Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS COMUNICAÇÃO CRIME CONTINUADO CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES | ||
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Data do Acordão: | 09/22/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Precedendo acusação pela prática de um crime continuado de condução sem habilitação legal, e vindo o arguido a ser condenado pela prática, em concurso real ou efetivo, dos sete crimes integradores daquela continuação delitiva, verifica-se, em vista do disposto no artigo 1º, nº 1, al. f), do C. P. Penal, a contrario sensu, mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, a tratar nos termos previstos no nº 1 do artigo 358º do C. P. Penal (por força do disposto no nº 3 da mesma disposição legal). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I 1 – Nos autos em referência, o arguido RSMV (….), em prisão preventiva desde 23 de Outubro de 2014, no Estabelecimento Prisional de Silves – foi acusado pelo Ministério da prática de factos consubstanciadores da autoria material (i) de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei (DL) n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e (ii) de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. nos termos do disposto no artigo 3.º n.os 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
2 – O arguido não apresentou contestação.
3 – Precedendo audiência de Julgamento, os Mm.os Juízes do Tribunal a quo, por acórdão de 19 de março de 2015, decidiram: (i) condenar o arguido, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, na pena de 7 anos de prisão; (ii) condenar o arguido, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de cada um de sete crimes de condução de veículo sem habilitação, na pena de 8 meses de prisão; (iii) em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 9 anos de prisão.
4 – O arguido interpôs recurso do acórdão condenatório. Defende: «- determinando a modificação da matéria de facto dada como provada no acórdão de que ora se recorre e, em consequência, - proferindo decisão que absolva o recorrente RSMV da prática dos crimes pelos quais foi indevidamente condenado em primeira instância, ou, caso assim não se entenda, ser o arguido condenado: - no caso dos factos 1 a 12. nos termos e para os efeitos da disposição plasmada no art.º 26º do D.L. 15/93 (Traficante-Consumidor) em pena que poderá ser de prisão (suspensa) atendendo à reincidência, ou, caso V. Exas. assim não entendam, ser o recorrente condenado nos termos do disposto no artigo 25º do mesmo diploma legal (Tráfico de menor gravidade) em pena de prisão suspensa na sua execução pelos mesmos motivos supra alegados; - no que concerne à condução sem habilitação legal – tendo em vista a factualidade e pelas razões aduzidas, deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, por o tribunal a quo se ter pronunciado nele sobre questão de que não podia aí tomar conhecimento; e, no caso de V. Exas. assim não entenderem, ser o recorrente condenado somente no âmbito do crime continuado. - caso V. Exas. assim não entendam, não poderão deixar de determinar o reenvio do processo para novo julgamento, porquanto se encontram verificados os vícios do art.º 410, nº 2 do CPP». Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. Face ao preceituado no art.º 410º, nº 2 do CPP, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável de fundamentação ou o erro notório na apreciação da prova; 2. O presente recurso e respectiva motivação têm por objecto a discordância quanto à matéria de facto (1. A 12.) e de direito constante no douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, designadamente com fundamento no que preceitua o nº 2 do art.º 410º do CPP; 3. O presente recurso e motivação respectiva têm igualmente por objecto uma nulidade resultante da alteração da qualificação jurídica - arts. 1º f), 358º, 359º e 379º, al. b) ambos do CPP (factos dados como provados de 13. a 16.); 4. Pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados – art.º 412º, nº 3, alínea a) do CPP: - o recorrente considera incorrectamente julgados os factos correspondentes aos pontos 1. a 12. e 13. a 16. dos “Factos Provados”; 5. Provas que impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412º, nº 3, alínea b) do CPP: os depoimentos do arguido, de todas testemunhas: JL, RS, PD, AM, RJ, JJ, LB, JP, PV, JS e ER; 6. Em nenhum momento qualquer das testemunhas referidas, excepto a ER e o PV, dizem que viram o arguido vender estupefacientes; 7. A ER diz que terá comprado € 10,00 de haxixe ao arguido; 8. A testemunha PV alega ter comprado 5 bolotas/50g de haxixe ao arguido; 9. O PV nas primeiras declarações prestadas na GNR disse que comprou a droga a um tal “CC”; e passados alguns poucos meses mudou a sua versão dos factos afirmando que teria comprado ao arguido; vindo a ser condenado com uma leve pena; 10. O arguido em momento algum admitiu ter vendido estupefacientes ao PV; 11. As muitas testemunhas da GNR dizem nada ter visto, ou seja, nunca viram qualquer venda de estupefacientes efectuada pelo arguido; 12. A testemunha JS afirmou convictamente ter sido coagido por dois militares da GNR no sentido de dizer que o arguido lhe havia vendido estupefacientes; 13. As 18,7g (que na realidade após perícia se verificou seria pouco mais de 17g) eram para consumo do arguido; 14. As 2,10g de pólen de haxixe e bem assim as 1,96g de haxixe eram propriedade do seu colega de casa de seu nome RB cuja intervenção no processo como testemunha para esclarecer esta situação foi requerida por duas vezes, sendo por duas vezes indeferida; 15. As 4,55g de haxixe apreendidas ao arguido a 07/10/14 eram destinadas ao seu consumo; 16. Ao longo dos depoimentos das testemunhas da GNR, assistimos a uma série enorme de contradições relativamente à forma como se apresentou o arguido como traficante e ao mesmo tempo todos os guardas da GNR afirmam nunca o terem visto vender droga ao longo dos mais de 2 anos que durou a investigação (e para além desse período); 17. As condutas imputadas ao arguido e pelas quais ele foi sentenciado efectivamente não aconteceram nos termos alegados pelas testemunhas, mas, mesmo que assim tivesse sucedido, a verdade é que, salvo melhor opinião, não constituiriam ilícito penal a ser penalizado ou sentenciado da forma em que efectivamente aconteceu por aplicação do art.º 21º do DL 15/93. Os actos de que se fala no processo, não têm gravidade nem enquadramento que mereça condenação a 9 anos de prisão; 18. Da análise da prova e da fundamentação da matéria de facto, não se encontra uma referência que permita ao acórdão recorrido dar como provado que pelo menos desde Outubro de 2012 o arguido se dedica à venda de estupefacientes; 19. Da análise de toda a fundamentação da matéria de facto bem como de toda a prova gravada, não encontramos referências, a qualquer meio de prova, que permita ao acórdão recorrido dar como provado que o recorrente vendia droga diariamente em diversas artérias e junto a estabelecimentos comerciais da cidade de Albufeira; 20. Neste caso, teria sido bom que o tribunal a quo não tivesse esquecido que, para se saber se o crime cometido é do art.º 21º ou 25º do D.L. 15/93, deve ter-se em conta que este último faz depender a sua aplicação de uma diminuição considerável da ilicitude do facto, sendo índices dessa diminuição os meios utilizados, a modalidade da acção e a qualidade e quantidade do produto traficado; 21. O que no caso concreto se traduz no seguinte: - No que aos meios utilizados concerne, trata-se, nas palavras da GNR, do modus operandi simples e sem recurso a meios sem qualquer sofisticação - telemóvel; - Quanto à modalidade e de acordo com a GNR, o arguido actuava sozinho e sem estrutura organizada; - No que à quantidade e qualidade do produto concerne diz o colectivo de juízes que se tratava somente de haxixe e somente foram apreendidos na posse do arguido: 17,3g + 4,55g + 4,06g. 22. São pois pequenas quantidades de haxixe detidas pelo arguido para seu consumo ou mesmo pertença de terceiro (4,06g), pequenas quantidades essas que serviam para de tal forma angariar fundos para pagar o seu vício (no caso de ER). 23. Ora, é precisamente no caso de julgamento de crimes de tráfico de droga como o presente que deverá importar um cuidado acrescido por parte dos julgadores, nomeadamente no apuramento do valor das quantidades alegadamente detidas ou traficadas, até para efeitos de qualificação jurídica, tendo em conta nomeadamente, que o tráfico tanto pode caber no tipo base (art.º 21º) como no tipo agravado (art.º 24º), como no tipo menor (art.º 25), todos a convocarem as quantidades objecto da acção como elemento de relevo imprescindível de qualificação e julgamento do facto. 24. É pois notório no caso vertente que o tribunal a quo aplicou ao arguido uma pena violentíssima, desproporcionada e inadequada aos factos do processo. 