Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
| Descritores: | DEFEITOS DA OBRA ACEITAÇÃO DA OBRA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
| Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1 - No caso vertente tendo a execução de parte dos trabalhos contratados pelo Apelante à Apelada (relativos ao telhado) sido objecto de alteração no respeitante aos materiais utilizados por iniciativa da Apelada, mas aceite pelo Apelante, que não apresentou qualquer reclamação, tal deverá ser interpretado como alteração autorizada e como tal não defeituosa. 2 - Nesse contexto e pese embora tenha resultado provado que os materiais efectivamente utilizados na execução do telhado implicaram um custo de obra “mais barato” que os acordados no orçamento inicialmente aceite pelo Apelante, inexiste fundamento para dedução de preço, a qual, de resto, nem sequer foi expressamente peticionado em sede de contestação-reconvenção por parte do Apelante. 3 - A demanda do Apelante em sede de reconvenção respeitante ao pedido indemnizatório e a circunstância de não ter imputado pagamentos feitos à Apelada a outros trabalhos posteriores realizados por sua solicitação não é suficiente para concluir que o mesmo dolosamente, ou pelo menos com negligência grave, tenha incorrido na previsão da alínea a), ou da alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, antes se enquadrando na esfera da diversidade de versões sobre certos factos e em sede de alegação de pretensão/oposição que naufragou por a parte não ter conseguido convencer o tribunal da realidade trazida a juízo. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 951/20.6T8SLV.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo Central Cível Portimão-Juiz 2 Apelante: (…) Apelada: (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda. *** Sumário do Acórdão (Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) * Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda., com sede na Rua da (…), n.º 35, 8375-108, São Bartolomeu de Messines, instaurou ação declarativa, condenatória, com processo comum, contra (…), residente em Casa (…) – (…) – (…), 8375-074 São Bartolomeu de Messines, com o n.º de contribuinte fiscal, pedindo a condenação do Réu: - A pagar-lhe a quantia total € 9.513,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação até à data do integral pagamento, sendo: a) A quantia de € 9.348,00 (€ 7.600,00 + € 1.748,00 de IVA) referente à fatura n.º (…), emitida pela A. em 15-05-2020; b) A quantia de € 165,00 referente a taxas camarárias devidas pelo Réu mas pagas por si. Alegou para tanto, em síntese, a prestação de serviços no âmbito de uma empreitada e o não pagamento pelo Réu. Citado, o Réu contestou, tendo impugnado a factualidade alegada e deduziu pedido reconvencional pretendendo: a) A condenação da Reconvinda a restituir-lhe a quantia de € 17.237,69, que lhe foi entregue em excesso ao que estava fixado no acordo estabelecido; b) A condenação da Reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 219.800,00 respeitante ao prejuízo que lhe causou em virtude de com a sua atuação ter impedindo que o imóvel tivesse sido vendido pelo valor estabelecido no contrato-promessa de compra e venda; c) A condenação da Reconvinda a pagar os juros de mora sobre os mencionados montantes, contados desde a notificação até integral pagamento. Não obstante, a final, não ter concluído pela condenação da Autora como litigante de má fé, alegou o Réu que a Autora teria agido com má fé, ocultando factos que sabia serem do seu conhecimento (…). Houve lugar a réplica, na qual a Autora alegou ter o Réu deduzido uma contestação cuja falta de fundamento não ignorava, nem devia ignorar. A reconvenção veio a ser admitida e em consequência julgada a incompetência do Juízo Local Cível, exatamente, em razão do valor. A ação foi remetida ao Juízo Central Cível, tendo sido distribuída ao Juiz a quo. Procedeu-se a audiência final, na qual foi admitida a ampliação do pedido formulada naquela pelo reconvinte no que se refere à quantia de € 17.237,69, passando a € 18.430,69. Seguiu-se o proferimento da sentença, que contem o seguinte dispositivo: “III. DECISÃO Pelo exposto, julgo a ação e reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decido: a) Condenar o réu (…) a pagar à autora (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda., a quantia de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros), acrescida de juros legais desde o dia seguinte ao da citação; e a quantia que vier a ser liquidada nos termos que se seguem, tendo em conta a diferença de custo entre o telhado orçamentado (em madeira nórdica) e o telhado efetivamente construído: o apuramento de saldo devedor/credor na esfera da autora e assim, decidir-se de forma definitiva sobre o pedido sob a alínea a) e parte do pedido reconvencional da alínea a); b) Absolver a autora do pedido reconvencional sob a alínea b); c) Absolver a autora do pedido como litigante de má fé; condenar o réu como litigante de má fé e no pagamento da multa correspondente a sete UCs, € 714,00 (setecentos e catorze euros). As custas da ação/reconvenção serão da responsabilidade das partes nos seguintes termos: parte correspondente ao pedido da autora e pedido a) do réu, em partes iguais, vindo o rateio definitivo a efetuar-se conforme o que vier a ser liquidado; pedido reconvencional da al. b), a cargo do reconvinte. Valor da ação: o já fixado a fls. 78, € 246.550,69. Registe e notifique.” * Inconformado com a sentença, veio o Réu apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando extensas conclusões, que rematou da seguinte forma: “Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e por via dele ser revogada a sentença recorrida e o Réu ser absolvido dos pedidos formulados pela A.. Mais deve a reconvenção deduzida pelo Réu ser julgada provada e procedente e a A. ser condenada a restituir a quantia de € 18.430,69, bem como, a pagar a indemnização que foi solicitada. Deve ainda a A. ser condenada a restituir ao Réu o valor a liquidar em virtude da execução do telhado em vigotas de cimento representar um custo de obra mais barato do que aquele que foi orçamentado. A A. deve ainda ser condenada como litigante de má-fé e nas custas do processo.” * A Autora apresentou resposta ao requerimento de recurso, concluindo do seguinte modo: 1ª A segunda parte da alínea a) da douta Sentença do Tribunal a quo infringe o princípio plasmado no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido, consequentemente, incorrendo na nulidade prevista no n.º 1, alínea e), do artigo 615.º do CPC. 2ª Mas também nula por força da alínea d) da mesma norma legal, ou seja, nula por omissão de pronúncia no que concerne ao peticionado pagamento de juros de mora relativamente à alínea a) do petitório da ação, tão só se pronunciando relativamente à sua alínea b). 3ª Nulidades essas da Sentença ora arguidas pela A. recorrida ao abrigo e nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC. 4ª Por razões distintas o R. recorrente igualmente argui nulidades da Sentença, designadamente, qualificando-as como as previstas nas alíneas b) e c) do mesmo artigo 615.º, n.º 1, mas erradamente porquanto não se verificam os pressupostos ali exigidos, pelo que sem razão a Conclusão 4ª do recurso. 5ª Por outro lado, ao abrigo e nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, a A. requer a V. Exas. o conhecimento do fundamento da Sentença relativamente ao decaimento da ação, porquanto, tendo peticionado o pagamento da fatura respeitante à tranche em dívida do trabalho do telhado e inerente à conclusão do mesmo, carece de fundamento a Sentença condicionar o quantum desse pagamento ao valor (a obter em sede de liquidação) do telhado construído em vigotas de cimento, porque, por um lado, o R. não negou a obrigação de pagamento dessa fatura, o que alegou foi que a tinha pago porquanto tinha entregue à A. um valor superior ao valor total do orçamento subjacente à causa de pedir da ação, e, por outro lado, porque o R. aceitou a alteração do telhado em madeira nórdica para vigotas de cimento. 6ª Aliás, o R. em sede de reconvenção não peticionou qualquer “excesso” derivado do alegado facto do telhado construído em vigotas de cimento ser “mais barato”, o que peticionou foi o diferencial entre o valor do orçamento da primeira adjudicação (€ 76.260,00), onde se incluía o trabalho do telhado, e o valor total entregue à A. (€ 93.497,69). 7ª Assim, desde logo, o R. objetivamente reconhecendo a obrigação de pagamento da integralidade desse orçamento! 8ª Sendo que, o R. agiu de má fé (e mais gravosamente ora persiste) ao encapotar que o apelidado “excesso” diz respeito a pagamentos que devidamente efetuou de duas faturas por outros trabalhos que subsequentemente àquela primeira contratação veio também a adjudicar. 9ª É completamente falsa a afirmação ora produzida pelo R. em sede de recurso de que a A alegara a contratação “exclusivamente” dos trabalhos inseridos naquela primeira adjudicação. 10ª A A. na p.i. apenas chamou à liça a primeira adjudicação porquanto apenas no âmbito desta existia uma fatura por pagar, portanto, não tinha que referir as outras adjudicações que se encontravam devida e totalmente pagas. 11ª A A. na Réplica apenas invocou essas subsequentes adjudicações, dado o facto do R. na Contestação ter mal intencionadamente misturado alhos com bugalhos, ou seja, imputando pagamentos que efetuou no âmbito das adjudicações subsequentes, e estas omitindo, como se pagamentos fossem no âmbito da primeira adjudicação, como se esta fosse a única, isso sim. 12ª Assim como também manifestamente falsa a ora justificação de que ao pagar aquelas duas faturas por outros trabalhos encomendados subsequentemente, “julgava estar a efetuar” ao abrigo da primeira empreitada, quando da respetiva descrição constam claramente os trabalhos a que se reportavam, e tanto assim que as pagou, e nunca reclamou. 13ª O R. também defende agora o direito à restituição do pagamento de uma dessas duas faturas, a relativa aos muros de contenção, sucede, porém, que, jamais tal peticionou na reconvenção, e, por outro lado, a fatura era devida 100% com a adjudicação, sendo irrelevante que os muros não tivessem sido construídos enquanto ele R. ainda proprietário do imóvel, quer porque, tal deveu-se ao facto de ter antecipado a venda do imóvel, não dando tempo a essa construção, e, por outro lado, tendo a obrigação de construção, devido à essa antecipação, passado a ser perante o novo proprietário. 14ª O R. revela uma argúcia inaceitavelmente de má fé, ao peticionar pedido de indemnização à A. (o diferencial entre o valor da venda previsto no contrato promessa e o valor da venda concretizado no contrato definitivo) imputando-lhe a culpa por ter negociado com terceiro a venda do imóvel em “moldes diferentes”, e, simultaneamente, culpar esse terceiro de o ter enganado por esses mesmos “moldes diferentes” pedindo a anulação da venda, desde forma, com esta estratégia visando receber dos dois lados, designadamente, da A. receber aquele diferencial, e do terceiro receber o imóvel de volta. 15ª Quanto à pretensa alteração da matéria de facto dada como provada e, bem assim, da dada como não provada, o R. não apresenta a mínima razão válida para o efeito, limitando-se a aduzir abstrações e argumentos infundamentados e sem nexo, socorrendo-se até de falsidades, sendo, desta forma, completamente impróprias as Conclusões 9ª a 21ª e 25ª a 38ª. Termos em que, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências Venerandos Senhores Juízes Desembargadores mui doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelo R. ser julgado totalmente improcedente. Por outro lado, devem ser julgadas procedentes as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ora arguidas pela A. recorrida ao abrigo e nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC. E, bem assim, concedido provimento ao requerimento da A. recorrida, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, para conhecimento do fundamento da Sentença relativamente ao decaimento da ação, e, em consequência, ser o mesmo julgado inteiramente procedente, e, desta forma, a decisão do Tribunal a quo alterada no sentido de ser eliminado o decaimento, julgando-se totalmente procedente a ação, e, consequentemente, o R. condenado no pagamento integral peticionado, incluindo os juros de mora. * O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo. * Distribuídos os autos neste Tribunal da Relação, foi proferido o seguinte despacho de relator: 1- I - Resulta do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. II - Decorre, outrossim, do artigo 652.º, n.º 1, do CPC, que ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: “a) […]convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º”. III - Por seu turno, dispõe o referido n.º 3 do artigo 639.º do CPC, que: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”. IV - A este propósito diz-nos o Conselheiro António Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, 2018, a pág. 155), que: “As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação…Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”. V - Ora, analisando criteriosamente o segmento das conclusões introduzidas no requerimento de recurso do Apelante verifica-se que as mesmas padecem notoriamente de falta da necessária sintetização percebendo-se que aquele logrou canalizar para o segmento das conclusões recursivas grande parte da argumentação aduzida no segmento da motivação, consequentemente repetindo-a. VI - Na verdade, se atentarmos devidamente no segmento reservado à motivação do recurso verificamos que o mesmo se inicia na página 5, dado que até aí o Apelante se limitou a transcrever a matéria de facto considerada como provada e não provada na sentença recorrida, estendendo-se até à página 15, ocupando assim 10 páginas, enquanto as conclusões recursivas desenvolvem-se entre as páginas 16 e 22, ou seja por 7 páginas, contendo 44 pontos. VII - O ora descrito procedimento seguido em concreto pelo Apelante ao apresentar um segmento de conclusões que corresponde a cerca de 70% da extensão do segmento da motivação do recurso contende, assim, com a razão de ser das conclusões recursivas não contribuindo da melhor forma para que o Tribunal de recurso filtre com a desejável facilidade e rapidez as concretas razões que justificam a pretensão daquele em ver alterado o julgado da 1ª instância. VIII - Destarte, convido o Apelante a no prazo de cinco dias apresentar novo segmento de conclusões recursivas devidamente sintetizado. 2. DN.” * Notificado do despacho o Apelante acedeu ao convite tendo apresentado novas conclusões com o teor que se passa a transcrever: “II - EM CONCLUSÃO: 1- O presente recurso é interposto da sentença datada de 01/05/2022, que condenou o réu (…) a pagar à A. (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda., a quantia de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros), acrescida de juros legais desde o dia seguinte ao da citação; e a quantia que vier a ser liquidada considerando a diferença de custo entre o telhado orçamentado (em madeira nórdica) e o telhado efetivamente construído: o apuramento de saldo devedor/credor na esfera da A. e assim, decidir-se de forma definitiva sobre o pedido sob a alínea a) e parte do pedido reconvencional da alínea a); absolveu a autora do pedido reconvencional sob a alínea b); absolveu a autora do pedido como litigante de má fé e condenou o réu como litigante de má fé no pagamento da multa correspondente a sete UCs, € 714,00, condenando ainda o Réu em parte das custas do processo. 2- Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não terá sido efetuada uma correta valoração dos elementos de prova, levando, por isso, a que tivesse sido dada como provada matéria de facto que não o devia ter sido e como não provada matéria de facto que deveria ter sido julgada como provada e depois também não se fez uma correta aplicação do direito. 3- O presente recurso é assim interposto da decisão quanto à matéria de facto com reapreciação da prova gravada e da decisão quanto à matéria de direito. 4- A sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil e viola igualmente as normas constantes dos artigos 341.º, 342.º, n.º 1, 1154.º, 1155.º, 1207.º, 1208.º, 1211.º, n.º 2, 473.º e 428.º do Código Civil, bem como o disposto no artigo 5.º do Código de Processo Civil, excedendo os poderes de cognição que estão atribuídos ao tribunal. 5- Atento o disposto nos artigos 341.º e 342.º do Código Civil, que estabelecem os princípios pelos quais se devem reger a demonstração dos factos que são alegados pelas partes, a A. nesse tocante limitou-se à apresentação de prova documental e à inquirição de uma testemunha – (…), que se limitou a depor sobre a matéria mencionada na sentença recorrida. 6- Face às alegações das partes e da prova produzida há matéria de facto que foi dada como provada que o não podia ter sido e matéria de facto que foi dada como não provada que devia ter sido dada como provada. 7- Desde logo, não se compreende como é que o tribunal a quo deu como provada a matéria constante do número 16 da matéria de facto dada como provada, o que constitui uma causa de nulidade da sentença devendo essa matéria ser dada como não provada e o Réu ser absolvido do pedido formulado sob a alínea b). 8- Entre a matéria de facto que foi dada como provada e não o devia ter sido encontram-se os factos identificados sob os números 14, 15, 16, 17, 20 e 24, conforme supra consta na alegação e aqui se dá por integralmente reproduzido. 9- Por outro lado, conforme supra consta na alegação e aqui se dá por integralmente reproduzido, da matéria de facto dada como não provada devia ter sido dada como provada a seguinte: a) Que era do conhecimento da autora que o réu pretendia vender o imóvel identificado (artigo 14.º da contestação) e que o réu tinha um compromisso nesse sentido com o Sr. (…) – fls. 63 do apenso A (artigo 15.º da contestação); b) Que o acordo de fls. 8-10 celebrado entre a autora e o réu visasse o cumprimento do compromisso assumido pelo réu com o Sr. (…) de venda do mencionado imóvel com a construção da moradia concluída, com o conhecimento da autora (artigo 16.º da contestação); c) Que tivesse sido devido aos atrasos na obra por parte da autora e por esta ter procedido à sua execução com uma calendarização diferente da acordada entre réu e promitente comprador, além de tê-la executado com materiais diferentes daqueles que estavam orçamentados, que o réu tivesse antecipado a venda e acordado em outras condições (artigo 26.º da contestação). 10- Considerando a matéria de facto que deva ser dada como provada apura-se desde logo que nem sequer o valor total de € 76.260,00, constante do orçamento junto pela A. como documento n.