Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3443/22.5T8ENT-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
EMBARGOS DE TERCEIRO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CONCLUSÕES DE RECURSO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Pese embora a natureza declarativa dos embargos de terceiro e o caso julgado formado pela decisão de mérito que neles vier a ser proferida, são um meio de oposição à penhora, encontrando-se dependentes da execução e a ela subordinados.
II. Extinguindo-se a execução pelo pagamento, ou seja, mediante a satisfação do direito do credor, logo, sem possibilidade de renovação, com o consequente levantamento da penhora, os embargos perdem a sua razão de ser, tendo lugar a extinção da instância respectiva por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 276.º do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3443/22.5T8ENT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de execução do Entroncamento – Juiz 1

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I. Relatório
Por apenso aos autos de acção executiva para cobrança de quantia certa que a sociedade “(…) – Recuperação de (…), Lda.” instaurou contra (…), veio (…) deduzir embargos de terceiro tendo em vista o levantamento da penhora que incidiu sobre o “veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Nissan, modelo (…), com a matrícula (…)” e “o veículo reboque, de marca (…), modelo (…), com a matrícula L-(…)”.
Em fundamento alegou, em síntese útil, que a penhora efectuada ofende o direito da propriedade e a posse do embargante, uma vez que os veículos penhorados foram adquiridos no período em que vivia em união de facto com a executada, relacionamento que perdurou durante 13 anos, tendo cessado em Julho de 2022, tendo sido aplicados dinheiros de ambos na respectiva aquisição.
Mais alegou que não se opôs a que o registo dos veículos fosse efectuado em favor da executada por estar convencido que a união se iria manter, mas desde a data da aquisição foi o embargante quem os utilizou, designadamente o reboque, que fazia deslocar para festas e romarias, onde procedia à venda de bebidas e petiscos, o que sempre fez à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente da executada. Acrescentou que desde a aquisição das viaturas, situação que se manteve depois da separação do casal, foi o embargante quem teve na sua posse as chaves e documentos das viaturas, mantendo-as na sua residência, propriedade e posse que impõem o levantamento da penhora.
Informou ainda que se encontra pendente acção declarativa contra si instaurada pela executada nos autos principais, na qual esta pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as viaturas penhoradas e a condenação do embargante, ali réu, a restituí-las, a qual corre termos pelo Tribunal Judicial de Santarém, Juízo Local Cível, Juiz 2, sob o n.º 2831/22.1T8STR, aí tendo deduzido pedido reconvencional pedindo o reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre os bens reivindicados.

Tendo sido entretanto proferida decisão de extinção da execução por força do pagamento da quantia exequenda [Ref.ª 9439301 de 15-02-2023 dos autos principais], foi determinada a notificação do «embargante para, em 10 (dez) dias, exercer, querendo, o respectivo contraditório quanto à eventual extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
Em resposta junta sob a ref.ª 9480910 de 02-03-2023 o mesmo opôs-se a tal desfecho, impetrando que a exequente/embargada seja “condenada, por litigância de má-fé, na correspondente multa e indemnização ao embargante, em conformidade com o artigo 542.º do CPC, em valor não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros)”.
A exequente/embargada pronunciou-se no sentido de não lhe poder ser imputada qualquer conduta merecedora de sanção [resposta com a ref.ª 9512989, de 13-03-2023].
O Sr. agente de execução veio entretanto informar nos autos ter procedido ao cancelamento das penhoras sindicadas (ref.ª 92988908, de 31-03-2023), na sequência do que foi proferida douta decisão, ora recorrida, com o seguinte teor, para o que releva para a apreciação do presente recurso:
“(…)
Aqui chegados, dispõe o artigo 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «[s]e a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Vale dizer, em curta síntese, e no que releva para a situação sub judice, que os embargos de terceiro se traduzem num meio de reacção contra a penhora.
Assim, tendo a mesma sido levantada, é por demais evidente que deixou de existir qualquer efeito útil na prossecução dos embargos, o que acarreta inelutavelmente a respectiva extinção por inutilidade superveniente da lide.
Isto sendo também certo que, não tendo sequer chegado a ser notificada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, do Código de Processo Civil antes da verificação da causa (extinção da execução) em que se baseia a inutilidade superveniente em apreço, não pode aqui naturalmente ser assacada qualquer litigância de má fé à exequente/embargada.
Em face de todo o exposto, decido:
A) Declarar a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide – artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil; e
B) Julgar improcedente o pedido de condenação da exequente/embargada como litigante de má fé.

Inconformado, interpôs o apelante o presente recurso e, tendo desenvolvido no corpo da alegação apresentada os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª Decidiu o douto Tribunal a quo que “declara a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide”, considerando que levantada a penhora, deixou de existir qualquer efeito útil na prossecução dos embargos, o que salvo melhor entendimento se impugna e contesta.
2.ª O recorrente intentou o incidente embargos de terceiro no dia 13 de fevereiro de 2023, em prazo e devidamente fundamentado.
3.ª Dois dias após o recebimento dos embargos, foi declarada nos autos principais a extinção da instância por pagamento integral da dívida exequenda, e no dia 9 de março de 2023, foram levantadas as penhoras que recaíam sobre os bens objeto dos embargos.
4.ª Ou seja, após 2 dias depois da entrega em juízo dos embargos de terceiro, veio a embargada alegar a extinção da execução e no mês seguinte foi levantada a penhora.
5.ª Atenta a temporalidade dos atos, e o condicionalismo dos efeitos de cada decisão, não deveria ter sido decretada a inutilidade superveniente da lide, atento o artigo 277.º, alínea e), do CPC, pois a inutilidade é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável, o que se verifica no caso presente.
6.ª O douto Tribunal não decidiu conforme as disposições legais, não respeitando o Mmo. Juiz as disposições emanadas dos artigos 342.º, n.º 1, 348.º, n.º 1, do CC e 277.º, alínea e), do CPC.
7.ª O embargante deduziu, atempadamente, a 13 de fevereiro de 2023, embargos de terceiro, pois a penhora realizada nos autos principais ofendia a propriedade e posse do seu titular que não era executado na ação executiva (autos principais), atento o disposto nos artigos 342.º e seguintes do CPC, sendo aquele o meio idóneo para a efetiva defesa do seu direito.
8.ª O ora recorrente viveu em união de facto durante 13 anos com a executada nos autos principais nesse tempo de vida em comum contribuíram para a economia doméstica e para a aquisição de diverso património, compartilhando as responsabilidades financeiras do agregado familiar, ambos contribuindo com os seus rendimentos.
9.ª Durante a vivência conjugal ambos contribuíram com os rendimentos do seu trabalho para as despesas da vida conjunta, nomeadamente as de alimentação, de vestuário, de médicos e medicamentosas, de habitação, para a aquisição de bens e para o pagamento de empréstimos.
10.ª Adquiriram, durante a união de facto, um veículo automóvel e um reboque de carga, objetos da penhora nos autos principais, sendo que aquelas aquisições foram vontade e decisão do casal.
11.ª Os referidos veículos foram registados em nome da executada, pois o embargante estava convencido que a relação entre os dois se manteria e os veículos tinham sido pagos com dinheiro de ambos, mas quem os utilizava era o ora recorrente à vista de todos e sem oposição de ninguém, designadamente da executada nos autos principais.
12.ª A executada nos autos principais para liquidar uma dívida, alegadamente por si contraída, nomeou à penhora os citados veículos que estavam na posse do ora recorrente, e que foram penhorados para leilão.
13.ª Face à penhora ilegal, entendeu legitimamente o ora recorrente que tinham sido penhorados dois bens que eram sua propriedade, tendo este legitimidade para deduzir oposição, requerendo o levantamento da penhora e a devolução dos bens ao seu possuidor e proprietário, o ora recorrente.
14.ª Corre termos uma ação declarativa de condenação, onde o recorrente é réu e a executada é autora, sendo que o objeto da ação se limita à propriedade dos veículos acima descritos, na qual vem a autora exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os bens ora penhorados e acima descritos (Tribunal Judicial de Santarém, sob o n.º 2831/22.1T8STR, Juízo local Cível, Juiz 2) conforme certidão já junta aos autos.
15.ª Face a essa ação, entendeu o ora recorrente que os embargos deveriam ser suspensos por ser causa prejudicial, até a citada ação de reconhecimento de propriedade dos bens estar decidida, tendo sido aquele o seu pedido em sede de embargos.
