Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
90/16.4GFSTB.E1.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: CRIME DE MAUS TRATOS A ANIMAIS DE COMPANHIA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – O bem jurídico protegido pelo artigo 387.º do Código Penal não reside na integridade física e na vida do animal de companhia. É sim um “bem colectivo e complexo que tem na sua base o reconhecimento pelo homem de interesses morais directos aos animais individualmente considerados e, consequentemente, a afirmação do interesse de todos e cada uma das pessoas na preservação da integridade física, do bem-estar e da vida dos animais, tendo em conta uma inequívoca responsabilidade do agente do crime pela preservação desses interesses dos animais por força de uma certa relação actual (passada e/ou potencial) que com eles mantém”.

II – O tipo legal de crime de maus tratos a animais de companhia não é inconstitucional.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo comum singular n.º 90/16.4GFSTB.E1, da Comarca de Setúbal, foi proferida sentença a absolver o arguido HP da prática de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado de que vinha acusado e o arguido PB da prática de três crimes de maus tratos a animais de companhia agravados, de que vinha acusado.

Foram os mesmos arguidos condenados nos termos seguintes:

- HP, como co-autor de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado cometido sobre a cadela, dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de dez (10) meses de prisão; como autor material e em concurso efectivo de três (3) crimes de maus tratos a animais de companhia agravado cometidos sobre as três crias (nados vivos), das disposições conjugadas dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de seis (6) meses de prisão para cada um desses crimes; em cúmulo jurídico, na pena única de dezasseis (16) meses de prisão efectiva. Foi-lhe ainda aplicada a pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos.

- PB, como co-autor de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado cometido sobre a cadela, das disposições conjugadas dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de noventa (90) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido HP, concluindo:

“I- O arguido discorda da decisão aplicada pelo tribunal aquo.

II- O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito da douta sentença proferida nestes autos, a qual condenou o arguido HP.

III- A Sentença recorrida violou os princípios básicos de determinação da pena, plasmados nos artigos 71º e 40º ambos do Código Penal.

IV- A pena única fixada, nestes autos é excessiva e desadequada, violando, também o douto tribunal o previsto no artigo 77º do Código Penal.

V- A decisão recorrida, ao ter considerado os crimes praticado pelo arguido, de natureza diversa há mais de 5 anos, viola não só, o princípio ne bis in idem, mas também a essencialidade dos artigos 40º, 50º e 71º do CP,

VI- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada, (…) atendendo à personalidade do agente, ás condições da sua vida, á sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, (…).

VII- O arguido HP, requer da justiça a ponderação da pena, ainda que in extremis, suspendendo-a na sua execução, uma vez que, a ameaça de prisão, já é bastante e suficiente para o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta.

VIII- Entende-se que no atual regime jurídico português, de acordo com o artigo 1576ª do Código Civil, determina que “São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção” , não está estabelecida nenhuma destas relações jurídicas com animais.

XI- Sendo assim certo, não ser possível identificar na norma incriminadora dos maus tratos a animais, um bem jurídico.

X- Assim, a punição do maltrato aos animais, assenta em valorações de clara inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, 27º e 62º da CRP.

XI- Ao condenar o arguido HP, nos termos dos artigos 387º e 388º A, do Código Penal, o Tribunal a quo violou deliberadamente e de forma grosseira o quadro jurídico Constitucional vigente.

XII- E mais, o artigo 40º do Código Penal, consagra bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

XIII- Estando vedado ao legislador, ultrapassar os limites plasmados no artigo.

XIV- O Tribunal a quo violou, o artigo 27º da CRP, porquanto in casu, as normas aplicadas sob a epigrafe “crime de maus tratos a animais de companhia”, previstos e punidos pelos artigos 387º e seguintes do CP, não salvaguardam direitos ou interesses que detenham manifestação e proteção constitucional.

XV- Ao balizar e condenar o arguido, nos termos em que o fez, o Tribunal A quo, violou os artigos 18º, 27º, e 62º da CRP.

XVI-Violou os artigos 40º, 43º, 50º, 58º, 71º e 77º do Código Penal.

XVII- Não é demais referir, que os animais têm um papel relevante na vida dos seres humanos, o que não podemos ultrajar é o Direito, levando o legislador a entroncar restrições, a punir condutas, sem atender aos
princípios orientadores do Direito Penal.

XVIII- É pertinente afirmar que a decisão a quo está eivada de inconstitucionalidades por violação expressa e grosseira dos artigos, 2º nº 2, 18º, 27º e 62º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exas, doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e consequente absolvição na consideração das inconstitucionalidades materiais contidas nos artigos elencados ou a substituição da pena por outra que se coadune com a pretensão exposta.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1. Os animais de companhia são seres vivos dotados de sensibilidade, com estatuto jurídico próprio, a quem os seus donos devem assegurar o bem-estar e são merecedores de tutela jurídica mais concreta daquela que é reconhecida à fauna em geral pelo que o art.º 387.º do Código Penal é conforme à Constituição da Republica Portuguesa.

2. Tendo ficado provado que o Recorrente foi co-autor da prática de quatro crimes de maus tratos a animais de companhia agravados (pela morte dos animais), que as necessidades de prevenção geral são significativas, que as necessidades de prevenção especial foram consideradas pela existência de dois antecedentes criminais ainda que de diferente natureza, que a culpa do Recorrente é muito elevada, que o grau de ilicitude dos factos foi considerada muito elevado e que agiu com dolo, a pena aplicada mostra-se proporcional, adequada e suficiente.

3. Salvo melhor opinião, é manifesto que não se encontram reunidos os requisitos legais para que a pena de prisão em que o Recorrente foi condenado deva ser suspensa na sua execução, porquanto a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, pronunciando-se no sentido da procedência parcial do recurso (procedência na parte relativa ao pedido de aplicação de prisão suspensa).

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados (na parte que interessa ao recurso):

“1. Desde data não concretamente apurada mas desde 2012 até ao dia 03 de Fevereiro de 2016 o arguido HP deteve consigo na sua residência, sita na Estrada dos Espanhóis…, Pinhal Novo, nesta comarca de Setúbal, uma cadela de nome «Pantufa», de pelagem média lisa e cor castanha, raça Pastor Alemão.

2. O arguido HP pese embora detivesse o referido animal aos seus cuidados, privou-a de cuidados de vacinação e de assistência médico veterinária regular.

3. O arguido HP pese embora também soubesse que a cadela não se encontrava esterilizada, manteve-a presa à corrente, ainda que com o cio, não a protegendo de outros cães machos que detinha, sendo a mesma coberta por outros animais.

4. O arguido HP pese embora conhecesse da gravidez da cadela que detinha privou-a de cuidados médicos veterinários necessários, atento o seu estado de gestação.

5. No termo do período de gestação, no dia 03 de Fevereiro de 2016, o arguido HP vendo que a cadela iniciara o processo de parto decidiu não pedir assistência veterinária.

6. Após várias horas sem que a cadela «Pantufa» concretizasse a expulsão fetal completa, o arguido HP decidiu proceder por si à extracção dos animais.

7. Para o efeito, o arguido HP solicitou ao arguido PB, cujo contacto lhe foi indicado por DM, que o auxiliasse uma vez que não conseguia sozinho imobilizar o animal, o que aquele aceitou.

8. Assim, na prossecução da conduta que se havia determinado a realizar, na zona exterior da residência solicitou ao arguido PB que segurasse o animal, o que este fez.