º 1, lhe era devido, porquanto a execução do telhado em vigotas de cimento representa um custo de obra mais barato do que aquele que foi orçamentado (n.º 11 da matéria de facto dada como provada). 11- Tendo o Réu pago à A. a quantia de € 94.690,69, o pedido reconvencional formulado sob a alínea a) (restituição da quantia de € 18.430,69) devia ter sido julgado procedente, sem prejuízo do valor ainda a restituir pela A. a apurar em sede de liquidação. 12- O Réu devia ter sido absolvido do pedido formulado pela A. sob a alínea a), porque mesmo com a procedência do pedido reconvencional a A. continuaria a ter em seu poder o valor total de € 76.260,00, ficando pendente de liquidação a restituição de parte deste valor. 13- A decisão recorrida (segunda parte da alínea a)) ao condenar o Réu “na quantia que vier a ser liquidada, tendo em conta a diferença de custo entre o telhado orçamentado (em madeira nórdica) e o telhado efetivamente construído: o apuramento de saldo devedor / credor na esfera da autora e assim decidir-se de forma definitiva sobre o pedido sob a al. a) e parte do pedido reconvencional da alínea a)”, revela-se ambígua e obscura e está em oposição com a matéria de facto dada como provada nos números 11, 18 e 19 da matéria de facto dada como provada e assim é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. 14- Tendo o tribunal apurado que parte dos trabalhos realizados ao abrigo desse acordo tem um custo inferior, tal significa que o valor total de € 76.260,00 que foi orçamentado não é devido, pelo que, não podia o tribunal ter condenado o Réu ao pagamento de qualquer quantia porquanto a liquidação se destina a apurar um valor que constitui um crédito do Réu. 15- Dando-se como provada a factualidade suprarreferida na conclusão 8, resulta que por causa do comportamento da A. o Réu se viu compelido a ter de celebrar um negócio diferente daquele que tinha com o promitente comprador do imóvel o que lhe acarretou o prejuízo a que se reporta a alínea b) do pedido reconvencional, que assim devia ter sido julgado procedente. 16- Em qualquer circunstância deve ser revertida a decisão recorrida quanto à litigância de má-fé de molde que o Réu seja absolvido dessa condenação e ser a A. condenada como litigante de má-fé. NESTES TERMOS e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e por via dele ser revogada a sentença recorrida e o Réu ser absolvido dos pedidos formulados pela A.. Mais deve a reconvenção deduzida pelo Réu ser julgada provada e procedente e a A. ser condenada a restituir a quantia de € 18.430,69, bem como, a pagar a indemnização que foi solicitada. Deve ainda a A. ser condenada a restituir ao Réu o valor a liquidar em virtude da execução do telhado em vigotas de cimento representar um custo de obra mais barato do que aquele que foi orçamentado. A A. deve ainda ser condenada como litigante de má-fé e nas custas do processo.” * A Apelada não respondeu à peça processual de aperfeiçoamento das conclusões apresentada pelo Apelante. * O recurso é o próprio e foi adequadamente recebido quanto ao modo de subida e ao efeito fixado. * Colheram-se os Vistos pelo que cumpre, agora, decidir. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte: 1- Nulidades de sentença. 2- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto. 3- Reapreciação de mérito. 4- Ampliação do âmbito do recurso. 5- Litigância de má-fé. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Decorre da sentença recorrida o seguinte quanto a matéria de facto: “2.1. Factualidade provada 1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objeto social a atividade, entre outras, de realização de obras de construção civil no âmbito do respetivo alvará de que é titular (artigo 1.º da petição inicial). 2. Em meados de maio 2019, a autora foi contactada pelo réu que lhe pediu orçamento para a realização de empreitada de determinados trabalhos (designadamente telhado, escadas / paredes interiores e terraço) na obra de construção de uma moradia habitacional que já levava a efeito no prédio rústico de sua exclusiva propriedade sito em (…), freguesia de S. Bartolomeu de Messines, concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), e inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção (…) – fls. 9 do apenso A (artigo 2.º da petição inicial). 3. Satisfazendo o pedido do réu, a autora apresentou-lhe em 28/05/2019 a seguinte proposta de orçamento da empreitada – fls. 8: 4. Telhado: telhado em madeira nórdica com colocação de pladur entre vigas, de subtelha onduline, de ripado e assentamento de telha lusa branca, tudo pelo preço de € 38.000,00 + IVA, a pagar da seguinte forma: 50% (€ 19.000,00 + IVA € 4.370,00) com a adjudicação; 30% (€ 11.400,00 + IVA € 2.622,00) na conclusão do assentamento das vigas; 20% (€ 7.600,00 + IVA € 1.748,00 = € 9.348,00) com a conclusão dos trabalhos. 5. Escadas interiores e construção de paredes tudo pelo preço de € 6.500,00 + IVA, na forma de pagamento de 50% com a adjudicação e restantes 50% com a conclusão dos trabalhos. 6. Construção do terraço, fundações, estrutura e laje, tudo pelo preço de € 17.500,00 + IVA, na forma de pagamento de 50% com a adjudicação, 30% com a conclusão das sapatas de fundação, e restantes 20% com a conclusão dos trabalhos. 7. O supra descrito orçamento apresentado pela autora foi aceite pelo réu em 31-5-2019 – fls. 10 (artigo 4.º da petição inicial). 8. A autora obrigou-se a executar a obra no prazo de quatro meses – fls. 10 (artigo 17.º da contestação). 9. O réu vinha construindo a moradia em adjudicações parcelares, por partes, e a diversos construtores (artigo 25.º da réplica). Já antes já tinha contratado com terceiros outras partes, pois a moradia já se apresentava com parte edificada (artigo 26.º da réplica). E haveria de prosseguir necessariamente com outras adjudicações até à conclusão final da construção da moradia (artigo 27.º da réplica). 10. Na execução da obra, a autora não procedeu à construção do telhado em madeira nórdica (artigo 19.º da contestação): em vez da madeira nórdica a autora construiu o telhado com vigotas de cimento (artigo 20.º da contestação). No entanto, o réu aceitou tal alteração (artigo 53.º da réplica). 11. A execução do telhado em vigotas de cimento representa um custo de obra mais barato do que aquele que foi orçamentado (artigo 21.º da contestação). 12. A autora veio a realizar os supra descritos trabalhos contratados com o réu, tendo-os terminado em meados de fevereiro de 2020 (artigo 51.º da petição inicial). 13. O réu não apresentou qualquer reclamação (artigo 6.º da petição inicial). 14. O réu não pagou a parcela dos 20% devida pela conclusão dos trabalhos relacionados com o telhado. 15. A autora emitiu a fatura n.º 1/98, de fls. 11, em 2020-05-15, no valor de € 9.348,00 (€ 7.600,00 + € 1.748,00 de IVA) de pagamento imediato, referente à mencionada parcela dos 20% devida pela conclusão dos trabalhos relacionados com o telhado e até à presente data o R. não efetuou o pagamento. 16. A autora pagou a taxa de € 20,00 em 03/12/2019 à Câmara Municipal de Silves referente a instrução do procedimento com elementos em falta – fls. 14 (artigo 9.º da petição inicial). Pagou uma segunda taxa de € 145,00 em 19/12/2019 à Câmara Municipal de Silves por ato de averbamento de prorrogação do prazo – fls. 15 (artigo 10.º da petição inicial). 17. Nenhum desses pagamentos foi efetuado à autora não obstante representantes desta terem interpelado verbalmente o réu para cumprir com o pagamento (artigo 11.º da petição inicial). Também por escrito o réu foi interpelado para o pagamento, nomeadamente, por via de email enviado por mandatário da autora em 15-05-2020 – fls. 16 (artigo 12.º da petição inicial), ao qual o réu respondeu em 16-05-2020 pedindo explicações sobre que trabalhos se reportava o pagamento peticionado – fls. 17 (artigo 13.º da petição inicial) – tendo havido resposta ao réu em 17-05-2020 – fls. 18-20 (artigo 14.º da petição inicial). 18. No âmbito do contrato, os pagamentos efetuados pelo réu à autora foram realizados por transferências bancárias ordenadas da conta bancária do Réu para a conta bancária da autora com o IBAN: PT50 (…): Em 03/06/2019, a quantia de .................................................€ 38.130,00; Em 26/06/2019, a quantia de ................................................. € 6.457,50; Em 27/06/2019, a quantia de .................................................€ 18.000,19; Em 04/07/2019, a quantia de .................................................€ 16.605,00; Em 12/07/2019, a quantia de ................................................. € 4.305,00; Em 15/11/2019, a quantia de ................................................. € 6.000,00. 19. Em 15/11/2019, foi igualmente efetuado um pagamento em numerário no montante de € 4.000,00 e depois a quantia de € 1.193,00 – fls. 70 do apenso A (artigos 8.º e 10.º da contestação e 10.º da réplica). 20. As quantias de € 16.605,00, € 6.000,00, € 4.000,00 e € 1.193,00 respeitam às faturas posteriormente emitidas e referentes a trabalhos posteriormente solicitados pelo réu à autora, a saber, a edificação de paredes em tijolo com isolamento térmico e a construção de muro em betão para suporte de barreiras (artigo 7.º da réplica) – cfr. a fatura n.º 5/80, de 04/07/2019, no valor de € 16.605,00 emitida pelo trabalho de edificação de paredes em tijolo com isolamento térmico (fls. 72), e, bem assim, a fatura n.