Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4970/09.5TBSTB-B.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VENDA POR PROPOSTA EM CARTA FECHADA
VALOR
ADJUDICAÇÃO
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular pode ser efectuada por valor inferior a 85% a que se refere o artº 816º nº 2 do CPC, mediante autorização judicial com vista a garantir a defesa dos interesses de todos os interessados, designadamente dos executados e demais credores.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 4970/09.5TBSTB-B.E1
1ª SECÇÃO


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No âmbito da execução para pagamento de quantia certa que o (…) moveu contra (…) e (…), penhorada que foi a fracção autónoma id. nos autos, foi determinada a sua venda por propostas em carta fechada, tendo sido fixado o valor base de venda em € 105.200,00, sendo aceite a proposta de melhor preço acima do valor de € 89.420,00.
Em 19/03/2013 realizou-se a diligência de abertura de propostas e verificando-se que não haviam sido apresentadas quaisquer propostas, foi determinada a venda do referido imóvel por negociação particular.
Na sequência dessa determinação veio a exequente pelo requerimento datado de 4/11/2013, de que fls. 17 constitui cópia certificada, informar o Agente de Execução de que “se encontra na disponibilidade de adquirir o mesmo pelo valor de € 67.800,00, em sede de venda por negociação particular.
Notificados os executados de tal requerimento pelo Agente de Execução, em 6/11/2013, para se pronunciarem no prazo de 10 dias, nada disseram (cfr. fls. 18 e 20).
Por ofício datado de 19/11/2013 o Sr. Agente de Execução notificou os executados nos seguintes termos:
Não se tendo obtido melhor proposta, fica V.Exa notificado que foi decidido aceitar a proposta de venda do bem penhorado apresentada pelo ilustre Mandatário do exequente, pelo valor de € 67.800,00.
Alerta:
Nos termos do nº 1 al. c) do artº 723º do CPC, se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso. A discordância da decisão deve ser suscitada perante o juiz, no prazo de 10 dias” (cfr. fls. 22)
Na sequência dessa notificação os executados terão apresentado requerimento que não foi junto aos autos e que não obstante as diversas insistências com a 1ª instância para o seu envio a esta Relação, tal solicitação não foi satisfeita até ao momento, o qual, segundo refere a recorrente na sua alegação foi apresentado em 09/12/2013.
A ele alude o despacho recorrido, começando, desde logo por referir que “Sem entrar no conhecimento da questão da extemporaneidade do requerimento apresentado pelos executados, coloca-se-nos a questão do valor apresentado pelo exequente para aquisição do imóvel
Nesse despacho concluiu a Exma juíza: “Assim, não deve ser aceite o requerimento da exequente para adjudicação por valor inferior ao previsto no artº 799º nº 3 do CPC, na redacção da Lei 41/2013 de 26/06.”
Foi desta decisão que, inconformado, apelou o Banco exequente, alegando e formulando as seguintes conclusões:
A – A acção executiva foi apresentada a 21 de Agosto de 2009.
B – Foi registada a penhora da fracção autónoma designada pela letra (…) em 8 de Julho de 2010.
C – Em 10 de Agosto de 2012, foi a aqui apelante notificada da decisão do Ilustre Agente de Execução sobre a modalidade da venda e valor base a propor pelo imóvel, tendo fixado o valor base em € 105.200,00.
D – Mesmo desconsiderando que o valor base foi fixado em Agosto de 2012, a apelante apresenta uma proposta próxima dos 70% do valor base (percentagem admitida para a aquisição do imóvel à data da indicação do valor base pela apelante) no montante de € 73.640,00 não pode ser considerado, salvo melhor opinião, manifestamente inferior ao valor pelo qual a apelante se propõe adquirir o imóvel em Fevereiro de 2014, a saber, € 67.800,00.
E – No dia designado para a abertura de propostas em carta fechada – realizada a 19 de Março de 2013 – não foram apresentadas propostas.
F – A A. apresentou proposta de adjudicação do imóvel penhorado, em sede de venda por negociação particular, no dia 4 de Novembro de 2013.
G – Neste seguimento, o Ilustre Agente de Execução procedeu, a 5 de Novembro de 2013 à notificação da proposta apresentada a todas as partes, nomeadamente aos executados.
H – Não tendo sido apresentadas oposições à proposta de adjudicação apresentada, e no decorrer dos ulteriores termos processuais, foi a decisão do Agente de Execução, no sentido de aceitar a proposta da A., notificada às partes com a cominação de que discordando, a pronúncia deveria ser feita através de reclamação ao Juiz.