25. Os Órgãos de Polícia, o MP e o tribunal deixaram de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final, pois, no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, podiam e deviam ter ido mais longe; 26. O que estava em causa, em parte substancial do processo era verificar se efectivamente o arguido vendia droga, ou seja, ver efectivamente, fotografar, filmar, apanhar o arguido em flagrante a efectuar nem que fosse uma venda, facto que, em mais de 2 anos nunca sucedeu 27. Aliás, diga-se que o mesmo sucedeu quanto ao crime de condução sem habilitação legal, ou seja, nem uma foto; 28. Quanto ao crime p. e p. pelos nº 1 e 2 do art.º 3º do DL 2/98 o tribunal a quo resolveu efectuar alteração da qualificação jurídica enquadrando-a nos termos do art.º 358º do CPP; 29. Foi alterada a qualificação jurídica do crime de condução de veículo sem habilitação legal, na sua forma continuada para sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro; 30. Considera o recorrente que, errou o tribunal a quo quando vem alterar a qualificação pois dúvidas não restam de que se trata de crime continuado (tanto à defesa como ao MP em sede de acusação), conduzindo de tal modo o arguido ora recorrente para uma situação mais gravosa relativamente à pena aplicada pois acabou por ser condenado a 8 meses de prisão por cada um dos sete crimes, ou seja, traduzida numa agravação dos limites da sanção aplicável, facto que vem consubstanciar inclusive uma alteração substancial dos factos – art.º 359º e 1º f) ambos do CPP; 31. Quando o arguido deu o seu assentimento ao prosseguimento do julgamento fê-lo no pressuposto de que não veria a sua situação piorar, ou seja, de que não veria agravar a moldura penal subjacente aos factos; 32. Nestes termos, deveria o tribunal ter comunicado precisamente tal situação, enquadrando-a nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 359º do CPP e, de tal modo, a que o arguido ficasse absolutamnte esclarecido da alteração factual verificada, bem como de todas as suas consequências processuais, assegurando-se de que a eventual anuência à continuação do julgamento pelos novos factos seria inequívoca; 33. Tal incidente deveria constar da acta da audiência que teria que reproduzir fielmente toda a ocorrência e a anuência teria que ser exteriorizada de forma expressa, incondicional e clara; 34. Tal alteração como prescreve o nº 1 do art.º 359º do CPP, não poderia ter sido levada em conta para efeitos de condenação no processo em curso, devendo outrossim, dar lugar a comunicação ao MP valendo esta como denuncia para que este proceda pelos novos factos, se os mesmos forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo; 35. Nestes termos, deverá ser decretada a nulidade do acórdão – arts. 359º, 379º, al. b) ambos do CPP; 36. Da violação do art.º 410º, nº 2 do CPP e da errónea qualificação jurídica: resulta, desde logo, da própria decisão de “per si” conjugada com as mais elementares regras da experiência e senso comum, que estamos perante insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, bem como perante contradições insanáveis da fundamentação ou entre esta e a decisão e, igualmente perante erros notórios na apreciação da prova, o que releva quanto à matéria de direito, redundando em errónea qualificação jurídica; 37. Ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova efectivamente produzida, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 127º do CPP; 38. Impondo-se, assim, que o Tribunal “ad quem” afira da arbitrariedade da decisão violadora dos critérios legais impostos ao julgador na valoração da prova; 39. De facto, o Tribunal “a quo”, acreditando “ab initio” na culpa do arguido, sindicou a sua decisão através de um juízo de tipo presuntivo, discricionário e carecido de suporte factual; 40. A insuficiência da prova produzida para a decisão, indicia a verificação do vício previsto no art.º 410º, nº 2 alínea a) do CPP, ou seja, o Tribunal “a quo” fundamenta a condenação do recorrente em prova insuficiente para alcançar a decisão nos presentes autos; 41. O mesmo sucede no que concerne aos já apontados vícios previstos nas alíneas b) e C) do mesmo art.º 410º nº 2 do CPP; 42. Ao não ter aplicado o princípio do “in dubio pro reo”, o Tribunal “a quo” violou o preceituado no art.º 32º, nº 2 da C.R.P.; 43. Tudo visto e em conclusão, nunca o arguido poderia ter sido condenado pelos crimes de tráfico de estupefacientes e condução sem habilitação legal, impondo-se a sua absolvição no 1º caso e comunicação ao MP no 2º (art.º 359º, nº 2 do CPP); 44. O Tribunal “a quo” violou, não só o art.º 21º, do DL 15/93 e artº 3º nº 1 e 2 do DL 2/98, ao ter proferido decisão condenatória sem que os tipos legais de crime se encontrassem preenchidos, como também o art.º 127º do CPP, e ainda o art.º 32º, nº 2 da CRP; Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se admite: 45. O Tribunal “a quo” ponderou a hipótese de enquadramento dos factos que deu como provados nos tipos legais de crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art.º 25º do DL 15/93 e bem assim o crime condução sem habilitação legal, p. e p. no art.º 3º, nº 1 e 2 do DL 2/98; 46. O Tribunal “a quo” condenou o arguido e ora recorrente a uma pena de: - 7 anos de prisão – crime de tráfico de estupefacientes – art.º 21º do DL 15/93; - sete crimes de condução sem habilitação legal – art.º 3º nº 1 e 2 do DL 2/98, na pena de 8 meses por cada um deles. Operando o cúmulo jurídico foi o arguido condenado a 9 anos de prisão; 47. O Tribunal “a quo” baseou a sua decisão essencialmente na sua convicção – art.º 127º do CPP, pois de outro modo como entender a condenação quando todos os militares da GNR dizem nunca ter presenciado o arguido a vender estupefaciente; 48. Não se pode condenar uma pessoa a 9 anos de prisão, baseado em factos que não podem dar-se, concretamente, como provados! Na realidade, à revelia do que se escreve no acórdão, ninguém viu o arguido vender estupefacientes a alguém e sendo certo que este admitiu que intermediou por vezes para desenrascar amigos ou conhecidos e que dos autos resulta que poderá ter vendido a ER, tal não significa que, nos casos enunciados na acusação e posteriormente dados como provados pelo Colectivo seja possível inferir e confirmar que o recorrente vendeu haxixe. 49. O arguido é pessoa jovem, humilde, de parcos recursos, que vivia do seu salário e com o qual tem que fazer face às suas obrigações que ora são de chefe de família (de pai de uma menor de 1 ano); 50. Considera o recorrente que a pena que lhe foi aplicada é muito elevado e vai ao arrepio da jurisprudência portuguesa em casos idênticos e até face a situações que denotam uma realidade muito mais gravosa. Neste sentido veja-se a título exemplificativo o Ac. TRC de 23/05/2012; 51. Entende igualmente o arguido nesta perspectiva que, ainda assim com base nos factos dados como provados, as penas aplicadas revelam-se igualmente excessivas, reflectindo que os critérios de determinação das medidas das penas e as subjacentes finalidades das mesmas não foram respeitadas, violando-se assim o disposto nos arts. 71º e 40º do CP; 52. Na fixação da medida da pena o Tribunal não teve em conta os critérios orientadores da medida concreta da pena aplicada, violando assim os arts. 71º e 72º do CP; 53. Pelo supra dito, não deixa o arguido de alegar a sua inocência em face da condenação a que foi sujeito e por tal considera que deveria ser absolvido com base no princípio do in dúbio pro reo; 54. Caso assim não se entenda e pelo exposto, com base na imputada culpa ao arguido e cumprindo as exigências de prevenção até ao máximo que a “culpa” permite, tendo em conta o facto de o arguido ter assumindo os factos que efectivamente praticou e que claramente passam à margem da reprovação penal, e tendo em vista as suas circunstâncias pessoais, e bem assim a prova produzida, tudo isso justifica que se tenha por adequado, por mais justo e não indo Vossas Excelências ao encontro da absolvição, deverá o ora recorrente ver a sua pena reduzida pela prática dos crimes a que foi condenado pelo Tribunal “a quo” mas com diversa qualificação e nos seguintes termos: - no caso dos factos 1 a 12. condenado nos termos e para os efeitos da disposição plasmada no art.º 26º do D.L. 15/93 (Traficante-Consumidor) em pena que poderá ser de prisão (suspensa) atendendo à reincidência, ou, caso V. Exas. assim não entendam, ser o recorrente condenado nos termos do disposto no artigo 25º do mesmo diploma legal (Tráfico de menor gravidade) em pena de prisão suspensa na sua execução pelos mesmos motivos supra alegados; - no que concerne à condução sem habilitação legal – tendo em vista a factualidade e pelas razões aduzidas, deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, por o tribunal a quo se ter pronunciado nele sobre questão de que não podia aí tomar conhecimento; e, no caso de V. Exas. assim não entenderem, ser o recorrente condenado somente no âmbito do crime continuado. 55. Garantindo-se, de tal modo que as expectativas da comunidade na validade da norma violada ficarão realizadas com esse quantum, sob pena de se utilizar o arguido como meio para alcançar fins que violem a sua dignidade pessoal e os princípios básicos do Direito Penal e da Lei Fundamental e que servem de intimidação da sociedade em geral, e será dada prevalência ao critério da necessidade de socialização e não ao da intimidação individual, não perdendo de vista que uma pena mais pesada poderá ter efeitos altamente perversos».
