Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
472/18.7T8PTM-C.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ABONO DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O abono de família é uma prestação que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens, não tendo natureza salarial.
2. Como tal, não integra o cálculo da verificação da condição de recursos, relevante para determinar o accionamento do FGADM.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário: (…)


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Portimão, procedeu-se à regulação de responsabilidades parentais em relação a (…), nascido a 17.12.2017, filho de (…) e de (…), tendo ficado decidido na conferência de pais que o menor ficava entregue aos cuidados da mãe e com ela residente e que a título de alimentos o pai contribuiria com a prestação mensal de € 200,00.
A progenitora instaurou incidente de incumprimento da pensão e, por decisão transitada em julgado, foi verificado o incumprimento pelo progenitor do acordo relativo ao pagamento de quantias em dívida e vencidas todas as prestações não pagas, num total de € 575,00.
Entretanto, a progenitora requereu o accionamento do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, para proceder ao pagamento da pensão devida ao menor.
Solicitado o relatório social ao ISS, este foi de parecer que a requerente reunia as condições necessárias à atribuição daquela prestação. Para o efeito, considerou que estava em causa uma família monoparental feminina, que a progenitora auferia uma retribuição mensal de € 565,00, auferindo o menor um abono de família no valor de € 198,30, sendo o rendimento familiar/per capita de € 376,67.

Porém, a decisão recorrida, entendendo que para o rendimento familiar deveria ser quantificado o abono de família atribuído ao menor, calculou o rendimento familiar/per capita em € 508,87, valor este superior ao IAS, e negou a pretensão.

A progenitora recorre e conclui:
1. Nos presentes autos e por decisão proferida pelo Tribunal a quo, considerou que nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio, os rendimentos do agregado são calculados de harmonia com o decreto-lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, com as respectivas alterações, sendo que o artigo 3.º de tal decreto-lei inclui as prestações sociais como rendimentos relevantes para a verificação de recursos.
2. O artigo 11.º não exclui, no nosso entendimento, o montante de abono de família, sob pena de preterição do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Constituição (comparando com uma família que não beneficia de qualquer apoio regular, mas aufere a mesma quantia com fonte no seu trabalho, por exemplo).

3. A capitação dos rendimentos é de € 763,30/mês (€ 565,00 + 198,30): 1,5 perfazendo € 508,87, superior ao valor do indexante dos apoios sociais para 2020 e 2021, actualmente na ordem dos € 438,81 – artigo 3.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio e Portaria n.º 27/2020, de 31 de Janeiro.

4. Pelo que, indeferiu a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores.

5. Todavia, a Progenitora não se pode conformar com tal decisão.

6. Ora, o que está em causa é a quais os rendimentos contabilizáveis para efeitos do DL n.º 70/2010, de 16 de Junho.

7. O Tribunal a quo entendeu que o artigo 11.º do DL 70/2010, de 16 de Junho, não exclui o montante de abono de família, sob pena de preterição do Princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, dado que a Mma. Juiz a quo compara uma família que não beneficia de qualquer apoio regular, mas refere a mesma quantia com fonte no seu trabalho.

8. Afigura-se-nos que tal entendimento não é de sufragar.

9. Ora e, compulsados os autos, resulta que a Segurança Social no âmbito do relatório realizado às condições económicas do agregado onde se insere o menor reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, conforme documento junto a fls. …

10. Por outro lado, e também neste sentido, a Digníssima Magistrada do Ministério Público promoveu que defira a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, fixando-se uma pensão de alimentos em valor não inferior a € 75,00.

11. Porém, a Recorrente entende que o referido normativo legal exclui as prestações por encargos familiares, encargos no domínio da deficiência e encargos no domínio da dependência do subsistema da protecção familiar, que in casu ascendem a € 198,30 (cento e noventa e oito euros e trinta cêntimos).

12. Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.11.2011 – Processo número 3030/03.7TBBRR-B.L1-2, no cálculo do rendimento do agregado familiar pressuposto da prestação de alimentos a menores pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não há que levar em consideração o abono de família enaltecendo-se que no cálculo dos rendimentos do agregado familiar para efeitos do disposto na Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro, e 3.º do Dec. Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, não deve ter-se em conta o valor auferido a título de prestações familiares, por força do disposto no artigo 11° do Dec.-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

13. Entende a ora recorrente que, a Mma. Juiz a quo para o cálculo da verificação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos Menores somente devia ter em conta os rendimentos do trabalho do agregado familiar onde o menor se insere, in casu o valor à data da verificação das condições para a intervenção do referido Fundo, que se cifrava em € 565,00 (quinhentos e sessenta e cinco euros), que perfaz um rendimento per capita de € 376,00 (trezentos e setenta e seis euros).