I – Mais uma vez nem os executados, nem os credores reclamantes se pronunciaram.
J – Acontece que a 9 de Dezembro de 2013, é apresentado pelos executados um requerimento, através do qual os mesmos justificam a ausência de pronúncia no prazo dado para o efeito pelo facto de “não abrirem a caixa de correio todos os dias”.
K – Contudo, por despacho proferido em 23 de Janeiro de 2014, foi rejeitada a adjudicação do imóvel pela exequente pelo facto do valor oferecido ser inferior a 85% do valor base.
L – De acordo com o nº 2 do artº 821º do CPC, se as partes acordarem podem ser aceites propostas de valor inferior ao previsto no nº 2 do artº 816º do CPC.
M – Não foi atendida a extemporaneidade do requerimento apresentado pelos executados, desconsiderando que a ausência de reclamação do valor resulta numa aceitação tácita do valor proposto pela apelante.
N – Não foram apresentadas propostas decorrido o prazo inicial acima do valor mínimo não sendo expectável encontrar interessados por esse valor, devendo adequar-se o valor de venda ao mercado.
O – Aliás, defender-se o contrário implicaria condenar-se a exequente e executados a acções executivas proteladas, indefinidamente, com imóveis presos a um preço fictício e insusceptível de merecer o interesse de eventuais compradores.
P – Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRE de 3 de Março de 2010, em cujo sumário pode ler-se: “Sendo necessário proceder à venda de um imóvel comum e tendo as partes deliberado que a mesma se faria na modalidade de venda por negociação particular, o juiz, ouvidas as partes e perante a dificuldade de se obter comprador que se disponha a cobrir o preço mínimo, pode autorizar a venda por preço inferior, mesmo que as partes não se tenham pronunciado nesse sentido”, disponível in www.dgsi.pt.
Q – Face ao exposto, resulta claro que o valor atribuído pela apelante deverá ser aceite para efeitos de adjudicação do imóvel penhorado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a decidir é apenas a de se saber se deve ser aceite o valor proposto pela exequente, ora recorrente para aquisição do imóvel penhorado nos autos, em sede de venda por negociação particular.
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A factualidade a considerar no conhecimento do recurso é a que consta já do relatório supra.

Conforme resulta da decisão recorrida, a Exma Juíza, entendendo que o exequente não pode requerer a adjudicação de bens por valor inferior ao previsto no artº 816º nº 2 por força do disposto no artº 799º nº 3 do CPC, determinou a não aceitação da pretensão formulada pela exequente ora recorrente.
Nas conclusões da sua alegação pretende a recorrente que o Tribunal não atendeu à “extemporaneidade do requerimento apresentado pelos executados desconsiderando que a ausência de reclamação do valor resulta numa aceitação tácita do valor proposto pela apelante.”
Efectivamente, quanto a esta questão, conforme se verifica da decisão recorrida, o Tribunal desconsiderou a apresentação de tal requerimento, entendendo oficiosamente que se colocava nos autos a questão do valor apresentado pelo exequente para a aquisição do imóvel.
E, de facto, assim é.
A venda por negociação particular é uma das modalidades de venda prevista no processo executivo visando a satisfação do interesse do credor (artº 811º nº 1 al. d) do CPC)
Esta modalidade de venda é adoptada, designadamente, quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite (artº 832º al. d) do CPC)
A ela se aplica o disposto nos artºs 818º, 827º nº 2, 828º, 819º e 823º do CPC, como prescrito no nº 2 do referido artº 811º.
In casu, conforme resulta dos autos, a venda por negociação particular foi determinada em sede de abertura de propostas em carta fechada por não ter sido apresentada qualquer proposta para a venda do imóvel, cujo valor base foi fixado em € 105.200,00, sendo que “seria aceite a proposta de melhor preço acima do valor de € 89.420,00, correspondente a 70% do valor base”.
Cabe, desde já, referir que a correspondência daquele valor à percentagem de 70%, trata-se de manifesto lapso, pois o referido valor respeita a uma percentagem de 85% e não de 70% como ali é referido.
E bem, pois a percentagem de 85% referida no artº 816º nº 2 do CPC, foi introduzida pela Lei nº 60/2012 de 9/11 que alterou o nº 2 do artº 889º do anterior CPC e que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
A fixação do valor base na venda por negociação particular é obrigatória tal como em qualquer outra modalidade de venda pois o artº 812º do CPC (anterior 886º-A) insere-se nas disposições gerais da venda, apenas se exceptuando os casos das alíneas a) e b) do artº 832º (quando o exequente ou executado propõem um comprador ou um preço que é aceite, respectivamente pelo executado e pelo exequente e demais credores).
