foi o mesmo advertido que incorria na prática do crime de desobediência caso mantivesse o propósito em não se submeter ao dito exame, nomeadamente a expirar ar para o alcoolímetro, ao que manteve a sua recusa (…) u) O arguido não manifestou disponibilidade para que o teste de pesquisa de álcool no sangue fosse realizado por “análise ao sangue”, antes se recusou expressamente à sua realização.”

iii. Tal comportamento configura inequivocamente a prática pelo arguido de um crime de desobediência.

iv. Por isso, entendemos que bem andou o Tribunal ao condenar o arguido pela prática de tal crime, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 152º, nº 3 do Código da Estrada, e 69º, nº 1, alínea c) do Código Penal.

3. Quanto ao segundo crime se desobediência, entende o Ministério Público que o arguido não entregou o título de condução no âmbito do processo sumário n.º --/16.1PTSTB, no prazo que lhe foi imposto, e bem andou a Mmª Juiz ao condenar o mesmo pela prática do referido crime, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

i. Efectivamente foi considerado provado que o arguido esteve presente na leitura da sentença do processo supra identificado, tal sentença judicial transitou em julgado em 10-10-2016,

ii. Apresentou naqueles autos um requerimento datado de 14.10.2016, informando o Tribunal que se encontrava impedido de proceder à entrega do seu título de condução, por alegadamente o mesmo se ter extraviado no dia 12.10.2016, o que sabia não corresponder à verdade.

iii. Mais provou-se que o Arguido requereu a 13.10.2016 e obteve, entre o mais, uma carta de condução estrangeira, não a tendo também entregado ao Tribunal, para cumprimento daquela pena acessória

iv. O Tribunal a quo, e a nosso ver muito bem, atentos os factos considerados provados, não teve dúvidas em fazer a imputação da autoria dos factos ao arguido, nos moldes em que o fez, e condená-lo pela prática do crime de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

4. Quanto ao facto de alegadamente a sentença recorrida ter ignorado o AUJ n.º 2/2018, o Ministério Público entende que não existe qualquer cúmulo jurídico a efectuar.

i. Nos presentes autos o arguido apenas foi condenado numa pena acessória, relativamente ao crime de desobediência praticado em 19-01-2017, pelo que não se alcança que penas o recorrente pretendia que a presente sentença efectuasse o cúmulo jurídico.

ii. Nenhuma das penas acessórias em que o arguido foi condenado e que constam do seu CRC está em situação de concurso (processos --/13.2PBSTB, --/15.0PBSTB e os presentes autos), devendo o arguido cumprir as três penas de forma sucessiva.

iii. Não se alcança qual o cúmulo jurídico das penas acessórias pretendido pelo arguido. Pois não existem quaisquer penas em situação de concurso

Termos em que deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso, mantendo-se nos seus precisos termos a douta sentença sob recurso.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, manifestando concordar com o entendimento vertido nas referidas respostas e no sentido que o despacho e a sentença devam ser mantidos.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, de harmonia, designadamente, com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

Delimitando-o, reside em analisar:
- recurso do despacho:
- da realização da requerida perícia;

- recurso da sentença:
A) - da ausência de fundamento para se enquadrar a conduta como desobediência por recusa em sujeitar-se a exame de pesquisa de álcool no sangue;

B) - da ausência de justificação para o comportamento, de não entrega da carta de condução, se considerar como desobediência;

C) - da preterição da obrigação de proceder a cúmulo das penas acessórias.

Apreciando o recurso do despacho:
O recorrente requereu a perícia à rúbrica aposta no documento de fls. 7, no local aí destinado à assinatura do “Notificado”, com a finalidade de, como fez consignar no requerimento, averiguar-se se tal assinatura ou rúbrica foi feita pelo punho do arguido, o que o tribunal indeferiu, no essencial, com fundamento em que, dada a imputação da desobediência nessa parte, “não haveria que ser realizada qualquer contraprova”, motivo por que a diligência foi tida por “impertinente” e “manifestamente dilatória”.

Discordando, invoca que o documento de folhas 7 dos autos reveste-se de particular importância na medida em que dele resulta que o arguido ter-se-ia recusado a "realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado" e que teria renunciado a novo teste "através de análise sanguínea", pelo que Não podia, nem pode, deixar passar sem impugnação um documento em que expressamente teria renunciado a tal prova.

Vejamos.
Constitui princípio geral que, nos termos do art. 340.º, n.º 1, do CPP, ”O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, o que consubstancia a consagração legal da investigação com o sentido da procura da verdade material, desde que consentânea com o objecto do processo.

Quando requerida a produção de prova, como no caso sucedeu, estará sempre subjacente a avaliação da essencialidade ou, pelo menos, relevância, dessa prova, dentro daquelas condicionantes, sem prejuízo da sua inerente admissibilidade, à luz do disposto no art. 125.º do CPP.

Tratando-se de prova pericial, incidindo na mencionada rúbrica aposta no documento, a sua admissibilidade não suscitaria dúvida, já que de acordo com a previsão legal do art. 151.º do mesmo Código.

Não obstante, a sua ausência de necessidade configura aspecto que não merece a censura que o recorrente faz.

Com efeito, estando em causa, segundo a pronúncia (que remete para a acusação), a imputação ao recorrente de que, em 19.01.2017, sujeito a uma acção de fiscalização e advertido de que tinha de realizar teste em aparelho qualitativo para detecção e presença de álcool no sangue através do ar expirado, realizou vários sopros que interrompeu voluntariamente e, novamente advertido, respondeu que não iria realizar qualquer teste, recusando e mantendo a recusa depois de advertido que incorria em desobediência, não se descortina interesse em que a diligência pretendida fosse realizada.