5 – O recurso foi admitido, por despacho de 4 de Maio de 2015.
6 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso. Propugna pela confirmação do julgado. Extrai da respectiva motivação a s seguintes conclusões: «1-Não contém o Douto Acórdão impugnado qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que o inquine. 2- A matéria constante na fundamentação do Douto Acórdão provou-se de modo inequívoco, não se justificando qualquer alteração. 3- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais. 4- Não se vislumbram nos autos quaisquer elementos que tivessem de ser indagados e não foram, necessários para se formular um juízo de condenação ou absolvição do arguido, e não ocorreu do Douto Acórdão o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo perfeitamente legal, sensato, adequado e comum, atribuir-se mais credibilidade a uns depoimentos que a outros, tudo dependendo das circunstâncias em que eles são prestados, como são prestados e como são avaliados, embora se compreenda que o recorrente possa ter opinião distinta. 5- “A contradição insanável da fundamentação dá-se quando, analisando-se a matéria de facto dada como provada e não provada se chega a conclusões contraditórias, insanáveis, irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas recorrendo-se ao contexto da decisão no seu todo e ainda com recurso às regras da experiência comum”., Ac. STJ de 23-10-1997, Proc.97P318, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários de Vinício Ribeiro, Coimbra Editora. 6- Analisado o Douto Acórdão recorrido infere-se que não contém qualquer contradição entre os factos provados, não é insuficiente, nem deveria ter uma decisão distinta. 7- Veja-se a título exemplificativo o que se diz em nota de rodapé no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto: “Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, proc. nº 05A2007, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”. In www.dgsi.pt, Acórdão do TRP, de 26-3-2014, proc.201/08.3TASJM.P1. 8- Analisado o Douto Acórdão recorrido de um modo lógico, afigura-se-nos que não contém qualquer contradição entre os factos provados, não é insuficiente, nem deveria ter uma decisão distinta. 9- Pelas razões aduzidas, inelutável é de inferir que não ocorreu o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, prevista no art.410º, nº2, al. b), do Código de Processo Penal. 10-Acresce, não se desconhecer que “ao contrário do que se passa no processo civil, em que basta a existência de uma «probabilidade prevalecente», em processo penal deve adoptar-se um padrão mais exigente, nomeadamente o de origem anglo-saxónica, da «prova para além de qualquer dúvida razoável”. 11- No que respeita ao princípio do “in dubio pro reo”, não tinha o Tribunal “a quo” de o aplicar, uma vez que não se suscitaram dúvidas fundadas, sérias, relevantes, no que concerne à prática pelo arguido dos factos dados como provados. Sabe-se que o aludido princípio se situa ao nível da apreciação da prova e valoração da matéria de facto e é corolário do princípio da presunção da inocência e só a dúvida sobre a realidade de um facto é que deve ser decidida a favor do arguido. 12- ”O princípio “in dubio pro reo”, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontrem na decisão ou na factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido..” ( in www.dgsi.pt, acórdão do STJ., de 12/07/2005, 05P2315,JSTJ000). 13-Não existindo dúvidas sobre a ocorrência de determinados factos, não havia de ser aplicado o princípio do “in dubio pro reo”, pelo que bem decidiu o Tribunal “ a quo “ ao condenar os arguidos nos termos já referidos. 14- Transcrever pequenas passagens da prova produzida para inferir que determinados factos dados como provados no Douto Acórdão não deveriam ter sido considerados provados, é compreensível, mas é argumento que falece perante o acervo de provas legais que existem nos autos e apontam sem margem de dúvida, para o cometimento pelo recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º/1 do DL 15/93 de 22/01. 15- O arguido assumiu na audiência de Julgamento que facilitou algumas vezes, entregas de estupefacientes a outros indivíduos, para ele também consumir” como se diz no Douto Acórdão a fls. 1647. 16- Das diversas vigilâncias efectuadas pelo OPC e das escutas telefónicas validadas nestes autos também se extrai o “volume de negócios” do arguido, o qual vivia quase em exclusivo da venda de droga, para além dos depoimentos das pessoas que lhe compraram haxixe e vieram confirmá-lo na audiência de julgamento. 17- Em suma, não merece qualquer reparo a qualificação da actividade ilícita desenvolvida pelo arguido como de Tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, nº 1, do D.L. 15/93, de 22/1, não procedendo argumentação do recorrente ao pretender minimizar a sua actividade ilícita e querer vê-la qualificada como Tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25º, ou crime de Traficante-consumidor, p. e p. no artigo 26º, ambos do D.L. 15/93, de 22/1. 18- O arguido foi acusado pela prática de um crime continuado de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3°, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro e artigo 30º, do Código Penal. 19- O “Tribunal a quo” qualificou a conduta do arguido como integrando a prática de sete crimes de condução sem habilitação legal p. e p. no artigo 3°, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 3 de Janeiro. 20- Porém, como o artigo 358º, do Código de Processo Penal tal alteração foi pelo Tribunal comunicada ao Ilustre Mandatário do arguido, o qual nada opôs a que os autos prosseguissem os seus termos, e nada requereu. 21- Assim, também nesta matéria não contêm os autos qualquer nulidade, nomeadamente a prevista nos artigos 359ºe 379º, alínea b), do Código de Processo Penal, cfr. p. f. parte inicial do Douto Acórdão recorrido, fls.1639 22- O recorrente subestima como meio de prova, o valor das vigilâncias efectuadas pela OPC à actividade criminosa por si desenvolvida. 23- Todavia, não lhe assiste razão, pois quando um elemento da GNR ou de outro OPC vê uma pessoa que vai ter com outra a quem entrega dinheiro e recebe em troca algo que se supõe ser uma substância estupefaciente, e, sem perder essa pessoa de vista (a que aparentemente compra) a interpela e lhe apreende uma substância que se revela após os testes legais, haxixe, cocaína, heroína ou outro estupefaciente, obviamente que se pode e deve inferir que ambas as pessoas fizeram uma transacção, cujo objecto era a tal droga. 24- O Tribunal “ a quo”, salvo o respeito devido, ateve-se àquilo que o artigo 127º, do Código Processo Penal preconiza: “ a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. 25- Não violou o Douto Acórdão qualquer disposição criminal ou constitucional e também não está inquinado de nenhum vício, em especial, não ocorreram os previstos no art.410º, nº2, do Código de Processo Penal. 26- O arguido foi condenado no Processo. 85/10.1GCLLE, de Loulé - 2° Juízo de Competência Criminal, cuja sentença transitou em julgado em 20-6-2012, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e por um crime de resistência e coacção sobre funcionário, por factos datados de 30-11-2010, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução mediante regime de prova. Foi também condenado no Processo. 2795/12. 1GCLLE, de Loulé - 2° Juízo de Competência Criminal, cuja sentença transitou em julgado em 13-5-201, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa; Foi ainda condenado no Processo 1279/11.8GBABF, pelo crime de condução sem habilitação legal, condução perigosa de veículo rodoviário e Tráfico de menor gravidade, com trânsito em julgado em 9-9-2013, na pena de multa de 220 dias e na pena de prisão de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova. 27- O arguido cometeu ao longo de vários meses factos que são extremamente nocivos para as pessoas que consomem drogas e também para as respectivas famílias, sem olvidar a sociedade em geral que tem de arcar com todos os custos inerentes à prevenção, sanção e recuperação dos toxicodependentes e das pessoas que como o arguido se dedicam ou dedicavam à venda de substancias estupefacientes, fazendo de tal actividade modo de vida que lhe permite subsistir e até por vezes angariar algumas quantias nem sempre insignificantes… 28- Achamos que não deve ser suspensa na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido, uma vez que em face da gravidade dos crimes por si cometidos, dos antecedentes criminais, da intensidade do dolo e da culpa, das necessidades de prevenção geral e especial, da personalidade e condições de vida do arguido, não é possível fazer um juízo de prognose favorável que permita ao Tribunal “ a quo”, suspender na sua execução a pena que lhe foi aplicada ou venha a ser aplicada, para além do obstáculo que é o limite temporal previsto no artigo 50º, nº1, do Código Penal. 29-Não foi violado pelo Douto Acórdão o disposto no art.32º, ou outro preceito da Constituição da República Portuguesa, e também não foi beliscado qualquer preceito de Direito criminal, tendo o arguido sido condenado com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas, embora o Douto Acórdão ainda não tenha transitado em julgado e esteja a ser impugnado, tudo em conformidade com as normas legais em vigor. 30- Considerando o binómio culpa /prevenção, afigura-se-nos adequadas, proporcionais e justas, as penas parciais e única, aplicadas pelo Tribunal “a quo”, ao recorrente. 31- O Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida das penas aplicadas ao arguido todos os critérios referidos nos arts.40º, 50º, 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a prisão efectiva adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respectiva culpa, devendo manter-se nos precisos termos que constam do Douto Acórdão.»