14. O que é manifestamente inferior ao indexante de apoios sociais, que se cifra em € 438,81 (quatrocentos e trinta e oito euros e oitenta e um cêntimos), nos termos da Portaria n.º 27/2020, de 31 de Janeiro.

15. Pelo que, entende a Recorrente que reúne todas as condições para a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos Menores, nos termos e para efeitos do DL 164/99, de 13 de Maio e DL 70/2010, de 16 de Junho.

Nestes termos e nos demais de Direito, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deverá a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, tomando em consideração os factos supra expostos, determine a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores, fixando-se uma pensão de alimentos em substituição do progenitor (…), em valor não inferior a € 75,00 (setenta e cinco euros).


A resposta da Digna Magistrada do Ministério Público também pugna pela revogação da decisão recorrida.
Dispensados vistos, cumpre-nos decidir.
A matéria de facto a ponderar na decisão é a que se deixou expressa no relatório.

Aplicando o Direito, a única questão que subsiste para apreciação é apurar se o abono de família pago ao menor, no valor de € 198,30, integra os rendimentos relevantes para a verificação de recursos.
A este respeito, a decisão recorrida afirmou que o artigo 11.º do DL 70/2010, de 16 de Junho, não exclui esse montante, “sob pena de preterição do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Constituição (comparando com uma família que não beneficia de qualquer apoio regular, mas aufere a mesma quantia com fonte no seu trabalho, por exemplo)”.
Nenhuma outra fundamentação é fornecida e a decisão recorrida não se preocupa, sequer, em justificar em que medida o abono de família tem natureza equivalente à retribuição auferida pelo trabalho.
Ora, o artigo 3.º, n.º 1, do DL 70/2010 dispõe que “Para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: a) Rendimentos de trabalho dependente; b) Rendimentos empresariais e profissionais; c) Rendimentos de capitais; d) Rendimentos prediais; e) Pensões; f) Prestações sociais; g) Apoios à habitação com carácter de regularidade”.
Dedicando-se especificamente às prestações sociais, o artigo 11.º o seguinte: “Consideram-se prestações sociais todas as prestações, subsídios ou apoios sociais atribuídos de forma continuada, com excepção das prestações por encargos familiares, encargos no domínio da deficiência e encargos no domínio da dependência do subsistema de protecção familiar.”
Mas qual a natureza do abono de família?
Trata-se de prestação regulada no DL 176/2003, de 2 de Agosto, republicado pelo DL 133/2012, de 27 de Junho, o qual, no seu art. 1.º, afirma que a protecção na eventualidade de encargos familiares “visa compensar os encargos decorrentes de situações geradoras de despesas para as famílias”, “mediante a concessão de prestações pecuniárias.”
No seu artigo 3.º, n.º 1, o dito diploma dispõe que “a protecção nos encargos familiares concretiza-se através de atribuição das seguintes prestações: a) Abono de família para crianças e jovens; b) Abono de família pré-natal; c) Bolsa de estudo; d) Subsídio de funeral.” E continua o n.º 2, dedicado especificamente ao abono de família: “O abono de família para crianças e jovens é uma prestação mensal, de concessão continuada, que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens.”
Visto que a lei expressamente determina que o abono de família é uma prestação que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens, a mesma não tem qualquer natureza salarial – não é o correspectivo devido ao trabalhador pela sua prestação laboral – e enquadra-se na excepção prevista na segunda parte do artigo 11.º do DL 70/2010, motivo pelo qual jamais poderia ser tomada em consideração para efeitos de cálculo da condição de recursos da Requerente.
Será, pois, revogada a decisão recorrida e atribuída a prestação nos exactos termos peticionados pela progenitora.

Decisão.
Destarte, revoga-se a decisão recorrida, e determina-se que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, pague a prestação mensal de € 75,00, respeitante a alimentos devidos ao menor identificado nos autos.
Sem custas.
Évora, 14 de Julho de 2021
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões