Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2111/18.7T8SLV-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
LOCAÇÃO
ARRENDAMENTO COMERCIAL
DISTINÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PROCESSO ESPECIAL
DESPEJO
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil.
II - Pode definir-se «o estabelecimento comercial como um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente».
III – Estamos perante um contrato de arrendamento se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, por esta não ter mais do que «a marca do seu destino», ou seja, uma configuração física apta ao exercício da atividade mercantil visada.
IV - Haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis á sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial.
V – Verificando-se esta última situação, não sofre discussão que o exequente dispõe de título executivo válido, o qual se encontra consubstanciado em contrato devidamente autenticado por advogado, que importa o reconhecimento das obrigações nele assumidas pela sociedade executada, nos termos do artigo 703º, nº 1, alínea b), do CPC, sendo inaplicável in casu o procedimento especial de despejo previsto no artigo 15º do NRAU. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
M… instaurou execução para entrega de coisa certa contra R…, Lda, A…e J…, concluindo assim o requerimento executivo:
«(…). O Exequente pretende:
- Entrega do Locado livre de pessoas e bens (excepto os bens identificados na nota de consignação nº 9) e no estado em que o recebeu;
- Entrega dos Bens/Produtos identificados na nota de consignação nº 9 o que, caso não seja possível obter, pretende o exequente ser ressarcido do valor correspondente (7.308,39€), desenvolvendo em momento ulterior, a conversão da presente execução neste âmbito (bens/produtos), para execução para pagamento de quantia certa.»
Alegou, em síntese, ser dono e legítimo proprietário da fração autónoma, destinada a comércio, designada pela letra “A”, correspondente ao prédio inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº ..., sito na Rua …, freguesia e concelho de Portimão, tendo, em 14 de agosto de 2017, celebrado com a 1ª executada um “Contrato de Locação de Estabelecimento Comercial”, denominado M…, com início em 1 de setembro de 2017 e termo em 31 de agosto de 2019, nos termos do documento nº 2 junto com o requerimento executivo, assumindo o papel de fiadores no referido contrato, os demais executados, tendo sido convencionado o montante global de vigência do contrato em € 12.000,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor, valor esse a ser pago em prestações mensais de € 500,00.
Mais alegou que desde o mês de agosto de 2017 (inclusive) que a 1.ª executada (locatária) não procede ao pagamento da quantia mensal convencionada, pelo que o exequente, ao abrigo do estipulado na alínea c) da cláusula 4ª do contrato, notificou os executados da resolução do contrato por violação do pagamento das mensalidades, através de cartas rececionadas pelos mesmos.
Alegou, por último, que constituindo obrigação da 1ª executada enviar mensalmente relatório das vendas relativas aos bens consignados, o que não aconteceu, pretende que lhe sejam devolvidos os produtos que constam da nota de consignação nº 9 (doc. nº 15), cujo valor se cifra em € 6.060,95 EUR acrescido de IVA (€ 1.247,44 EUR) o que perfaz o montante de € 7.308,39, pelo que caso não sejam encontrados os produtos/bens constantes daquela nota de consignação, pretende o exequente ser ressarcido do valor correspondente, desenvolvendo em momento ulterior, a conversão da presente execução neste âmbito (bens/produtos), para execução para pagamento de quantia certa.
A executada deduziu oposição à execução, alegando, além do mais, que todos os valores inerentes ao contrato assinado por ambas as partes foram pagos integralmente até ao mês de julho de 2018, e com a resolução do contrato nesse mês, “torna-se inestético apresentar um requerimento executivo peticionando valores referentes aos meses seguintes a tal resolução”, concluindo desse modo que “o presente requerimento executivo foi apresentado sem um titulo executivo que se enquadre no Art. 703º do Código de Processo Civil”.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedentes os embargos, embora com fundamento diverso do alegado.
Inconformado, o exequente interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da execução, finalizando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
I. A apelação vem interposta da douta sentença com referência 114442316, na qual se que julgaram procedentes os embargos do Executado, declarando-se a inexequibilidade dos documentos dados à execução, determinando-se a extinção da instância executiva.
II. Entende o Tribunal a quo que, o ora Recorrente, Exequente/Embargado não dispõe de título executivo válido e eficaz (inexistência de título executivo) e que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 07 de Janeiro, do Balcão Nacional de Arrendamento a entrega efectiva do locado ao senhorio, apenas pode ter lugar no âmbito do procedimento especial de despejo previsto no artigo 15.º-A do NRAU.