Por sua vez, o valor base pode ser reduzido para o limite de 85% desse valor em duas outras situações: quando a venda se faz por proposta em carta fechada (artº 816º nº 2) e quando o exequente ou qualquer credor reclamante requeira a adjudicação dos bens penhorados (artº 799º nº 3 do CPC).
Em todas as outras situações da venda por negociação particular (e bem assim na venda efectuada segundo as outras modalidades) os bens penhorados só podem ser vendidos por preço igual ou superior ao valor base fixado na decisão sobre a venda.
Todavia, sendo certa a obrigação de fixação do valor base da venda, entende-se que, em sede de negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, se o valor base não for atingido, a proposta apresentada não deve ser rejeitada liminarmente, antes ponderada a sua aceitação casuisticamente, tendo em conta designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado.
Com efeito, como refere Lebre de Freitas “se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução corresponde ao valor do mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda (…) lhe cabesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (…) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base” – (“C.P.C. Anotado”, Vol. III, p. 602)
No mesmo sentido cfr. ainda Acs. da RL de 25/09/2014, proc. nº 512/09.0TCNT-A.L1-8 e de 6/11/2013, proc. nº 30888/09.3T2SNT.L1-8, in www.dgsi.pt.
Voltando ao caso dos autos, cabe esclarecer desde já que, in casu, não obstante a referência à figura da “adjudicação” efectuada pela recorrente na sua alegação e pela Exma Juíza na decisão recorrida, não estamos perante tal figura prevista no artº 799º e seguintes e que constitui um dos modos de pagamento a par do produto da venda previstos no artº 795º do CPC, mas apenas perante uma proposta de compra por parte da exequente em sede de negociação particular, tal como resulta expressamente do seu requerimento de fls. 17.
Não resultando dos autos qualquer acordo expresso (e não apenas tácito pois a lei não prevê qualquer cominação para o silêncio do executado), sempre a proposta formulada pelo exequente ora recorrente por preço inferior ao fixado teria que ser objecto de apreciação e autorização de venda por parte da Exma Juíza.
E daí que na decisão recorrida tenha expressado e bem esse entendimento ao desconsiderar o conhecimento da alegada “extemporaneidade do requerimento apresentado pelos executados”, objectivando a questão colocada nos autos como “a do valor apresentado para aquisição do imóvel”.
De resto e a talho de foice sempre se dirá ainda que a disposição do artº 723º nº 1 al. c) do CPC invocada pelo Agente de Execução é efectivamente aplicável às decisões do agente de execução, mas não o será no caso concreto, pois o encarregado da venda tanto pode ser o agente de execução como qualquer outra pessoa designada mandatário para o efeito, designadamente, por determinação do juiz (cfr. artº 833º do CPC)
Em face de todo o exposto, cabe, pois, apreciar se a proposta apresenta pela exequente para a aquisição do imóvel penhorado deve ser aceite como defende a apelante, ou não, como foi decidido.
Ora, conforme resulta dos autos (cfr. auto de abertura de propostas) o valor base fixado para a venda foi de € 105.200,00, sendo aceite a proposta de melhor preço acima do valor de € 89.420,00 que representa 85% do valor base.
O valor oferecido pela exequente que foi de € 67.800,00 corresponde a um valor inferior em € 37.400,00 relativamente ao valor base e em € 11.620,00 relativamente ao valor mínimo.
Desconhece-se, pois não consta qualquer informação nos autos, quais as diligências que o Sr. Agente de Execução levou a efeito para encontrar o melhor preço, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado na zona, etç., que permitam aceitar, desde já, que o valor oferecido pela exequente assegura a defesa dos interesses dos executados e de eventuais credores.
Resulta do exposto que, não obstante entender-se, ao contrário da decisão recorrida, que o imóvel em causa pode ser vendido por valor inferior a 85% do valor base, mediante autorização judicial, entende-se também que os autos não habilitam desde já a conferir autorização para a aceitação do valor proposto pela exequente, devendo o Sr. Agente de Execução proceder às diligencias necessárias para, tendo em atenção o valor de mercado do imóvel, tentar encontrar melhor oferta para a sua venda.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente e, consequentemente, com os fundamentos atrás expostos confirmar a decisão recorrida mas apenas quanto à não aceitação, neste momento, do valor oferecido pela exequente para a aquisição do imóvel penhorado.
Custas pela recorrente

Évora, 15 de Janeiro de 2015

Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves