Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
122/12.5GCCUB.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEIOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - A imprescindibilidade dos meios técnicos de controlo à distância constitui pressuposto necessário da sua aplicação, dado que restringe direitos, liberdades e garantias do arguido.
II – Por isso, tem de ser aferida face à matéria de facto provada, ponderando, em concreto, a devida protecção da vítima de violência doméstica.
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 122/12.5GCCUB.E1
Reg. N.º 636

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1.1 - No âmbito do Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 122/12.5GCCUB, do Tribunal Judicial da Comarca de e Olhão, foi julgado, o arguido:

A, (…);

tendo sido proferida sentença, com o teor seguinte:
“a) condenar o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
b) suspender na sua execução a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão aplicada ao arguido A pelo período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, com as seguintes condições:
. pagar, à assistente B, a quantia global de 3.300€ (três mil e trezentos euros) - respeitante ao pedido cível -, pagamento a efectuar em 3 (três) prestações de €1.100,00 (mil e cem euros), de 6 em 6 meses, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, devendo, ainda, o arguido comprovar, nos autos, no prazo de 10 dias a contar do termo dos supras indicados prazos, o pagamento à assistente dos referidos montantes;
. frequentar sessões de reflexão sobre a problemática da violência doméstica e da igualdade de género, realizadas no âmbito da DGRS;
. proibição de todo e qualquer contacto com a vítima, quer pessoalmente, quer por qualquer outro meio de comunicação, pelo período de dois anos e dois meses, ou frequentar/permanecer junto da residência daquela, onde quer que a mesma se venha a fixar.
c) condenar o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, al. c), com referência ao disposto no artigo 3º, nº4, al. a), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro , na pena de 300 (trezentos) dias de multa, á razão diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
d) Em cúmulo jurídico aplicar ao arguido A a seguinte pena única:
. De 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime identificado na alínea a), que se suspende na sua execução pelo mesmo período, nos termos e com as condições mencionadas em b);
. De 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de €1.500,00 (mil e quinhentos) pela prática do crime identificado na alínea c).
e) julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido pela assistente B, em consequência, condenando-se o arguido A no pagamento da quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e de €800,00 (oitocentos euros) a titulo de danos patrimoniais, o que perfaz o montante global de €3.300,00 (três mil e trezentos euros) absolvendo-se do restante peticionado, a pagar nos termos supra determinados na alínea d);
(....).”

1.1.1 - A demandante/civil e assistente, B, inconformada, interpôs recurso.
Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“I – Atendendo à matéria de fato dada como provada o Tribunal “a quo” deveria ter aplicado ao arguido a proibição de todo e qualquer contato com a vítima, quer pessoalmente, quer por qualquer outro meio de comunicação fiscalizado pelos meios de vigilância electrónica.
II – O Tribunal “a quo” deveria ter aplicado o art. 35º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, uma vez que se mostra imprescindível para a proteção da vítima determinar que o cumprimento daquela medida seja fiscalizado pelos meios de controlo à distância.
III – O Tribunal “a quo” não valorou suficientemente o fato do arguido ter por diversas vezes ameaçado a assistente de morte, conforme consta nos Pontos 11., 22., e 33. que o Tribunal considerou como provados.
IV – O Tribunal “a quo” deveria ter aplicado a Lei 33/2010, de 2 de Setembro, que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância, nomeadamente os arts. 26º e seguintes.
V – O Tribunal “a quo” não valorou o fato do arguido já ter expressado a sua concordância e estarem reunidas todas as condições logísticas para a utilização de meios técnicos de controlo à distância.”.

1.2 - O Magistrado do Ministério Público e o arguido apresentaram a sua resposta ao recurso concluindo:
1.2.1 - O primeiro
“...parece resultar que as circunstâncias acima elencadas foram suficientes para afastar do juízo do julgador a imprescindibilidade de reivindicar os meios de controlo à distância.
Circunstância que, naturalmente, motivou a Mª Juiz a quo a não utilizar esse meio de controlo à distância no âmbito da suspensão da pena aplicada nos autos.
Tratou-se, de facto, de uma opção assertiva porquanto a aplicação desse meio de controlo à distância, tal como sugerido pela assistente, implicaria que ficasse demonstrado nos autos que o arguido insistisse em manter contactos com a mesma.
Pois, sendo condição da suspensão da pena a proibição de contactos com a assistente uma regra de conduta que visa facilitar a reintegração do arguido na sociedade de se pautar em função das regras da convivência na sociedade, resulta legal e naturalmente que a mesma assume apenas um carácter meramente indicativo para a sua ressocialização e de interiorização do bem jurídico por si violado.
Por essa razão, o legislador consagrou o carácter da indispensabilidade no art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, como pressuposto para a opção pelo meio de controlo à distância.
E esse carácter de indispensabilidade justifica-se pela sua excepcionalidade relativamente aos direitos, liberdades e garantias do arguido, nomeadamente pelo respeito da sua dignidade como pessoa humana, tal como sublinhado no nº 2 do art. 35º de diploma legal.
De facto, a utilização dessa forma de controlo da regra de conduta de proibição de contactos com a arguida exige uma série ponderação sobre a sua necessidade, adequação e proporcionalidade pelo Tribunal e que, naturalmente, se deverá ter em conta a gravidade e censurabilidade do comportamento o arguido e de uma prognose desfavorável relativamente ao mesmo quanto ao seu futuro relacionamento com a vítima.
Ora, tal como acima sublinhado, não flui dos autos que o arguido tenha manifestado qualquer rancor ou desejo de vingança relativamente à assistente que permitissem concluir pela necessidade de assegurar uma constante vigilância do arguido por meio de controlo à distância.
Acresce, por fim, que esse carácter de indispensabilidade teria que ser naturalmente aferido em sede de sentença, porquanto o arguido nem sequer foi confrontado com essa possibilidade no final da audiência de discussão e julgamento, porquanto, salvo melhor opinião, o consentimento prestado anteriormente pelo arguido apenas respeitou ao acionamento desse meio de controlo de vigilância em sede de medidas de coação que, naturalmente, não tem relevo para efeitos na aplicação de uma pena.
Em função do exposto, o recurso interposto não deverá de merecer provimento e, consequentemente, ser mantida a decisão ora em crise…V. Exas. Farão, como sempre JUSTIÇA!”.
1.2.2 - O segundo, após considerações, entendeu que o presente recurso não merece provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida.

1.3 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo:
1 - O recurso foi tempestivamente interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir.
2 - São de manter o regime de subida e o efeito ao Recurso atribuído no douto despacho de admissão.
3 - Nada obsta ao conhecimento do Recurso em conferência, atento o disposto no art.º 11º. N.º 5 do CPP.
4 - O recurso deve ser julgado improcedente

1.4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do C.P.P.

1.5 - Foram colhidos os vistos legais.

1.6 - Cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação.
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é a seguinte:
II. Factos provados:
1. A é casado com B desde 8 de Fevereiro de 1970.
2. Do casamento referido em 1. nasceu C a 18 de Dezembro de 1976.
3. Desde o início do relacionamento até ao ano de 2012 o arguido dirigia-se por diversas vezes em datas que não foram passíveis de concretização a B apelidando-a de “puta, vaca e ordinária”.
3. Em datas não concretamente apuradas, mas que terão ocorrido antes de 1992 o arguido pôs B na rua, nua, durante a noite, impedindo-a de entrar em casa, o que só conseguia fazer mais tarde com a ajuda da filha C, que esperava que o arguido se deitasse para abrir uma janela e deixar que a mãe entrasse e dormisse consigo, no seu quarto.
4. No verão de 1992, por altura da Expo 92 Sevilha, o arguido, B e C, viajaram para Ceuta, onde ficaram todos alojados no mesmo quarto de hotel.
5. B no período temporal mencionado em 4. necessitou de receber assistência médica no Hospital de Ceuta, sendo que regressou após com a família de imediato a Portugal.
6. Durante a viagem de regresso, em automóvel conduzido pelo arguido, este bateu em B, deferindo-lhe socos e murros na zona do peito e tronco, tendo aquela tentado sair do carro em andamento, o que não conseguiu.
7. No dia em que chegaram da viagem mencionada em 6. B deu entrada no Hospital de Psiquiatria e Saúde Mental de Faro, onde permaneceu internada durante uma semana.
8. Em dia não concretamente apurado, mas que terá ocorrido após o mencionado em 7. quando B entrou em casa deparou-se com a presença de uma corda com um laço no chão.
9. Mais tarde, no dia a que refere o artigo 8., ao chegar a casa o arguido perguntou a B se ainda não se tinha enforcado.
10. Em data não concretamente apurada mas posterior ao mencionado de 7. a 9. na sala de casa onde habitava o arguido e B e na presença da filha de ambos C, o arguido despiu a bata e o soutien que a ofendida trazia vestidos e pegou em duas facas de cozinha e apontou aos mamilos desta ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe ía cortar o peito para que esta nunca mais tivesse prazer com homem nenhum.
11. Em dia não concretamente apurado mas que ocorreu após o referido em 7. a 9. no quarto de ambos e na presença da filha C, o arguido encostou uma pistola à cabeça de B dizendo-lhe “vou matar-te à frente da tua filha para tu veres o que eu sofro por me teres traído”, o que levou a filha a colocar-se entre ambos e a dizer ao arguido que a tinha que a matar primeiro a ela.
12. Após o mencionado em 10. e 11. A tentou suicidar-se mediante a ingestão de medicamentos e foi internada, primeiro no Hospital de Olhão e depois, no Hospital de faro, durante cerca de uma semana.
13. Em data não concretamente apurada quando C chegou a casa dos pais, deparou-se com o arguido à sua espera com uma pistola na mão, exigindo-lhe explicações onde a mesma tinha estado e onde estaria a sua mãe, uma vez que lhes tinha dado ordens para não saírem de casa.
14. Após o referido em 13. o arguido obrigou a filha C a entrar no seu automóvel dizendo-lhe “agora vou levar-te até Moncarapacho e se a tua mãe tiver com o amante, vou matar o amante e a tua mãe”, tendo levado a pistola com ele.
15. Dirigiram-se então a Moncarapacho, mas como ninguém abriu a porta, regressaram a casa, onde já se encontrava a ofendida.
16. O arguido aproximou-se dela e bateu-lhe, tendo-lhe puxado também os cabelos.
17. Em data não concretamente apurada mas que terá ocorrido entre 2000 e 2003 quando C se encontrava a fazer um bolo para a sua prima, o arguido retirou-lhe a batedeira das mãos e após arremessou uma mesa de cozinha na direcção daquela e da sua mãe, que se encontrava a seu lado, atingindo-as nas pernas e nos pés.
18. Desde o ano de 1992, o arguido controlava e vigiava os movimentos da ofendida, proibindo-a de sair de casa sozinha e apenas lhe permitindo que o fizesse na sua companhia ou da filha.
19. A partir do ano de 2009, na sequência de diversos problemas de saúde que afectaram o arguido, este começou a revelar dificuldades em consumar o acto sexual com B, designadamente por não conseguir obter e manter a erecção.
20. Nas ocasiões mencionadas em 19. o arguido tornava-se agressivo com B, dizendo-lhe que era uma “puta, uma vaca e uma ordinária”, “que já não o aquecia” e agarrava-a pelos braços, colocando-lhe os joelhos na região do baixo ventre, enquanto procurava introduzir-lhe o pénis na boca e no ânus.
21. Em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido no ano de 2012, o arguido procurou introduzir o seu pénis na vagina e ânus da ofendida, friccionando-o contra o corpo da mesma, a fim de obter erecção e com esse comportamento provocou-lhe hemorragia na região anal e vaginal.
22. Durante esse tempo, dos factos mencionados em 20. e 21. o arguido disse à ofendida que a matava e que se matava de seguida.
23. No dia 9 de Abril de 2012 B, aproveitando a ausência do arguido, fugiu de casa, levando consigo apenas o pijama que tinha vestido.
24. A arguida deixou uma carta onde explicava os motivos que a levavam a fugir.
25. O arguido detinha uma pistola de defesa, de marca “Tanfoglio Giuseppe”, com o nºD50595 e calibre de 6,35mm da marca “Browing”.
26. Desde 19 de Março de 2002 que o arguido não é titular de qualquer licença válida de uso e porte de arma, uma vez que aquela caducou na data referida.
27. O arguido conhecia as características da arma e munições que tinha e sabia que não as podia ter sem que fosse titular de licença válida, mas quis detê-las e deteve-as naquelas circunstâncias.
28. O arguido sabia que as condutas eram adequadas a provocar medo e receio na ofendida, o que quis e conseguiu, ciente que lhe provocava mau estar psicológico, de temor, sofrimento, vergonha e inquietação constante.
29. O arguido agiu também com o propósito conseguido de causar medo, instabilidade e insegurança à sua mulher, subjugando-a às suas vontades e a um tratamento cruel.
30. O arguido sabia que as expressões que dirigiu a B eram ofensivas da honra e consideração de qualquer pessoa e que ao proferi-las faltava ao respeito à demandante e sua filha, não se coibindo contudo de o fazer, mesmo em frente desta.
31. Em todas as ocasiões supra descritas o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
32. Após o mencionado em 22. B hospedou-se no lar de (…), em Coimbra, por um período de 15 dias, onde desembolsou a quantia de €800,00.
33. A actuação do arguido provocou em B um grande sentimento de inquietação pela sua vida e uma grande insegurança ao sair à rua sozinha.
34. Referiu-se no relatório do Hospital de Faro de 10/03/2010, de 08/06/2011, de 15/06/2011, de 29/02/2012 e de 31/03/2012, que A sofre de síndrome depressivo.
35. Do escrito denominado de “consulta externa”, do Centro de Saúde Mental de faro, com data de 24/08/1983, consta que B refere a existência de “perturbação do ambiente familiar”.
36. Do escrito identificado em 35. e referente a consulta efectuada por B em 10/08/1990, consta o seguinte: “continuam os problemas conjugais «estou revoltada e tenho vontade de me ir embora…mas não tenho para onde ir»(chora)”
37. Do escrito identificado em 35. e referente a consulta efectuada em 11/09/1992, por B consta o seguinte: “vê-se nitidamente que tem medo do marido” (…) “é necessário ter cuidado quando a doente aparece na consulta com o marido, porque ele é muito desconfiado e está sempre a tentar descodificar hipotéticas «mensagens» da esposa”.
38. O arguido recebe uma pensão no montante de cerca de €178,00 e reside actualmente sozinho.
39. O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 29/03/2007, proferida no Processo n.º 32/04.0IDFAR, do 3.º juízo do Tribunal Judicial de Olhão, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, praticado em 26/02/2000, p.p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e c) e 104º, nº2, do RGIT e um crime de contra-ordenação, p.p. pelo artigo 116º, nº1, do RGIT, numa pena de um ano e dois meses de prisão suspensa, pelo mesmo período, que já se encontra extinta.

III. Factos não provados:
A. Desde o inicio do relacionamento amoroso do arguido e de B, ainda na fase de namoro, o arguido agrediu física e verbalmente B, continuando a faze-lo durante o casamento e mesmo na presença da filha de ambos, após o nascimento desta.
B. Tais agressões eram constituídas por murros em todas as partes do corpo, bofetadas na face, puxões de cabelo e arremesso de objectos contra a pessoa da ofendida.
C. Por vezes também, na sequência desses comportamentos do arguido, a ofendida B viu-se forçada a sair de casa e procurar abrigo, para si e para a sua filha em casa de familiares.
D. Tais comportamentos do arguido eram motivados pelo consumo excessivo de álcool e pelos ciúmes infundados que nutria pela ofendida.
E. Logo na primeira noite, no interior do referido quarto, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, acusando-a de manter um relacionamento amoroso extraconjugal com o seu instrutor de condução. (por referencia ao facto 4. dado como provado)
F. No âmbito da discussão o arguido imobilizou a ofendida, colocando as suas pernas por cima da barriga daquela, bateu-lhe e apertou-lhe o pescoço, impedindo-a de respirar normalmente.
G. Que em consequência do descrito em F. a ofendida necessitou de receber assistência médica no Hospital de Ceuta.
H. Nessas saídas o arguido proibia a ofendida de falar ou cumprimentar as pessoas conhecidas, fossem homens ou mulheres.
I. Também, por motivo desses ciúmes, o arguido forçou a ofendida a deixar o seu trabalho numa fábrica de peixe, já que este lhe batia diariamente, acusando-a de andar a falar com os homens que trabalhavam na fábrica.
J. Ultimamente, o arguido apenas permitia que a ofendida tomasse banho com o resto da água do seu banho e impedia-a de falar com as vizinhas, mantendo a porta de casa sempre trancada.
L. Que na sequência do mencionado no facto 21. dado como provado que o arguido queria ejacular no interior do corpo da assistente, ou ainda, que a matava com um machado que a cortava aos bocadinhos.
M. Que na sequência do referido no facto 16. o arguido deferiu em B socos e pontapés pelo corpo todo.
N. Na sequência do mencionado em 17. que o arguido tivesse atirado a batedeira à cabeça da C.
O. Que a assistente tenha dispendido em medicação para a depressão, desde que iniciou o tratamento cerca de €300,00.
*
Relativamente aos artigos que não foram mencionados supra, nomeadamente os constantes do pedido de indemnização civil de 1 a 34 apenas se refere que, ou por se tratarem de conceitos de direito, ou por serem expressões de carácter conclusivo ou meras considerações, ou ainda por se tratar de repetições do vertido na acusação pública e não relevantes para os tipos legais, sobre os mesmos não pode recair qualquer consideração probatória ou duplicação factual.
*
IV. Motivação
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada, à luz dos princípios legais que regem a matéria, dos seguintes meios de prova produzidos e/ou examinados em audiência de julgamento:
- Nas declarações do arguido A, o qual confessou os factos respeitantes ao crime de detenção de arma proibida, sendo que negou os restantes factos, apenas admitindo ter problemas de natureza sexual relacionados com a erecção, justificando desse modo o modo de relacionamento íntimo com a assistente. O arguido depôs de forma que não convenceu o Tribunal, nomeadamente mostrando-se vago e por vezes titubeante nas suas respostas, sendo que o seu comportamento e postura descredibilizaram igualmente as suas respostas, pois tal situação é perceptível não apenas pela audição das declarações daquele, bem como pela observação só possível em audiência de julgamento.
- Nas declarações da assistente B, prestadas de forma bastante espontânea e credível, apresentando um discurso lógico, coerente e consentâneo com a restante prova produzida, não obstante aparentar estar sob a influência de medicação eventualmente “tranquilizante”. O Tribunal valorou as suas declarações não só pela forma natural como relatou os diversos factos, bem como pela sua consentaneidade com parte da prova essencial produzida em sede de audiência de julgamento.
- No depoimento de C, filha do arguido e da assistente, que prestou depoimento de forma credível e espontânea, demonstrando ao longo do mesmo emoções que necessariamente convenceram o Tribunal e que se considerou corresponderem à realidade, que aquela família vivenciou durante mais de 30 anos. O seu depoimento corroborou o da assistente, porquanto pela espontaneidade e credibilidade de ambos considerou o Tribunal quase todos os factos dados como provados.
- No depoimento de D, prestou depoimento de forma natural e objectiva, é casado com C, sendo que não teve qualquer conhecimento directo dos factos imputados ao arguido, sendo que mencionou que o arguido residiu em sua casa cerca de um mês mas que havia muitas discussões entre C e o arguido, tendo ainda descrito B como uma “pessoa muito reservada”, mas “não desequilibrada”.
- No depoimento de E, Assistente Social, prestou depoimento de forma credível, tendo mencionado que conheceu a B quando a mesma esteve no lar de (…), sendo que o conhecimento que tem do relacionamento daquela com o arguido se baseia no que ela lhe contou. Mais mencionou que pelas avaliações a que B foi sujeita entende que não nela qualquer défice cognitivo.
- No depoimento de F, irmã do arguido, a qual depôs de forma bastante comprometida e emotiva, sempre com uma atitude desculpabilizante e protectora do arguido, situação perfeitamente perceptível pela audição do seu depoimento, quando conjugado com a visualização do mesmo, razão pela qual o seu depoimento não foi valorado pelo Tribunal.
- No depoimento de G, Militar da GNR, participou na busca realizada a casa do arguido, referindo que aquele entregou a arma voluntariamente, não tendo conhecimento dos restantes factos imputados ao arguido.
- No depoimento de H, prestou depoimento de forma sincera e credível, não demonstrando qualquer conhecimento directo dos factos imputados ao arguido, pois tudo o que sabe foi-lhe contado pela assistente. Conviveu com a assistente no Lar de (…), sendo que descreveu a assistente quando entrou naquele lar como estando bastante abatida.
- No depoimento de I, administrativa do Lar de (…), tendo prestado depoimento de forma credível, referindo em síntese que a assistente esteve naquela instituição entre 9 e 24 de Abril de 2012, e que a mesma quando lá chegou estava frágil, traumatizada, com medos e uma grande angústia. Mais referiu que a estadia da assistente na instituição mencionada lhe custou €800,00.
- No depoimento de J e de K, sobrinhos do arguido, tendo ambos já trabalhado com o arguido, prestaram depoimento de forma parcial e pouco credível. Relativamente aos factos que eram concretamente imputados ao arguido não revelaram qualquer conhecimento, tendo apenas caracterizado de forma constantemente comprometedora a personalidade do arguido, no sentido de lhe não ser apontado qualquer defeito. Nestes termos, o depoimento destas testemunhas não foi valorado pelo Tribunal.
- No depoimento de L, sobrinho do arguido, prestou depoimento de forma comprometida e emotiva, sendo que resultou do ser depoimento não ter conhecimentos dos factos concretamente imputados ao arguido. Adoptou á semelhança de outros familiares do arguido uma atitude desculpabilizante do arguido, por forma a não lhe ser apontado qualquer defeito, razão pela qual o depoimento não foi valorado.
- No depoimento de M e de N, vizinhos do arguido e de B, prestaram depoimento de forma aparentemente sincera, revelando não ter qualquer conhecimento dos factos imputados ao arguido, tendo mencionado em síntese que do relacionamento que tinham com aquele casal nunca lhe notaram problemas.
- No depoimento de O, vizinha do arguido e de B, que prestou depoimento de forma aparentemente credível. Referiu ter apenas convivido com aqueles apenas durante uma ano, mas já há mais de 30 anos, sendo que revelou não ter qualquer conhecimento dos factos concretamente imputados ao arguido.
- No depoimento de P, vizinha do arguido e de B, que prestou depoimento de forma aparentemente credível. Referiu não conviver com o arguido já há mais de 25 anos, sendo que revelou não ter qualquer conhecimento dos factos concretamente imputados ao arguido. Contudo, teceu considerações pessoais acerca da personalidade da filha do arguido e da assistente, que revelaram alguma animosidade da parte da parte da testemunha, nada tendo resultado de útil do seu depoimento, razão pela qual não foi valorado o seu depoimento.
- No depoimento de Q, irmã da B, prestou depoimento de forma emotiva embora credível, não revelando contudo conhecimento directo dos factos imputados ao arguido, pois tudo o que sabia era através da assistente. Mencionou que a assistente vivia apavorada, porque o arguido lhe batia, mas calava-se porque é de uma geração muito conservadora, no sentido que a separação era impensável.
- No depoimento de R, prima da assistente, prestou depoimento de forma segura e credível, não demonstrando qualquer conhecimento directo dos factos, pois o que sabe foi-lhe transmitido pela assistente. Referiu com interesse para a causa que no dia seguinte à assistente ter sido internada no ano de 1992, após a viagem a Ceuta, foi visitada pela C e o arguido e sempre que a C falava “a mais”, o arguido mandava-a calar.
- No depoimento de S, prima da assistente e mãe de R (testemunha anterior), prestou depoimento de forma espontânea e credível, não demonstrando qualquer conhecimento directo dos factos, pois o que sabe foi-lhe transmitido pela assistente. Em síntese mencionou que a vida da assistente ao lado do arguido foi uma “vida de martírio”.
- No depoimento de T, irmão da assistente, prestou depoimento de forma segura e credível, não demonstrando qualquer conhecimento directo dos factos, pois o que sabe foi-lhe transmitido pela assistente. Contudo mencionou ao Tribunal que na altura em que a irmã esteve internada na sequência da viagem a Ceuta, quando efectuava uma visita àquela no Hospital o arguido apertou o pulso da assistente, de forma a não permitir que este falasse em particular come ela, como estava a tentar, relatando que o tentou afasta-lo mas que o arguido se terá insurgido e lhe disse que a sua irmã era dele e começou em alta voz a chamar pelos médicos. Referiu também que após esse acontecimento apenas contactava esporadicamente com a irmã e quando o arguido não estava.
- Nas regras da experiência comum, nos termos infra expostos.

- Nos seguintes documentos:
. Auto de noticia, de fls. 3 e ss.;
. Relatório de Episódio de Urgência, do Hospital de faro, E.P.E., de fls. 42 e ss.;
. Cópia de Carta, com data de 09/04/2012, de fls. 48 e ss.;
. Informação referente a B, do Hospital de Faro, de fls. 104 a 128;
. Auto de busca e apreensão e respectiva reportagem fotográfica, de fls. 139 a 150 e 152 a 155;
. Documentação do Centro de Saúde Mental de Faro e do Hospital de Faro, de fls. 462 a 494;
. Recibos de farmácia de fls. 522 a 524;
. Auto de exame e peritagem, de fls. 545 a 547
. Certificado de registo criminal do arguido, de fls. 638 a 639.
. Relatório Social de fls. 645 e ss.;
*
Especificadamente:
. Factos 1 a 2 e 38: Provados com base nas declarações prestadas pelo arguido, assistente, bem como necessariamente pela própria C.
. Factos 3 a 12 e 17 a 18: Provados com base nas declarações da assistente e da testemunha C. Na verdade quer as declarações da assistente, quer as declarações de C, mostraram-se suficientemente credíveis e foram prestadas de forma consistente, tendo-se convencido o tribunal da sua inteira veracidade, pela forma detalhada e mesmo emotiva, como foram descritos.
. Factos 13 a 16: Provados com base na credibilidade e espontaneidade que mereceu o depoimento de C, ao arrepio das declarações prestadas pelo arguido, que se limitou a negar os factos de forma que não convenceu o Tribunal, nos termos já supra expostos.
. Factos 18 e 25 a 27: Provado com base na confissão do arguido nesta parte.
. facto 20 a 24: provados com base nas declarações da assistente, que tal como já se referiu supra, foram prestadas de forma bastante espontânea e credível, apresentando um discurso coerente, não obstante aparentar estar sob a influência de medicação eventualmente “tranquilizante”. O Tribunal valorou as suas declarações pela forma natural e credível como relatou os diversos factos. Na verdade, não se diga que apenas por existirem declarações da assistente que são contraditórias com as do arguido, tal como foi argumentado em sede de alegações, que deverá ser aplicado aqui o principio “in dubio pro reo”, porquanto aplicação de tal principio não se coaduna com o caso concreto. Na verdade, o princípio “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão, ou seja, produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
O “
in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Assim, não será aplicável quando o Tribunal não tem dúvidas.
. Factos 28 a 31: Provados com base nas regras da experiência comum, pois deriva da presunção da intenção subjectiva do arguido ao adoptar os comportamentos dados como provados.
Factos 32 a 33: provados com base nas declarações da assistente, de C, de E e I, nos termos já supra mencionados.
Factos 34 a 37: Provados com base na documentação junta aos autos pelo Centro de Saúde Mental de Faro.,
Facto 39: provado com base no Certificado de registo Criminal do arguido.
*
Relativamente aos factos considerados não provados, diga-se que tal situação se deve à ausência de prova sustentável quanto à verificação dos mesmos. Na verdade, considerou-se a prova produzida insuficiente para considerar provados aqueles factos. Entende o tribunal que não pode em consciência considera-los provados, pela conjugação de toda a prova produzida, que se considerou insuficiente para efeitos de condenação.”

2.2 - Dado o registo, através de áudio, da prova., o recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda, o que não ocorre na caso “sub judice”) aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
Portanto, dentro dos parâmetros retro aludido, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que, no caso dos autos, a questão que a recorrente coloca reconduz-se a saber se, atendendo à matéria de fato dada como provada o Tribunal “a quo”, deveria ter aplicado ao arguido a proibição de todo e qualquer contato com a vítima, quer pessoalmente, quer por qualquer outro meio de comunicação, fiscalizados pelos meios, imprescindíveis de vigilância electrónica, de controlo à distância.

2.4 - Análise das questões do recurso
2.4.1 - Para análise da questão suscitada, é fundamental, desde logo, atender à previsão dos arts. 35º e 36º, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, bem como, se verificada essa imprescindibilidade, à do art. 26º, da Lei 33/2010, de 2 de Setembro, que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância como pressuposto para a opção pelo meio de controlo à distância.
Artigo 35.º “Meios técnicos de controlo à distância”
”1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a protecção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
2 - O controlo à distância é efectuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados.
3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 5 do artigo 20.º
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente.
5 - À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal.” (Contém as alterações dos seguintes diplomas: - Lei n.º 19/2013, de 21/02 - Rectificação n.º 15/2013, de 19/03).
A
rtigo 36.º Consentimento”
1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento.
5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a protecção dos direitos da vítima.” (Contém as alterações da Lei n.º 19/2013, de 21/02.
A imprescindível dos meios técnicos de controlo à distância, pressuposto necessário da previsão do citado art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, terá de ser analisada mediante a análise da matéria de facto provada. Esta está fixada e condiciona a verificação daquele pressuposto legal.
Não esquecemos, também, que a “Teleassistência destina-se a garantir às vítimas de violência doméstica apoio, protecção e segurança adequadas, assegurando uma intervenção imediata e eficaz em situações de emergência, de forma permanente e gratuita, vinte e quatro horas por dia” (in art.º 2 da portaria n.º 220-A/2010 de 16 de Abril).”
Vejamos, se aquela imprescindibilidade, resulta, no caso em análise, da matéria de facto provada.
Está assente que:
A assistente está institucionalizada desde que abandonou a residência que partilhava com o arguido em 9 de Abril de 2012, não tendo esta manifestado qualquer intenção em regressar à sua residência, circunstância que justificou que a medida de coação aplicada ao arguido de abandonar essa mesma residência tivesse sido revogada pela Mª Juiz de Instrução Criminal, por douto despacho de 22 de Dezembro de 2012;
A sua institucionalização deverá ser longa, dadas as suas afectações e as crises de depressivas;
O arguido não tentou ou procurou aproximar-se da assistente ou restabelecer, com ela, a vida em comum, apôs a aplicação das medidas de coação, na fase do interrogatório judicial, nem expressou manifestações de vingança, fase aquela, durante o decurso do processo.
Portanto, tem pertinência o afirmado na resposta do MP, “...a perigosidade enaltecida pela assistente em sede de recurso não é de todo corroborada pela própria factualidade dada como provada. Pois, as ocorrências dadas como provadas nos pontos 11 e 22 distam 17 anos de diferença, ou seja, num lapso de intervalo temporal entre 1992 e 2009. Resulta, então, da evolução cronológica dos fatos dados como provados que o comportamento criminoso do arguido apenas se cingiu na esfera da intimidade do lar e com um patente e revelante decréscimo cronológico do seu comportamento criminoso para com a assistente.
Sublinhando-se, porém, que as imputações factuais mais recentes efectuadas ao arguido ocorreram na esfera da intimidade sexual com a assistente e num contexto que se afigura que ocorreram com consentimento da assistente, nomeadamente relativamente aos factos dados como provados nos pontos 20 e 22.
Em abono deste entendimento de que não se mostra imprescindível o recurso aos meios técnicos de controlo à distância...”.
Esse entendimento foi o seguido na sentença recorrida, ao concluir por um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, com a aplicação da suspensão da execução da pena, ainda que sujeita a diversas condições (entre elas, frequentar sessões de reflexão sobre a problemática da violência doméstica e da igualdade de género, realizadas no âmbito da DGRS; e proibição de todo e qualquer contacto com a vítima, quer pessoalmente, quer por qualquer outro meio de comunicação, pelo período de dois anos e dois meses, ou frequentar/permanecer junto da residência daquela, onde quer que a mesma se venha a fixar, destinadas à sua ressocialização e de interiorização do bem jurídico por si violado), mas sem recurso, por não os ter considerado imprescindíveis, aos meios de controlo à distância.
Assim, atendendo à factualidade provada, é justificada a não utilização dos meios de controle à distância, pois que, a suscitação e pretensão da recorrente/assistente, só se justificaria, como indispensável, se tivesse provado que o arguido persistisse em contactá-la.
A exigência dessa indispensabilidade e excepcionalidade expressa no citado art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, é justificada, porquanto, esse controlo à distância restringe, de modo grave, os direitos, liberdades e garantias do arguido, tal como a sua dignidade, como ser humano.
Não se podendo olvidar, também, a necessidade, para a sua aplicação, do consentimento do arguido, que não foi sequer equacionado, na fase de julgamento, sendo que o mesmo não pode ser presumido, desde logo, pela posição do arguido expressa na sua resposta ao recurso, e porque, como refere o MP, na sua resposta, “o consentimento prestado anteriormente pelo arguido apenas respeitou ao acionamento desse meio de controlo de vigilância em sede de medidas de coação que, naturalmente, não tem relevo para efeitos na aplicação de uma pena.”.
Teremos, pois, de concluir que ainda que a defesa da vítima, neste tipo de delitos seja fundamental e necessária, os pressupostos legais para a aplicação do meio de controlo à distância e o seu carácter da indispensabilidade, expressos no citado art. 35º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com as alterações da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, não se mostram preenchidos, no caso “sub judice”.


III - Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4 Ucs.
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas - art. 94 n.º 2 do CPP).
Évora, 14/01/2014

Maria Isabel Duarte
José Maria Martins Simão