III. Acontece que, o ora Recorrente não tem apenas um contrato acompanhado da resolução (NJA), tem sim um documento particular autenticado no qual os executados assumiram obrigações, uma das quais – a entreda imediata do locado, em caso de incumprimento contratual.
IV. Efectivamente, a teoria do tribunal a quo estaria certa se, estivessemos perante apenas um contrato assinado pelas partes, sem que lhe tivesse sido aposto termo de autenticação.
V. O Recorrente teve o enorme cuidado de expor na factualidade do Requerimento Executivo a especificidade do TE que deu origem ao processo executivo, fazendo o tribunal a quo total tábua rasa, descrevendo que se tratava de um documento particular autenticado nos termos do disposto no artigo 703º alinea b) do CPC.
VI. Foram cumpridas todas as regras de autenticação, nos termos da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de junho, sendo que as autenticações efectuadas por advogados conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
VII. In casu, foi requerida pelas partes a autenticação do documento particular de reconhecimento de dívida dado à execução em que figuram como responsáveis pelo pagamento da renda os executados e, em caso de incumprimento e sucessiva resolução contratual por parte do exequente, ora Recorrente, deveria a executada fazer a entrega imediata do estabelecimento (cfr. resulta cláusula quarta alinea e)), pelo que dúvidas não restam que a executada se obrigou a fazer a entrega imediata, em caso de incumprimento no pagamento das rendas.
VIII. Além do mais, os executados não contestaram em sede de embargos, alegando o pagamento das rendas, nem a falsidade dos documentos, nem, nunca responderam ao Recorrente alegando quaisquer incumprimentos por parte deste, razão pela qual deve considerar-se a resolução do contrato por parte do Recorrente como lícita e derivado do incumprimento contratual por parte da Executada, devendo assim entregar o locado ao Recorrente, cfr, peticionado, entrega essa reconhecida pela executada, a qual se obrigou por documento autenticado, o qual constituiu TE válido e eficaz.
IX. De salientar que o contrato foi lido, rubricado e assinado pelas partes, as quais declararam de forma inequívoca que leram o contrato e estavam inteirados do seu conteúdo o qual representava e exprimia a sua real vontade, fazendo-o através da autenticação nos termos supra expostos.
X. Neste sentido, não concorda o ora Recorrente que não exista título executivo, uma vez que a falta de título só é manifesta quando seja patente, ostensiva, evidente, quando não possa ser oferecida qualquer dúvida para a inexequibilidade extrínseca do documento no qual o exequente funda a pretensão de realização coactiva da prestação objecto do pedido executivo.
XI. Ora, dispondo o Recorrente de TE válido, não fazia qualquer sentido, avançar com o procedimento junto do BNA ou intentando, se assim o entendesse acção declarativa, pelo que exigir-se que o Recorrente, recorra previamente ao BNA ou, processo declarativo é violar os princípios da celeridade e da economia processual.
XII. A obrigação em causa está já determinada e reconhecida nos seus pressupostos fácticos por declaração prestada pelos Executados aquando da assinatura do Contrato e respectivo Termo de Autenticação.
XIII. Acresce que, caso o Recorrente se socorresse do BNA ou processo declarativo, bem podia aquela instância ou Tribunal, perante o documento apresentado, absolver os executados da instância executiva – por excepções dilatórias inominadas: erro na forma de processo ou interesse em agir/ interesse processual, uma vez que o Recorrente dispunha de TE válido, sendo totalmente desnecessário e meramente dilatório aqueles mecanismos.
XIV. Acresce que, o contrato em apreço – trata-se de um contrato de locação de estabelecimento comercial e não de um contrato de arrendamento típico, sendo que o recurso ao BNA reporta-se única e exclusivamente a contratos de arrendamento.
XV. O contrato de locação de estabelecimento difere do contrato de arrendamento típico, já que naquele é cedido temporariamente, mediante retribuição, a unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado, não sendo liquidado Imposto de Selo, mas sim IVA, pelo que, a aceitação do contrato no BNA depende, além de outras condições, da existência de contrato de arrendamento escrito e comprovativo de haver sido pago o respetivo imposto do selo. (https://bna.mj.pt/Faq.aspx), pelo que, o Recorrente ao deitar mão deste procedimento o mesmo seria rejeitado pelo BNA.
XVI. Jamais pensou o Recorrente, pessoa idosa, que necessita do rendimento do locado para viver de forma condigna que, sendo detentor de um TE válido (contrato com termo de autenticação, no qual se observa as obrigações das partes) o procedimento judicial se arrastaria durante tanto tempo e com a decisão que ora se recorre, a qual, salvo o devido respeito nos merece enorme censura.
XVII. Nestes termos a Douta Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos artigos 703.º n.º 1 alínea b) do CPC. e ainda o princípio da economia processual, bem como errou na determinação da norma aplicável, uma vez que apenas se socorreu do procedimento especial de despejo, quando deveria ter em consideração o facto do Recorrente dispor de TE suficiente e válido, nos termos do artigo 703ºn.º 1 al b), norma essa sim que deveria ter sido aplicada.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se o exequente dispõe de título executivo.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
O circunstancialismo fáctico-processual a ter em consideração na decisão do recurso é o que consta do relatório precedente.

O DIREITO
A decisão recorrida respondeu negativamente à questão decidenda com o fundamento de que «quando foi instaurada a execução e bem assim fabricado o título dado à execução já se encontrava em vigor o NRAU revisto pela Lei 31/2012, e já se encontrava instalado o Balcão Nacional de Arrendamento, (pelo que) os documentos dados à execução não constituem título executivo para a execução para entrega de coisa certa, neste caso, a entrega do arrendado».
Aquela decisão teve, pois, como certo, estarmos na presença de um contrato de arrendamento. Contra este entendimento insurge-se o recorrente, dizendo que o contrato dado à execução é um contrato de locação de estabelecimento, o qual difere do contrato de arrendamento típico, «não sendo liquidado Imposto de Selo, mas sim IVA, pelo que, a aceitação do contrato no BNA depende, além de outras condições, da existência de contrato de arrendamento escrito e comprovativo de haver sido pago o respetivo imposto do selo (…), pelo que, o Recorrente ao deitar mão deste procedimento o mesmo seria rejeitado pelo BNA».
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
O contrato em causa foi celebrado no dia 14.08.2017, sendo denominado pelas partes de “Contrato de Locação de Estabelecimento Comercial” e encontra-se consubstanciado no documento 2 junto com o requerimento executivo.
A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel (artigos 1022º e 1023º do Código Civil[1]).
O arrendamento de prédios urbanos está previsto nos artigos 1064º e seguintes do CC.
Atualmente não existe qualquer noção legal de arrendamento comercial, ao contrário do que preceituava o artigo 110º do RAU.
As disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais estão previstas nos artigos 1108º e seguintes do mesmo CC.
Sob a epígrafe “Locação de estabelecimento”, dispões o artigo 1109º, nº 1, do CC que «[a]transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações».
A propósito do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, dispunha o nº 1 do artigo 111º do RAU que «não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado».
Donde, a usualmente denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da atividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário[2].
Constituem pontos de contato e de comunhão entre estas duas figuras (arrendamento comercial e locação de estabelecimento), «a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial»[3].
Importante, por isso, precisar o conceito de estabelecimento comercial.
A lei refere-se em várias normas ao estabelecimento, mas não o caracteriza expressamente. É indubitável, porém, que lei trata o estabelecimento comercial unitariamente, quando permite que seja objeto de trespasse e de locação, de penhora e de penhor e até de hipoteca. A reivindicação do estabelecimento, então muito discutida, acabou por ser admitida e é hoje pacífica.
Dir-se-á, então, que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrando, em regra, uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, coisas móveis e/ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento, organizados com vista à realização do respetivo fim[4]. O estabelecimento é, assim, um bem mercantil. Na sua globalidade funcional, é um bem “a se”, que se distingue de cada um dos seus componentes.
Neste sentido, considera a doutrina «o estabelecimento comercial como um conjunto organizado de bens e direitos afectados a um fim específico, que é o de suportar o exercício da empresa e que o direito trata unitariamente para certos efeitos, sem prejuízo da individualidade e autonomia dos seus componentes»[5].