16.ª A 15 de fevereiro de 2023, dois dias após a interposição dos embargos, foi declarada a extinção da execução principal, atento o alegado, devido a pagamento da dívida exequenda.
17.ª A citada extinção da execução ocorreu dois dias após a interposição dos embargos de terceiro intentado pelo ora recorrente.
18.ª O ora recorrente desconhecia que a alegada dívida estaria liquidada pois os bens continuavam em nome da executada nos autos principais, e estranhamente a declaração de pagamento da dívida ocorreu dois dias após a interposição dos embargos de terceiro.
19.ª Enquanto não houvesse decisão sobre os embargos nunca a instância deveria ter sido extinta, pois a decisão final nos embargos obrigaria a outra decisão no âmbito da execução, pois os efeitos de uma ação produziria necessariamente efeitos na outra.
19.ª a)[1] A decisão de declarar a extinção dos embargos de terceiro veio coartar, com o devido respeito, o ora recorrente, de exercer o seu direito de se opor à penhora, direito esse legalmente reconhecido.
20.ª Até porque a decisão da ação de reconhecimento a correr ainda termos, poderá, com alta probabilidade, reconhecer que o recorrente é proprietário dos bens penhorados, assumindo aquele a posição de terceiro para embargar a referida penhora dos veículos, tendo assim os embargos utilidade jurídica.
21.ª Assim, violou a douta sentença o preceituado nos artigos 342.º, n.º 1, 348.º, n.º 1, do Código Civil e 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
22.ª A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao objeto do processo.
23.ª Conforme entendimento jurisprudencial, não se pode extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 6108/16.3.8VNF-B.GI. )
24.ª No caso em apreço, atentas as vicissitudes do processo e a dependência de outra ação, deveria o douto tribunal ter decidido por prosseguir os embargos e consequentemente suspender aqueles até haver decisão da ação de reconhecimento de propriedade.
25.ª Nunca o douto Tribunal a quo deveria ter extinguido a instância pois a utilidade jurídica dos embargos existia, mesmo que mínima ou pouco provável, atento o alegado.
26.ª A inutilidade superveniente da lide visa obstar à prática de atos absolutamente inúteis, ou seja, sem qualquer utilidade processual. O que não se verifica no acaso em apreço, pois a prossecução dos embargos era fundamental para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
27.ª Assim, o recorrente não pode sufragar o entendimento plasmado na douta sentença por se constatar que apresentou tempestivamente os embargos de terceiro e estes deveriam ter sido julgados e corrido os seus trâmites legais.
28.ª O douto Tribunal recorrido realizou uma interpretação errada do direito quanto às suprarreferidas disposições legais.
29.ª Assim, o douto Tribunal recorrido deveria ter suspendido a instância por ser ação prejudicial, até ser decidida a ação de reconhecimento da propriedade dos bens penhorados, e consequentemente julgado os embargos, e não ter declarado a inutilidade superveniente dos embargos, até porque a declaração do pagamento integral da dívida exequenda foi apenas proferida posteriormente à interposição dos embargos”.

A exequente embargada veio apresentar contra alegações, aqui tendo sustentado não dever o recurso ser recebido, uma vez que o recorrente reproduziu nas conclusões o teor das alegações, o que se reconduz à ausência de formulação das primeiras e é fundamento de rejeição do recurso.
Também a executada veio oferecer contra-alegações, nas quais defendeu a manutenção da decisão recorrida, tendo ainda interposto recurso subordinado, “para a hipótese de proceder o recurso do embargante”, o qual não foi admitido por despacho não impugnado.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
i. conhecer da questões prévia suscitada;
ii. determinar se a extinção da execução pelo pagamento da obrigação exequenda ainda antes do recebimento dos embargos de terceiro determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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Questão prévia: Rejeição do recurso por ausência de conclusões
A exequente/embargada e aqui apelada sustentou dever ser o recurso rejeitado uma vez que, tendo o recorrente reproduzido integralmente nas conclusões quanto antes desenvolvera no corpo da alegação, tal reconduz-se à falta de conclusões. Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 639.º do CPC faz recair sobre o recorrente os ónus de alegar e de formular conclusões, impondo que nestas proceda à indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (vide n.º 1).
Como é sabido, pelas conclusões se delimita o objecto do recurso, nelas devendo o recorrente sintetizar a argumentação desenvolvida na motivação respectiva, indicando de forma clara os fundamentos que justificam a pretensão formulada, assim permitindo ao Tribunal de recurso a pronta identificação das questões que é chamado a decidir e à parte contrária o exercício esclarecido e cabal do contraditório[2]. Dada a sua relevância, a ausência de conclusões tem a mesma consequência da falta da alegação, dando lugar ao indeferimento do requerimento de interposição do recurso, conforme prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do mesmo diploma legal.
No caso dos autos, e como resulta do relato efectuado, o apelante não deixou de formular conclusões. Fê-lo, porém, reconhece-se, reproduzindo em larga medida o teor da alegação e em termos repetitivos, ou seja, mostra-se deficientemente cumprido o comando do citado artigo 639.º. Todavia, e conforme vem sendo consistentemente entendido pelo STJ, o deficiente cumprimento do ónus de formulação de conclusões há-de ser apreciado segundo um critério flexível, tendo em conta a gravidade da sanção prevista na lei. Assim, no caso de as deficiências prejudicarem a apreensão do objecto do recurso, deverá ser formulado convite ao aperfeiçoamento, e só na hipótese de se manterem, terá lugar então o despacho de indeferimento[3]. Em todo o caso, ainda que se verifique reprodução do corpo das alegações nas conclusões formuladas, sendo as mesmas inteligíveis, permitindo identificar as questões submetidas à apreciação do Tribunal de recurso, não existe fundamento para este não ser admitido (neste exacto sentido o acórdão do STJ de 9/5/2023, processo 228/22.2T8GMR-A.G1.S1, em www.dgsi.pt[4])
No caso dos autos, e como se vê das conclusões que se deixaram transcritas, pese embora as desnecessárias repetições, foi possível identificar a questão submetida pelo apelante ao tribunal de recurso e assim foi devidamente entendido pelas partes contrárias, que ofereceram esclarecidas contra-alegações, pelo que não existe fundamento para rejeitar o recurso interposto.
Improcede, pelo exposto, a questão prévia suscitada pela exequente/embargada.
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De Direito
Da inutilidade superveniente da lide
Interessando à decisão os factos ocorridos no processo relatados em I, importa agora determinar se, conforme foi decidido, declarada extinta a execução pelo pagamento da obrigação exequenda ainda antes do recebimento dos embargos de terceiro, ocorre extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Antes de mais, importa esclarecer que, ao invés do que o recorrente alega, os embargos não chegaram a ser recebidos, uma vez que a extinção da execução pelo pagamento da quantia exequenda se verificou imediatamente a seguir à sua dedução.
Feita tal prévia precisão, indaguemos, pois, se, como defende o recorrente, os embargos deveriam ser suspensos até ao trânsito da sentença que vier a ser proferida na acção instaurada pela executada e que corre termos sob o n.º 2831/22.1T8STR, decidindo-se depois os embargos em conformidade.
Os embargos de terceiro, como resulta claro do artigo 342.º do CPC (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção de origem), são um meio de oposição à penhora, conferindo legitimidade activa para a sua dedução não só ao possuidor, como a todo aquele que seja titular de um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência. Como explica o Prof. Lebre de Freitas[5], “Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização desta função, ou seja, a transmissão forçada do objeto apreendido (cfr. artigo 840.º, 1).
Acresce que, conforme vem sendo entendido, pese embora a sua inserção nos incidentes da instância, a estrutura dos embargos de terceiro é a de uma verdadeira acção declarativa, cuja finalidade é verificar a existência dum direito ou duma posse, natureza acentuada pelo caso julgado material que ali se forma[6]. Não obstante, trata-se ainda de uma acção subordinada à acção executiva, enquanto meio de reacção à penhora, e o reconhecimento da situação possessória ou da existência do direito visam, em primeira linha, o levantamento do acto com eles incompatível.