7 – Nesta instância, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, louvado na resposta, é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente. Pondera, ademais e em síntese, nos seguintes termos: «[…] A factualidade assente como provada e não provada não permite, claramente, fundar um juízo de ilicitude com os contornos e conteúdo reclamados pelos artigos 26 e 25.º do decreto-lei n.º 15/93 e afasta irremediavelmente o entendimento e pretensão do recorrente. […] Afigura-se-nos que a alteração comunicada ao recorrente consubstancia alteração não substancial, na definição legal, por não corporizar nem crime nem imputação diversos (no sentido de a reacção punitiva se reconduzir à tutela do mesmo bem jurídico). O que ocorreu foi, sim, uma desconstrução da qualificação jurídica dos factos (afastando a continuação criminosa) que já constavam da acusação e não são autonomizáveis relativamente ao objecto do processo, e não dos próprios factos. Não ocorreu uma reconfiguração do objecto do processo: o bem jurídico protegido não é (agora) distinto do primitivo e não são diferentes nem objecto de distinto juízo valorativo os factos, que mantêm a sua identidade. […] Por fim e quanto à medida da pena, mostrando-se particularmente prementes as exigências de prevenção geral e, no caso concreto, estando num patamar superior as de prevenção especial, dada a reiterada violação dos valores e bens jurídicos protegidos pela(s) norma(s), não se nos afigura passível de censura o quantum para as penas encontrado relativamente a qualquer um dos crimes (tráfico e condução ilegal), o qual se revela, a nosso ver, como a resposta que a sociedade entende como ajustada e adequada à gravidade e consequências dos ilícitos em causa […]».
8 – O arguido não replicou.
9 – Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame das questões (agora alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas) atinentes (i) à nulidade do acórdão, (ii) aos vícios do acórdão, (iii) ao erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto, e (iv) ao erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de direito, seja em sede subsuntiva, seja na matéria relativa à escolha e medida das penas. II 10 – A decisão levada, na instância, sobre a matéria de facto, é do seguinte teor: «1. FACTOS PROVADOS Discutida a causa resultaram provados, com relevância decisão da mesma, os seguintes factos: 1. O arguido RSMV desde pelo menos desde o mês de Outubro de 2012 que se dedica à venda de substâncias estupefacientes, sobretudo haxixe. 2. As vendas são efectuadas diariamente em diversas artérias e junto a estabelecimentos comerciais desta cidade de Albufeira, por regra mediante contacto telefónico prévio do consumidor com o arguido RSMV. 3. No dia 25 de Outubro de 2012, na Rua do Estádio, em Albufeira, junto ao bar denominado "Infante", o arguido encontrava-se na posse de 18,7 g de haxixe. 4. No dia 8 de Agosto de 2013, o arguido vendeu a PV cinco bolotas de haxixe, com o peso de 50,38, pelo valor de € 200. 5. Noutra ocasião, em momento anterior, embora não concretamente apurado, o arguido vendeu haxixe a PV, 5 bolotas de haxixe, recebendo pelas mesmas entre € 150 e € 200. 6. No dia 25 de Novembro de 2013, pelas 11 h 00 m, encontrava-se na casa também habitada pelo arguido, sita em (...), Albufeira, 2,10 g de pólen de haxixe e 1,96 g de haxixe. 7. No dia 7 de Outubro de 2014, pela 1 h e 50m, na Rua Mouzinho de Albuquerque, em Albufeira, o arguido encontrava-se na posse de duas barras de haxixe, com o peso total de 4,55 g. 8. Vendeu ainda a JS, cerca de duas vezes haxixe, recebendo por cada dose € 10. 9. Em Outubro de 2013 o arguido vendeu a ER um quarto de bolota de haxixe pelo valor de € 10. 10. Dias mais tarde o arguido vendeu ainda a ER uma bolota pelo valor de € 50. 11. A transacção de estupefacientes constitui um complemento do arguido nos períodos em que se encontra a trabalhar. 12. Conhecia o arguido da natureza estupefaciente dos produtos que transaccionava e sabia que, por tal motivo, não os podia vender, ceder ou proporcionar a outrem, por qualquer forma, não obstante não se inibiu de praticar os mencionados factos. 13. Desde Outubro de 2012 que o arguido RSMV diariamente conduz veículos automóveis em diversas artérias desta cidade de Albufeira sem para tal se encontrar habilitado. 14. Tal como ocorreu nos dias: - 23 de Novembro de 2012, conduziu o veículo com a matrícula 37-75-CP, na Estrada Nacional 395 (cfr. cota de fls. 44); - 30 de Novembro de 2012, conduziu o veículo com a matrícula 37-75-CP, da Rotunda das Ferreiras, passado pela Av. 25 de Abril, dirigindo-se à Estrada Nacional 369 (cfr, relatório de fls. 44); - 7 de Janeiro de 2013, conduziu o veículo com a matrícula 37-75-CP, na zona do terminal rodoviário no Alto dos Caliços, na Estrada Nacional 395 e na Estrada Nacional 125 em direcção ao centro comercial Algarve Shopping, entrando na rotunda da Guia em direcção a Algoz (cfr. relatório de fls. 68 e 69); - 20 de Fevereiro de 2013, conduziu o veículo com a matrícula 81-70-RJ, em direcção às bombas da gasolina da Repsol, em Brejos de Albufeira (cfr. cota de fls. 86); - 9 de Outubro de 2013, conduziu o veículo com a matrícula 6233BWX, do parque de estacionamento do centro comercial "Algarve Shopping" seguiu até à Estrada Nacional 526-1, na Rotunda do Vale de Santa Maria seguiu no Caminho da Quinta da Bolota, na rotunda do Centro de Saúde tomou a direcção do terminal rodoviário de Albufeira e Urbanização "Nosso tecto" (cfr. relatório de fls. 839 e 840); - 15 de Outubro de 2013, conduziu o veículo com a matrícula 6233BWX, no qual seguiu da Rua do Estádio até ao centro comercial "Algarve Shopping" (cfr. relatório de fls. 924 e 925, 927 a 929); - 16 de Outubro de 2013, conduziu o veículo com a matrícula 6233BWX, no Beco dos Picanços, Urbanização Habijovem, Av. dos Descobrimentos, dirigindo-se ainda ao centro comercial "Algarve Shopping" (cfr. relatório de fls. 933 a 940). 15. Desta forma agiu o arguido com o intuito de conduzir veículos automóveis apesar de saber que não era titular de documento que o habilitasse a conduzir. 16. O arguido actuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida e era punida por lei. Mais se apurou: 17. RSMV encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 23-10-2014, no E.P. de Silves. No período antecedente à sua detenção o arguido cumpria urna pena de anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova (SEPRP), no Proc. N° 85/10.1GCLLE, de Loulé - 2° Juízo de Competência Criminal, cuja sentença transitou em julgado em 20-06-2012. Foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e por um crime de resistência e coação sobre funcionário, por factos datados de 30-11-2010. Foi ainda condenado por crime de condução sem habilitação legal e condução perigosa numa pena de multa no âmbito do Processo 1279/11.8GBABF, J2 - secção criminal do tribunal de Albufeira, com trânsito em julgado em 09-09-2013. Foram sinalizados no último trimestre do ano transacto situações de incumprimento na SEPRP, reportadas pela Equipa da DGRSP de Algarve 1 (Faro). À data dos factos em causa neste processo, entre Setembro-2010 e Junho-2011, o arguido integrava o agregado familiar de origem com quem residia numa casa cedida por um tio paterno e vizinho. O imóvel dispunha de condições de habitabilidade adequadas. Dependia economicamente dos pais, que mantinham uma situação de desemprego prolongada, associada a um quadro de alcoolismo em crescendo, recorrendo a apoios sociais para subsistir: rendimento social de inserção, apoios alimentares e suporte do tio paterno. Filho de mãe inglesa e pai português, o jovem foi criado num contexto parental com ausência de normatividade e de supervisão do processo de socialização, suscitando uma reduzida vinculação afectiva no sujeito, a não interiorização de regras, reagindo desadequadamente a figuras de autoridade. As suas condutas disruptivas na adolescência em contexto escolar e social, motivaram a intervenção de entidade oficiais: viria a frequentar o 9º ano institucionalizado, tendo iniciado formação em marcenaria. Profissionalmente a sua experiência foi pouco expressiva. RSMV surge referenciado em contexto comunitário, vizinhos e autoridades, como associado a grupo de pares com condutas delituosas e comportamentos aditivos. Sinalizou nestas relações interpessoais formas de convívio marginal e de alguma subserviência, incapaz de estruturar interesses para além de um quotidiano imediatista, gerido em função dos pares e facilitador de comportamentos de risco. No relacionamento pessoal observaram-se capacidades no sujeito de alguma cordialidade. Revela em meio prisional vivenciar uma instabilidade emocional e dificuldade em controlar a impulsividade o que suscitou uma punição por agressões a outro recluso. Tende a desvalorizar as suas condutas ilícitas, denotando uma diminuta capacidade de descentração e reduzido pensamento sequencial. Revela imaturidade que o impede de ponderar alternativas para as suas condutas delinquentes. O arguido iniciou há cerca de cinco anos uma relação de namoro com NN, 22 anos, têm uma filha com um ano e dois meses de idade. Não viveram maritalmente devido à precariedade económica e funcional das respectivas famílias, à instabilidade do arguido e ausência de enquadramento laboral estável, ainda que estivesse a trabalhar em restauração à data em que foi preso. Os pais recebem refeições de uma cantina social vivenciando um contexto de precariedade. Face aos acontecimentos subjacentes ao presente processo RSMV posiciona-se de modo vitimizador, minimizando as suas responsabilidades. A situação jurídico-penal do arguido tem causado um impacto negativo na namorada, facto que o preocupa e destabiliza em termos emocionais. Recebe poucas visitas da família. 