Ou seja, se, na situação, o que se discutia era, tão-só, essa recusa, susceptível de punição por desobediência, nos termos do art. 152.º, n.º 3, do CE, sem que tivesse sido efectuado o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, em conformidade com o art. 153.º do mesmo diploma, não se afigura relevante trazer à colação a eventual realização de contraprova e/ou a colheita de sangue para análise.

Tanto mais que a notificação, em que teria sido aposta a rúbrica, e conforme decorre de fls. 7, apenas se reportou à informação quanto à possibilidade dessa contraprova e bem assim, da apresentação de testemunhas em audiência e, também, do impedimento de conduzir pelo período de 12 horas.

Se bem que, em concreto, aquele aspecto atinente à contraprova nem devesse, em rigor, ter constado dessa notificação, acaba por se afigurar despiciendo, atento o objecto em discussão, que o recorrente tivesse, ou não, aposto aquela rúbrica para o efeito dessa perspectiva em análise.

O mesmo se diga no sentido de que houvesse, ou não, aceitado que essa contraprova se efectuasse por análise sanguínea.

Deste modo, a pretendida perícia foi adequadamente indeferida, já que se tratava de diligência sem relevância.

Em razão do objecto da causa, as suas garantias de defesa não se viram afectadas por esse indeferimento, porque plenamente justificado.

Bem como não se mostra violada qualquer disposição legal.

O despacho recorrido deve, pois, manter-se.

Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:

Factos provados:

Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão:

Da pronúncia
a) No dia 19.01.2017, cerca da 01h10, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula -PE- pela Praceta Santa Rita Pintor, em Setúbal.

b) Por executar uma condução sem manter uma trajetória regular e linear, foi o arguido sujeito a uma ação de fiscalização rodoviária pela PSP, cujos elementos se encontravam devidamente uniformizados e fazendo-se transportar em veículo caracterizado daquela polícia.

c) No âmbito desta referida fiscalização, o arguido estava na posse e exibiu aos agentes da PSP a sua carta de condução n.º OLIVE51--- 34, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016 e válida até 20.01.2021.

d) No seguimento, foi no local advertido pela PSP que tinha de realizar teste em aparelho qualitativo para deteção e presença de álcool no sangue através do ar expirado.

e) Tendo-lhe sido explicado a forma correta como teria de realizar o sopro para o dito aparelho.

f) Em ato contínuo, o arguido realizou vários sopros que interrompeu voluntariamente antes de lhe ter sido dada ordem para os interromper, impedindo a sua medição.

g) Não se tendo obtido, assim, qualquer resultado no aparelho.

h) Como consequência, foi-lhe novamente explicado a forma correta de realizar o dito exame, tendo o arguido respondido que não iria realizar qualquer teste para aquele fim.

i) Perante tal recusa, foi o mesmo advertido que incorria na prática do crime de desobediência caso mantivesse o propósito em não se submeter ao dito exame, nomeadamente a expirar ar para o alcoolímetro, ao que manteve a sua recusa.

j) Não obstante ter tomado plena consciência de tal ordem e de saber que lhe devia obediência enquanto condutor, que a mesma lhe tinha sido regularmente comunicada e que emanava de autoridade competente, devidamente uniformizada e em exercício de funções, o arguido não lhe obedeceu e quis furtar-se à ação da justiça, não se submetendo ao teste de pesquisa de álcool no sangue, assim faltando à obediência devida àquela ordem, o que quis e fez.

k) Por sentença judicial transitada em 10.10.2016, proferida no âmbito dos autos de processo sumário n.º ---/16.1PTSTB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 1, foi o arguido condenado, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de oito meses.

l) O arguido esteve presente na audiência de julgamento respetiva e assistiu à leitura integral de tal decisão judicial.

m) Tendo tomado conhecimento da integralidade do seu teor, nomeadamente da advertência final referente à obrigação de entregar a sua habilitação legal para conduzir, a fim de ser junta ao processo, bem como do prazo de que dispunha para o efeito, sob pena de, caso assim não procedesse, incorrer na prática de um crime de desobediência.

n) No ato de fiscalização que deu origem a esses autos de processo, o arguido estava na posse e apresentou à PSP a sua carta de condução portuguesa n.º L-471270 4, emitida em 06.11.2018.

o) Apesar de ter sido regularmente notificado da indicada sentença e de ter compreendido a integralidade do seu teor, o arguido não entregou a sua carta de condução à ordem daquele processo, dentro do prazo legal e judicialmente fixado para o efeito.

p) Tendo apresentado nesses autos um requerimento datado de 14.10.2016, informando o Tribunal que se encontrava impedido de proceder à entrega do seu título de condução, por alegadamente o mesmo se ter extraviado no dia 12.10.2016, o que sabia não corresponder à verdade.

q) O arguido bem sabia que por decisão judicial transitada em julgado, lhe fora aplicada a pena acessória de proibição de conduzir e que, por essa razão, se encontrava obrigado a entregar a carta de condução à ordem do processo, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, e no entanto, pese embora tenha representado tal facto, o mesmo requereu a 13.10.2016 e obteve, entre o mais, uma carta de condução estrangeira, não a tendo também entregado ao Tribunal, para cumprimento daquela pena acessória, conforme efetivamente quis e fez.

r) Com efeito, o arguido previu e quis, conforme sucedeu, não cumprir a ordem de entrega de carta de condução, apesar de a mesma ser legítima porque emanada de autoridade judicial competente e de lhe ter sido regularmente transmitida, explicitando-se em tal ato as consequências do seu não acatamento, nomeadamente que incorria na prática de um crime de desobediência.

s) O arguido atuou livre, voluntária e conscientemente, com total conhecimento de que as suas condutas atrás enunciadas são proibidas e punidas pela lei penal e bem assim com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, sendo que, não obstante tal conhecimento e capacidade, não se inibiu de atuar do modo descrito, o que quis e fez.

t) Agiu sempre de modo voluntário livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.