º 5/94 de, 02/12/2019, no valor de € 11.193,00 emitida pelo trabalho de construção de muro em betão de suporte de barreiras (fls. 73) (artigos 8.º da contestação e 9.º/10.º da réplica). 21. O réu é uma pessoa com mais de 70 anos (artigo 25.º da petição inicial). 22. No contrato-promessa celebrado entre o réu e (…) estava prevista a venda do imóvel pelo preço de € 330.000,00 mas acabou por celebrar a compra e venda por € 110.200,00, declarando já ter recebido e prestar quitação – fls. 53 (artigo 28.º da contestação). 23. Após o réu ter vendido o imóvel ao Sr. (…), no dia 12 de maio de 2020, a autora celebrou com este um acordo com vista à continuação da construção da moradia e conclusão da obra no imóvel em questão, num total de € 149.426,00 (já com IVA), incluindo a conclusão do trabalho anteriormente acordado entre a segunda outorgante e o anterior proprietário, Sr. (…), nomeadamente muro de contenção no acesso entre a via pública e o edifício, que já encontra integralmente pago – fls. 95 (artigo 13.º da contestação). 24. A autora procedeu à construção do muro de betão já depois da compra e venda de maio de 2020. 25. O aqui réu/reconvinte propôs, entretanto, a 12 de abril de 2021, ação contra (…), pedindo a anulação da compra e venda – processo n.º 777/21.0T8PTM: aí alegou a outorga do contrato-promessa e aditamento e que esses trabalhos, ainda que realizados em moldes diferentes, foram concluídos pela “(…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda.”, em meados de fevereiro de 2020. Não obstante os trabalhos realizados pela “(…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda.”, ainda havia outros trabalhos por realizar até que a construção da moradia estivesse concluída. Também alegou que o tempo que a “(…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda.”, levou a executar o seu trabalho, as limitações decorrentes da liberdade de circulação impostas como combate à pandemia da “Covid-19” e do decretamento do “Estado de Emergência”, a partir de 13/03/2020, e o facto da idade e estado de saúde do A. não lhe permitir ele próprio executar os trabalhos de construção que ainda faltavam realizar conforme já tinha acontecido anteriormente, objetivamente faziam crer que a construção da moradia não estaria concluída até 31/05/2020. Em finais de abril, princípios de maio de 2020, o réu propôs ao autor que fosse outorgado o contrato de compra e venda do prédio rústico com a construção da moradia no estado em que se encontrava mediante a redução do preço inicialmente acordado no contrato promessa em que a construção devia estar concluída. O réu propôs pagar ao autor a quantia de € 110.000,00 aquando da outorga do contrato de compra e venda do imóvel. O A. aceitou o que lhe foi proposto pelo Réu. No entanto, o autor alegou que mais nenhuma quantia lhe foi entregue, além do sinal e reforço de sinal de € 110.000,00, acrescentando que se tivesse compreendido que não lhe seria paga a quantia de € 110.000,00 com a formalização do contrato de compra e venda do imóvel com a moradia em construção, não o teria assinado. O autor assinou o documento em questão no convencimento de que lhe seria paga a quantia de € 110.000,00 mediante a sua outorga. A audiência está em curso – processo seguido conforme despacho de fls. 139 (artigo 27.º da contestação). 26. No apenso A a autora requereu arresto do prédio objeto dos autos, providência que veio a ser determinada e, após oposição, veio a ser revogada. 2.2. Factualidade não provada Ficou por demonstrar: - Que era do conhecimento da autora que o réu pretendia vender o imóvel identificado (artigo 14.º da contestação) e que o réu tinha um compromisso nesse sentido com o Sr. (…) – fls. 63 do apenso A (artigo 15.º da contestação). - Que o acordo de fls. 8-10 celebrado entre a autora e o réu visasse o cumprimento do compromisso assumido pelo réu com o Sr. (…) de venda do mencionado imóvel com a construção da moradia concluída, com o conhecimento da autora (artigo 16.º da contestação). - Que a autora soubesse e se tivesse vinculado a executar a obra seguindo a calendarização que estava estabelecida no compromisso que o réu tinha com o Sr. (…): o telhado devia ter sido a primeira parte a ser executada e concluída e foi a última, o que fez com que o promitente comprador não procedesse aos reforços de sinal que estavam acordados no contrato-promessa de compra e venda que havia com o mesmo, invocando além dos atrasos na execução da obra que esta ainda não tinha atingido a fase para a qual tinha sido estabelecido o reforço de sinal (artigos 22.º a 24.º da contestação). - Que tivesse sido devido aos atrasos na obra por parte da autora e por esta ter procedido à sua execução com uma calendarização diferente da acordada entre réu e promitente comprador, além de tê-la executado com materiais diferentes daqueles que estavam orçamentados, que o réu tivesse antecipado a venda e acordado em outras condições (artigo 26.º da contestação). - Que tivesse havido necessidade de demolição de alguns pilares que se encontravam erigidos em pontos inexatos e edificação de vigas de travamento, reforço da estrutura, colocação de laje leve em betão com vigas e abobadilha, segundo reforço de lintel, não sendo seguro o telhado com a estrutura de madeira inicialmente projetada e tivesse sido por isso que a autora sugeriu e o réu aceitou a estrutura convencional do telhado (artigos 46.º a 49.º da réplica). - Que a construção do telhado em vigotas de cimento em vez de madeira nórdica tivesse importado maiores custos para a autora, designadamente devido ao trabalho prévio de demolição dos pilares inadequadamente edificados que não estava previsto (artigo 58.º da réplica). 2.3. Restantes artigos dos articulados Matéria irrelevante, de mera impugnação, repetida, conclusiva ou de direito, como a dos artigos 15º a 17º da petição inicial e 1º a 7º, 9º, 11º, 12º, 18º, 29º a 32º da contestação e a dos artigos não enunciados da réplica.” * IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Nulidades de sentença Vem o Apelante arguir nulidade de sentença fundada na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, argumentando que “não se compreende como é que o tribunal a quo deu como provada a matéria constante do número 16 da matéria de facto dada como provada. Não se compreende como é que essa matéria foi dada como provada, porque o tribunal não fundamentou essa decisão fazendo com que a sentença seja nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil”. Ou seja, o Apelante considera que o facto de na decisão recorrida constar como provado um facto, que na sua óptica deveria ter sido considerado como não provado ilustra a nulidade que identifica. Obviamente que não lhe assiste qualquer razão. Vejamos porquê. Decorre do artigo 615.º, n.º 1, do CPC que: “É nula a sentença quando: [ …] b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Segundo a lição do Prof. José Alberto dos Reis, só a falta absoluta de motivação constitui nulidade, sendo que a insuficiência ou a mediocridade da motivação afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140). Por seu turno, em douto Parecer o Prof. Calvão da Silva deixou bem claro que na sentença, o tribunal tem de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de se verificar falta de fundamentação de direito (cfr. Col. Jur., 1995, 1º-7). Jurisprudencialmente podemos a este respeito destacar, entre outros, os acórdãos do STJ de 05/05/2005, Processo 05B839; de 21/12/2005, Processo 05B2287; de 18/05/2006, Processo 06B1441; de 19/12/2006 Processo 06B3791; de 10/04/2008, Processo 08B396 e de 06/07/2017, Processo 121/11.4TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis para consulta in www.dgsi.net), reportando-se os indicados, à excepção do último, ao artigo 668.º, n.º 1, b), do CPC, anterior ao NCPC, cuja redacção, todavia, é idêntica à do actual artigo 618.º, n.º 1, b). Neste último aresto do STJ de 2017 refere-se a propósito da nulidade prevista no supra citado normativo o seguinte: “A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do mesmo C.P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «descriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes…». Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa”. Retornando ao caso concreto basta uma simples leitura da sentença recorrida, mormente da parte reservada à fundamentação de facto (provada e não provada) e de direito para facilmente concluirmos que o Tribunal a quo indicou na dita sentença quer os fundamentos fácticos, quer os fundamentos de direito, através da correspondente especificação das normas , que entendeu aplicáveis ao caso vertente. E também motivou a prova do facto vertido sob o ponto 16 do segmento dos factos considerados como provados, fazendo apelo aos documentos juntos à petição inicial constantes de fls. 14 e 15 do processo físico, identificados como documentos n.ºs 5 e 6. Se a solução referente a tal ponto de facto foi a mais acertada, ou não, tal apenas pode ser apreciado no âmbito do chamado erro in judicando, ou erro de julgamento, mas não propriamente em sede da nulidade invocada, que não se verifica. Assim, improcede a arguida nulidade de sentença. Arguiu ainda o Apelante a nulidade da sentença estribando-se na alínea c), do n.º 1, do dito artigo 615.