9. Nessas circunstâncias, estando a cadela viva e consciente, o arguido HP com o recurso a um objecto cortante não identificado procedeu a uma incisão vertical grosseira e irregular com cerca de 15 cm, cortando a parede abdominal e o útero.

10. Depois de conseguir esventar o animal, o arguido HP retirou do interior do seu útero pelo menos seis crias, três delas com vida, deixando dois fetos ainda no interior da cavidade pélvica, um dos quais com o cordão umbilical em conexão com o útero.

11. O arguido HP em seguida procedeu ao encerramento do corte que realizara através de pontos simples através de técnica de sutura, mas apenas sobre a parede abdominal, já que deixou aberto o útero ainda com dois fetos no seu interior.

12. A cadela, ainda com vida, coberta de sangue e líquido, com dor extrema e em grande sofrimento foi deixada prostrada no chão no quintal da residência pelo arguido HP, indiferente ao seu estado.

13. O arguido HP ao invés de providenciar por cuidados médicos, calor e alimento às crias nascidas com vida decidiu colocar todas as seis crias - indiferente ao facto de estarem vivas ou mortas - dentro de um saco de plástico no contentor do lixo.

14. A cadela detida pelo arguido HP resistiu, em grande sofrimento, sem quaisquer cuidados durante pelo menos uma hora, vindo a falecer em consequência da conduta descrita a que foi sujeita.

15. As três crias que nasceram vivas (nados vivos), por terem sido abandonadas pelo arguido HP no interior do contentor do lixo, acabaram por falecer no dia 03 de Fevereiro de 2016, devido a inanição e hipotermia.

16. Os arguidos HP e PB cientes das condutas conjugadas que empreendiam, quiseram e conseguiram esventar o animal vivo e consciente, infligindo-lhes dor e sofrimento.

17. O arguido PB conhecia e aceitou o plano delineado pelo arguido HP, agindo ambos de comum acordo em concertação de esforços e divisão de tarefas, conformando-se com a conduta que cada um viesse a adoptar.

18. O arguido HP ao esventrar o animal e o arguido PB ao manietar a cadela, admitiram como possível que das suas condutas conjugadas viesse a resultar dor e sofrimento e, nessa sequência, a morte do animal, como se verificou, resultado com o qual se conformaram.

19. O arguido HP sabia que os três nados vivos se tratavam de crias indefesas carecidas de alimentação, conforto e cuidados médico-veterinários imediatos e, ainda assim, quis e conseguiu agir do modo descrito, ciente de que com a sua conduta lhes provocavam sofrimento e, em consequência, a morte deles.

20. Os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as condutas conjugadas como as descritas são proibidas e punidas pela lei penal.

21. O arguido HP nasceu em 16-06-1951.

22. O arguido está solteiro e vive em habitação própria.

23. Resulta das bases de dados da Segurança Social que o arguido não faz descontos; executa apenas trabalhos esporádicos que lhe permitem angariar, em média, a quantia mensal de € 300,00.

24. Resulta das bases de dados do registo de propriedade automóvel que o arguido tem em seu nome um veículo automóvel com a matrícula --JX.

25. O arguido HP regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos seguintes termos: Por sentença datada de 18-02-2013, proferida no âmbito do processo sumário n.º---/13.7GFSTB, do 2.º Juízo Criminal de Setúbal, transitada em julgado em 02-04-2013, por factos cometidos em 17 de Fevereiro de 2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 69 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; Por sentença datada de 25-09-2014, proferida no âmbito do processo sumário n.º---/14.0GAMTA, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro, transitada em julgado em 10-03-2015, por factos cometidos em 07 de Setembro de 2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.”

E a fundamentação da pena, na sentença, foi a seguinte:

“DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS DE PRISÃO E DE MULTA

Nesta sede, rege o disposto no art.º 71.º do Cód. Penal, que: «A determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.»

Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas [culpa e prevenção] se relacionam no processo unitário da medida da pena.

Face ao art.º 40.º do Cód. Penal, que veio tomar posição expressa quanto à questão dos fins das penas, afigura-se-nos inquestionável que é o modelo da «moldura da prevenção» proposto por Jorge de FIGUEIREDO DIAS [op. cit., pp. 227 a 231] aquele que melhor se adequa ao espírito desta norma, quanto mais não seja por «nela ter sido consagrado o seu pensamento» - [cf. José GONÇALVES DA COSTA, in RPCC, Ano III, 1993, p. 327]

Segundo aquele modelo, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de protecção dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma «moldura de prevenção», que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas - [limite máximo – ligado ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente]

Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem actuar do ponto de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade [para uma análise mais desenvolvida, vd. J. FIGUEIREDO DIAS, op. cit., pp. 227 e ss. e, quanto ao juízo de culpa, Anabela MIRANDA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pp. 478 e ss.]

Tendo presente o modelo adoptado, importa infra eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.º2 do art.º 71.º do Cód. Penal.

Neste âmbito, importa ter presente o princípio da proibição da dupla valoração, consagrado no referido art.º 71.º, n.º2, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime.

Tal princípio deve também valer para as restantes operações de determinação da pena, ou seja, a concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para a quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena - [neste exacto sentido, J. FIGUEIREDO DIAS, op. cit. pp. 234 a 238]

Ainda neste âmbito, importa referir que os factores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo, um mesmo factor, na perspectiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspectiva da prevenção, funcionar como atenuante.

Ou seja, neste domínio, dever-se-á ter em consideração e presentes quais sejam «as finalidades da punição» apontadas e adoptadas pelo legislador.

Acolhendo, aqui, a súmula de Jorge de FIGUEIREDO DIAS dir-se-á que o programa político-criminal assumido pelo legislador penal nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º da lei penal substantiva consubstancia-se em que: «1.Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.»

Dizer, então, que a pena concreta deverá corresponder a uma intervenção penal inteiramente enformada pelos princípios politico-criminais exarados imperativamente naquele normativo:

(i) Seja pelo princípio da prevenção geral positiva ou de integração;
(ii) Seja pelo princípio da culpa;
(iii) Seja pelo princípio da prevenção especial positiva ou de socialização;
(iv) Seja complexivamente, pelo princípio da humanidade.

Prevenção geral de integração ou dizer - na formulação de Günther JAKOBS - estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, na ideia de que primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. Tutela não num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou, dizer ainda, do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

Exigências de prevenção especial - [ou, como parecerá ainda legitimo dizê-lo, prevenção da reincidência]:

(i) Positiva ou de Socialização, se privilegiado o propósito da reinserção social, a ressocialização e/ou a socialização de um de-socializado;

(ii) Negativa ou de Inocuização quando, por pura exigência de defesa social se privilegie e procure a neutralização da perigosidade social do delinquente através da sua separação ou segregação.

Especificamente na referência à formulação do juízo de conformação prática sobre a aplicação da suspensão da execução, aquele mestre de Coimbra refere que: «A finalidade político-criminal que a lei visa...é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo». «...decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência.»

Todavia, não deixa o mesmo autor de alertar no sentido de que mesmo que o Tribunal conclua «(...) por um prognóstico favorável - à luz, (...), de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização», «a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime.»

Em suma: no que respeita à medida concreta da pena, a mesma terá como limite máximo a culpa do agente revelada nos factos por si praticados [cf. art.º 40.º, nº 2, do Cód. Penal], e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral ― que, in casu, são consideráveis, tendo em conta as mais elementares regras de convivência social consagradas na nossa Lei fundamental, que afastam este tipo de condutas nefastas, razão pela qual se impõe a afirmação, de modo urgente e indubitável, da efectividade e da validade das normas que punem tais condutas, através da condenação de quem incorra nas mesmas, razão pela qual se impõe a afirmação, de modo urgente e indubitável, da efectividade e da validade das normas que punem tais condutas, através da condenação de quem incorra nas mesmas , e especial, nos termos do disposto nos artigos 40.º, n.º1, e 71.º, n.º1, ambos do Cód. Penal.

Sendo certo que na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no art.º 71.º, n.º2 do Cód. Penal.

Descendo ao plano da determinação da medida da pena, e na base das finalidades da punição apontadas pelo art.º 40.º do Cód. Penal, dispõe o art.º 71.º, n.º1 do mesmo código que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

É, portanto, exigido ao julgador que tome o facto praticado na sua globalidade, em todo o seu circunstancialismo, quer naquilo que, não sendo porém necessário na qualificação do facto como crime, o caracteriza como conduta desvaliosa perante o direito (por exemplo, o grau de ilicitude), quer naquilo que lhe surge como transversal e imprescindível para a sua inteira compreensão, explicando o facto e o seu agente (por exemplo, as condições pessoais do arguido ou a sua conduta anterior e posterior ao crime).

Para Maria João ANTUNES, «estabelecidas a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a exacta função que uma e outra cumprem, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção, ou seja, determinar o substrato da medida da pena, elegendo os factores de medida da pena (…) Daqui decorrendo que o substrato da medida da pena não pode bastar-se com as categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa, mesmo quando a elas se acrescente a categoria da punibilidade do facto, tendo antes de forçosamente abarcar também a categoria da punição, integrada pelo princípio regulativo da carência punitiva» [Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2013, p. 45]

Ainda neste domínio, ensina Claus ROXIN [Derecho Penal, Parte General, Tomo I, pp. 99, 100 e 103], que: «A pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade, mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade (…) a pena serve os fins de prevenção especial e geral: limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais. (…). Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.»

Em todo o caso, sempre será de notar que nunca poderá o Tribunal valorar para a determinação da medida da pena, circunstâncias utilizadas pelo legislador na caracterização do crime, rectius, que já façam parte do tipo-de-ilícito. Assim dispõe o princípio da proibição da dupla valoração previsto no art.º 71.º, n.º 2 do Cód. Penal:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Ora, relembrado, em termos abstractos, o crime de maus tratos a animais de companhia agravado é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, nos termos do art.º 387.º, n.º2 do Cód. Penal.

Há assim que ponderar os seguintes factos:
(i) Quanto aos quatro (4) crimes de maus tratos a animal de companhia agravados cometidos pelo arguido HP
Contra este arguido depõem:

- O grau de ilicitude dos factos: que se afigura muito elevado, atentendo ao modo e reiteração dos mesmos num curto espaço de tempo.

- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim muito elevado, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censuravel atitude de violar tal norma.

- A intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo eventual, de acordo com o art.º 14.º do Cód. Penal.

- As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadas, dado que o arguido já regista dois antecedentes criminais, o que, aliado à crueldade dos factos cometidos pelo arguido e à indiferença dos mesmos que o mesmo evidenciou, nos fazem crer que o arguido encara as agressões mortais sobre os animais de companhia de forma leviana e reiterada, denunciador, sem dúvida, de uma personalidade desviante e anti-social.

- A favor do arguido depõem:

- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.

Uma última nota é devida neste domínio. É que tendo este arguido sido julgado na sua ausência, tendo sido porém regularmente notificado na morada indicada no TIR, sendo inviável a elaboração de relatório social, por se desconhecer o seu actual paradeiro, não se logrou cabalmente apurar a sua concreta situação pessoal e económico-social (27). Sem embargo, crê este tribunal que os elementos recolhidos a partir do TIR por ele prestado nos autos, bem como os constantes das buscas efectuadas nas bases de dados disponíbilizadas pela Segurança Social e pelo registo de propriedade automóvel, e que foram levados à matéria de facto dada como provada, foram suficientes para este tribunal tomá-los em devida consideração nesta sede.

Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido HP, pela prática do crime de maus tratos a animais de companhia agravado cometido sobre a sua cadela, de uma pena concreta de dez (10) meses de prisão, e pela prática dos outros três (3) crimes de maus tratos a animais de companhia cometidos sobre as crias nascidas com vida, de penas de seis (6) meses de prisão para para um desses três crimes.

DO CÚMULO JURÍDICO DAS PENAS DE PRISÃO APLICADAS AO ARGUIDO HP

Apuradas as penas parcelares concretas aplicáveis aos quatro (4) crimes de maus tratos praticados por este arguido, cumpre agora efectuar o cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 77.º do Cód. Penal.

Ora, de acordo com o disposto no n.º2 do citado art.º 77.º do Cód. Penal: «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.»

Operando-se, então, o cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares em concurso efectivo, deverá considerar-se que, in casu, a pena única a aplicar ao arguido apresentará os seguintes limites, quais sejam:

- limite máximo: vinte e oito (28) meses de prisão - [correspondente ao somatório das penas parcelares de prisão a cumular];

- limite mínimo: dez (10) meses de prisão - [correspondente à pena de prisão mais elevada]

Para a realização do necessário cúmulo jurídico das penas parcelares, importa ainda ter em consideração a personalidade do agente e, bem assim, o conjunto dos factos.

Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, o agente é punido tendo em atenção não apenas um mero somatório dos factos individualmente praticados, mas antes de forma mais elaborada, dando especial atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova que abrange o conjunto dos factos, a gravidade do ilícito global praticado, a culpa, as exigências gerais de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (ou seja, as exigências de prevenção especial de socialização) – [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 290-292]

Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – [cf. J. FIGUEIREDO DIAS, op. cit., § 421]

No caso vertente, verifica-se uma certa homogeneidade ao nível da natureza das infracções criminais cometidas, já que se reconduzem a manifestações criminais de idêntica natureza, denunciadoras, sem dúvida, de uma efectiva tendência criminal, o que desabona a personalidade do arguido.

Tudo visto e ponderado, afigura-se-nos ajustado, adequado e proporcional fixar a pena única a aplicar ao arguido HP, pela prática dos quatro (4) crimes de maus tratos a animais de companhia agravados aqui em concurso, em dezasseis (16) meses de prisão.

Cumpre agora apreciar de que forma deverá esta pena única de prisão ser executada.

Tendo em consideração que o quantum da pena única de prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos, devemos ainda ponderar a possibilidade da sua substituição por outra medida não privativa da liberdade que seja legalmente aplicável; sendo que, atento o disposto o art.º 2.º, n.º4.º do Cód. Penal, tal regime legal, em concreto e em bloco, deverá ser o introduzido pela Lei n.º94/2017, de 23-08, por se mostrar mais favorável à posição jurídico-penal do arguido.

Neste domínio, como bem ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS - [in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 334]: «(…), desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias».

DA NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nos termos do art.º 50.º, n.º1 do Cód. Penal, na redacção dada pela Lei n.º94/2017: «1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Desde já se diga que o instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no citado art.º 50.º do Cód. Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Ou seja, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão - [neste sentido, Acórdão do STJ, de 24-05-01, in CJ, t.II, p. 201]

Como ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS [in op. cit. p. 343]: «O Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência.»

E, por sua vez, como refere Hans-Heinrich JESCHECK [Tratado de Derecho Penal, Parte General, 2.º Vol., Bosch, Edição Castelhana, Bosch, p. 1154]: «A prognose favorável do réu, que deve verificar-se em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão não se exige já a perspectiva de uma « vida futura ordenada e conforme à lei», já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudencial; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se lhe oferece, a prognose deve ser negativa o que de facto supõe um «in dúbio contra reo» – [tradução da língua castelhana para português da nossa lavra]

Efectivamente, deve dizer-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos é, assim, imposta por aquele preceito (art.º 50.º do C.P.), a menos que esteja contra indicada em face das exigências de prevenção especial e geral em defesa da ordem jurídica, mas já não da culpa.

Com efeito, como bem enfatiza Anabela MIRANDA RODRIGUES [in RPCC, Ano I, 1991, pp. 24 e ss.]: «(...) à face da lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena ― o da determinação da medida concreta da pena de prisão ―, não podendo ser ponderado para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta critérios de prevenção.»

Sendo que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Quanto à prevenção geral, surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.

Resulta da factualidade provada que o arguido já não é primário, tendo sido condenado por duas vezes. O comportamento adoptado pelo arguido nos termos supra apurados revela, assim, um censurável sentimento de indiferença pela vida de seres vivos e até de impunidade; bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir que a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição, o que, por sua vez, obsta a que este tribunal possa emitir um juízo de prognose favorável.

Nesta conformidade, entende o tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção geral e especial, ponderando ainda as circunstâncias nefastas acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto não tutelarão de forma suficiente e adequada os bens jurídicos atingidos e, além disso, não permitirão a reintegração do arguido na sociedade, dado que os factos apurados revelam que o mesmo não está minimamente integrado na nossa comunidade - [art.º 40.º, n.º1 do Cód. Penal]

É que a efectiva execução da pena de prisão, num caso como o do autos se mostra indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expetactivas comunitárias. Permitir que um condenado por estes tipos de crimes não cumpra prisão efectiva seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para as necessidades de prevenção geral e especial. A vida dos animais de companhia é um bem jurídico demasiadamente importante para que haja contemplações em situações de ofensa com os contornos nefastos que rodearam os factos aqui apreciados.

Razões de prevenção especial relativas à dissuasão da prática de novos crimes e razões de prevenção geral atinente à defesa do rodenamento jurídico impedem também a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, pois que esta se revela incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.

Donde se conclui que neste caso concreto, a mera ameaça de prisão e a simples cencura do facto manifestamente não realizariam as finalidades de punição aqui reclamadas.

Termos em que se decide não suspender a pena única de prisão aplicada a este arguido, dado que, como se colhe do percurso criminal do arguido e da perturbante leviandade com que este arguido cometeu as condutas delitivas demonstrativas de uma crueldade atroz e de indiferença ao bem-estar animal e à vida destes, como já se deixou através demonstrado à saciedade, resulta, por conseguinte, evidente que esta reacção penal se mostra deveras insuficiente e inadequada para afastar o arguido do cometimento de ilícitos. Parece linerar.

DA NÃO APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE

Conquanto nos termos do art.º 58.º, n.º1 do Cód. Penal, na redacção dada pela Lei n.º94/2017, se permita, verificados que sejam os seus pressupostos, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, tal apenas deverá acontecer se o tribunal ainda concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Ora, in casu, considera o tribunal não estarem reunidas as condições minimamente exigidas para a implementação desta pena substitutiva, porquanto, como já se enfatizou, não consegue, infelizmente, o tribunal emitir um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido, indispensável para que se considere que esta pena de substituição realizaria de forma adequada e suficiente as necessidades de punição, exigidas no caso concreto. Com efeito, não pode deixar de se ter em consideração o facto de o arguido ter anteriormente sido condenado em penas não privativas da liberdade, reacções penais estas que, no entanto, não o inibiram de voltar a praticar crimes, frustrando os anteriores juízos de prognose favorável, que foram sendo sucessivamente emitidos pelos tribunais.

Assim sendo e tendo em consideração a conjugação de ambas as finalidades preventivas, afigura-se-nos não ser suficiente e adequada a mera substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto a mesma não realiza os limiares mínimos de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, posta em causa pelo comportamento desviante do arguido, nem outrossim as finalidades de prevenção especial do arguido aqui reclamadas.

Entende-se, assim, também inadequada e insuficiente, para se acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, a substituição da pena de prisão ora aplicada, por dias de trabalho a favor da comunidade.

DA NÃO APLICAÇÃO DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VE Assim sendo, após as alterações introduzidas ao Cód. Penal pela referida Lei n.º94/2017, temos que tal pena substitutiva de prisão em permanência na habitação está agora prevista no art.º 43.º do citado diploma legal, onde se estabelece que: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes. g) Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.»

Resulta de tal normativo legal que um dos critérios à luz do qual o julgador, perante uma solicitação do condenado nesse sentido, deverá apreciá-la será o seguinte: «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades [da execução] da pena de prisão.» Desde já deixamos assente ainda que esta nova «abordagem jurídica» da permanência na habitação com VE efectuada pela citada Lei n.º94/2017, pretendendo, contra o entendimento da doutrina majoritária como atrás explicitamos, configurá-la como um simples «meio» de cumprimento e não como uma verdadeira pena substitutiva da pena de prisão efectiva, não nos impressiona juridicamente, nem tão-pouco merece a nossa adesão, porquanto continuamos a encará-la materialmente como uma verdadeira pena substitutiva, dado que entendemos, tal como o faziam a doutrina e jurisprudência maioritária (28), que a permanência na habitação com VE não se reduz a um mero meio de cumprimento da pena de prisão, antes se assume [e continua a assumir, diga-se] como uma verdadeira pena autónoma, com natureza de pena de substituição, pese embora formalmente se tivesse intencionalmente conferido tal «rotulagem de meio de cumprimento». Enfim, aqui tal como noutros domínios, a substância deverá necessariamente prevalecer sobre a forma. Feita esta primeira demarcação, vejamos os contornos do caso vertente. Ora, in casu, desde já adiantamos que inexiste fundamento para se aplicar a pena de prisão em regime de permanência na habitação, com VE. Vejamos porquê.

(i) Em primeiro lugar, não devemos olvidar que o condenado denota uma personalidade desviante, asserção esta estribada no lastro criminal evidenciado pelo seu CRC junto aos autos;

(ii) Por outra banda, ficámos com a legítima convicção de que o condenado se mostra avesso às instâncias formais de controlo, tentando sempre que possível furtar-se a uma confrontação perante as autoridades judiciárias, asserção esta apoiada no facto de o arguido se ter colocado em parte incerta, não tendo sequer se apresentado na audiência de julgamento, pese embora este julgador tivesse oportunamente encetado diligências (mandados de detenção e condução, que vieram devolvidos sem cumprimento, por se desconhecer o seu actual paradeiro), tendo em vista assegurar a sua presença coerciva, enfim…

(iii) Por fim, convém esclarecer-se que a efectiva inserção social de uma pessoa não se cinge apenas ao facto de ter uma família, emprego ou ocupação estudantil, etc., antes reivindica uma assimilação voluntária da pessoa às regras e princípios que os seus legítimos representantes eleitos preconizam para organizar e enquadrar a vida em comunidade e ainda, quando tais regras sejam violadas, se conformem com as consequências jurídicas dessa violação, sujeitando-se às mesmas e não assumir actos e posturas que ponham em causa a adesão a tais sanções. Ora, in casu, além de o arguido não aderir a tais regras como evidenciam os seus antecedentes criminais, não se poderá aqui olvidar que os factos que resultaram provados que foram cometidos pelo arguido revelam uma crueldade atroz e uma profunda indiferença pelos animais de companhia, extravasando os limites do aceitável pela nossa comunidade, fazendo com que o arguido não esteja nela integrado, reivindicando um afastamento dela por algum tempo, pelo que esta forma de cumprimento em permanência na habitação com VE, que ainda é cumprida em comunidade, se mostre assaz insuficiente e inadequada para assegurar as necessidades de punição, além de tal forma de cumprimento não se mostra gizada para este tipo de casos. Ou seja e em suma: revertendo aquelas considerações ao caso, temos para nós que a aplicação da pena de prisão com permanência na habitação, com vigilância electrónica se mostra manifestamente insuficiente e inadequada para salvaguardar as elevadas necessidades de punição do arguido aqui exigidas, dado que a sua postura delinquente evidenciada pelo seu lastro criminal ilustrado pelo seu CRC, pelos factos cruéis que praticou no caso dos autos e pelo seu grau incipiente de inserção social, reivindicam que seja confrontado com o sistema prisional.

Do que ficou supra exposto, deve entender-se que o arguido demonstra uma acentuada insensibilidade pelos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço. Evidencia-se, assim, a sua incapacidade para manter uma conduta conforme ao Direito, conforme o atesta o seu passado ligado à criminalidade, diga-se!

Por outras palavras, não só o arguido manifesta, neste particular, carência de socialização, como a segurança da comunidade, da qual fazem parte também os animais de companhia, impõe a sua inoculização temporária, sob pena do mesmo persistir na prática de comportamentos desviantes.

Isto para concluir que o tribunal entende que as exigências de prevenção especial e geral, demonstradas, além do mais, pelos seus antecedentes criminais e, decisivamente, pela sua personalidade desviante, cruel e anti-social, não permitem outra forma de execução que não seja a do cumprimento efectivo da pena única de prisão ora aplicada ao arguido em estabelecimento prisional.

Aliás, como acima se referiu, o arguido apresenta já um caminho na criminalidade e, por isso, já foi condenado em duas penas não privativas da liberdade, o que não impediu de o arguido voltar a prevaricar, demonstrativo que o cumprimento de penas “fora de muros” nenhum efeito dissuasor terá sobre o arguido no futuro, apenas cabendo colocá-lo em reclusão, última pena num Estado de direito material.

Portanto, está-se perante um caso em que se justifica o cumprimento de uma pena efectiva de prisão, conquanto de curta duração, fenómeno conhecido pela signa Short Sharp Shock (29), pelo arguido em estabelecimento prisional, com base nas razões supra expendidas”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar são (a) a (in)constitucionalidade do tipo de crime da condenação e (b) a efectividade da pena de prisão.

(a) Da (in)constitucionalidade do tipo de crime da condenação

O recorrente começou por suscitar o problema da constitucionalidade do tipo de crime de maus tratos a animais, a qual resultaria da circunstância de “não ser possível identificar na norma incriminadora dos maus tratos a animais, um bem jurídico”. E assentando “a punição do maltrato aos animais em valorações de clara inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, 27º e 62º da CRP”, “ao condenar o arguido HP, nos termos dos artigos 387º e 388º-A, do Código Penal, o Tribunal a quo violou deliberadamente e de forma grosseira o quadro jurídico Constitucional vigente”.

Como se vê, o recorrente fundamenta a sua asserção (de inconstitucionalidade) na alegada constatação de uma ausência de bem jurídico. E quanto a esta primeira questão, contrapôs, com interesse, o Ministério Público, na resposta ao recurso:

“Nos termos do disposto no art.º 40.º n.º 1 do Código Penal “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Por seu lado, o art.º 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

De acordo com estas normas, a tutela de bens jurídicos pelo direito penal tem de assentar na ordem constitucional dos direitos e deveres ali consagrados. Não desconhecemos que no caso do crime de maus tratos a animais de companhia o bem jurídico protegido não é evidente.

Alguma doutrina assinala que a proteção dos animais pode ser encontrada a partir do direito fundamental ao ambiente ou dos deveres objetivos de proteção ambiental plasmados no artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa. Outros enquadram a proteção nos chamados bens jurídicos meio ou bens jurídicos instrumentais.

Como refere ANTÓNIO JORGE MARTINS TORRES (In “A (in)dignidade jurídica do animal no ordenamento português”, Dissertação de Mestrado Profissionalizante na Área de Ciências Jurídico-Forenses apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, p. 69, disponível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32575/1/ulfd134671_tese.pdf) “Esta nova categoria de bens jurídicos, levando em consideração “o seu valor instrumental na proteção das condições essenciais necessárias à existência humana”, assume relevância penal, “constituindo como que uma técnica de tutela antecipada dos «valores-fins» essenciais”, isto é, o bem jurídico instrumental surge como um bem jurídico de proteção ou apoio mediato a toda uma série de valores implicados nas relações que se visam precaver. No caso do crime de maus tratos a animais de companhia, a tutela do bem-estar do animal representa não um fim, mas um meio ou instrumento de proteção mediata de outros bens jurídicos fundamentais, como por exemplo, o da própria dignidade humana, o da justiça e da solidariedade, todos eles previstos no artigo 1.º da nossa Constituição.”

MARIA DA CONCEIÇÃO VALDÁGUA (In Algumas Questões Controversas em Torno da Interpretação do Tipo Legal de Crime de Maus Tratos a Animal de Companhia, texto de uma palestra realizada na Faculdade de Direito de Lisboa, 29 de junho de 2017, p. 194, disponível em https://blook.pt/publications/publication/cddb197a4b61/) defende que os bens jurídicos protegidos pelo art.º 387.º do Código Penal são a integridade física (n.ºs 1 e 2) e a vida de animais de companhia (n.º 2).

ANA PAULA GUIMARÃES e MARIA EMÍLIA TEIXEIRA (In A proteção civil e criminal dos animais de companhia, artigo, com revisão por pares, publicado in O Direito Constitucional e o seu Papel na Construção do Cenário Jurídico Global, (Coord. Fábio da Silva Veiga e Rúben Miranda Gonçalves), Instituto Politécnico do Cávado e do Ave: Barcelos, Abril 2016, pp. 513-524, disponível em: http://repositorio.uportu.pt:8080/bitstream) referem “o animal de companhia, em sede do direito penal, não constitui o bem jurídico tutelado, é sim, o objeto da ação criminosa. (…) Para além de já existirem incriminações sem sujeito de direito, a específica noção de bem jurídico aponta, citando Dias, J. Figueiredo, 2007, p. 114, para a “expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.” Os animais de companhia não são sujeitos de direitos mas são seres vivos dotados de sensibilidade, com estatuto jurídico próprio, a quem os seus donos devem assegurar o bem-estar e são merecedores de tutela jurídica mais concreta daquela que é reconhecida à fauna em geral (cfr. art.º 278.º Código Penal e art.º 66.º da CRP) e, como tal, a punição do maltrato a animais encontra respaldo em direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

Nestes termos, inexiste qualquer inconstitucionalidade material do art.º 387.º do Código Penal.”

Como se constata do excerto transcrito, não é pacífica a identificação do bem jurídico protegido pelo crime da condenação pela doutrina, bem jurídico que não será assim tão “evidente” (como refere o Ministério Público).

E se o art.º 18.º n.º 2 da CRP consagra os princípios da necessidade e da proporcionalidade do direito penal, positivando a regra de que o direito penal - direito fragmentário e de ultima ratio – deve ter uma função e protecção de bens jurídicos (“a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”), há que procurar concretizar esse bem jurídico no que respeita ao tipo em causa.

E aqui acompanhamos a posição expressa por Teresa Quintela de Brito (em Crimes Contra Animais: os novos Projectos-Lei de Alteração do Código Penal, Anatomia do Crime, nº 4, Jul-Dez 2016, p. 104), no sentido de que o bem jurídico é, ainda assim, descortinável.

E acompanhamo-la também no que respeita à identificação desse bem jurídico.

Após desenvolvida exposição sobre os variados diálogos doutrinários em confronto, a autora afirma que o bem jurídico protegido pelo tipo aplicado não reside na integridade física e na vida do animal de companhia.

É sim um “bem colectivo e complexo que tem na sua base o reconhecimento pelo homem de interesses morais directos aos animais individualmente considerados e, consequentemente, a afirmação do interesse de todos e cada uma das pessoas na preservação da integridade física, do bem estar e da vida dos animais, tendo em conta uma inequívoca responsabilidade do agente do crime pela preservação desses interesses dos animais por força de uma certa relação actual (passada e/ou potencial) que com eles mantém.

Em causa está uma responsabilidade do humano, como indivíduo em relação com um concreto animal, e também como Homem, i.e., enquanto membro de uma espécie, cujas superiores capacidades cognitivas e de adaptação estratégica o investem numa especial responsabilidade para com os seres vivos que podem ser (e são) afectados pelas suas decisões e acções”.

Assim sendo, e identificado o bem jurídico cuja ausência, segundo o recorrente, seria o fundamento de inconstitucionalidade, conclui-se pela conformidade constitucional do tipo de crime da condenação.

(b) Da efectividade da pena de prisão

O recorrente impugna a pena aplicada na sentença argumentando que “a sentença violou os princípios básicos de determinação da pena, plasmados nos artigos 71º e 40º ambos do Código Penal”, que “a pena única fixada é excessiva e desadequada, violando o previsto no artigo 77º do Código Penal, que “ao ter considerado os crimes praticados pelo arguido, de natureza diversa há mais de 5 anos, viola não só, o princípio ne bis in idem, mas também a essencialidade dos artigos 40º, 50º e 71º do CP”, concluindo com um pedido de suspensão da execução da prisão.

Em rigor, da motivação do recurso retira-se que o recorrente está, nesta parte, a insurgir-se sobretudo contra a efectividade da prisão. Pugna pela suspensão da pena. E, no que respeita à medida da pena (medida da pena única visto que nenhuma referência faz a penas parcelares), limita-se a afirmar que é excessiva, não sendo claro por que fundamentos, aludindo a uma “falta de relatório social” e a uma violação do ne bis in idem por terem sido considerados os antecedentes criminais do arguido na ponderação sobre a (suspensão da) pena.

O tratamento desta (segunda) questão colocada no recurso envolve dois esclarecimentos adicionais, no que respeita à delimitação do objecto de conhecimento.

Primeiro esclarecimento:
Da circunstância de o recorrente, na motivação do recurso, se ter insurgido contra o seu julgamento na ausência e contra a falta de um relatório social às suas condições pessoais (matéria que nem trouxe às conclusões), nada resulta em concreto para a decisão do recurso.

É incontroverso que a personalidade do arguido releva para o juízo de culpa e para a medida da pena preventiva e que a decisão sobre a pena envolve o conhecimento dos factos relativos à pessoa do arguido.

Aceita-se por isso que, em abstracto, ao encerrar a produção da prova sem curar de se dotar de elementos relativos à personalidade do condenado, o tribunal pode estar a cometer a nulidade prevista no art. 120º, nº2, al. d) do CPP. E ao proferir depois decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção pode estar a lavrar uma sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do CPP.

No entanto, esta situação (que o recorrente nem situou correctamente) não ocorre aqui.

E não ocorre dado que, atentas as concretas circunstâncias do caso, mormente as diligências que o tribunal desenvolveu no sentido de proceder ao apuramento dos factos relativos à personalidade e condições de vida (sendo que nem se pode considerar que a sentença seja omissa quanto a eles – cf. pontos 21. a 25. dos factos provados) deve entender-se que foi adequadamente cumprido o princípio da investigação.

E as concretas circunstâncias do caso são aquelas que o Ministério Público contrapôs na resposta ao recurso (e o Senhor Procurador-geral Adjunto reiterou depois, ainda com mais ênfase no parecer).

Com total correspondência com a verdade do processo, referiu o Ministério Público: “Quanto ao julgamento do Recorrente na ausência e da não realização de relatório social dos autos consta:

- A prestação de TIR em 11.07.2016 – fls. 81.
- Interrogatório na qualidade de arguido a 17-11-2016 tendo indicado a mesma morada constante do TIR. Nesta diligência o Recorrente foi acompanhado pela Ilustre Defensora – fls. 88-89.
- Notificação da data de realização do julgamento – fls. 221 e 224.
- Pesquisa nas bases de dados disponíveis da qual consta a morada do TIR – fls. 245.
- Emissão de mandados de condução para comparência na segunda sessão de julgamento não tendo sido encontrado na morada do TIR – fls. 255.
- Averiguação do paradeiro do Recorrente na morada indicada à GNR – fls. 260 e 277-279.

O Recorrente prestou TIR e ficou ciente da obrigação de comunicar a nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado. O cumprimento desta condição não exige particulares conhecimentos ou meios onerosos e, no entanto, o Recorrente não a cumpriu o que é revelador de uma atitude de indiferença ante o dever a que se encontrava sujeito não correspondendo à verdade a afirmação de que “prestou toda a colaboração com as autoridades.”

Importa referir que aquando do seu interrogatório o Recorrente esteve acompanhado de defensora pelo que manteve contacto com a mesma que certamente o terá elucidado da importância da indicação da morada onde pudesse ser encontrado e das consequências da não indicação de nova morada em caso de mudança de residência.

Ao ausentar-se da morada por si indicada sem indicar novo endereço violou as obrigações inerentes ao TIR e, nessa medida, foi sempre regularmente notificado nos termos do disposto no art.º 113.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do Código de Processo Penal.

O Recorrente foi notificado das datas de realização das sessões de julgamento para a morada por si indicada. Foram emitidos mandados de condução para comparência na segunda sessão de julgamento mas o ora Recorrente não foi encontrado.

A GNR fez as diligências constantes do verso de fls. 254 e, nessa sequência, o Tribunal ordenou a realização de averiguações na morada obtida onde também o Recorrente não foi encontrado.

Não tendo todas estas diligências logrado localizar o paradeiro do Recorrente não havia forma de realizar o relatório social sobre as condições de vida do mesmo.”

Segundo esclarecimento:
A temática da unidade e/ou pluralidade da infracção (o número de crimes efectivamente cometidos pelo agente) não integra o objecto do recurso. Por essa razão (e “apenas” por essa razão) dela não se conhece.