Incidindo agora sobre o caso que nos ocupa, verifica-se que por força do pagamento voluntário da quantia exequenda efectuado pela executada, a execução foi julgada extinta, com o consequente levantamento da penhora que recaiu sobre os bens de que o apelante diz ser comproprietário e possuidor. Estão, pois, em causa, factos posteriores ocorridos no processo que tornam de facto inútil o prosseguimento dos presentes embargos, uma vez que a pretensão do embargante encontrou satisfação fora do esquema da providência pretendida. Deixando a solução do litígio de interessar, tal determina, no enunciado do artigo 277.º, alínea e), a extinção da instância por inutilidade superveniente. Daqui não decorre, porém, que o embargante não possa obter o reconhecimento do seu direito em acção autónoma -hipótese expressamente prevista no artigo 346.º, que rege para o caso de rejeição dos embargos, mas também aplicável à situação dos autos, em que não chegaram a ser conhecidos – como, de resto, ocorre no caso em apreço, pendendo acção declarativa na qual deduziu contra a autora, aqui executada, pedido reconvencional de reconhecimento do seu direito de (com)propriedade[7].
Alega o recorrente que só se verifica inutilidade superveniente da lide se a subsistência da instância não revestir um interesse, ainda que mínimo, para o embargante, o que entende não ser o caso, defendendo que a presente instância deverá ser antes suspensa até à prolação da decisão na acção declarativa pendente a qual, diz, virá, com elevado grau de probabilidade, a ser-lhe favorável, conduzindo então ao levantamento da penhora nestes autos.
Concorda-se com o recorrente quando aduz que a subsistência de interesse na manutenção da instância obsta ao decretamento da sua extinção nos termos da convocada alínea e) do artigo 277.º do CPC, precisamente porque não se verifica então uma situação de inutilidade. Todavia, como resulta dos próprios termos da alegação, tal interesse, ainda que residual, inexiste no caso, uma vez que no final da pretendida suspensão, e a proceder o pedido reconvencional que deduziu, o recorrente viria aos autos pedir o levantamento da penhora, levantamento que já ocorreu, com o cancelamento do registo correspondente.
Verifica-se, assim, que pese embora a natureza declarativa dos embargos de terceiro e o caso julgado formado pela decisão de mérito que neles viesse a ser proferida, são um meio de oposição à penhora, encontrando-se dependentes da execução e a ela subordinados. Deste modo, extinguindo-se a execução pelo pagamento, ou seja, mediante a satisfação do direito do credor, logo, sem possibilidade de renovação, com o consequente levantamento da penhora, os embargos perdem a sua razão de ser, impondo-se decretar a sua extinção por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 276.º do CPC. Tal como correctamente foi entendido na decisão recorrida e aqui se confirma.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante, sem prejuízo da isenção subjectiva que lhe foi concedida.
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Sumário: (…)
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Évora, 25 de Janeiro de 2024
Maria Domingas Simões
Anabela Luna de Carvalho
Francisco Matos
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[1] Tendo ocorrido lapso na numeração, apresentando duas conclusões o mesmo n.º 19, optou-se por renumerar a segunda, aditando-se a letra a), a fim de manter a restante numeração.
[2] Cfr. acórdão do STJ 30/11/2023, no processo n.º 2861/22.3T8BRR.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[3] Cfr. o mesmo aresto de 20/11/2023, assim sumariado:
I. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, e como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
II. Devem corresponder à identificação, clara e rigorosa, dos fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.
III. A forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, permite ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilita a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça.
IV - Tal formulação deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que não é de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou não haja qualquer síntese, não se conseguindo assim vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo desse modo a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso”.
[4] Assim sumariado:
“I. A reprodução nas conclusões da motivação do recurso não consubstancia o vício da falta de conclusões, a impor a imediata rejeição, mas antes o vício da deficiência, a justificar o convite ao aperfeiçoamento.
II. Tendo a apelante formulado 30 conclusões no recurso de apelação e na consequência do convite ao aperfeiçoamento reduzido para 23, ainda que correspondam a conclusões anteriores, não deve ser rejeitado o recurso se as questões são perfeitamente inteligíveis”.
[5] “A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª edição, pág. 332.
[6] Cfr., neste preciso sentido, e aqui acompanhado de muito perto, Lebre de Freitas, obra citada, pág. 344.
[7] Trata-se de meios alternativos – os embargos e a acção autónoma –, podendo ainda ser usados cumulativamente no caso em que os embargos forem deduzidos com fundamento na posse e tal fundamento se mantiver pois, caso contrário, verificar-se-ia uma situação de litispendência, como adverte o Prof. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 347.