Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FLORBELA MOREIRA LANÇA | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À PENHORA REDUÇÃO DA PENHORA MEIO PROCESSUAL DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL | ||
Data do Acordão: | 12/20/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | Se da interpretação das declarações vertidas no requerimento da executada, apesar de ter lançado mão do incidente de oposição à penhora (art.º 784.º do CPC), emerge que a apelada pretendia, unicamente, ver reduzida a penhora do seu vencimento, fundamentando tal pretensão no facto de a mesma impedir a satisfação das despesas do seu trem de vida que elenca, não se ajustando tal pretensão, como implicitamente se reconheceu no despacho apelado e como bem defende a apelante, àquele meio processual, já que, como deriva daquele preceito, o mesmo constitui uma forma de reacção a uma penhora ilegal, impõe-se ao julgador que, em concreto cumprimento do dever de gestão processual, corrija o erro cometido pela parte na qualificação do meio processual de que se socorreu e que, reconduzindo o pedido e a causa de pedir ao seu correcto enquadramento (a previsão do n.º 6 do art.º 738.º do CPC), analisasse, nessa conformidade, a substância da sua pretensão (cfr. n.º 1 do art.º 6.º e n.º 1 do art.º 193.º, ambos do CPC). | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 1.ª SECÇÂO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA I. Relatório Por apenso à execução que foi instaurada por BB, SA, a executada CC veio “ao abrigo do disposto nos artigos 784º e 785º, ambos do Código Processo Civil, deduzir OPOSIÇÃO À PENHORA COM APOIO JUDICIÁRIO (…)”, através de requerimento enviado via Citius cujo título é “Requerimento para redução/isenção de penhora”, requerendo a redução da penhora no seu vencimento para 1/6. Para tanto alegou, em síntese, que o seu vencimento bruto é de € 717,46, ao qual acrescem subsídio de refeição e abono de falhas, estes últimos de valor variável, sendo que paga € 266,91 de prestação ao banco, referente a empréstimo para aquisição de habitação própria, além de todas as outras despesas a que tem de fazer face, juntando documentos ao processo, incluindo despesas de consumos de água, gás e electricidade, despesas com a prestação da casa, condomínio, seguro, IMI e cópia de recibos de vencimento. A exequente contestou questionando o valor total das despesas e opondo-se à redução da penhora para 1/6, pugnando pela improcedência do incidente. Foi proferido despacho, determinando-se que “doravante passe a ser descontado, à ordem deste processo, o valor correspondente a 1/6 do vencimento líquido da executada”. A exequente não se conformando com o despacho prolatado dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “a) Os fundamentos da oposição à penhora estão taxativamente fixados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 784º do CPC; b) A executada/oponente não invocou nenhum destes fundamentos; c) O requerimento enviado via Citius não é o de “OPOSIÇÃO À PENHORA”, mas sim o de “REQUERIMENTO PARA REDUÇÃO/ISENÇÃO DE PENHORA”; d) A oposição à penhora e o requerimento para redução/isenção de penhora são meios processuais autónomos e distintos; e) A oposição à penhora tem de basear-se em atos de penhora ilegais; f) A penhora de um terço do vencimento da executada não é subsumível a qualquer situação de impenhorabilidade, pelo que nenhuma ilegalidade poderá ter sido cometida no ato de penhora; g) Sendo o ato de penhora legal, a executada, poderá requerer a redução da penhora, a título excecional, através de requerimento autónomo; h) O Juiz poderá reduzir a penhora por um período razoável, mas nunca até ao fim da execução; i) Tendo o Juiz invocado para a redução da penhora o montante suportado pela executada com a prestação da casa, deveria atender que a mesma se encontra penhorada nos autos, prevendo-se a sua venda a breve prazo, sendo o credor hipotecário o primeiro a ser pago com o produto da venda, inexistindo qualquer razão a partir desse momento para a manutenção da redução da penhora do vencimento; j) Não tendo a exequente cometido, qualquer ato ilegal, porquanto não requereu nenhum ato de penhora, os quais se realizaram por iniciativa da Agente de Execução, nenhuma razão existe para a sua condenação em custas. Termos em que, e nos que doutamente serão supridos por V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se improcedente a oposição à penhora, por o meio processual não ser adequado à redução da penhora e (sem prejuízo de oficiosamente nos autos principais ser apreciada a pretensão da executada), sempre revogada a decisão de a suspensão se prolongar até final do processo executivo, a qual não se deverá manter para momento ulterior à venda e pagamento ao credor hipotecário, assim decidindo, será feita a costumada JUSTIÇA desse Venerando Tribunal.”