Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
466/16.7T8OLH-E.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - No caso de insolvência conjunta dos cônjuges, o rendimento a ceder ao fiduciário para efeitos de exoneração do passivo restante não deverá ser fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e a exoneração também será comum.
II - O que releva é que o montante fixado como rendimento indisponível seja o adequado e suficiente para prover ao sustento minimamente condigno de ambos os insolventes e respectivo agregado familiar.
Decisão Texto Integral:

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. BB e CC apresentaram-se conjuntamente à insolvência (cf. artigo 264º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e formularam o pedido de exoneração do passivo restante.
Os requerentes foram declarados insolventes por sentença de 25 de Maio de 2016.
O Administrador da Insolvência elaborou o relatório a que alude o artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pronunciando-se favoravelmente ao pedido de exoneração do passivo restante dos insolventes.
Realizou-se a Assembleia de Credores, na qual a credora presente (Caixa Geral de Depósitos, S.A.) disse que se abstinha quanto ao pedido de exoneração requerido.

2. Por despacho de 7 de Maio de 2018 foi liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante, e, nos termos do artigo 239º, n.º 2, 3 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decidiu-se “b) determinar que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo cada um dos insolventes entregue ao fiduciário, respectivamente, a quantia que aufira e que exceda o valor de um ½ salário mínimo nacional; (…)” (destaque nosso)

3. Inconformados com o assim decidido, no que respeita à fixação em separado para cada cônjuge do rendimento disponível, interpuseram recurso os insolventes, pedindo que o rendimento disponível seja fixado conjuntamente para o casal, e não individualmente, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
A) Por douto despacho de fls_, foi decidido:
“IV- Decisão
Face ao exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, decido:
a) deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo, formulado pelos devedores insolventes;
b) determinar que durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo cada um dos insolventes entregue ao fiduciário, respectivamente, a quantia que aufira e que exceda o valor de um e Y2 salário mínimo nacional;
c) determinar que durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo os devedores fiquem sujeito às obrigações decorrentes do art0239~ n04 do CI.R.E..
d) nomear como fiduciário ora) Sr. (a) Administrador(a) da Insolvência”
B) Ou seja, o Tribunal a quo considerou que o montante necessário ao sustento minimamente digno do agregado familiar dos insolventes com filho menor seria de 1,5 SMN fixado individualmente por cada insolvente (3 salários mínimos nacionais no total).
C) E é desta decisão que fixa o montante a ceder individualmente que se recorre, peticionando-se que sejam fixados os mesmos 3 salários mínimos nacionais, mas em conjunto, por serem os insolventes casados em regime de comunhão de adquiridos (conforme resulta da certidão de fls__) com a consequência do rendimento do trabalho de ambos ser considerado bem comum, assim como serem comuns as despesas elencadas.
D) Conforme resulta do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/05/2014 disponível em www.dgsi.pt:
"(…)
IV - No caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum.
V - ( .. .)"
E) E o mesmo Tribunal da Relação sustenta tal decisão da seguinte forma:
"( ... )
No caso em apreço estamos perante a insolvência de um casal, que, como tal deve ser considerado em termos de cessão do respectivo rendimento disponível para pagamento de dívidas, que são comuns.
Assim, na fixação do rendimento indisponível há que ter presente o disposto nos art.ºs 1675º, 1676º, 1874º, 1878º, 1879º e 1880º do Código Civil. O rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum.
Terá de atender-se às despesas do casal e respectiva filha menor com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e educação.
(...)"
F) Do mesmo modo se pode ler no sumário do Acórdão do mesmo Tribunal da Relação proferido a 14/01/2016 e igualmente disponível em www.dgsi.pt:
"(…)
VII) - No caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum."
G) G) Pode ler-se no seu texto integral:
"( ... )
Essa parece-nos ser a leitura correcta a fazer do despacho recorrido (encarado na sua globalidade e não apenas no seu segmento decisório), podendo concluir-se que foi ao valor dos 3,5 SMN que se quis atender naquele despacho, considerando o rendimento global dos recorrentes e não o rendimento parcelar de cada um.
Acolhemos a posição defendida no acórdão da RG de 15/05/2014, proferido no proc. nº. 1020/13.0TBBRG-C (acessível em www.dgsi.pt). de que "no caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum".
(...)
Aliás, estando os dois devedores declarados insolventes conjuntamente, por requerimento que ambos formalizaram nos autos, e tendo sido atendido, na decisão recorrida, ao rendimento em conjunto de ambos, assim como às despesas por eles alegadas, a decisão só poderia ser no sentido referido - de que o rendimento indisponível é o equivalente a 3,5 salários mínimos nacionais para o casal. (...)"
H) Pelo exposto, entende-se que o tribunal posto em crise, fixando individualmente (e não em conjunto) o montante a ceder, interpretou erradamente os artigos 239º, n.º 3, alínea i) do C.I.R.E. E 1675º, 1676º, 1874º, 1878º, 1879º e 1880º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas certamente mui doutamente suprirão, deverá a decisão recorrida (fixação de 1,5 DMN como rendimento excluído da cessão por cada insolvente) ser substituída por uma outra que fixe a cessão ao fiduciário de todos rendimentos que os insolventes, em conjunto, venham a auferir, com a exclusão do montante equivalente a 3 salários mínimos nacionais.

4. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a esta Relação, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essencial a decidir consiste em saber se o rendimento disponível deve ser fixado em separado em relação a cada um dos insolventes, ou se em conjunto para ambos os cônjuges.
*
III – Fundamentação fáctico-Jurídica
1. O regime da exoneração do passivo restante foi introduzido pelo actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, representando uma novidade no direito português.
A figura em questão surge justificada no preâmbulo do diploma como uma conjugação inovadora do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, acrescentando-se que “a efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência) que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.”
No seguimento dessa enunciação de objectivos o Código estabelece depois que uma vez admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante o juiz proferirá despacho inicial, nos termos do artigo 239º, n.ºs 1 e 2, no qual determinará que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do artigo 241º (pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas; distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência).
Findo esse período da cessão (do rendimento disponível), será então proferida decisão sobre a concessão, ou não, da exoneração do passivo restante do devedor, sendo ouvidos este, o fiduciário e os credores da insolvência (artigo 244º) e, com o deferimento desta, é concedida a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados (artigo 245º), apenas não sendo abarcados pela exoneração os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários (artigo 245º, nº2).

2. Como decorre do que acima se disse o instituto da exoneração do passivo restante comporta dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1 do art.º 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No n.º 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador estabelece, em sucessivas alíneas, as circunstâncias que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, as quais assumem a natureza de factos impeditivos do direito do devedor pedir a exoneração, pelo que é aos credores e ao administrador de insolvência que compete a sua alegação e prova.
Com excepção da alínea a), que se reporta a uma questão processual – o prazo de apresentação do pedido – as restantes circunstâncias têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam o indeferimento do pedido.
Todas as circunstâncias elencadas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do citado artigo 238º manifestam a intenção do legislador, tal como sucede com o período de cessão e as obrigações a este inerentes, de que a exoneração do passivo restante não passe de um mero e indiscriminado perdão de dívidas, exigindo antes do devedor uma conduta norteada por princípios éticos presentes no momento anterior e durante todo o período de duração quer do processo de insolvência, quer do incidente.

3. No caso dos autos, tendo em conta o enquadramento jurídico a que nos referidos, concluiu-se ser de deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e, conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, procedeu-se à fixação do rendimento disponível, a ceder pelos insolventes no período de cessão, o que se fez com os seguintes fundamentos:
«(…) Na determinação do rendimento disponível o legislador estabeleceu um mínimo, avalizado por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar), a preencher em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor, e um máximo, obtido através de um critério quantificável e objectivo (o equivalente a três salários mínimos nacionais), o qual excepcionalmente poderá ser excedido (art° 239°, n.º3 do mesmo diploma).
Tudo isto tendo presente que a exoneração do passivo restante não pode transformar-se numa forma de o devedor obter um perdão generalizado das dívidas sem que exista da sua parte qualquer sacrifício.
Assim, o devedor terá direito ao montante necessário para um sustento minimamente digno e do seu agregado familiar. O que exceder tal montante deve ser entregue ao fiduciário e destinado aos credores.
Deste modo, entendemos que o ponto de partida será o valor de um salário mínimo nacional. Se o devedor não receber nenhuma quantia acima de tal valor, nada deverá entregar ao fiduciário (neste sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/06/2009, acessível in www.dgsi.pt).
No caso concreto, temos que os devedores, na data de elaboração do relatório, apresentavam um rendimento líquido mensal de €1.735,52, despesas no valor global de 1.325,00, com um filho menor a cargo, residindo em casa de familiares, não se contabilizando o custo com futuro arrendamento.
Não sendo invocadas necessidades espectais, são atendíveis os montantes indispensáveis a uma vida condigna, concretamente com despesas para alimentação, vestuário, despesas de saúde, transportes e comunicações.
Deste modo, consideramos que valor igual a um e 1/2 salário mínimo nacional será o necessário ao sustento de cada um dos devedores, os quais terão de adaptar a sua condição de insolventes às despesas que conseguem suportar.
Assim sendo, cada um dos insolventes deverá entregar ao fiduciário o valor que receba e que exceda o valor de um e 1/2 salário mínimo nacional (actualizado em função da sua variação).
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IV- Decisão
Face ao exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, decido:
a) Deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo, formulado pelos devedores insolventes;
b) Determinar que durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo cada um dos insolventes entregue ao fiduciário, respectivamente, a quantia que aufira e que exceda o valor de um e 1/2 salário mínimo nacional; (…)»