18. Por Acórdão transitado em julgado em 20.06.2012, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 30.11.2010, pelos crimes de tráfico de estupefacientes e resistência e coacção sobre funcionário na pena única de dois anos e quatro meses de prisão. 19. Por Sentença transitada em julgado no dia 13.05.2013, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 28.11.2012, pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa à razão diária de €5,00. 20. Por sentença transitada em julgado no dia 09.09.2013, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 02.06.2011 e 23.09.2010, pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário e pelo crime de tráfico de estupefacientes e de menor gravidade, na pena única de 220 dias de multa à razão diária de €5,00 e bem assim na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob regime de prova. 2. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou nomeadamente que: a. Ocasionalmente o arguido também vende cocaína. b. Ainda noutro episódio PV pretendia adquirir ao arguido 10 bolotas de haxixe, mas o arguido pediu pelas mesmas a quantia de € 400, acabando o negócio por não se concretizar com a venda dessa quantia pois aquele não tinha dinheiro para proceder à aquisição. c. O arguido vendeu entre 10 a 15 vezes línguas de haxixe, pelo valor de € 10, cada a JJ. d. O arguido tinha ainda acordado uma terceira venda com ER a qual não se veio a concretizar porque esta desistiu do negócio. 3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO […] a) Quanto aos factos provados: O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados constantes da acusação, no depoimento prestado pelo arguido e pelas testemunhas de acusação, em sede de julgamento, nos autos de apreensão e de busca e apreensão de fls. 6 e 1086, nos autos de exame toxicológico de fls. 31 e 1213, no auto de exame directo e avaliação de fls. 1109, no relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 1177 a 1181, nas reportagens fotográficas e fotografias de fls.47, 48, 501 a 508, 662 a 666, 835 a 838, 841 a 843, 848 a 862, 930 a 932, 939 a 940, 944 a 946, 1088 a 1092, 1099 a 1101; nos autos de relatórios de vigilância, de ocorrência e de diligência de fls. 52 e 53 (onde o arguido no dia 30 de Novembro foi visto a conduzir o veiculo de matricula 37-75-CP), 68 e 69 (onde o arguido no dia 7 de Janeiro de 2013 foi visto a conduzir o veiculo de matricula 37-75-CP), 494 a 500, 552 a 553, 833 a 841, 845 a 847, 924 a 929, 933 a 938 nos documentos de fls. 78 (documento do I.M.T.T.), nos autos de intercepção telefónica, gravação e remessa de escutas telefónicas de ao alvo 58206040 de fls. 119, 120, 121, 123, 140 a 142, 172 a 175, 188 a 181, 209 a 212, 217, 219 a 220, 223, 238, 239, 244, 246, 247, 254, 296, 297, 303, 305, 306, 311, 349, 350, 353, 355, 356, 359, 361, 362, 364, 386, 387 a 390, 393, 395, 397 a 403, 423 a 456, 469 a 472, 477 a 492, 543 a 550, 557 a 563, 574 a 584, 600 a 614, 636 a 643, 683 a 687, 769 a 774, 796 a 832, 892 a 918, 943, 1028 a 1054 (onde se poderá verificar variadas mensagens e chamadas de voz que, no hiato de tempo de 5 meses consignaram cerca de 86 (oitenta e seis) transacções de produto estupefaciente ou tentativas de transacções, porquanto o arguido, por vezes, não possuía produto estupefaciente. Nessas escutas ainda se verifica que por duas ou três vezes é-lhe perguntado se tem ‘neve’ – dirigindo-se inequivocamente à cocaína, porém, o arguido afirma não ter) no essencial, corroborados pelos depoimentos das referidas testemunhas que abaixo se descriminam sumariamente, e no relatório social do arguido, bem como na conjugação entre si de todos os referidos elementos de prova e na sua conjugação com as regras da experiência comum e análise à luz destas. No que concerne à detenção, por parte do arguido, do haxixe e quanto à natureza e quantidade de tal produto estupefaciente apreendido ao arguido e bem assim apreendido ao comprador do arguido, logo após as vendas que o arguido lhe fez (vendas que foram, algumas, detectadas por elementos da OPC, muito embora não presenciadas directamente e relatadas nos autos de vigilância, em parte fotografadas e tudo confirmado em Tribunal, pelas testemunhas), baseou-se o Tribunal nos relatórios periciais acima referidos, sendo que, estes, por provenientes do Laboratório de Polícia Científica, entidade que pela sua isenção e reconhecido valor científico, nos mereceu credibilidade, bem como nos relatórios de vigilância (e, em parte, pelas respectivas fotos validadas), e nos autos de apreensão acima citados, elaborados pelos agentes dos OPC que procederam à sua apreensão, que pela isenção da entidade que os elaborou, nos mereceram igualmente credibilidade. Também neste respectivo auto de apreensão, e pelas mesmas razões, se baseou o Tribunal quanto ao montante do dinheiro apreendido ao arguido. Relativamente ao papel do arguido, à respectiva conduta, ao período de tempo em que decorreu a respectiva actividade de tráfico, ao “volume de negócios” à proveniência do dinheiro apreendido ao arguido, ao facto de viver, essencialmente, do produto da venda, tal resulta da conjugação de diversos factos entre si e com as regras da experiência comum. Desde logo, o arguido admitiu, em audiência, que no período temporal em causa facilitou, algumas vezes, entregas a outros indivíduos, para ele próprio também consumir estupefaciente. Por outro lado, as testemunhas inquiridas em sede de julgamento explicaram ao Tribunal, qual era o modus operandi do arguido, por elas presenciado, qual a quantidade de toxicodependentes que viam comprar ao arguido, de cada vez que o vigiavam, no que era corroborado, ainda, quer pelas fotografias das vigilâncias e do relatado nestas (tudo confirmado pelas referidas testemunhas), o que tudo relataram ao Tribunal, de forma circunstanciada. E nenhumas dúvidas podem subsistir, à luz das regras da experiência comum que, o que o arguido entregava aos consumidores era haxixe (e em troca recebia dinheiro), pois essa a substância apreendida aos consumidores logo após a receber do arguido. Nenhuma outra substância ou tipo de produto foi apreendido após a “troca” ou sequer referido fosse por quem fosse, nomeadamente pelo arguido. Assim, se fossem, por exemplo, cromos, berlindes, géneros alimentícios, ou qualquer tipo de objectos de coleccionismo, certamente que o arguido não deixaria de o dizer quando prestou declarações e certamente avançaria com uma explicação para o facto, o que não fez. Ademais, os interlocutores do arguido sempre foram indivíduos conhecidos como toxicodependentes e o local e modus operandi sempre foi similar, quer nos casos em que houve apreensão de haxixe em acto seguido à “transacção”, quer nos casos em que aquela não se seguiu a esta. A que acresce o facto de, tendo as referidas testemunhas deposto de forma isenta, objectiva e esclarecedora e face à razão de ciência de ambas, foram os seus depoimentos merecedores da credibilidade do Tribunal. Também os autos de apreensão e de busca e apreensão, as reportagens fotográficas e fotografias, os relatórios de vigilância e os documentos acima referidos (no essencial, corroborados pelos depoimentos das referidas testemunhas), tudo documentos elaborados por OPC, entidades isentas que os elaboraram, na sequência do que presenciaram com os seus próprios olhos ou ouviram com os seus próprios ouvidos, no desempenhos das respectivas funções, nos merecem a máxima credibilidade. No que concerne aos factos constantes da situação pessoal do arguido baseou-se o Tribunal no relatório social do arguido, juntos aos autos, cuja finalidade é precisamente o apuramento da situação pessoal e social do arguido, é proveniente de entidade isenta, elaborados com recurso a conjunto de fontes e diligências aptas ao apuramento dos factos referidos, e nenhum outro elemento de prova constante dos autos contraria ou infirma os factos que o Tribunal deu como provados com base no referido relatório, pelo que os mesmos nos mereceram credibilidade. Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se nos certificados de registo criminal do arguido constante dos autos. Concretizando sucintamente o que foi dito pelo arguido e testemunhas. Pelo arguido foi dito, como acima de referiu, que “desenrascava a uns colegas”, mas nunca vendeu cocaína era apenas haxixe. Que o fazia desde Outubro de 2012 até ser detido. Referiu que nunca vendeu nada ao PV mas que vendeu uma ou outra vez ao JS (era colega dele de escola), tendo admitido as cinco vezes referidas na acusação. Também admitiu a venda de haxixe uma vez a ER, porém não se recorda de uma segunda vez. O arguido esclareceu que fuma haxixe desde os 12/13 anos e que ia buscar o haxixe para os colegas/conhecidos com dinheiro deles e o arguido ganhava as ‘fezadas’, tando da parte do vendedor como da parte dos compradores, sendo que tinha um consumo habitual de cinco a seis charros por dia. Mais esclareceu que a droga encontrava na sua casa, estava em cima de um armário da cozinha e não era dele mas do colega de casa chamado RB. Sendo que toda a outra droga que lhe foi apreendida era para seu consumo. A testemunha JL, militar da GNR que apenas conhece o arguido dos factos, confirmou que foi chamado a uma ocorrência de desacatos no dia 25 de Outubro de 2012 e que o arguido colocou-se em fuga e atirou para o chão uma bolsa que continha dentro uma faca, alguma droga e cerca de 130 euros em notas de €20. A testemunha RSS, militar da GNR, confirmou o depoimento do militar anterior, tendo a certeza que o arguido atirou a bolsa para o chão. A testemunha PSD, militar da GNR, confirmou as vigilâncias efectuadas e juntas aos autos, sendo que foi o depoente que intercetou a testemunha PV na posse de 5 bolotas de haxixe (cerca de 50 gr). Mais acrescentou que viu o arguido conduzir algumas vezes dois veículos automóveis, um de matrícula portuguesa e um outro de matrícula espanhola. Concretamente, confirma a condução do arguido nos dias 15 e 16 de Outubro de 2013, e tem a certeza que era o arguido que estava a conduzir. A testemunha AM, militar da GNR titular do inquérito, referiu não ter visto qualquer transacção directamente, mas que abordou a testemunha PV e o mesmo possuía 5 bolotas de haxixe. Confirmou igualmente as escutas telefónicas que ouviu e as referidas transacções lá exaradas. Referiu ainda ter visto o arguido a conduzir dois veículos automóveis, um de matrícula espanhola e outro de matrícula 37-75-CP em Agosto de 2013 e 7 de Janeiro de 2013 e que confirma as referências de que efectuou no processo. A testemunha LB, cabo da GNR, confirmou que viu o arguido a conduzir o veículo no dia 7 de Janeiro de 2013 e bem assim 8/9 de Agosto um veículo de matrícula espanhola. A testemunha JP, militar da GNR, o qual referiu ter efectuado a revista ao arguido no dia 7 de Outubro de 2014, perto do Bar ‘Os namorados’ e que o mesmo detinha 4 grs de haxixe e cerca de 755 euros em notas. A testemunha JMJ, Sargento da GNR, esteve presente em quatro diligências. Vigiou o arguido quando este, no dia 7/8 de Agosto saiu do Restaurante ‘Lima’, entrou no veículo da testemunha PV, dirigiram-se às Varandas do Mar, o arguido saiu da viatura, deslocou-se atras do prédio, regressou novamente à viatura e regressaram ao restaurante. Porém, não conseguiu visualizar a transacção. Também vigiou o arguido no café ‘Kalipa’ mas não conseguiu ver qualquer transacção directa e igualmente presenciou o contacto do arguido com duas raparigas e a lhes entregar algo. Por fim, visualizou igualmente o arguido perto na Rua do Estádio e que o JS e um outro individuo debruçaram-se dentro do veículo do arguido, porém não foram interceptados. No que se reporta à condução de veículo sem habilitação legal, viu o arguido a conduzir o veículo de matrícula espanhola no dia 15 de Outubro de 2013. A testemunha RG, militar da GNR, interceptou a testemunha PV em Armação de Pera. A testemunha ER referiu ter visto o arguido por duas vezes, que o contactou através de telemóvel e que lhe comprou ¼ de bolota de haxixe da primeira vez e cerca de 20/50 euros de haxixe da segunda vez. Acrescentou ainda que nunca deu qualquer fezada ao arguido. A testemunha PV referiu ter comprado duas vezes haxixe ao arguido (contactando-o através de telefone), cinco bolotas de cada vez, sendo que pagou cerca de 200 euros, de cada vez. Esclarece ainda que de uma vez pretendia 10 bolotas mas que apenas comprou 5 bolotas não referindo igualmente qualquer ‘fezada’ atribuída ao arguido. A testemunha JS referiu nunca ter comprado haxixe directamente ao arguido mas sim a alguém que estava com ele. No entanto, telefonou-lhe duas vezes para saber se tinha haxixe. b) Quanto aos factos não provados: Não se provaram os restantes factos constantes da douta acusação e reproduzidos nos factos não provados, porquanto, relativamente aos mesmos nenhuma prova se produziu, como seja a venda de cocaína ocasionalmente ou como seja que era o único meio de sustento do arguido. Concretizando alguns factos, no que se reporta à testemunha JJ o mesmo não foi ouvido em audiência de discussão e julgamento, porquanto não foi notificado, pelo que não prestou o seu depoimento e inexistiu outra prova no que se reporta a este facto. No que se reporta ao facto b., a própria testemunha não corroborou tal facto, mas sim referiu que uma das duas vezes que comprou 5 bolotas, queria comprar mais, mas que o arguido não tinha. No que se reporta à venda à testemunha JS, muito embora este tenha negado a compra ao arguido, o próprio arguido confirmou a venda a esta testemunha por uma ou duas vezes, pelo que apenas duas vezes ficam provadas. No que se reporta à apreensão de produto estupefaciente na casa do arguido, o mesmo apresentou uma versão que a droga seria do colega de habitação. Ora, muito embora seja pouco provável à luz das regras de experiencia comum, facto é que ninguém veio informar tal versão, sendo que havendo duvidas sobre a propriedade de tal produto, não se dá como provado que pertencesse ao arguido.»
11 – Defende o recorrente que o acórdão revidendo é nulo, com apelo ao disposto nos artigos 1.º n.º 1 alínea f), 359.º e 379.º alínea b), do CPP, alegando que o arguido vinha acusado de um crime de condução sem habilitação na forma continuada e o Colectivo a quo, em comutação (a que o arguido só deu assentimento no pressuposto de que a moldura penal subjacente aos factos não seria agravada), veio a condená-lo pela prática de sete crimes de condução sem habilitação, mais adiantando que «tal incidente deveria constar da acta da audiência».
12 – A tanto opõe o Ex.mo respondente que tal alteração foi comunicada, nos termos do disposto no artigo 358.º, do CPP, e que, a respeito, nada foi oposto nem requerido pela Defesa.
13 – Neste particular, sublinhou o Ex.mo Magistrado do Ministério Público neste Tribunal ad quem que «a alteração comunicada ao recorrente consubstancia alteração não substancial, na definição legal, por não corporizar nem crime nem imputação diversos (no sentido de a reacção punitiva se reconduzir à tutela do mesmo bem jurídico)», antes tendo ocorrido «uma desconstrução da qualificação jurídica dos factos (afastando a continuação criminosa) que já constavam da acusação e não são autonomizáveis relativamente ao objecto do processo, e não dos próprios factos», por isso que «não ocorreu uma reconfiguração do objecto do processo: o bem jurídico protegido não é (agora) distinto do primitivo e não são diferentes nem objecto de distinto juízo valorativo os factos, que mantêm a sua identidade».
14 – Não havendo referência expressa, na acta da audiência de julgamento, à referida comunicação, deixou-se exarado, no relatório do acórdão revidendo (fls. 1639 dos autos): «Após produção de prova e deliberação do Colectivo de Juízes foi alterada a qualificação jurídica do crime de condução de veículo sem habilitação legal, na sua forma continuada para sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 358 n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, sendo que nada foi requerido.».
15 – Não se vê o n.º 1 do artigo 362.º, do CPP, reportado à acta da audiência, imponha que que a comunicação prevenida no artigo 358.º do CPP ali deva constar, ainda que, consinta-se, seja desejável que tal acto seja documentado in acta, do passo que se trata de acto decisório do tribunal colegial, conforme prevenido no artigo 97.º n.os 1 alínea b), 2 e 4, do CPP.