. A apelada respondeu às alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do Recurso Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC). A única questão a decidir é, pois, a da redutibilidade da penhora do vencimento da apelada. III. Fundamentação Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos: 1. Nos autos de execução apensos foi penhorado 1/3 do vencimento da executada; 2. A executada paga € 266,91 de prestação da casa, referente a empréstimo bancário para aquisição de habitação própria; 3. No mês de Fevereiro de 2018 a executada auferiu um vencimento líquido de € 562,06, tendo sido descontada, a título de penhora, a quantia de € 146,76. 2. O Direito Sendo indisputado que a única questão a dirimir por esta Relação é a da redutibilidade da penhora do vencimento da apelada, importa, não obstante, atentar no que se inscreveu nas conclusões a) a f) da apelação. Para enquadrar, importa começar por atentar nos seguintes trechos da decisão apelada: No relatório, escreveu-se: “Por apenso à execução que lhe foi instaurada por BB, SA, a executada CC veio deduzir oposição à penhora do seu vencimento. Em síntese, alegou que o seu vencimento bruto é de € 717,46, ao qual acrescem subsídio de refeição e abono de falhas, estes últimos de valor variável, sendo que paga € 266,91 de prestação ao banco, referente a empréstimo para aquisição de habitação própria, além de todas as outras despesas a que tem de fazer face, pretendendo que seja determinada redução da penhora para 1/6.”. (...) “Sem pôr em causa expressamente nenhum dos documentos juntos, a exequente contestou questionando o valor total das despesas e opondo-se à redução da penhora para 1/6. (...). Concluiu pugnando pela improcedência do incidente. (...)”. E, na fundamentação, lê-se: “A questão a decidir tem que ver com a redução da penhora para a proporção de 1/6.”. Da consideração destes trechos e, bem assim, da interpretação das declarações vertidas no requerimento com a referência “habilus” n.º 28460108 (que, como a apelante bem aponta, é encimado pela expressão “REQUERIMENTO PARA REDUÇÃO/ISENÇÃO DA PENHORA”) e da sequente oposição emerge que, apesar de ter lançado mão do incidente de oposição à penhora (art.º 784.º do CPC), a apelada pretendia, unicamente, ver reduzida a penhora do seu vencimento, fundamentando tal pretensão no facto de a mesma impedir a satisfação das despesas do seu trem de vida que elenca. Tal pretensão, como implicitamente se reconheceu no despacho apelado e como bem defende a apelante, não se ajusta àquele meio processual, já que, como deriva daquele preceito, o mesmo constitui uma forma de reacção a uma penhora ilegal. Esclareça-se que o fundamento prevenido na al. a) do n.º 1 do art.º 784.º do CPC se reporta à inadmissibilidade legal da extensão da penhora (seria, por exemplo, o caso de uma penhora que, em contravenção do estatuído no n.º 1 do art.º 738.º do CPC, privasse o executado de mais de 2/3 do seu salário líquido). Ora, assim sendo, impunha-se ao julgador que, em concreto cumprimento do dever de gestão processual, corrigisse o erro cometido pela parte na qualificação do meio processual de que se socorreu e que, reconduzindo o pedido e a causa de pedir ao seu correcto enquadramento (a previsão do n.º 6 do art.º 738.º do CPC), analisasse, nessa conformidade, a substância da sua pretensão (cfr. n.º 1 do art.º 6.º e n.º 1 do art.º 193.º, ambos do CPC). Foi o que sucedeu, pelo que nada há a apontar ao despacho recorrido nesse conspecto. Destarte, é de considerar que aquelas conclusões são, em larga medida, inócuas, tanto mais que a recorrente não extrai qualquer consequência da sua formulação. Ultrapassado este pormenor, vejamos se merece acolhimento a pretensão do recorrente. O art.º 738.º, n.º 6 do CPC permite que o juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, isente (por um ano) ou reduza (por período tido como razoável) a penhora dos rendimentos do executado, tendo em conta o montante e a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e do seu agregado familiar. Trata-se de um mecanismo de índole excepcional que tem em vista a salvaguarda da dignidade da sobrevivência do executado. Deverá o julgador procurar o justo equilíbrio entre a satisfação do crédito exequendo e a subsistência minimamente condigna do executado e do seu agregado familiar[1]. No caso vertente, a valoração dos factos provados aponta no sentido de que o montante percebido pela executada, uma vez deduzida a parcela sobre o qual incide a penhora (que se fixou em 1/3) e a importância paga pela amortização mensal do empréstimo