4. Os recorrentes não põem em causa no recurso que o montante de 1 e ½ salário mínimo nacional seja insuficiente para o sustento de cada um. A sua discordância para com a decisão recorrida radica no facto de nesta se ter fixado o rendimento disponível individualmente, com referência a cada um dos insolventes, e não conjuntamente para o casal.
Ora, numa análise mais superficial da questão seriamos tentados a dizer que é a mesma coisa, porquanto se é salvaguardado 1 e ½ salários como indispensável ao sustento de cada um dos insolventes, somados estes rendimentos obtemos o rendimento indisponível de 3 remunerações mínimas mensais, pelo que o rendimento disponível seria o que excedesse este montante global.
Porém, na prática pode não ser assim, e não o é certamente no caso de um dos insolventes auferir quantia inferior ao montante global de 1 e ½ remuneração mínima mensal garantida, caso em que, não veria salvaguardada a quantia necessária para o seu sustento e não poderia satisfazer as suas necessidades através dos rendimentos do cônjuge, ainda que os rendimentos deste fossem superiores a 1 e ½ salário mínimo, posto que, em face da fixação individual do rendimento disponível, este teria que entregar sempre o excedente ao fiduciário.
Deste modo, a ser fixado separadamente o rendimento disponível de cada um dos insolventes, pode muito bem suceder que não fique salvaguardada a quantia que se entendeu como necessária ao sustento mínimo de cada um.
Se atentarmos bem na decisão recorrida, vemos que o julgador, não obstante se referir ao mínimo indispensável para o sustento de cada um dos devedores, ponderou globalmente os seus rendimentos e as despesas que a ambos oneram, com o propósito de salvaguardar o indispensável ao sustento de ambos e do seu agregado familiar, propósito este que poderá ficar em causa caso o rendimento disponível, a entregar ao fiduciário, venha ser calculado tendo por base um valor fixado para cada um dos insolventes.
Assim, no caso de apresentação de ambos os cônjuges à insolvência, em que as despesas do agregado familiar oneram ambos os cônjuges e são conjuntamente apuradas, bem como é ponderado o seu peso nos rendimentos globais do casal, e não individualmente, sendo a exoneração também comum, não faz sentido que o rendimento disponível a entregar ao fiduciário no período de cessão seja individualmente fixado, mas sim conjuntamente.
Neste sentido se decidiu, entre outros, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/05/2014 (proc. n.º 1020/13.0TBBRG-C.G1), e de 14/01/2016 (proc. n.º 218/10.8TBMNC.G1), disponíveis como os demais citados em www.dgsi.pt onde se concluiu que «[n]o caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum» [idêntico entendimento é acolhido no acórdão da mesma relação de 26/11/2015 (proc. n.º 3550/14.8T8GMR.G1), subscrito pelo aqui relator, ali 2º adjunto].
Note-se que uma coisa é a fixação conjunta do rendimento disponível a ceder ao fiduciário, outra, diferente, é a necessária ponderação que tem que se fazer quanto ao cálculo do rendimento necessário ao sustento minimamente garantido quando está em causa a insolvência de ambos os cônjuges, de modo a que o montante fixado como rendimento indisponível seja o adequado e suficiente para prover ao sustento minimamente condigno de ambos os insolventes e respectivo agregado familiar.
*
C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. No caso de insolvência conjunta dos cônjuges, o rendimento a ceder ao fiduciário para efeitos de exoneração do passivo restante não deverá ser fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e a exoneração também será comum.
II. O que releva é que o montante fixado como rendimento indisponível seja o adequado e suficiente para prover ao sustento minimamente condigno de ambos os insolventes e respectivo agregado familiar.
*
IV – Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida na parte impugnada, determinando-se, que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, os insolventes entreguem ao fiduciário as quantias que venham a auferir que conjuntamente excedam 3 (três) remunerações mínimas mensais.
Custas pela massa insolvente.
*
Évora, 18 de Outubro de 2018
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança (vencida conforme declaração de voto anexa)