16 – Quanto à equação ante-posta pelo recorrente, afigura-se, no cotejo do despacho acusatório com o acórdão recorrido, que se não verifica, no caso, uma alteração dos factos descritos na acusação mas tão-apenas uma qualificação jurídica diversa dessa mesma materialidade.
17 – Com efeito, precedendo acusação pela prática de um crime continuado de condução sem habilitação, vindo o arguido a ser condenado pela prática, em concurso real ou efectivo, dos sete crimes integradores daquela continuação delitiva, verifica-se, em vista do disposto no artigo 1.º n.º 1 alínea f), do CPP, a contrario sensu, mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, a tratar nos termos previstos no n.º 1, por força do disposto no n.º 3 do artigo 358.º, do CPP – como ocorreu, no caso sub inde.
18 – Daí que não possa ter-se como verificada a pretextada nulidade do acórdão recorrido.
19 – O recorrente defende que o processo deve ser reenviado para novo julgamento pretextando que o acórdão revidendo padece dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do CPP e, de par, defende, invocando o disposto no artigo 412.º n.º 3, do mesmo Código, que o Colectivo a quo julgou incorrectamente como provados os factos alinhados, como provados, nos §§ 1 a 16 do correspondente rol
20 – Em abono, alega que aqueles pontos da matéria de facto deviam ter sido julgados não provados, oferecendo a sua própria interpretação probatória sobre as declarações e depoimentos levados na audiência de julgamento.
21 – Cabe esclarecer, desde logo, que a douta alegação do recorrente traduz, não os pretextados vícios de procedimento, resultantes do texto da decisão recorrida (conforme prevê o n.º 2 do artigo 410.º, do CPP), a se ou cotejada com as regras da experiência comum, mas sim a invocação de um erro de julgamento da matéria de facto (dissentimento prevenido nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º, do CPP).
22 – Trata-se de deficiências distintas, no ponto em que o invocado vício de erro notório reporta a um defeito in procedendo, resultante, à evidência, da própria decisão, que subscreve, designadamente, uma falha grosseira na análise da prova, tendo por consequência o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426.º n.º 1, do CPP), enquanto o erro de julgamento em matéria de facto traduz um defeito in judicando, cuja sequela implica a comutação da matéria de facto (artigo 431.º, do CPP).
23 – No caso, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), não pode deixar de reconhecer-se que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP.
24 – Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, não se vendo, ademais, à luz do deciso, que os Mm.os Juízes do Tribunal a quo tenham alcançado qualquer estado de dúvida e que o tenham resolvido contra reo.
25 – Por outro lado, adiante-se, no âmbito do referido erro de julgamento em matéria de facto, mesmo concedendo que o recorrente deu o devido cumprimento ao disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, há-de averiguar-se, revista a prova produzida na audiência de julgamento levada na instância, e à míngua da imediação e da oralidade de que os Mm.os Juízes do Tribunal recorrido beneficiaram, se a tese sustentada, fundamentadamente, no acórdão revidendo, nos termos e âmbito do disposto, maxime, nos artigos 374.º n.º 2 e 127.º, do CPP, deve ter-se como imposta (não apenas como consentida) pela prova produzida na audiência levada em primeira instância.
26 – E assim, sob análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, cabe averiguar se a convicção formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) diverge, ou não, daquela que os Mm.os Juízes do Tribunal a quo alcançaram e exprimiram na decisão recorrida, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice.
27 – Importa ademais ter presente que a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, não conduz a um novo julgamento nem pode supri-lo.
28 – Na verdade, a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no Tribunal.
29 – O modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos.
30 – Pode mesmo dizer-se que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (em muitos casos, v.g., a credibilidade que se concede a um meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais - cfr. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205 e in «Direito Processual Penal», Lições 1988-1989, pp. 135 e segs.
31 – Ensinava o Prof. José Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» - Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 566.
32 – Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.
33 – Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas.
34 – Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal.
35 – Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida.
36 – Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso.
37 – A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica.
38 – Por outro lado, há que sublinhar, a lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1ª instância apenas ocorre nos termos apontados no artigo 431.º do mesmo Código, entre os quais a impugnação da matéria de factos nos termos do artigo 412.º n.º 3, do mesmo diploma.
39 – E aqui devem ser indicados não (apenas) os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de factos e as concretas provas que impõem decisão diversa.
40 – Por isso, o tribunal de 2.ª instância, apesar de ter poderes de cognição em matéria de facto, não pode sem mais, apreciar quais os meios de prova de que se socorreu o tribunal da 1ª instância para ter dado como provados os factos que veio a dar como provados ou para julgar não provados os factos que sedimento como tal.
41 – Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa.
42 – Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de se limitar a impugnar a convicção do tribunal recorrido.
43 – O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, que este formule uma outra versão da prova produzida.
44 – Por outro lado ainda, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova.
45 – Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
46 – E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento decantado para a decisão recorrida.
47 – Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
48 – A esta luz, apreciemos a dissensão do recorrente relativamente ao julgado, na instância, sobre a matéria de facto.
49 – Como transcorre das conclusões, mas também do corpo da motivação do recurso, o recorrente (para além de quanto, acima, se referenciou, no tocante ao alegado em sede de nulidade e de vícios do acórdão revidendo) alega que se não provaram factos que permitam subsumir a respectiva conduta no tipos-de-ilícito prevenido no artigo 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93 (tráfico de estupefacientes).
50 – Sem desdouro para o esforço argumentativo do recorrente, e mesmo consentindo que o assim alegado traduz a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto (nos termos prevenidos no citado artigo 412.º n.º 3, do CPP), afigura-se que a douta argumentação recursiva não pode colher provimento.
51 – Desde logo, não se vê, à luz da prova produzida, de cotejo com a fundamentação da decisão levada sobre a matéria de facto, que os Mm.os Juízes do Tribunal recorrido devessem ter alcançado qualquer estado de dúvida a resolver pro reo.
52 – Com efeito, é o próprio arguido que assume, nas declarações produzidas em audiência de julgamento que algumas vezes facilitou entregas de estupefacientes a terceiros, pretextando que assim para subsidiar o seu próprio consumo.
53 – Só que tal tese é contrariada não apenas pela quantidade de produto, dinheiro e materiais de desdobramento apreendidos, pelos exames periciais, pelas intercepções telefónicas e vigilâncias, também pelos depoimentos dos agentes policiais (testemunhas JL, RS, PD, AM, JP) e dos próprios compradores do produto (testemunhas ER e PV), tudo a inculcar uma prática reiterada de venda de haxixe («pelo menos», no dizer da decisão recorrida) a terceiros (um «volume de negócio»), em quantidades e por preço que nada têm de «diminutas» e que não podem corresponder, de todo em todo, com o mero e exclusivo abono do consumo do arguido.
54 – Vale por dizer, em conclusão, que as provas produzidas na audiência de julgamento realizada na instância não apenas consentiam como impunham a decisão levada pelo Colectivo a quo sobre a matéria de facto.
55 – Acresce salientar que a tese do recorrente, em sede de erro in judicando, no ponto em que pretexta a subsunção dos factos na previsão típica dos artigos 26.º (traficante-consumidor) ou 25.º (tráfico de menor gravidade), do DL n.º 15/93, se sustenta em uma comutação da decisão sobre a matéria de facto que, como se expôs, não pode proceder, por isso que, também nesse particular, o alegado não pode lograr provimento.
56 – Em matéria de escolha e medida das penas, o recorrente pretende ver mitigada a pena concreta de 9 anos de prisão em que foi condenado, alegando que «é pessoa jovem, humilde, de parcos recursos, que vivia do seu salário e com o qual tem de fazer face às obrigações que ora são de chefe de família (de pai de uma menor de 1 ano)» e invocando «o facto de o arguido ter assumido os factos que efectivamente praticou», pretextando, para concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de jure, por deficiente interpretação do disposto nos artigos 40.º, 71.º e 72.º, do Código Penal (CP).
57 – A tanto se opõem os Ex.mos Magistrados do Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, sublinhando, designadamente que «mostrando-se particularmente prementes as exigências de prevenção geral e, no caso concreto, estando num patamar superior as de prevenção especial, dada a reiterada violação dos valores e bens jurídicos protegidos pela(s) norma(s), não se nos afigura passível de censura o quantum para as penas encontrado relativamente a qualquer um dos crimes (tráfico e condução ilegal), o qual se revela, a nosso ver, como a resposta que a sociedade entende como ajustada e adequada à gravidade e consequências dos ilícitos em causa».
58 – Em sede de escolha e medida da pena, o Colectivo a quo ponderou nos seguintes termos: «O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos (artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93). O crime de condução de veículo sem a habilitação legalmente exigida, previsto no artigo 3º, n.º2, do Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro, é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. Da não aplicação do Regime especial para jovens delinquentes. Resulta da factualidade provada que o arguido nasceu no dia 31.08.1992, tendo sido os factos praticados no período temporal de Outubro de 2012 a 23 de Outubro de 2014. Ora, o arguido perfez os 21 anos de idade a meio da prática de tal crime (31.08.2013), sendo que para efeitos de aplicação de tal regime constante do D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, contará necessariamente a ultima data, ou seja, quando já tinha os 21 anos de idade e por isso, não lhe será aplicável tal regime. Ainda que assim não fosse, considerando o facto de o arguido possuir anteriores condenações de que já foi alvo e ainda a gravidade e repetição dos crimes cometidos, indicadores da personalidade do arguido altamente propensa para prática reiterada deste tipo de crimes, não tem o Tribunal quaisquer razões sérias para crer que da atenuação especial da pena de prisão pudessem resultar quaisquer vantagens para a reinserção social deste arguido. Por conseguinte, seria de afastar igualmente a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 4º do D.L. nº 401/82 de 23 de Setembro. Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º do C.P.). Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P. A culpa, como fundamento último da pena funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artigo 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”) fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145). As necessidades de prevenção geral são prementes, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo. Atendendo, à quantidade e à qualidade do produto estupefaciente apreendido, à dimensão da actividade do arguido, que procedeu as vendas diárias, numa conduta que se prolongou por cerca de dois anos, bem como ainda gravidade revelada pela circunstância de se tratar de estupefaciente destinado à venda a terceiros, é de concluir que é relativamente elevado o grau de ilicitude dos factos. No que se reporta aos crimes de condução de veiculo sem habilitação legal, considera igualmente este colectivo de juízes não ser de aplicar pena de multa atento a que considera não ser suficiente censura para a prática dos factos cometidos, atento o numero de vezes, a ilicitude elevada (ainda que não tenha tido qualquer acidente rodoviário), a pratica reiterada e as condenações anteriores da mesma natureza. O arguido actuou com dolo directo em todos os crimes cometidos. O arguido regista antecedentes criminais, por crimes de idêntica natureza (tanto em relação ao crime de trafico de estupefacientes como em relação ao crime de condução de veiculo sem habilitação legal). De realçar que, o arguido, continuou a cometer o mesmo tipo de crime (trafico de estupefacientes) no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no âmbito dos processos 85/10.1GCLLE e 1279/11.8GBABF, demonstrando claramente com a sua conduta a insuficiência daquela penas para o afastar da criminalidade. A confissão do arguido é parcial e apenas para referir que seria para sustentar o seu consumo, quando o mesmo trabalhava na altura e este tipo de estupefaciente é o mais barato do mercado. Fazem-se, assim, sentir elevadas necessidades de prevenção especial positiva, quanto ao arguido. Nestes termos, e à luz do disposto nos artigos 21º, nº 1 do D.L. 15/93, e 71º, nºs 1 e 2 do C.P., entendemos adequado e proporcional aplicar, ao arguido, pena de 7 (sete) anos de prisão e à luz do disposto no artigo 3º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a pena de 8 (oito) de meses de prisão, por cada um dos sete crimes praticados. Do cúmulo jurídico das penas aplicadas. Fixadas as penas parcelares, resta apenas proceder ao seu cúmulo jurídico com observação pelo disposto no artigo 77º do Código Penal, nos termos do qual, na medida dessa pena única a aplicar ao arguido, se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade deste. Mas, antes do mais, há que determinar a moldura legal do concurso, que será compreendida entre um mínimo e um máximo de, respectivamente, 7 (sete) anos e 11 (onze) anos e 8 (oito) meses (artigo 77º nº 2 do Código Penal). Ora, é dentro desta moldura que se terá que determinar a pena a aplicar em concreto ao arguido pelos oito crimes que cometeu. E é aqui que se têm que ter em conta os factos e a personalidade do agente, ao lado das exigências de prevenção geral e especial e da sua culpa. No dizer do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Parte geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 291) “tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivo para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente elevar “sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o agente (enquanto vertente da prevenção especial).Tendo em conta as considerações acima feitas e operando o cúmulo jurídico nos termos do art. 77º do Código Penal, (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, revelada, nomeadamente, no modo de execução dos crimes), condena-se o arguido na pena única de 9 (nove) anos de prisão.»
59 – Dispõe o artigo 40.º n.º 1, do CP, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
60 – As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.
61 – Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.
62 – A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.
63 – As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
64 – Num caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
65 – Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
66 – Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
67 – A criminalidade relativa ao tráfico de psicotrópicos tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da saúde e, também pelos crimes associados, da tranquilidade social comunitária.
68 – O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.
69 – As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade.
70 – As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
71 – Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas no artigo 71.º n.º 2 alíneas a) a f), do CP.
72 – Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.
73 – No caso, o desvalor do resultado da conduta do arguido que, incontornavelmente, disseminou haxixe por terceiros, procedendo a vendas, praticamente diárias, durante quase dois anos, e, de par, tripulando, reiteradamente, veículos automóveis, sem a pertinente habilitação legal, não pode deixar de prevenir a aplicação de uma pena não detentiva.
74 – Por outro lado, o recorrente não invoca quaisquer circunstâncias que não tivessem sido, de todo, consideradas pelo Tribunal recorrido, designadamente a confissão parcial e as circunstâncias pessoais.
75 – De par, como decorre do acórdão revidendo, não pode fazer-se olvido de que o arguido regista já um pretérito delitivo de algum relevo: «18. Por Acórdão transitado em julgado em 20.06.2012, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 30.11.2010, pelos crimes de tráfico de estupefacientes e resistência e coacção sobre funcionário na pena única de dois anos e quatro meses de prisão. 19. Por Sentença transitada em julgado no dia 13.05.2013, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 28.11.2012, pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa à razão diária de €5,00. 20. Por sentença transitada em julgado no dia 09.09.2013, foi o arguido condenado por factos ocorridos em 02.06.2011 e 23.09.2010, pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário e pelo crime de tráfico de estupefacientes e de menor gravidade, na pena única de 220 dias de multa à razão diária de €5,00 e bem assim na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob regime de prova.» E que «o arguido, continuou a cometer o mesmo tipo de crime (trafico de estupefacientes) no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no âmbito dos processos 85/10.1GCLLE e 1279/11.8GBABF, demonstrando claramente com a sua conduta a insuficiência daquela penas para o afastar da criminalidade».
76 – Sem embargo (e sem qualquer desdouro para a sensibilidade dos Mm.os Juízes do Tribunal a quo), atenta a juvenilidade e o trem de vida do arguido, a que acresce o facto de este ter assumido (ainda que apenas em parte) a actividade delitiva, afigura-se que, à luz dos referidos preceitos, as penas parcelares (nas molduras de 4 a 12 anos de prisão, no caso do crime de tráfico de estupefacientes, e de prisão até 2 anos ou multa, no caso de cada um dos sete crimes de condução sem habilitação) se deverão ater a 6 anos de prisão, em punição do crime de tráfico de estupefacientes, e a 6 meses de prisão, em punição de cada um dos sete crimes de condução sem habilitação.
77 – O artigo 77.º n.º 1, do CP, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»
78 – Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que, com a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, e não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (para dizer com o Prof. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», pp. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
79 – O todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso.
80 – A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.
81 – Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, a que se refere o CP.
82 – O artigo 77.º n.º 2, do CP, estabelece que pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa: e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
83 – Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
84 – Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
85 – De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
86 – Importa, contudo, realçar que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares.
87 – Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
88 – Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
89 – Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado.
90 – O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes.
91 – Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
92 – Este critério especial, da determinação da medida da pena conjunta, do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção –, impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.
93 – No caso, tudo ponderado, com sustento no disposto no artigo 77.º n.os 1 e 2, do CP, valorando globalmente os factos e a indiciada personalidade do arguido, tendo presente que a pena única há-de ser concretizada nos limites da moldura abstracta de 6 a 9 anos de prisão, afigura-se ajustada a pena única de 7 anos de prisão, no ponto em que satisfaz os interesses e necessidades de prevenção especial e geral e em que não ultrapassa a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida decorrente da severidade do facto global.
94 – Termos em que, neste particular – ainda que por razões substancialmente diferentes das invocadas –, o recurso merece provimento.
95 – Não cabe tributação – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, a contrario sensu. III 96 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, RSMV, revogando-se o acórdão recorrido no ponto em que o arguido passa a condenado (i) nas penas de 6 (seis) meses de prisão por cada um dos 7 (sete) crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cada um previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, (ii) na pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, (iii) em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, na pena única de 7 (sete) anos de prisão; (b) que não cabe tributação.
Évora, 22 de Setembro de 2015
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto) |