Por isso, na locação do estabelecimento, há uma transmissão global unitária, para o mesmo ramo do comércio, sem prejuízo de alguns dos bens que compõem o estabelecimento poderem ser excluídos da transmissão por estipulação das partes. Aliás a penhora do estabelecimento comercial (artigo 782º do Código de Processo Civil) abrange, em princípio, todos os bens que o integram, sem afetar a penhora dos que já o tiverem sido anteriormente.
Pode assim definir-se «o estabelecimento comercial como um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente»[6].
Deste modo afigura-se-nos adequado o critério proposto por Ferrer Correia[7], no sentido de que haverá arrendamento se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, por esta não ter mais do que «a marca do seu destino», ou seja, uma configuração física apta ao exercício da atividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis á sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial.
Expostos estes princípios, analisando o conteúdo do contrato celebrado entre o exequente e a sociedade executada, pode-se seguramente concluir que estamos perante uma cessão de exploração, o que resulta, nomeadamente, dos respetivos considerandos, onde consta o seguinte:
«1- O primeiro outorgante (o aqui exequente) é dono e legítimo possuidor de um estabelecimento comercial denominado “M…”, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo matricial …, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o n.º …, correspondente à loja nº … sito na Rua …, Portimão, onde se encontra instalado o estabelecimento comercial “M…”.
2- Do dito estabelecimento comercial fazem parte: a sala de entrada, escritório (denominado por sala 2); armazém (denominado por sala 3 e 4); formação musical, (denominado por sala 5 e sala 11); estúdio de gravação (denominado por sala 9), constituído ainda por três salas de captação (denominado por salas 1; 8 e 10) e sala de estar (denominado por sala6), tudo composto por r/c com w.c. (masculino e feminino) sendo área coberta de 259m2 e descoberto 21m2.
3- Pelo presente contrato o primeira Outorgante cede à Segunda Outorgante que esta aceita, a locação do estabelecimento comercial, que consubstancia na venda de instrumentos musicais, serviços, afins e conexos, nos termos e condições a seguir estabelecidos.
4- Os produtos/artigos para venda pertencentes ao Primeiro Outorgante, existentes no acima já identificado estabelecimento comercial, são entregues à consignação à Segunda Outorgante em documento autónomo e próprio. A partir da outorga do presente contrato, a Segunda Outorgante fará a conferência dos produtos e artigos ao Primeiro Outorgante, liquidando e pagando o preço dos mesmos mensalmente em função da respectiva venda. Ocorrendo a cessação do presente contrato, independentemente da sua justificação/natureza, os artigos/produtos não vendidos, serão devolvidos em singelo ao Primeiro Outorgante.».
Não se colocam, pois, dúvidas de que o que foi transmitido foi um estabelecimento instalado em prédio do exequente, o qual se destinava a ser explorado para venda de instrumentos musicais, serviços, afins e conexos.
E, assim sendo, soçobram os argumentos aduzidos na decisão recorrida, sendo evidente que o exequente, porque não estamos na presença de um contrato de arrendamento comercial, não pode socorrer-se do procedimento especial de despejo previsto no artigo 15º-A do NRAU, considerando ademais que está em causa também a entrega de bens/produtos objeto do contrato.
Por sua vez, também não sofre discussão que o exequente dispõe de título executivo válido, já que se trata de um contrato devidamente autenticado por advogado, que importa o reconhecimento das obrigações nele assumidas pela sociedade executada, nos termos do artigo 703º, nº 1, alínea b), do CPC.
O recurso merece, pois, provimento, o que implica a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento da execução, caso nada mais obste a tal prosseguimento.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a prossecução da execução, caso nada obste a tal.
Custas pela executada/embargante.
Évora, 23 de abril de 2020
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes Desembargadores:
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
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[1] Doravante CC.
[2] Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, p. 72, citado no Acórdão do STJ de 19.04.2012, proc. 5527/04.2TBLRA.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do STJ de 19.04.2012 citado na nota anterior, que aqui seguimos de perto.
[4] Acórdão do STJ de 08.05.2008, proc. 08B1182, in www.dgsi.pt.
[5] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, Almedina 2011, p. 105.
[6] Ibidem.
[7] Citado por Miguel Pupo, in Direito Comercial, 10ª edição, p. 74, o qual é por sua vez citado no Acórdão do STJ de 19.04.2012 (vd. nota 2).