Voto de vencida
O objecto do presente recurso resume-se a saber se o rendimento disponível deve ser fixado em separado em relação a cada um dos insolventes ou em conjunto para ambos os cônjuges.
Acolho o entendimento seguido no Acórdão do STJ de 02.02.2016 (proferido no proc. n.º 3562/14.1T8GMR.G1.S1). segundo o qual:
“(...) não constando, nem da Lei Fundamental, nem da lei ordinária a existência de um salário mínimo familiar definido em função dos rendimentos dessa natureza e da composição do agregado familiar, não existe fundamento legal para, no caso de ambos os membros do casal terem sido declarados insolventes e lhes ter sido concedida a exoneração do passivo restante, se atribuir um valor global não discriminado que, desde que supere o salário mínimo nacional, se deva considerar rendimento propiciador de um nível de vida minimamente digno.
Diferentemente, entendemos, pese embora se dever considerar que a economia familiar importa peculiar gestão dos rendimentos auferidos, tratando-se no caso de créditos diferenciados ainda que com origem comum - cada um dos recorrentes é devedor/insolvente e aufere a sua pensão de velhice - a cada um deles deve ser atribuído montante igual ao salário mínimo naciona/- porque só assim se lhes assegura uma vivência compatível com a dignidade humana, tendo em conta aquilo que deve ser o valor compatível com o “sustento minimamente digno.
Sempre se dirá que, se por cada um deles fosse requerida autonomamente a exoneração, lhes deveria ser assegurado esse valor, não sendo justo nem equitativo que, fazendo-o conjuntamente, seja atribuída aos dois a mesma quantia”.
A fundamentação que subjaz a que o montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível - rendimento indisponível - seja fixado a cada um dos cônjuges e não globalmente para o casal, ou seja, a cada um deles deve ser atribuído rendimento propiciador de um nível de vida, e do seu agregado familiar, minimamente digno e não um valor global, não discriminado por cada um deles, terá de manter-se e imperar quando da fixação do rendimento indisponível, já que não se antolham fundamentos para que assim não seja.
Com efeito, para se chegar àquela primeira premissa tem-se considerado que:
- cada um dos recorrentes é devedor/insolvente;
- a situação de ambos os cônjuges requererem o exoneração do passivo não deverá prejudicá-los (ou beneficiá-los) face aos cônjuges que a requerem autonomamente.
Concorda-se com o acórdão que fez vencimento, quando refere: “(... ) se é salvaguardado 1 e ½ salários como indispensável ao sustento de cada um dos insolventes, somados estes rendimentos obtemos o rendimento indisponível de 3 remunerações mínimas mensais. Porém, na prática pode não ser assim ( .... )”, mas não pelas razões expostas, já que no caso de cada um dos insolventes auferir quantia inferior ao montante global de 1 e ½ remuneração mínima mensal garantida tal situação é (deverá ser) tida em consideração aquando da fixação do rendimento indisponível por cada um dos membros do casal, onde se considera o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Na verdade, a entender-se que o rendimento disponível deve ser fixado em conjunto para ambos os cônjuges - em oposição ao que se entendeu para o rendimento indisponível - dois casais, com os mesmos rendimentos [v. g. € 1800,00 (€ 700,00 + € 1.100,00)] e a que foi atribuído a cada um dos membros do casalo montante equivalente a 1 e ½ salário mínimo nacional como rendimento indisponível, tendo um deles requerido conjuntamente a exoneração do passivo restante e outro autonomamente, o montante que cada casal entregaria ao fiduciário seria bem diverso, o que não se mostra justo nem equitativo.
No acórdão que fez vencimento, na esteira dos acórdãos aí citados, expressa-se o entendimento, com o qual não podemos concordar, que o rendimento disponível deve ser fixado para ambos os cônjuges, referindo-se, nomeadamente, que “(... ) no caso de apresentação de ambos os cônjuges à insolvência, em que as despesas do agregado familiar oneram ambos os cônjuges e são conjuntamente apuradas, bem como é ponderado o seu peso nos rendimentos globais do casal, e não individualmente, não faz sentido que o rendimento indisponível e, por exclusão, o rendimento disponível a entregar ao fiduciário no período de cessão sejam individualmente fixado, mas sim conjuntamente” quando, efectivamente, o rendimento indisponível deverá ser fixado - como aliás na presente espécie foi - individualmente, pelas razões a que acima aludimos e referidas no Acórdão do STJ citado.
Entendo, pois, que o rendimento disponível deve ser fixado em separado em relação a cada um dos insolventes.
Destarte, confirmaria a sentença apelada.
Florbela Moreira Lança