Da contestação
u) O arguido não manifestou disponibilidade para que o teste de pesquisa de álcool no sangue fosse realizado por “análise ao sangue”, antes se recusou expressamente à sua realização.

v) A 03.03.2017, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução L-47170 4, emitida em 07.12.2013, à ordem do processo nº ---/15.4PBSTB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 5, para cumprimento da pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que aí foi condenado.

w) A carta de condução referida na alínea precedente, mostra-se apreendida à ordem do processo nº ---/15.4PBSTB.

x) A 08.05.2018, o arguido entregou a sua carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, à ordem do processo nº ---/16.1PTSTB, para cumprimento da pena acessória.

Mais se provou
y) Em momento prévio ao exercício da condução descrito na alínea a), o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.

z) A 02.11.2015, o arguido requereu duplicado da sua carta de condução L-471---, com fundamento em extravio, que veio a ser emitida em 06.11.2015, e recebida pelo arguido a 10.11.2015.

aa) Por requerimento entrado em juízo a 20.02.2017, o arguido, através do seu mandatário constituído, informou o processo nº --/16.1PTSTB que havia requerido a realização de cúmulo jurídico no processo nº ---/15.4PBSTB, requerendo se aguardasse a decisão desse processo para aí ser entregue a carta de condução.

bb) Por ordem judicial emanada a 10.07.2017, no âmbito do processo nº --/16.1PTSTB, foi determinada a apreensão da carta de condução do arguido n.º OLIVE512203--, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, a fim de cumprir a pena acessória.

cc) A 01.08.2017, o arguido não permitiu ao OPC a apreensão das suas cartas de condução, declarando, entre o mais, que tinha perdido a sua carta de condução inglesa há cerca de 5 anos, o que sabia não corresponder à verdade.

dd) Por requerimento remetido a juízo a 16.04.2018, o arguido, através do seu mandatário constituído, entregou no processo nº --/16.1PTSTB cópia da carta de condução n.º OLIVE512203--, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016.

ee) A 08.05.2018, o arguido, através do seu mandatário constituído, entregou no processo nº --/16.1PTSTB a sua carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016.

ff) O arguido trabalha como gestor de empresa, da qual é sócio único e gerente, recebendo um salário no valor mensal de € 1.850.

gg) O arguido vive com a sua esposa em casa própria, que se mostra paga.

hh) Esposa do arguido mostra-se reformada, auferindo pensão de reforma no montante de € 1.600/1.650.

ii) Tem um filho, maior de idade e independente.

jj) O arguido paga mensalmente a quantia de € 850 a título de renting de viatura automóvel.

kk) O arguido possui antecedentes criminais:

- no Proc. nº ---/13.2PBSTB, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, por decisão de 08.04.2013, transitada em julgado a 10.05.2013, por factos reportados a 06.02.2013, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 89 dias de multa, à taxa diária de € 7, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 6 meses;

- no Proc. nº ---/12.3PTSTB, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, por decisão de 16.10.2013, transitada em julgado a 16.10.2013, por factos reportados a 31.12.2012, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 15;

- no Proc. nº ---/15.4PBSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal - Juiz 5, por decisão de 18.02.2015, transitada em julgado a 02.12.2016, por factos reportados a 22.01.2015, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 10, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 meses;

- no Proc. nº --/16.1PTSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 1, por decisão de 05.09.2016, transitada em julgado a 10.10.2016, por factos reportados a 01.09.2016, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 8 meses.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:

Da contestação
1. Depois de 03.03.2017, jamais o arguido conduziu quaisquer veículos motorizados.

Motivação da decisão de facto:
Para formar a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, o Tribunal alicerçou-se na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, designadamente, nas declarações do arguido em cotejo com a prova testemunhal e documental - apreciada à luz das regras de experiência comum e atento o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

O arguido confessou o exercício da condução do imputado veículo automóvel, nas circunstâncias descritas na alínea a), após ter ingerido bebidas alcoólicas, tendo sido intercetado por autoridade policial.

Declarou ter sido submetido, no local da interceção pela autoridade policial, ao teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado, confessando que interrompia o sopro, mas por necessidade, por não conseguir fazer o teste, o que terá tentado por seis vezes.

Questionado pelo Tribunal qual a razão desta feita não ter alegadamente conseguido fazer o teste, porquanto já havia sido julgado e condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e feito necessariamente, com sucesso, o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado, o arguido não logrou apresentar qualquer explicação e com convicção – o que conduz à inevitável reserva sobre a seriedade da tal alegada impossibilidade/dificuldade em efetuar o teste.

Refere ter pedido ao agente policial – que em concreto não identifica – para fazer o teste do álcool por análise sanguínea, mas que não terá recebido qualquer resposta por parte daquele – o que veio a ser veemente infirmado pela testemunha FS.