º, do CPC, referindo que: “Já quanto à decisão (segunda parte da alínea a)) de condenar o Réu na quantia que vier a ser liquidada, tendo em conta a diferença de custo entre o telhado orçamentado (em madeira nórdica) e o telhado efetivamente construído: o apuramento de saldo devedor / credor na esfera da autora e assim, decidir-se de forma definitiva sobre o pedido sob a al. a) e parte do pedido reconvencional da alínea a), a mesma revela-se ambígua e obscura e está em oposição com a matéria de facto dada como provada no número 11 da matéria de facto dada como provada. Esta parte da decisão prende-se com o pedido formulado pela A. na p.i. sob a alínea a), e reporta-se ao acordo celebrado entre as partes constante da matéria de facto dada como provada sob os números 2 a 7, cujo valor total ascendia a € 76.260,00. Ora, tendo o tribunal apurado que parte dos trabalhos realizados ao abrigo desse acordo tem um custo inferior, tal significa que o valor total de € 76.260,00 que foi orçamentado não é devido, pelo que, não podia o tribunal ter condenado o Réu ao pagamento de qualquer quantia porquanto a liquidação se destina a apurar um valor que constitui um crédito do Réu. Tanto mais que também está dado como provado (números 18 e 19 da matéria de facto dada como provada) que o Réu pagou à A. a quantia total de € 94.690,69, por um orçamento que afinal não chega sequer ao montante de € 76.260,00. A sentença recorrida, nessa parte é assim nula nos termos do artigo 615, N.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Quem devia ter sido condenada ao pagamento da quantia que se viesse a apurar em sede de liquidação é a Autora e não o Réu.” Decorre do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, que: “É nula a sentença quando: […] c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Relativamente a esta nulidade definida na alínea c), diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª edição, 2020, Almedina), em anotação ao referido artigo 615.º, o seguinte: “A nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente” (cfr. pág. 763). E acrescentam os referidos Autores na obra acabada de citar, relativamente à 2ª parte da alínea c), que: “A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes” (cfr. pág. 764). A este respeito decidiu-se no acórdão proferido no STJ em 14/06/2011 no Processo n.º 214/10.5YRLSB.S1 (acessível para consulta in “Sumários”, 2011 , pág. 501 ), o seguinte: “A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, na acepção da existência de uma contradição real entre os fundamentos e a respectiva parte dispositiva, acontece quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente mas não já quando se verifica uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, quando se verifica uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento”. Na mesma linha de orientação (adoptada, aliás, pacificamente noutros arestos do mesmo Tribunal), surge o acórdão do STJ de 03/02/2011, no Processo 1045/04.7TBALQ.L1.S1 (acessível para consulta in www.dgsi.pt), quando refere que: “A nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão supõe um vicio intrínseco à sua própria lógica, traduzido em a fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida”. Atendendo ao supra exposto, analisando os fundamentos plasmados na sentença recorrida, não verificamos ambiguidade nos passos seguidos na fundamentação fáctica e jurídica da sentença recorrida, revelando-se a mesma, em todos eles, compreensível, tal como insusceptível de interpretações dispares, não se descortinando a existência de oposição flagrante entre os ditos fundamentos e a decisão proferida revelando-se o resultado constante do dispositivo da sentença em coerência com os fundamentos que foram relevados pelo Tribunal a quo. Se o Tribunal a quo decidiu contrariamente aos factos assentes, como parece sustentar o Apelante, tal configura questão diversa enquadrável num eventual erro de julgamento, mas não em sede da nulidade de sentença invocada, em que não tem cabimento. Isto dito improcede, também, a arguida nulidade da sentença constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 2- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto O Apelante pretende que se proceda a alterações à matéria de facto considerada como provada e não provada na sentença recorrida, entendendo a Apelada que nenhuma delas tem fundamento. Resulta do artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]”. A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”. Decorre do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o seguinte: “1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Refere a propósito deste normativo António Abrantes Geraldes (obra acima citada, pág. 287), que: “O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”. Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte: “A redação do preceito [662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância. […] A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Nesta sede, importa ainda recordar o teor do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte: “5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” O Apelante sustenta que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado a seguinte matéria elencada no segmento da sentença recorrida referente à “Factualidade não provada”: “- Que era do conhecimento da autora que o réu pretendia vender o imóvel identificado (artigo 14.º da contestação) e que o réu tinha um compromisso nesse sentido com o Sr. (…) – fls. 63 do apenso A (artigo 15.º da contestação). - Que o acordo de fls. 8-10 celebrado entre a autora e o réu visasse o cumprimento do compromisso assumido pelo réu com o Sr. (…) de venda do mencionado imóvel com a construção da moradia concluída, com o conhecimento da autora (artigo 16.º da contestação). - Que tivesse sido devido aos atrasos na obra por parte da autora e por esta ter procedido à sua execução com uma calendarização diferente da acordada entre réu e promitente comprador, além de tê-la executado com materiais diferentes daqueles que estavam orçamentados, que o réu tivesse antecipado a venda e acordado em outras condições (artigo 26.º da contestação).” Indicou como meios probatórios aptos a, no seu entender, sustentar a solução diversa que defende no tocante a tais pontos de facto, passagens do depoimento de parte do legal representante da Apelada e do depoimento da testemunha (…), ambos gravados, que identificou, embora sem transcrever os respectivos excertos, referindo ainda ter a mencionada factualidade sido considerada como assente em decisão transitada em julgado proferida num procedimento cautelar prévio à presente acção e a ela apensado. Dado que o Apelante logrou cumprir minimamente o ónus de obrigatória especificação previsto nos n.ºs 1 e 2, a), ambos do artigo 640.º do CPC, relativamente à matéria de facto considerada como não provada acima transcrita, impõe-se pronúncia sobre a mesma. Vejamos de que forma motivou o Tribunal recorrido na sentença a solução a que chegou relativamente a tais pontos de facto: “A factualidade dada por não provada não foi objeto de demonstração suficiente ou não foi mesmo objeto de qualquer demonstração. Isso aconteceu com a alegação do réu quanto à finalidade da empreitada, a de dar cumprimento ao que acordara com o futuro comprador (…). Além de não ter havido prova testemunhal concludente sobre a matéria, a data de assinatura da empreitada (31 de maio de 2019 – fls. 10) e data de assinatura do contrato-promessa (15 de maio de 2020) não permite concluir como pretende o réu. O mesmo sucede com a versão da autora quanto à razão para a alteração do teto/telhado da moradia. Quanto a eventuais atrasos, apesar do facto objetivo de as obras não terem demorado 4 meses, mas mais tempo, a verdade é que houve alterações que foram solicitadas ou aceites pelo réu e que em face dessa alteração não houve a previsão de qualquer prazo adicional, mas também não houve qualquer reclamação do réu, tanto que o mesmo acaba por vender o prédio em 12 de maio de 2020.” Ora bem, resultando claramente do exposto pelo Apelante que o mesmo pretende que a matéria retratada nos três pontos de facto seja julgada tal qual foi descrita na sentença recorrida, mas como provada, isso significa que no tocante ao último dos pontos impugnados seja considerado como assente algo com o seguinte teor: - Que foi devido aos atrasos na obra por parte da autora e por esta ter procedido à sua execução com uma calendarização diferente da acordada entre réu e promitente comprador, além de tê-la executado com materiais diferentes daqueles que estavam orçamentados, que o réu antecipou a venda e acordado em outras condições. Sucede que um facto com estes contornos traduz-se em algo eminentemente conclusivo, não retratando um facto concreto e naturalístico que permita por si e/ou em conjugação com outros, retirar conclusões por parte do julgador. Dito de outro modo, um facto com a redacção pretendida pelo Apelante permitiria por si só resolver desde logo, directamente, uma parte da questão jurídica subjacente ao peticionado pelo Apelante nesta causa. Como tal, não pode proceder a impugnação quanto a tal ponto de facto, que, aliás, nem deveria ter sido carreado, pelo menos com a redacção que lhe foi conferida, para o segmento alusivo aos factos não provados na sentença recorrida. Quanto aos restantes dois factos impugnados verificamos que o Apelante não elucida minimamente o Tribunal em que medida é que resulta das passagens que seleciona a solução contrária à que foi sufragada pelo Tribunal a quo. Acresce que as passagens do depoimento de parte do legal representante da Apelada na parte que não constitua confissão (sendo que nenhuma factualidade resultante de confissão ficou indicada em acta e teria que dela constar caso existisse declaração confessória, designadamente sobre os factos abrangidos pelos pontos ora em análise, em cumprimento do disposto no artigo 463.º, n.º 1, do CPC), assim como do depoimento da testemunha identificada pelo Apelante, por sinal esposa do mesmo, são enquadráveis no âmbito da chamada prova não vinculada, sujeita a livre apreciação pelo julgador, que deverá formar a sua convicção, na análise a realizar, com base em juízo prudente, segundo regras de bom senso, lógica e de experiência comum. Nesse contexto, ouvidas as passagens selecionadas e atendendo aos dados expostos na motivação relativa à factualidade considerada como não provada inexistem razões para considerar que o juízo formulado quanto à matéria de facto em apreço pelo Tribunal a quo tenha sido errado. Por último, quanto ao argumento de tais factos poderem ter sido reproduzidos como assentes num procedimento cautelar prévio à presente causa convém lembrar que naquele a prova é apenas sujeita a análise sumária, ou seja perfunctória, indiciária, não implicando na sua base um juízo de certeza, que se exige no âmbito de acções definitivas, como a presente causa. Na conformidade exposta, improcede igualmente a impugnação apresentada pelo Apelante quanto aos dois pontos de facto em causa descritos no segmento relativo à factualidade não provada da sentença recorrida. O Apelante insurge-se também contra seis factos, introduzidos em outros tantos pontos, no segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida entendendo que tais factos deveriam ter sido considerados como não provados, ou provados apenas em parte. Os factos censurados estão contidos nos n.ºs 14, 15, 16, 17, 20 e 24. Relembremos o respectivo teor: “14. O réu não pagou a parcela dos 20% devida pela conclusão dos trabalhos relacionados com o telhado. 15. A autora emitiu a fatura n.º 1/98, de fls. 11, em 2020-05-15, no valor 9.348,00 € (7.600,00€ + 1.748,00 de IVA) de pagamento imediato, referente à mencionada parcela dos 20% devida pela conclusão dos trabalhos relacionados com o telhado e até à presente data o R. não efetuou o pagamento. 16. A autora pagou a taxa de € 20,00 em 03/12/2019 à Câmara Municipal de Silves referente a instrução do procedimento com elementos em falta – fls. 14 (artigo 9.º da petição inicial). Pagou uma segunda taxa de € 145,00 em 19/12/2019 à Câmara Municipal de Silves por ato de averbamento de prorrogação do prazo – fls. 15 (artigo 10.º da petição inicial). 17. Nenhum desses pagamentos foi efetuado à autora não obstante representantes desta terem interpelado verbalmente o réu para cumprir com o pagamento (artigo 11.º da petição inicial). Também por escrito o réu foi interpelado para o pagamento, nomeadamente, por via de email enviado por mandatário da autora em 15-05-2020 – fls. 16 (artigo 12.º da petição inicial), ao qual o réu respondeu em 16-05-2020 pedindo explicações sobre que trabalhos se reportava o pagamento peticionado – fls. 17 (artigo 13.º da petição inicial) – tendo havido resposta ao réu em 17-05-2020 – fls. 18-20 (artigo 14.º da petição inicial). 20. As quantias de € 16.605,00, € 6.000,00, € 4.000,00 e € 1.193,00 respeitam às faturas posteriormente emitidas e referentes a trabalhos posteriormente solicitados pelo réu à autora, a saber, a edificação de paredes em tijolo com isolamento térmico e a construção de muro em betão para suporte de barreiras (artigo 7.º da réplica) – cfr. a fatura n.º 5/80, de 04/07/2019, no valor de € 16.605,00 emitida pelo trabalho de edificação de paredes em tijolo com isolamento térmico (fls. 72) e, bem assim, a fatura n.º 5/94, de 02/12/2019, no valor de € 11.193,00, emitida pelo trabalho de construção de muro em betão de suporte de barreiras (fls. 73) (artigos 8.º da contestação e 9.º/10.º da réplica). 24. A autora procedeu à construção do muro de betão já depois da compra e venda de maio de 2020.” Quanto aos factos vertidos sob os n.ºs 14, 15, 16 e 17, verifica-se que o Apelante não cumpriu devidamente o ónus de impugnação, quanto ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, pois não especificou devidamente os concretos meios probatórios que no seu entender imporiam uma solução diversa da que foi acolhida na sentença recorrida. Com efeito, lendo o que ficou expresso no segmento da motivação do recurso percebemos que o Apelante se limita a demonstrar discordância e inconformismo relativamente à prova dos factos em apreço, defendendo que o conteúdo contido nos n.ºs 14, 15 e 17, apenas se encontra parcialmente demonstrado, procurando contradizer os meios de prova, mormente documentais, em que se motivou o Tribunal recorrido. Por seu turno, no tocante ao facto vertido sob o ponto n.º 16 o Apelante apenas refere na motivação recursória que “A matéria de facto constante do número 16, não podia ter sido julgada provada pelas razões já supra elencadas, não houve fundamentação, sobre a mesma não incidiu prova testemunhal e dos documentos juntos aos autos resulta o seu contrário.” Conforme facilmente se percebe também quanto a este ponto de facto a impugnação revela-se incipiente e insuficiente pois não surgem sequer especificados quais os concretos “documentos juntos aos autos” de que resultaria uma solução probatória contrária à que foi acolhida na sentença recorrida. Pelo exposto e no tocante à matéria de facto considerada como provada sob os pontos 14, 15, 16 e 17, decide-se rejeitar a impugnação apresentada pelo Apelante. Quanto aos factos considerados como provados vertidos sob os pontos 20 e 24, percebemos que o Apelante volta essencialmente a demonstrar o seu inconformismo quanto à solução factual descrita pelo Tribunal a quo, invocando supostas patologias, entre elas uma nulidade, que já foi resolvida supra, sustentando que o facto vertido sob o ponto 20 deveria ter sido considerado como provado enquanto o facto vertido sob o ponto 24 deveria ter como conteúdo: “A Autora não construiu o muro de betão”. De todo o modo é possível no arrazoado respeitante a estes dois pontos de facto perceber que o Apelante especifica meios probatórios concretos como sejam depoimentos prestados em audiência final, identificando as passagens entendidas como relevantes, razão pela terá que se considerar como minimamente cumpridos os pressupostos de impugnação que configuram o respectivo ónus de obrigatória especificação imposto legalmente. Na sentença recorrida o Tribunal a quo motivou estes dois pontos de facto assentando a sua convicção em prova documental, designadamente duas facturas, datadas de 04/07/2019 e de 02/12/2019. O Apelante insurge-se, mormente quanto à construção do muro em betão, argumentando que o mesmo não foi construído, tentando sustentar a sua versão no depoimento do próprio representante legal da Apelada, sendo certo que não decorre do mesmo que o depoente tenha referido não ter aquela procedido a essa construção. Por seu turno, a testemunha (…) disse que o muro de suporte não chegou a ser construído pela Apelada. Não referenciou tratar-se de um muro de betão, tendo referido ainda viver em Inglaterra e ter estado em Portugal entre Março e Abril de 2019 e em Novembro de 2019, sendo de relembrar e sublinhar que sob o ponto 24 do segmento dos factos considerados como provados resultou assente ter sido construído pela Apelada um muro de betão e posteriormente a Maio de 2020. Não será, ainda, de olvidar que a testemunha em apreço é esposa do Apelante, pelo que até lhe assistia a faculdade de poder recusar-se a depor devido a tal proximidade relacional com o mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 497.º, n.º 1, c), do CPC, a tal acrescendo a menção feita no segmento motivatório da sentença recorrida por parte do Tribunal recorrido, resultante, naturalmente, da sua percepção directa, de que se denotou “a maior proximidade da mulher do réu com a versão por si apresentada”. Por outro lado, se é certo que a testemunha (…), vizinho do Apelante, mencionou a não construção do muro também não deveremos olvidar que a testemunha (…), engenheira civil, aludiu à construção de muro em betão. Na conformidade exposta, porque também aqui continuamos a mover-nos no domínio da prova não vinculada (prova documental através de documentos particulares e prova testemunhal), recorrendo ao conceito de standard de prova que assenta no grau de maior probabilidade, afigura-se-nos mais provável a solução a que chegou o Tribunal a quo quanto aos factos vertidos nos pontos 20 e 24 ora em análise que a solução defendida pelo Apelante. Em conformidade com o exposto julga-se improcedente a impugnação apresentada pelo Apelante também quanto aos ditos pontos de facto 20 e 24. Em suma e quanto à questão objecto deste recurso que ainda nos prende, relativa à impugnação apresentada contra a decisão de facto descrita na sentença recorrida, decide-se rejeitar a dita impugnação por falta de cumprimento do ónus de obrigatória especificação no tocante aos factos considerados como provados vertidos sob os pontos 14, 15, 16 e 17 e julgar a mesma improcedente quanto aos demais pontos de facto impugnados pelo Apelante, mantendo-se, em consequência, inalterada a matéria de facto descrita na sentença recorrida. 3. Reapreciação de mérito. Da análise das conclusões recursivas aperfeiçoadas apresentadas pelo Apelante percebemos desde logo, mormente dos pontos 10, 14 e 15 das mesmas, que a eventual procedência das questões aí abordadas dependia da alteração de pontos da matéria de facto impugnados pelo Apelante. Na verdade, no ponto 10 surge referido ”Considerando a matéria de facto que deva ser dada como provada”, enquanto no ponto 15 está expresso: “Dando-se como provada a factualidade suprarreferida na conclusão 8” que, na realidade, é 9 (alínea c)), pois subsiste um erro de escrita quanto à numeração. Ora, tendo sido mantida nos seus precisos termos, por falta de fundamento para proceder à sua modificação, a decisão relativa a matéria de facto descrita na sentença recorrida naturalmente que improcedem as questões suscitadas nesses pontos das conclusões recursivas aperfeiçoadas, mormente a que entroncava na al. b) do pedido reconvencional deduzido pelo Apelante, a qual se acha acertadamente apreciada e decidida na sentença recorrida sob a alínea b) do dispositivo, limitando-nos apenas, aqui e agora, a transcrever a parcela da decisão recorrida que a ela respeita: “[…] Teve um prejuízo de € 219.800,00 por ter acabado por vender o imóvel por valor inferior ao previsto no contrato-promessa, € 330.000,00. Com efeito assim é, o R declarou vender o prédio a (…) por € 110.200,00, apesar de entretanto ter proposto contra ele uma ação pondo em causa que tivesse querido alienar o bem por esse montante. E nessa ação, segundo a sua alegação, terá havido outras questões a si imputáveis que terão levado à situação descrita. Aqui, porém, imputa todo o alegado prejuízo à autora. Por outro lado, o réu pediu a realização de outros trabalhos e aceitou a alteração quanto ao telhado que foi sugerida pela autora, além de ter aceitado a obra, não tendo ficado provado que a empreiteira se tivesse vinculado ou que tivesse conhecimento das obrigações assumidas pelo réu perante (…), designadamente a cláusula penal. Por isso não pode ser-lhe assacada qualquer responsabilidade. Por isso, deve improceder o pedido reconvencional sob a alínea b)”. Por seu turno, no tocante às restantes questões retratadas apontadas ao dispositivo da sentença recorrida impõe-se tecer mais alguns considerandos. Do cotejo da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida, a qual, como vimos já, não foi objecto de modificação, discriminada sob os pontos 2 a 7, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 decorre que o Apelante obrigou-se para com a Apelada, uma vez que os aceitou em 31/05/2019, ao pagamento dos trabalhos orçamentados em 28/05/2019, no montante de € 76.640,00, bem como ao pagamento de trabalhos subsequentemente solicitados pelo mesmo à Apelada, extra orçamento, facturados posteriormente à apresentação e aceitação deste último , no montante de € 27.798,00. Além disso a Apelada tem a haver do Apelante o montante de € 165,00 respeitante a duas taxas que pagou sendo este último o responsável por tal despesa, quantia essa acrescida de juros legais a contar da citação, conforme bem decorre da alínea a) do dispositivo da sentença recorrida. O Apelante pagou à Apelada respeitante aos trabalhos acordados especificados no orçamento de 28/05/2019 o montante de € 67.292,00 (€ 76.640,00 - € 9.348,00) e posteriormente ao mesmo o montante de € 27.798,00 a título dos tais trabalhos que solicitou subsequentemente à Apelada e que foram logicamente incluídos em facturas emitidas subsequentemente. Por conseguinte, apesar de ter pago à Apelada o montante total de € 95.090,00 (€ 67.292,00 + € 27.798,00) a verdade é que o montante global facturado ao Apelante pelos trabalhos realizados pela primeira especificados no orçamento de 28/05/2019 e trabalhos posteriormente executados a solicitação do próprio Apelante, de cujo pagamento este foi interpelado, ascenderam ao valor total de € 104.438,00 (€ 76.640,00 + € 27.798,00), pelo que, subtraindo do montante de € 104.438,00 o montante de € 95.090,00, resulta uma diferença favorável à Apelada de € 9.348,00, a qual corresponde precisamente à parcela não paga respeitante a trabalhos executados no telhado descrita e especificada no facto vertido sob o ponto 15 dos factos considerados como provados na sentença recorrida. Sucede que no tocante aos ditos trabalhos relativos ao telhado resultou assente que a sua execução foi realizada com materiais diferentes e com um custo de obra “mais barato” que o anteriormente orçamentado. Com base nos dados expostos e considerando que o Apelante chegou a pagar o montante correspondente a 80% do valor respeitante aos trabalhos a executar no telhado com base no valor orçamentado em 28/05/2019, que levou em consideração materiais com custo de obra mais dispendioso do que os efectivamente utilizados, entendeu o Tribunal a quo ser necessário apurar em incidente de liquidação a diferença entre o valor dos custos de obra que o Apelante chegou a liquidar respeitante à execução do telhado com a inicialmente prevista madeira nórdica e os custos que efectivamente terão sido suportados nessa execução pela Apelada com a utilização de vigotas de cimento, para posteriormente apurar o “saldo devedor/credor na esfera da autora e assim decidir de forma definitiva sob a alínea a) e parte do pedido reconvencional da alínea a). É o que se retira da leitura da segunda parte da alínea a) do dispositivo da sentença recorrida que passamos a relembrar transcrevendo-a de seguida: “[…] e a quantia que vier a ser liquidada nos termos que se seguem, tendo em conta a diferença de custo entre o telhado orçamentado (em madeira nórdica) e o telhado efetivamente construído: o apuramento de saldo devedor/credor na esfera da autora e assim, decidir-se de forma definitiva sobre o pedido sob a alínea a) e parte do pedido reconvencional da alínea a);” Enveredou, assim, o tribunal a quo por condenação genérica sujeita a posterior liquidação prevista no n.º 2 do artigo 609.º do CPC que prevê expressamente a esse propósito que: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Porém, conforme perceberemos infra, nesta parte será de alterar o dispositivo da sentença recorrida. Impõe-se, todavia, neste momento, avançarmos para a apreciação da questão atinente à ampliação do âmbito do recurso suscitada expressamente pela Apelada na respectiva resposta ao recurso. 4. Ampliação do âmbito do recurso. A Apelada veio invocar a nulidade da sentença recorrida ao abrigo do disposto na alínea d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 636.º do mesmo Código, mais requerendo ao abrigo do n.º 1 do mesmo artigo o conhecimento de fundamento da sentença relativo ao decaimento da acção argumentando que […] tendo peticionado o pagamento da fatura respeitante à tranche em dívida do trabalho do telhado e inerente à conclusão do mesmo, carece de fundamento a sentença condicionar o quantum desse pagamento ao valor (a obter em sede de liquidação) do telhado construído em vigotas de cimento, porque, por um lado, o R. não negou a obrigação de pagamento dessa fatura, o que alegou foi que a tinha pago porquanto tinha entregue à A. um valor superior ao valor total do orçamento subjacente à causa de pedir da ação, e, por outro lado, porque o R. aceitou a alteração do telhado em madeira nórdica para vigotas de cimento”. Estatui o artigo 636.º do CPC o seguinte: “1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”. Relendo atentamente o enquadramento jurídico da sentença recorrida e bem assim a redacção conferida a final à segunda parte da alínea a) do dispositivo da mesma afigura-se correcta a interpretação da Apelada de que decaiu, (pelo menos parcialmente), no tocante à fundamentação do pedido de ressarcimento da quantia facturada relativa à factura descrita no ponto 15 do segmento alusivo aos factos considerados como provados, sendo certo ainda que atendendo ao expressamente pretendido pelo Apelante através do presente recurso (condenação da Apelada a restituir a quantia de € 18.430,69 e na restituição do valor a liquidar em virtude da execução do telhado em vigotas de cimento representar um custo de obra mais barato do que aquele que foi orçamentado), é de aceitar que o Apelante requereu tal acautelando a possibilidade de procedência de tais questões suscitadas pelo Apelante. Ora bem, já sabemos que a factura n.º 1/98 não foi paga pelo Apelante à Apelada e que a mesma respeita à parcela de 20% devida pela conclusão dos trabalhos relacionados com o telhado, de que o Apelante não reclamou, bem como que na execução destes últimos foram utilizados materiais (vigotas de cimento), que implicaram um custo de obra mais barato do que aquele que fora orçamentado (em madeira nórdica), tendo tal alteração de materiais sido da iniciativa da Apelada e aceite pelo Apelante (vide factos considerados como provados vertidos sob os pontos 3, 4, 7 e 10 a 15). Resulta do artigo 1214.º do Código Civil (doravante apenas CC), que: “1. O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado. 2. A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa”. No caso vertente tendo a execução do telhado sido objecto de alteração no respeitante aos materiais utilizados, aceite pelo Apelante, que não apresentou qualquer reclamação, tal terá que ser interpretado como alteração autorizada e como tal não defeituosa. Nesse contexto e apesar de os materiais efectivamente utilizados na execução do telhado implicarem um custo de obra “mais barato” que os acordados no orçamento inicialmente aceite pelo Apelante inexiste fundamento para dedução/redução de preço. Que, de resto, nem sequer foi expressamente peticionado em sede de contestação-reconvenção por parte do Apelante. Com efeito, não se mostra aplicável ao caso vertente o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1216.º do CC, respeitantes a alterações exigidas pelo dono da obra, sublinhando-se não ser de considerar as alterações efectuadas como defeituosas. Na conformidade exposta será de considerar procedente o pedido formulado sob a alínea a) da petição inicial e improcedente o pedido reconvencional igualmente traduzido na alínea a), em face da argumentação já oportunamente exposta supra no segmento anterior dedicado à reapreciação de mérito e da qual resulta não se ter apurado por parte do Apelante qualquer pagamento em excesso à Apelada relativamente aos trabalhos acordados / aceites /autorizados executados por esta última. Aqui chegados, constatando-se a improcedência das questões de mérito suscitadas pelo Apelante impõe-se concluir pela ausência de fundamento para apreciar as nulidades de sentença arguidas pela Apelada, a título subsidiário, em sede de ampliação do âmbito do recurso, uma vez que não se mostra preenchido o requisito previsto na parte final do n.º 2 do artigo 636.º do CPC (a procedência das questões de mérito suscitadas no recurso pelo Apelante). 5- Litigância de má-fé. Resulta do artigo 542.º do CPC, atinente à noção e responsabilidade no caso de má fé, o seguinte: “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. […]” Nas conclusões recursivas o Apelante pretende a condenação da Apelada como litigante de má-fé e a sua absolvição de idêntico pedido contra si formulado pela Apelada. Na sentença o Tribunal recorrido entendeu absolver a Apelada de tal pedido e condenar o Apelante como litigante de má-fé em multa correspondente a sete UCS. Para tal aduziu a seguinte argumentação: “Enquanto a autora alegou o acordo quanto à alteração do teto/telhado, justificando assim o pedido de pagamento da fatura n.º 1/98 (ainda que se tivesse dado por provado que um tem custos diferentes em relação ao outro), já o réu imputa à autora responsabilidades de centenas de milhar de euros que sabe não lhe poderem ser assacadas, como ficou exposto acima. Acresce que também alegou que tinha feito mais pagamentos do que os devidos, quando, depois, se apurou que tinha havido outros trabalhos que justificaram esses pagamentos, ainda que o saldo final tenha de vir a apurar-se mais tarde. Como se vê, o réu faltou à verdade e apresentou uma defesa, com pedido reconvencional, deduzindo pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar. Será condenado em multa correspondente a sete UCs, € 714,00, montante perto do limite mínimo, considerando que o limite máximo corresponde a 100 UCs, e ponderando que se tratou de dois mecanismos de defesa, um dos quais obrigou à réplica da autora”. Quanto à responsabilização como litigante de má-fé da Apelada verificamos que foi sustentada pelo Apelante na sua contestação-reconvenção com base nos seguintes argumentos: “A A. age com má-fé, ocultando factos que são do seu conhecimento e fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a ação da justiça e criar dificuldades injustificadas ao Réu”. Mostra-se, assim, tal pretensão fundamentada juridicamente na previsão da alínea b) e da alínea d), supra transcritas. Diz-nos a propósito destes fundamentos de litigância de má-fé José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1, Almedina, 4ª ed., Fevereiro de 2019, pág. 457), o seguinte: “Segundo o n.º 2, constituem actuações ilícitas da parte: […] a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); […] em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão(alínea d))”, esclarecendo ainda os mencionados professores, uns parágrafos abaixo na mesma página, que: “o autor ou o réu visa objetivo ilegal quando, também por exemplo, utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimentos, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes”. Ainda no ponto 4 do comentário ao preceito legal do artigo 542.º do CPC (pág. 457), acrescentam os referidos Autores que: “É corrente distinguir má-fé material (ou substancial) e má-fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé.” Por seu turno, segundo o entendimento de Paula Costa e Silva (“A Litigância de Má Fé”, pág. 394), a conduta prevenida na mencionada alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, pressupõe que a parte atue em seu benefício ao alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes, comportando um tipo de ilícito quer doloso, quer negligente. Ora, do exame dos autos não podemos concluir de todo no sentido pretendido pelo Apelante, pois nem se evidencia ocultação dolosa, ou negligentemente grave, de factualidade relevante para a decisão da causa que devesse ser revelada pela Apelada e menos ainda que a mesma tenha feito do processo um uso reprovável com o intuito de entorpecer a acção da justiça e prejudicar o Apelante. Pelo contrário, utilizou um meio processual para exercer direitos que até lhe serão reconhecidos a final. Já a Apelada sustentou a eventual litigância de má-fé do Apelante na réplica usando dos seguintes argumentos: “Aliás, se alguém está a litigar de má fé, não será certamente a Autora, mas sim o próprio Réu, pois, não tem pejo em vir alegar falsamente pagamentos “a mais” para sustentar a sua invencionice de ser credor da Autora, ocultando, ele sim, que esses pagamentos “a mais” se reportam a outros trabalhos contratados por ele Réu à Autora”. Este arrazoado aponta para a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, já acima transcrito. No entanto, na sentença recorrida a subsunção é feita à previsão da alínea a) do mesmo preceito ao entender-se que o Apelante “apresentou uma defesa com pedido reconvencional, deduzindo pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”. Aprofundemos um pouco mais o que supra já ficou dito sobre os fundamentos jurídicos para responsabilização como litigante de má-fé. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2020, 2ª edição atualizada), salientam em comentário ao referido preceito legal do artigo 542.º do CPC (pág. 616), o seguinte: “[…] não deve confundir-se a litigância de má-fé com: a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo; b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 02-03-10, 615/09)”. E como destaca António Meneses Cordeiro (“Litigância de Má-Fé, Abuso Do Direito de Ação e Culpa In Agendo”, Almedina, 2016, pág. 65), alinhado com diversa jurisprudência das nossas Relações: “Os preceitos atinentes às condutas relativas à litigância de má-fé têm uma aplicação restrita […] Exige-se que as condutas visadas sejam “manifestas” e “inequívocas”, requerendo uma quase certeza, por parte do julgador, dado o desmerecimento que envolvem e suscitando, a este, prudência e cuidado e especiais cautelas”. Ora estamos de acordo com as posições doutrinárias reveladas supra sublinhando designadamente a prudência e especial cautela que o julgador deve demonstrar na apreciação e condenação das partes como litigantes de má-fé. Por isso, afigura-se-nos que a demanda do Apelante relativamente ao pedido indemnizatório e a circunstância de não ter imputado pagamentos feitos à Apelada a outros trabalhos posteriores realizados por sua solicitação não é suficiente para concluir que o mesmo dolosamente, ou pelo menos com negligência grave, tenha incorrido na previsão da alínea a) ou da alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, antes se enquadrando na esfera da diversidade de versões sobre certos factos e em sede de alegação de pretensão / oposição que naufragou por a parte não ter conseguido convencer o tribunal da realidade trazida a juízo. Do exposto, resulta procederem as conclusões recursivas unicamente no tocante à pretendida absolvição do Apelante como litigante de má-fé, procedendo, como tal, parcialmente, o presente recurso interposto pelo Apelante. * V- Decisão Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação interposto por (…) e, em consequência, decidir o seguinte: 1. I – Revogar a alínea a) do dispositivo da sentença recorrida que passa a ter a seguinte redacção: a) Condenar o Réu (…) a pagar à Autora (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda. a quantia de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros), acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento. II – Acrescentar uma alínea a-1, com a seguinte redacção: a-1) Condenar ainda o Réu (…) a pagar à Autora (…) – Sociedade de Arquitectura e Construções, Lda. a quantia de € 9.348,00 (nove mil, trezentos e quarenta e oito euros), respeitante à factura n.º 1/98, de 15/05/2020, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento. III – Revogar a alínea b) do dispositivo da sentença recorrida que passa a ter a seguinte redacção: a) Absolver a Autora do pedido reconvencional sob as alíneas a) e b). IV – Revogar a alínea c) do dispositivo da sentença recorrida que passa a ter a seguinte redacção: a) Absolver Autora e Réu do pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido, respectivamente, por Réu e Autora. * 2. Fixar as custas a cargo de Apelante e Apelada, na proporção de 90% para o primeiro e de 10% para a segunda (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). * Évora, 28 de Junho de 2023 José António Moita (Relator) Maria da Graça Araújo (1ª Adjunta) Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta) |