O que não significa uma adesão aos fundamentos da sentença nessa matéria (na matéria da integração jurídica dos factos no que respeita ao número de crimes efectivamente cometidos que, na sentença, se restringiu à justificação: “Apurou-se que eram três (3) e não quatro (4) nados vivos, pelo que soçobra a acusação contra os dois arguidos relativamente a um (1) crime de maus tratos a animais de companhia agravado, devendo, por isso, serem dele absolvidos. Atenta a factualidade apurada a respeito, deve ainda concluir-se que decai outrossim a acusação na parte em que imputou ao arguido PB os maus-tratos e morte dos três nados vivos, dado que não se logrou provar que este arguido tivesse tido qualquer intervenção ou participação do cometimento destes factos, razão pela qual, neste domínio e sem mais delongas, deverá ser absolvido, como co-autor material, da prática de três crimes de maus tratos a animais de companhia agravados. Nesta conformidade, em face da factualidade dada como provada, as condutas conjugadas dos arguidos HP e PB integraram, respectivamente, quatro (4) crimes de maus tratos a animais de companhia agravados e um (1) crime de maus tratos a animais de companhia agravado, p. e p. pelo art.º 387.º, n.º1 do Cód. Penal, pelo que tais actuações merecem a emissão de um juízo de censura penal.”)

Foi opção do recorrente a de deixar fora do objecto do recurso a temática em causa, pelo que os poderes de cognição da Relação não a abrangem. É esta a disciplina que resulta do art. 403º, nºs 1 e 2- c) e d), que preceitua que o recorrente pode limitar o recurso em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes” e “em caso de unidade criminosa, à questão da culpabilidade, relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção”.

Pelo exposto, resta sindicar a sentença na parte relativa à não opção por pena de substituição.

O recorrente impugna esta decisão argumentando que “assumiu uma postura defronte para a Justiça, sobrepesando todas as circunstâncias, explicando os factos, e afirmado que perante o sofrimento da cadela, que não conseguia dar à luz, por não ter meios económicos, efectuou uma incisão para remover os fetos, e sempre com o intuito de salvar a cadela”. Na sua versão, teria actuado num “lógica de estado de necessidade”. Prossegue dizendo que “contou toda verdade, assumindo de forma espontânea os “seus erros”, dos quais demonstrou logo o maior pesar e arrependimento. Foi o arguido que, desde logo acompanhou a GNR, em todos os procedimentos, colaborando de forma determinante com a justiça na descoberta da verdade”.

De facto, do exame crítico das provas resulta que o tribunal valorou positivamente as declarações de arguido prestadas em inquérito, declarações que, em certa medida, suportam a argumentação exposta.

Pode ler-se na sentença: “Factos provados vertidos nos pontos 1) a 15): Esclareça-se que esta matéria de facto axial dada como provada colheu a sua demonstração positiva com base nas declarações prestadas pelo próprio arguido HP em sede de inquérito - perante magistrado do Ministério Público, com assistência de defensor e depois de advertido nos termos e para os efeitos do art.º 141.º, n.º4 do C.P.P., aqui aplicável ex vi do art.º 144.º do mesmo diploma legal, tendo tais declarações sido reproduzidas em sede de audiência nos termos e para os efeitos do art.º 357.º, n.º2, al. b) do Cód. Proc. Penal, podendo, por isso, ser valoradas de acordo com o art.º 127.º do mesmo diploma legal (8) -, nos termos das quais confirmou tais factos, de uma forma que se nos afigurou credível, designadamente quando este arguido assumiu que, de facto, detinha a cadela em referência desde pelo menos 2012, presa a uma corrente no seu quintal, não lhe providenciando pelos cuidados veterinários e de esterilização, por dificuldades económicas, dizendo que por isso até era ajudado pela sua vizinha DM. Mais confirmou que ficou ciente de que tal cadela ficou prenha em data que não consegue concretizar, a qual depois aquando do parto, demonstrou dificuldades em expelir as crias, razão pela qual, na falta de recursos financeiros para contratar os serviços de um veterinário, decidiu fazer uma incisão na barriga da cadela, a sangue frio - permanecendo a cadela acordada e consciente, diga-se - para poder retirar as suas crias, contando para tal efeito, com a ajuda prestada pelo arguido PB (pessoa amiga de DM que esta lhe havia recomendado) que segurou e manietou a cadela. Em suma: este tribunal de acordo com a sua livre convicção permitida pelo art.º 127.º do Cód. Proc. Penal, considerou que o arguido HP disse a verdade no aludido interrogatório prestado, em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, com assistência de defensor e depois de advertido nos termos e para os efeitos do art.º 141.º, n.º4 do C.P.P., aqui aplicável «ex vi» do art.º 144.º do mesmo diploma legal, dado que lhe foram asseguradas todas as garantias; e, mesmo assim, o arguido quis de forma livre assumir a prática dos factos que lhe haviam sido imputados, contextualizando até tais factos através da alegação da motivação que esteve subjacente, conferindo, destarte, credibilidade a tal versão.”

A decisão sobre a pena, no que respeita agora à sua efectividade, mostra-se fundamentada na sentença conforme transcrito em 2. Mas a fundamentação da efectividade da pena não é, em concreto, de sufragar, justificando-se antes acompanhar as considerações desenvolvidas a propósito pelo Senhor procurador-geral Adjunto no parecer.

Disse o Senhor procurador-geral Adjunto:

“A) A Sentença recorrida suscitou-nos, inicialmente, reservas e, logo após, discordância, relativamente a uma única questão. A decisão, desde já, relativamente à não suspensão da execução da pena de prisão e ao seu cumprimento efectivo.

B) É certo que o Arguido deu boas razões para que o Tribunal não perspectivasse a prognose favorável que há-de sempre constituir-se como pressuposto da suspensão da execução da pena.

C) A fundamentação da Sentença relativamente à decisão de não suspender a execução da pena, para o que ao caso concreto mais importa, foi a seguinte (preambularmente, o Tribunal teceu considerações doutrinárias de ordem genérica):

“Resulta da factualidade provada que o arguido já não é primário, tendo sido condenado por duas vezes. O comportamento adoptado pelo arguido nos termos supra apurados revela, assim, um censurável sentimento de indiferença pela vida de seres vivos e até de impunidade; bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir que a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição, o que, por sua vez, obsta a que este tribunal possa emitir um juízo de prognose favorável.

Nesta conformidade, entende o tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção geral e especial, ponderando ainda as circunstâncias nefastas acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto não tutelarão de forma suficiente e adequada os bens jurídicos atingidos e, além disso, não permitirão a reintegração do arguido na sociedade, dado que os factos apurados revelam que o mesmo não está minimamente integrado na nossa comunidade - [art.º 40.º, n.º 1 do Cód. Penal].

É que a efectiva execução da pena de prisão, num caso como o do autos se mostra indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expetactivas comunitárias. Permitir que um condenado por estes tipos de crimes não cumpra prisão efectiva seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para as necessidades de prevenção geral e especial. A vida dos animais de companhia é um bem jurídico demasiadamente importante para que haja contemplações em situações de ofensa com os contornos nefastos que rodearam os factos aqui apreciados.

Razões de prevenção especial relativas à dissuasão da prática de novos crimes e razões de prevenção geral atinente à defesa do ordenamento jurídico impedem também a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, pois que esta se revela incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.

Donde se conclui que neste caso concreto, a mera ameaça de prisão e a simples censura do facto manifestamente não realizariam as finalidades de punição aqui reclamadas. Termos em que se decide não suspender a pena única de prisão aplicada a este arguido, dado que, como se colhe do percurso criminal do arguido e da perturbante leviandade com que este arguido cometeu as condutas delitivas demonstrativas de uma crueldade atroz e de indiferença ao bem-estar animal e à vida destes, como já se deixou através demonstrado à saciedade, resulta, por conseguinte, evidente que esta reacção penal se mostra deveras insuficiente e inadequada para afastar o arguido do cometimento de ilícitos. Parece linear.”.

D) Salvo o devido respeito, esta fundamentação não só não nos convence como dela frontalmente discordamos.

Trata-se de uma fundamentação que melhor assentaria nos critérios atendíveis relativamente à escolha e à medida das penas, que não no que à suspensão da execução da pena diz, ou deveria dizer, respeito.

Não que as razões, num e noutro caso, ainda que parcialmente, não possam sobrepor-se. Antes, porque a perspectiva há-de ser necessariamente diferente.

E) O Tribunal deu como provado que o Arguido já fora condenado por duas vezes, em ambos os casos por crime de condução sem habilitação legal (factos e Sentenças, num caso, de 2013 e, noutro, de 2014, sempre em penas de multa - cfr. facto provado “25.”).

F) Acresce - e este facto o Tribunal não o terá tido em conta, posto que, como assinala o Recorrente, não lhe faz qualquer referência - que, à data dos factos, o Arguido contava já 67 anos de idade.

G) Ainda que a responsabilidade pela não elaboração do Relatório Social se tenha ficado a dever, por inteiro, ao Arguido, o que é facto é que, objectivamente, o Tribunal ficou privado de informação potencial previsivelmente relevante relativamente às condições de vida do Arguido, ao seu enquadramento familiar e social, enfim, a um quadro mais vasto da sua personalidade.

H) Daí que, concluir, como conclui a Sentença, que “Permitir que um condenado por estes tipos de crimes não cumpra prisão efectiva seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para as necessidades de prevenção geral e especial”, sempre salvo o devido respeito, traduz uma ideia de quase aplicação automática da pena de prisão sempre que estejam em causa crimes desta natureza, sem que, por outro lado, o Tribunal tenha dado conta de quais os factos de onde decorram especiais necessidades de prevenção especial.

I) O que vem de dizer-se transparece, igualmente, do modo como o Tribunal, ao reportar-se às duas condenações anteriores sofridas pelo Arguido, se lhes refira como o “percurso criminal do arguido”.

Não deixando de o ser, não deixa, tão pouco, de transparecer uma severidade que mais relevará da compreensível repulsa que os actos pelos quais o Arguido ora foi condenado causaram no Tribunal, do que, propriamente, do seu historial decorrente dos seus antecedentes criminais.

J) Tenha-se, de resto, em conta que, na Sentença, em sede de fundamentação, se consignou expressamente que “este tribunal de acordo com a sua livre convicção permitida pelo art.º 127.º do Cód. Proc. Penal, considerou que o arguido HP disse a verdade no aludido interrogatório prestado, em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, com assistência de defensor e depois de advertido nos termos e para os efeitos do art.º 141.º, n.º 4 do c.P.P., aqui aplicável «ex vi» do art.º 144.º do mesmo diploma legal, dado que lhe foram asseguradas todas as garantias; e, mesmo assim, o arguido quis de forma livre assumir a prática dos factos que lhe haviam sido imputados, contextualizando até tais factos através da alegação da motivação que esteve subjacente, conferindo, destarte, credibilidade a tal versão”.

K) Deste perfil, ou, ao menos, do que daqui parece resultar, não se nos afigura a existência de uma personalidade que tão só por meio de uma pena de prisão efectiva possa ser susceptível de ressocialização.

L) Em conformidade, decretaríamos a suspensão da pena de prisão em que o Arguido foi condenado (…)”.

Avançou-se a concordância da Relação com a argumentação transcrita. E a conclusão a que se chega é a da admissibilidade da suspensão da execução da prisão, conforme pretendido pelo recorrente.

A actividade de determinação da pena é sempre uma “actividade judicialmente vinculada” (na terminologia de Figueiredo Dias e de Anabela Rodrigues). E do art. 50º, nº1 do CP resulta que o tribunal tem de fundamentar (acrescidamente) a decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (v.g. Ac. TC n.º 61/2006, sendo ainda esta a jurisprudência constante dos tribunais superiores). E só o poderá fazer na ausência de factos fundantes de um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade ou na existência de factos contra-indiciantes desse juízo de prognose.

Como se diz no acórdão do STJ de 12-09-2013 (Rel. Henriques Gaspar) “a filosofia e as razões de política criminal que estão na base do instituto, radicam essencialmente no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta e média duração, garantindo ainda, quer um conteúdo bastante aos fundamentos de ressocialização, quer exigências mínimas de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico: é central no instituto o valor da socialização em liberdade”; “não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas” (itálicos nossos).

Desta jurisprudência, que se prossegue, resulta a neutralização da argumentação desenvolvida na sentença para afastamento da suspensão, tanto na parte relativa às “considerações de culpa”, como na defesa da aplicação de pena de prisão curta efectiva.

No mesmo acórdão de 12-09-2013, o Supremo nota que “a pena de substituição de suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.”

Não resulta demonstrado que, no caso presente, as exigências de prevenção geral - que, no momento (do processo aplicativo da pena) em análise, são sempre já exigências de “segunda linha de ponderação” - não resultem concretamente asseguradas com a condenação do arguido numa pena de prisão suspensa.

Prossegue o referido acórdão do Supremo que “a ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem anterior contacto com a justiça criminal, contém por si mesma virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão” e que “a suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.”

Os anteriores contactos do arguido com a justiça criminal não adquirem, em concreto, o peso e a relevância que a sentença lhes deu: duas condenações em pena de multa por crime(s) de condução sem carta são de reduzido, ou mesmo nulo, efeito contra-indiciante no juízo de prognose de ressocialização em liberdade relativamente a um arguido condenado por crime de maus tratos a animais.

Conclui-se no referido acórdão do Supremo: “Por fim, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos formais e materiais.”

A elevada gravidade dos factos em análise é indiscutível. Mas essa elevada gravidade não é do tipo de gravidade que demonstre um risco de reiteração ou de repetição. Inexistem elementos que, complementarmente, o indiciem, que indiciem que tais factos se vão com alguma probabilidade repetir.

Consta da sentença que o tribunal deu crédito às declarações do arguido (prestadas em inquérito). E nessas declarações o arguido justificou a sua acção numa espécie de “lógica pessoal de estado de necessidade”.

Os juízes de prognose importam sempre um risco. E a presunção sobre a suficiência da pena de substituição não se encontra, em concreto, afastada.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça citada mantém-se actual. E mesmo num caso de prognose mais arriscada do que no presente, o Supremo considerou que “Perante esta factualidade, é possível concluir que há fundamento para formular um juízo favorável quanto ao comportamento futuro do arguido. Um juízo arriscado, porventura bastante arriscado, mas que vale a pena assumir, em nome do princípio da ressocialização do condenado, que também integra os fins das penas” (acórdão de 13-03-2019, Rel. Maia Costa).

Considera-se, por tudo, mais adequada à ressocialização do arguido, satisfazendo ainda as exigências de prevenção geral, a aplicação de pena suspensa. O período de suspensão terá duração igual à da prisão, atenta a redacção do nº 5 do art. 50º do CP em vigor à data dos factos (e concretamente mais favorável ao condenado - art. 2º, nºs 1 e 4 do CP).

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, suspendendo-se a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, mantendo-se a sentença na parte restante.

Sem custas.

Évora, 18.06.2019

Ana Maria Barata de Brito
António João Casebre Latas