Confessou ainda que o agente policial lhe cominou com a prática de crime de desobediência se mantivesse aquela conduta, o que inclusivamente já sabia, como relatou.

No que respeita à factualidade imputada nos artigos 11º e ss. da peça acusatória, o arguido confessou ter ficado ciente da obrigação que sobre si pendia de ter que proceder à entrega da sua carta de condução e das consequências legais/penais do seu incumprimento, justificando não ter a noção que teria de entregar a sua carta inglesa, confirmando no entanto ter pedido uma segunda via dessa carta de condução inglesa, mas que não fazia intenção de utilizar. Declarou bem saber que se encontrava legalmente habilitado ao exercício da condução, com a titularidade da sua carta de condução inglesa. Mais referiu que a 19.01.2017 quando conduziu estava na posse das duas cartas de condução (a portuguesa e a inglesa) - perante estes elementos é, desde logo, manifesto não corresponder à verdade a ausência de intenção de utilizar a sua carta de condução inglesa, tanto mais, que a 19.01.2017 (em data posterior ao trânsito em julgado da sentença no processo nº --/16.1PTSTB, onde o arguido – ainda – não havia procedido à entrega de qualquer carta de condução, portuguesa ou inglesa), exerceu a condução do seu veículo automóvel, em via pública – nas circunstâncias descritas no artigo 1º do libelo acusatório –, e exibiu deliberadamente perante autoridade policial a sua carta de condução inglesa, conforme relatado pela testemunha FS.

Tentou o arguido justificar o motivo pelo qual não havia procedido à entrega da sua carta de condução (portuguesa) à ordem do processo e dentro do prazo judicialmente concedido (que conhecia), alegando o extravio da carta portuguesa, juntamente com a carteira (que participou o perdimento à PSP e comunicou no processo respetivo – cfr. fls. 20 dos autos), encontrando-a mais tarde, talvez no mês seguinte (ou seja, em novembro de 2016), mas não procedendo à sua entrega imediata no processo.

Porque questionado, respondeu não ter pedido segundas vias dos documentos alegadamente extraviados (inclusivamente documentos de identificação, carta de condução), nem deu baixa dos cartões bancários que tinha na carteira alegadamente extraviada – o que (muito) se estranha caso efetivamente tivesse perdido tais documentos.

O arguido confessou, quando havia ordem judicial de apreensão, deliberadamente não ter entregue ao OPC, a 08.08.2017, a sua carta de condução inglesa – como consta do auto de fls. 160/161.

Admitiu como possível ter pedido segunda via da sua carta de condução portuguesa, que foi emitida em novembro de 2015 e por si recebida a 10.11.2015 – em conformidade com o ofício do IMT de fls. 145/147embora e tal como consta do auto de notícia do processo nº --/16.1PTSTB, a fls. 18/19, o arguido a 01.09.2016 tenha exibido a sua carta de condução emitida em 06.11.2008 (e não a que foi emitida em 02.11.2015).

A instâncias do seu mandatário, e de forma sugestiva, referiu não ter entregue a carta de condução por aguardar o cumulo jurídico nesse processo – sendo certo que o seu requerimento data de 20.02.2017, de fls. 76, quando a obrigação de entregar a carta de condução se reporta a outubro de 2016.

O arguido prestou ainda declarações quanto aos factos referentes à sua situação pessoal, profissional e económica, tendo as mesmas sido valoradas positivamente, atenta a forma espontânea com que, nesta parte, depôs e corroboradas pelo teor da prova testemunhal.

Ponderou-se o depoimento prestado pela testemunha FS, agente da PSP, que depôs de modo desinteressado, seguro e coerente, em toda a sua extensão, demonstrando ter conhecimento direto dos factos, por ser o agente autuante, tendo o seu depoimento sido merecedor de credibilidade.

Esta testemunha localizou no tempo e no espaço os acontecimentos, relatando, designadamente, o exercício da condução pelo arguido; motivo pelo qual decidiram abordar a viatura (face à trajetória irregular do veículo, em termos que especificou); as várias ordens dadas ao arguido para a submissão, no local, ao teste de despistagem de pesquisa de álcool pelo método de ar expirado (ou seja, o teste qualitativo), bem como explicou os procedimentos como fazer o teste. Afiançou que o arguido de forma intencional expelia pouco ar – assim impedindo que a sua taxa de álcool no sangue fosse medida –, explicando o depoente ao arguido por várias vezes o modo correto de fazer o teste, mantendo o arguido a mesma conduta.

Mais disse que após ter advertido o arguido que se mantivesse a mesma conduta incorreria em crime de desobediência, aquele recusou-se, de modo expresso, a fazer tal teste.

Asseverou que o arguido não pediu para realizar teste ao sangue, afirmando, com toda a segurança, que inclusivamente foi-lhe dada a possibilidade de fazer teste de análise sanguínea, ao que o arguido expressamente negou.

Por último declarou que o arguido exibiu a carta de condução inglesa, afirmando ser essa a única carta que teria na sua posse – infirmando as declarações prestadas pelo arguido quanto à sua inadvertência na exibição de carta de condução inglesa.

As testemunhas NS, FB, DV e ML sobre os factos aqui em discussão revelaram nada saber, por os não terem presenciado, antes depondo sobre as condições socioeconómicas do arguido.

Invocou ainda o arguido que desde 03.03.2017 “jamais conduziu quaisquer veículos motorizados” (artigo 8º da contestação). Não obstante as testemunhas relatarem que o arguido conduz bicicleta e é conduzido por terceiros, além de aquelas não poderem asseverar aquela factualidade, o modo subjetivo e interessado (seja, respetivamente, pela relação marital, de amizade ou de dependência económica/laboral que os une) com que foram prestadas não permitiria a sua valoração positiva quanto a esta alegação.

Do confronto dos citados elementos probatórios resulta com segurança, entre o mais, que o arguido quis e desobedeceu à ordem emanada pela autoridade policial em se submeter ao teste de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, face à inabalável credibilidade que mereceu o depoimento da testemunha FS, a contrapor às declarações do arguido, prestadas sem convicção.

Tendo o arguido já noutras circunstâncias, sido condenado por idêntico crime de desobediência, bem como de condução de veículo em estado de embriaguez – como espelha o seu certificado de registo criminal junto aos autos, no Proc. nº ---/13.2PBSTB (por factos reportados a 06.02.2013), Proc. nº ---/15.4PBSTB (por factos reportados a 22.01.2015) e Proc. nº --/16.1PTSTB (por factos reportados a 01.09.2016) – bem saberia, a 19.01.2017, os necessários procedimentos para a realização de tal teste de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, a sua obrigação legal para o efetuar e quais as consequências penais, caso não acatasse a ordem emanada.

Os motivos invocados pelo arguido, e que estariam subjacentes à não entrega voluntária da/s suas várias carta/s de condução, não se lograram demonstrar, não só pela sua inverosimilhança, como pela contradição com os demais elementos probatórios carreados para autos, destacando-se o seguinte:

- A 02.11.2015, o arguido requereu duplicado da sua carta de condução L-471---, com fundamento em extravio, que veio a ser emitida em 06.11.2015, e recebida pelo arguido a 10.11.2015.

- No ato de fiscalização de 01.09.2016, que deu origem ao Proc. nº --/16.1PTSTB, o arguido estava na posse e apresentou à PSP a sua carta de condução portuguesa n.º L-471--, emitida em 06.11.2008 – auto de notícia de fls. 18;

- O arguido requereu a 13.10.2016 e obteve segunda via da sua uma carta de condução inglesa, que bem sabia que o habilitava ao exercício de condução em território nacional – cfr. documento de fls. 175;

- Por requerimento entrado em juízo a 20.02.2017, o arguido, através do seu mandatário constituído, informou o processo nº --/16.1PTSTB que havia requerido a realização de cúmulo jurídico no processo nº ---/15.4PBSTB, requerendo se aguardasse a decisão desse processo para aí ser entregue a carta de condução – cfr. certidão extraída do processo --/16.1PTSTB e junta a fls. 148.

- A 03.03.2017, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução L-471--, emitida em 07.12.2013, à ordem do processo nº ---/15.4PBSTB, para cumprimento da pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que aí foi condenado – cfr. certidão extraída do aludido processo e junta a fls. 135/136.

- Por ordem judicial emanada a 10.07.2017, no âmbito do processo nº --/16.1PTSTB, foi determinada a apreensão da carta de condução do arguido n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, a fim de cumprir a pena acessória.

- A 01.08.2017, o arguido não permitiu ao OPC a apreensão das suas cartas de condução, declarando, entre o mais, que tinha perdido a sua carta de condução inglesa há cerca de 5 anos, o que sabia não corresponder à verdade – até porque havia recentemente pedido uma segunda via da mesma em 13.10.2016 (como se viu) – cfr. certidão extraída do aludido processo e junta a fls. 160/162.

- Por requerimento remetido a juízo a 16.04.2018, o arguido, através do seu mandatário constituído, entregou no processo nº --/16.1PTSTB cópia da carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016.

- A 08.05.2018, o arguido entregou a sua carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, à ordem do processo nº --/16.1PTSTB, para cumprimento da pena acessória.

Tendo a sentença proferida no processo nº --/16.1PTSTB transitado em julgado a 10.10.2016, o arguido mostrava-se obrigado a proceder à entrega do seu título de condução até ao dia 20.10.2016.

Durante este lapso temporal o arguido tinha na sua posse, pelo menos, os seguintes títulos de condução:

- a sua carta de condução portuguesa n.º L-4712---, emitida em 06.11.2008 (que havia exibido no ato de fiscalização de 01.09.2016 - fls. 18);

- a sua carta de condução portuguesa L-4717---, emitida em 07.12.2013 (que veio a entregar a 03.03.2017, à ordem do processo nº ---/15.4PBSTB, para cumprimento da pena acessória - fls. 135/136);

- a sua carta de condução portuguesa n.º L-4712---, emitida em 06.11.2015 (fls. 144/146).

Assim, não obstante o arguido ter alegado ter extraviado a sua carta de condução no dia 12.10.2016, afigura-se-nos manifesto que tal não corresponde, de todo, à verdade. Sendo o arguido titular da última carta de condução referida e por si recebida em 10.11.2015 (fls. 145), aquele continuava a fazer uso dos demais títulos que tinha na sua posse – seja em ação de fiscalização (a 01.09.2016), seja entregando em Tribunal para cumprimento de pena acessória (a 03.03.2017). A acrescer a estas três cartas de condução portuguesas que o arguido guardava e as utilizava, o arguido ainda requereu uma quarta carta de condução, a 13.10.2016, junto das autoridades do Reino Unido e que veio a ser emitida em 01.11.2016 (e que o arguido exibiu no âmbito destes autos, a 19.01.2017 – fls. 2).

Mais, emanada a ordem judicial de apreensão desta carta de condução inglesa, o arguido, a 01.08.2017, recusou-se a proceder à sua entrega e mentindo junto do OPC ao declarar que a havia extraviado há 5 anos, quando aquela havia sido emitida há menos de um ano, que o arguido a havia exibido perante OPC em janeiro desse ano e que acabou por a vir entregar em Tribunal a 08.05.2018, para cumprimento de pena acessória.

Por todo o comportamento ardiloso do arguido, a posse de três cartas de condução portuguesas no período que aqui interessa (entre 10 e 20.10.2016), a falta de credibilidade que mereceu as suas declarações ao referir, entre o mais, ter extraviado a sua carta de condução – que mesmo que assim fosse, manter-se-ia na posse de mais duas, que continuava a utilizar, e que ao reencontrar (alegadamente em novembro de 2016) não procedeu à sua imediata entrega voluntária –, dúvidas não nos assistem que o arguido quis furtar-se ao cumprimento da pena acessória em que havia sido condenado, não procedendo à entrega voluntária de título de condução válido, quando o podia e devia fazer.

Deste modo, perante os elementos objetivos carreados para os autos, é possível inferir a intencionalidade (de desobedecer à ordem de entregar a carta de condução, bem como de efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue - recusando-se a cumpri-la, necessariamente, para que a sua taxa de álcool no sangue não fosse medida e apurada a sua responsabilidade criminal pela prática de crime pelo qual o arguido já conta com anteriores antecedentes por igual e idêntico crime) subjacente às condutas deliberadamente omissivas por parte do arguido.

Assim, o Tribunal socorreu-se das regras da experiência de vida e da normalidade para afirmar a intenção do arguido subjacente ao seu comportamento - refira-se, a este propósito, que, pertencendo as intenções à esfera íntima de cada pessoa, o Tribunal só as pode apreender de forma indireta, através da submissão de atos de natureza externa, empiricamente observáveis, ao crivo das regras da experiência e da ordem natural das coisas. Assim, dos comportamentos do arguido é possível, com o auxílio das regras de experiência, inferir a intencionalidade que lhes esteve subjacente, bem como o conhecimento pelo arguido do carácter censurável das suas condutas.

Os antecedentes criminais mostram-se certificados nos autos, a fls. 124 e ss.

Apreciando o recurso da sentença:

A) - da ausência de fundamento para se enquadrar a conduta como desobediência por recusa em sujeitar-se a exame de pesquisa de álcool no sangue:

Ainda que sem impugnar a matéria de facto, seja por via de vícios da decisão (art. 410.º do CPP), seja por fundamento em erros de julgamento e inerente reapreciação da prova (art. 412.º do CPP), o recorrente contesta que tivesse incorrido em desobediência, na vertente da recusa em sujeitar-se ao exame de pesquisa de álcool.

Para o efeito, invoca que a douta sentença recorrida não tomou em consideração o disposto no nº 1 do artigo 4º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool, aprovado pela Lei n ° 18/2007, de 17 de Maio, nos termos do qual "Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em ana­lisador quantitativo (… ) é realizada análise ao sangue", entendendo aí abranger-se o teste em analisador qualitativo.

Alega que a matéria dada como provada não exclui a possibilidade de ter existido mais de três tentativas frustradas, o que imporia a análise ao sangue.

Ainda, refere que a desobediência nunca assumiria a forma de recusa, pelo que ficaria afastada a aplicação de pena acessória, já que a alínea c) do n.º 1 do art. 69.º do CP se reporta expressamente a “recusa de submissão às provas”.

Ora, desde logo, note-se, a matéria de facto, porque não padecendo de qualquer insuficiência, erro ou incongruência e, ao invés, se mostra cabalmente fundamentada pela criteriosa análise crítica da prova examinada e produzida em audiência, tem de haver-se como assente, sendo, pois, a partir dela, que caberá aquilatar da bondade da argumentação trazida ao recurso.

Assim, o que se extrai como apurado, no âmbito sob censura, é que foi explicado ao recorrente a forma correcta como teria de realizar o sopro (provado em e)), realizou vários sopros que interrompeu voluntariamente (provado em f)), não se obteve qualquer resultado (provado em g)), foi novamente explicada aquela forma correcta e respondeu que não iria realizar qualquer teste (provado em h)), foi advertido nos termos legais e manteve a recusa (provado em l)) e, finalmente, não manifestou disponibilidade para que fosse realizado teste por análise de sangue (provado em u)).

No tocante às normas legais aplicáveis, regem, desde logo, os seguintes preceitos:

- o art. 152.º, seus n.ºs 1 e 3, do CE:
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores (…);

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência”;

- o art. 348.º, seu n.º 1, alínea a), do CP:
1- Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;

- o art. 153.º, seus n.ºs 1, 2, 3 e 8, do CE:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.

3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.

8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool”;

Por remissão do art. 158.º do CE, a referida Lei n.º 18/2007, de 17.05, que aprovou o “Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”, nas disposições desse Regulamento:

- o art. 1.º, sob a epígrafe “Detecção e quantificação da taxa de álcool”:

1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo”;

- o art. 2.º, sob a epígrafe “Método de fiscalização”, seu n.º 1:
1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

- o art. 4.º, sob a epígrafe “Impossibilidade de realização do teste no ar expirado”, seu n.º 1 (invocado pelo recorrente):

1 - Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições em que se encontra não lhe permitirem a realização daquele teste, é realizada análise de sangue.

Deste modo, decorre, como sublinha o Ministério Público na sua resposta ao recurso, que o regulamento em apreço prevê três tipos de testes: o teste em analisador qualitativo, destinado a detectar a presença de álcool no sangue; o teste em analisador quantitativo, destinado a determinar a taxa de alcoolemia e a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efectuada através da recolha e exame de amostra de sangue do examinando.

Bem como de que a regra é que a detecção de álcool no sangue seja efectuada através de teste ao ar expirado, efectuado com os alcoolímetros e a fiscalização da condução sob influência do álcool faz-se através de análise de sangue, de que é recolhida uma amostra em estabelecimento público de saúde, apenas nos casos de impossibilidade de efectuar o teste em analisador quantitativo ou no caso de contraprova, quando o examinando a requeira.

Confrontada, então, a matéria provada relevante, o recorrente, não obstante tivesse realizado vários sopros, interrompeu-os voluntariamente e referiu que não pretendia efectuar o teste, o que veio a reiterar, após advertência.

Por seu lado, não ficou reflectida situação de impossibilidade em realizar o teste, nem, de modo algum, como se provou, se manifestou no sentido de que fosse realizado por análise de sangue.

Não se afigura legítimo, contrariamente ao recorrente, apelar ao disposto no alegado art. 4.º, n.º 1, daquele Regulamento, uma vez que, para o efeito, necessário seria que se tivesse apurado que, propriamente, tivesse tentado soprar e não se conseguisse, apesar disso, obter um resultado, o que, no caso, não sucede.

Da realização de análise de sangue, só caberia perspectivá-la se o recorrente não tivesse, afinal, manifestado a recusa em efectuar o teste.

Se preferisse a realização de análise de sangue, deveria tê-lo expressado, certamente não incumbindo ao agente fiscalizador que se substituísse à sua vontade, nem que, muito menos, deixasse de atender à sua recusa.

Nada aponta, porém, bem pelo contrário, para que o tivesse declarado ou que, por motivo de saúde, por si referido ou, pelo menos, aparentemente detectável pelo agente, se devesse realizar análise de sangue.

O recorrente optou, pois, por recusar a realização do teste e, só a si, isso se deve.

A sua postura, objectivamente analisada, não pode deixar de configurar-se como recusa, na medida em que, outro sentido, os factos provados não consentem.

Nas circunstâncias apuradas, a ordem que lhe foi dirigida foi formal e materialmente legítima, regularmente comunicada, não se descortinando que a recusa por que enveredou tivesse tido qualquer causa justificativa.

Como tal, a sua argumentação não procede, pelo que a condenação por crime de desobediência tem de manter-se, incluindo na pena acessória respectiva.

B) - da ausência de justificação para o comportamento, de não entrega da carta de condução, se considerar como desobediência:

Na vertente da não entrega da carta de condução, contrariamente ao que lhe havia sido determinado no processo n.º --/16.1PTSTB, o recorrente alega que não incorreu em desobediência, porque, segundo refere, dentro do prazo para entrega, alegou extravio e reencontrada a carta, veio requerer que a entrega aguardasse o cúmulo jurídico que havia requerido relativamente à sanção acessória aplicada, após o que, depois do indeferimento, a entregou em 3 de Março de 2017.

A perspectiva suscitada foi cabalmente infirmada pelo tribunal, através da motivação, pormenorizada e esclarecedora, a que procedeu.

Sem que minimamente se alcance que essa motivação seja posta em crise pelo recorrente, resulta expressamente fundamentado, no essencial:

Os motivos invocados pelo arguido, e que estariam subjacentes à não entrega voluntária da/s suas várias carta/s de condução, não se lograram demonstrar, não só pela sua inverosimilhança, como pela contradição com os demais elementos probatórios carreados para autos, destacando-se o seguinte:

- A 02.11.2015, o arguido requereu duplicado da sua carta de condução L-4717--- com fundamento em extravio, que veio a ser emitida em 06.11.2015, e recebida pelo arguido a 10.11.2015.

- No ato de fiscalização de 01.09.2016, que deu origem ao Proc. nº --/16.1PTSTB, o arguido estava na posse e apresentou à PSP a sua carta de condução portuguesa n.º L-4712--, emitida em 06.11.2008 – auto de notícia de fls. 18;

- O arguido requereu a 13.10.2016 e obteve segunda via da sua uma carta de condução inglesa, que bem sabia que o habilitava ao exercício de condução em território nacional – cfr. documento de fls. 175;

- Por requerimento entrado em juízo a 20.02.2017, o arguido, através do seu mandatário constituído, informou o processo nº --/16.1PTSTB que havia requerido a realização de cúmulo jurídico no processo nº ---/15.4PBSTB, requerendo se aguardasse a decisão desse processo para aí ser entregue a carta de condução – cfr. certidão extraída do processo --/16.1PTSTB e junta a fls. 148.

- A 03.03.2017, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução L-4717---, emitida em 07.12.2013, à ordem do processo nº ---/15.4PBSTB, para cumprimento da pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que aí foi condenado – cfr. certidão extraída do aludido processo e junta a fls. 135/136.

- Por ordem judicial emanada a 10.07.2017, no âmbito do processo nº --/16.1PTSTB, foi determinada a apreensão da carta de condução do arguido n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, a fim de cumprir a pena acessória.

- A 01.08.2017, o arguido não permitiu ao OPC a apreensão das suas cartas de condução, declarando, entre o mais, que tinha perdido a sua carta de condução inglesa há cerca de 5 anos, o que sabia não corresponder à verdade – até porque havia recentemente pedido uma segunda via da mesma em 13.10.2016 (como se viu) – cfr. certidão extraída do aludido processo e junta a fls. 160/162.

- Por requerimento remetido a juízo a 16.04.2018, o arguido, através do seu mandatário constituído, entregou no processo nº --/16.1PTSTB cópia da carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016.

- A 08.05.2018, o arguido entregou a sua carta de condução n.º OLIVE512203---, emitida pelas autoridades do Reino Unido em 01.11.2016, à ordem do processo nº --/16.1PTSTB, para cumprimento da pena acessória.

E ainda:
Tendo a sentença proferida no processo nº --/16.1PTSTB transitado em julgado a 10.10.2016, o arguido mostrava-se obrigado a proceder à entrega do seu título de condução até ao dia 20.10.2016. Durante este lapso temporal o arguido tinha na sua posse, pelo menos, os seguintes títulos de condução:

- a sua carta de condução portuguesa n.º L-4712--, emitida em 06.11.2008 (que havia exibido no ato de fiscalização de 01.09.2016 - fls. 18);

- a sua carta de condução portuguesa L-47170--, emitida em 07.12.2013 (que veio a entregar a 03.03.2017, à ordem do processo nº --/15.4PBSTB, para cumprimento da pena acessória - fls. 135/136);

- a sua carta de condução portuguesa n.º L-4712---, emitida em 06.11.2015 (fls. 144/146).

Assim, não basta que o recorrente tivesse, em prazo, alegado extravio, uma vez que se veio a comprovar que, de todo, isso não correspondia à verdade (como o tribunal sublinha, Sendo o arguido titular da última carta de condução referida e por si recebida em 10.11.2015 (fls. 145), aquele continuava a fazer uso dos demais títulos que tinha na sua posse – seja em ação de fiscalização (a 01.09.2016), seja entregando em Tribunal para cumprimento de pena acessória (a 03.03.2017). A acrescer a estas três cartas de condução portuguesas que o arguido guardava e as utilizava, o arguido ainda requereu uma quarta carta de condução, a 13.10.2016, junto das autoridades do Reino Unido e que veio a ser emitida em 01.11.2016 (e que o arguido exibiu no âmbito destes autos, a 19.01.2017 – fls. 2) e, também, emanada a ordem judicial de apreensão desta carta de condução inglesa, o arguido, a 01.08.2017, recusou-se a proceder à sua entrega e mentindo junto do OPC ao declarar que a havia extraviado há 5 anos, quando aquela havia sido emitida há menos de um ano, que o arguido a havia exibido perante OPC em janeiro desse ano e que acabou por a vir entregar em Tribunal a 08.05.2018, para cumprimento de pena acessória).

Do mesmo modo, a pretensa invocação de aguardar o cúmulo de penas acessórias não serve o desiderato de justificar a não entrega da carta.

A conduta do recorrente integra, manifestamente, a prática do crime de desobediência por que foi condenado.

Assentes os factos pertinentes, porque consentâneos com a prova e com a avaliação que esta merecia, inexiste qualquer margem para acompanhar a suposta justificação do recorrente.

Dúvidas não se colocam de que se verificou a ordem ou comando da autoridade, com competência legal para a imposição, transmitida de modo regular e inteligível, sob a cominação de punição por desobediência, que o recorrente entendeu e, não obstante, intencionalmente quis não acatar.

Assim, outra solução não resta senão a sua condenação, nos termos em que se verificou.

C) - da preterição da obrigação de proceder a cúmulo das penas acessórias:

O recorrente alega que a sentença ignorou a jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 2/2018, nos termos do qual as penas acessórias estão sujeitas a cúmulo jurídico.

Se o invoca como motivo justificativo de não ter entregue, em tempo, a sua carta de condução, já se vê que isso ficou afastado conforme apreciado em B).

Aliás, já nesse processo n.º --/16.1PTSTB, conforme consta de fls. 146 dos autos, se proferiu despacho, relativamente ao requerimento de que se aguardasse cúmulo jurídico, como ali se consignou, de que nenhum óbice existirá a que o arguido proceda nestes autos à entrega da sua carta de condução, para cumprimento da pena acessória aqui aplicada, sem prejuízo de eventual cúmulo jurídico de penas de que venha a beneficiar e, sendo o caso, de desconto da pena que entretanto venha a cumprir.

Acresce que, apesar do recorrente referir que a sentença recorrida não teve em conta a realização desse cúmulo, afigura-se que efectivamente não tinha de conhecer de situação que viesse a dar lugar a essa operação, seja porque atinente a questão que foi suscitada naquele outro processo e aí devidamente afastada para justificar a não entrega da carta de condução, seja porque a pena acessória cominada nos autos, relativa à desobediência mediante recusa e submissão a teste para detecção de álcool no sangue, se reporta a factos praticados em 19.01.2017 e, assim, posteriores ao trânsito de qualquer uma das sentenças anteriores que lhe aplicaram penas acessórias, pelo que inexiste relação de concurso da pena com as restantes (art. 77.º, n.º 1, do CP).

Como tal, a sentença não tinha de se debruçar sobre esse aspecto.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido e, assim,

- manter o despacho e a sentença recorridos.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UC.

Processado e revisto pelo relator.

22.Janeiro.2019
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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)