mensal, se cifra em € 148,39, logo bem abaixo do referencial do salário mínimo nacional que, como se sabe, é hoje em dia o limiar de uma existência condigna. E, mesmo não vindo provadas as despesas invocadas pela executada, parece, por outro lado, ser patente, face à actual conjuntura económica do país e à evolução da inflação, que, com aquele reduzido montante, ser-lhe á muito difícil suportar os custos usualmente necessários para uma vida minimamente digna. Pense-se, por exemplo, nos custos mensais com a prestação de serviços de água, electricidade e gás e com a aquisição de alimentos. Por seu turno, não é exigível que, para suportar o pagamento coercivo da dívida exequenda, se vote o executado a uma existência privada de bens essenciais. Por aqui se vê que o despacho apelado bem andou ao reduzir a penhora a 1/6 do salário. Sustenta, porém, a apelante que a redução não se poderia prolongar até ao fim da execução e que não poderia ter em vista as despesas suportadas com a habitação já que esta irá ser vendida. A lei não estabelece um limite temporal durante o qual possa subsistir a redução, depreendendo-se da referência contida na parte final do n.º 6 do art.º 738.º do CPC que a aquela pode estender-se por um período superior a um ano. Não se perspectiva, por seu turno, que a situação económica da executada venha a sofrer qualquer evolução positiva num futuro próximo e é crível que a venda do imóvel de que é titular não se realize de imediato. Note-se, por outro lado, nada indica que a recorrente não logrará ver o crédito exequendo (que ascende a € 45.361,67) satisfeito, ainda que em parte, com a venda do imóvel penhorado (cujo valor ascenderá a € 80.670,00). Na confluência destes dados, não se mostra desrazoável que a redução da penhora se mantenha até à satisfação do crédito exequendo. Por outro lado, não é possível antecipar em que momento irá ser vendido o imóvel penhorado. Acresce que os dados disponíveis nos autos não permitem aquilatar se o produto da venda do mesmo será suficiente para liquidar o crédito que venha a ser reclamado pelo credor hipotecário, pelo que nem sequer é exacto afirmar que, com essa alienação, se extinguirá a responsabilidade da executada pela restituição do montante que lhe foi mutuado. E mesmo que tal se verifique, o certo é que, perante essa circunstância, a apelante poderá lançar mão do mecanismo prevenido pelo n.º 4 do art.º 751.º do CPC (atente-se, em especial, na alínea b)) para obter um mais célere pagamento do seu crédito. Não é, pois, de reconhecer razão ao que vem alegado. Insurge-se ainda a apelante quanto à sua condenação em custas. Mas também aqui lhe falece a razão. É que, como se colhe no relatório do despacho apelado, a exequente pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão da executada, a qual, como vimos, não assentava em qualquer ilegalidade do acto de penhora. Tendo o despacho apelado decretado a redução pretendida, é de concluir que a apelante ficou vencida nesse incidente. Daí que as custas do presente incidente, de acordo com o princípio da causalidade (n.º 1 e n.º 2 do art.º 527.º do CPC), devessem ser colocadas a seu cargo, como foram. Improcede, pois, a apelação. As custas do recurso serão suportadas, porque vencida, pela apelante (n.º 1 e n.º 2 do art.º 527.º do CPC). Sumário Se da interpretação das declarações vertidas no requerimento da executada, apesar de ter lançado mão do incidente de oposição à penhora (art.º 784.º do CPC), emerge que a apelada pretendia, unicamente, ver reduzida a penhora do seu vencimento, fundamentando tal pretensão no facto de a mesma impedir a satisfação das despesas do seu trem de vida que elenca, não se ajustando tal pretensão, como implicitamente se reconheceu no despacho apelado e como bem defende a apelante, àquele meio processual, já que, como deriva daquele preceito, o mesmo constitui uma forma de reacção a uma penhora ilegal, impõe-se ao julgador que, em concreto cumprimento do dever de gestão processual, corrija o erro cometido pela parte na qualificação do meio processual de que se socorreu e que, reconduzindo o pedido e a causa de pedir ao seu correcto enquadramento (a previsão do n.º 6 do art.º 738.º do CPC), analisasse, nessa conformidade, a substância da sua pretensão (cfr. n.º 1 do art.º 6.º e n.º 1 do art.º 193.º, ambos do CPC). IV. Dispositivo Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Évora em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho apelado. Custas pelo apelante. Registe. Notifique. Évora, 20 de Dezembro de 2018 Florbela Moreira Lança (Relatora) Elisabete Valente (1.ª Adjunta) Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Assim RUI PINTO, Notas ao CPC, Coimbra, pp. 126, citando diversos arestos. |