Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
20/13.5GBPTG.E1
Relator: CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
CONVERSAS INFORMAIS
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não constitui depoimento por ouvir dizer nem assenta em “conversa informal” o depoimento de agente policial que reproduz o relato feito no dia e local de incêndio por quem ateou o fogo mas ainda não era arguido ou, sequer, suspeito.
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora

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1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de P, realizado o julgamento, o arguido PMSC foi condenado pela prática de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, mediante plano individual de reinserção social, a elaborar.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
1- O Recorrente foi condenado, pela prática de um crime de incêndio florestal p. e p. pelos art.ºs 274, n.º 1 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão.
Tendo ainda sido condenado nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
2- Salvo o devido respeito, considera-se existir insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410.º n.º 2, alínea a) e c) do C.P.P., dada também a clara contradição entre os factos carreados para a Audiência de Discussão e Julgamento e os factos efetivamente provados e consequentemente a decisão plasmada na Douta Sentença.
3- Mais, o Tribunal a quo interpretou, salvo o devido respeito, erradamente os artigos 71.º, 274.º n.º 1, do Código Penal e art.º 129.º do Código de Processo Penal, na medida em que considerou o arguido autor destes crimes, baseando-se numa conversa informal, condenando-o. Concluímos que não estão preenchidos quaisquer os elementos do tipo legal de crime pelos quais foi condenado.
4- Em suma, não existe corpus delicti, não ficou provada a prática do crime pelo qual vinha acusado, não devendo, pelo mesmo, ser condenado.
5- O arguido não prestou declarações durante o inquérito, ou seja, ao arguido, não foram recolhidas declarações pela Polícia Judiciária ou qualquer outro órgão de polícia criminal.
6- Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido remeteu-se, novamente, ao silêncio.
7- A condenação de que foi alvo, assentou numa alegada conversa, à qual foi feita alusão, por um Inspetor da Polícia Judiciária.
8- Alegadamente, tal conversa terá sido mantida entre arguido e o aludido Inspetor da Polícia Judiciária, antes daquele ser suspeito e de ser constituído arguido.
9- Sem sequer se concretizar as palavras utilizadas pelo arguido, disse-se que o mesmo havia dito que tinha sido ele a praticar o crime em causa.
10- O referido Inspetor não presenciou qualquer facto/ilícito penal atribuível ao arguido.
11- As testemunhas arroladas não presenciaram qualquer facto/ilícito penal atribuível ao arguido.
12- A prova produz-se em audiência de discussão e julgamento.
13- Salvo o devido respeito, a prova por confissão não pode ser baseada no “diz que disse”, por testemunho indireto, para mais nas circunstâncias acima descritas, uma clarividente nulidade,
14- em violação do preceituado no art.º 129.º do Código de Processo Penal.
15- Atente-se na jurisprudência constante da própria Sentença: “Nesse sentido reproduzem-se aqui as palavras do Exmº Conselheiro Maia Gonçalves, citado pelo Exmº Desembargador João Gomes de Sousa, no Acórdão da RE de 04.06.2013, in www.dgsi.pt: “(…)Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
16- Quanto à prova efetivamente produzida, há a constatar que, foi o próprio arguido a dar o alerta de incêndio, chamando os bombeiros, tomou todas as medidas para salvaguardar pessoas e bens, espalhou água em redor da sua própria habitação, a que estava mais próxima, ou seja, precisamente a atitude exigível, seguindo os padrões do homem médio.
17- Tais factos foram confirmados pelas testemunhas arroladas (vizinhos do arguido)
18- Salvo o devido respeito, a condenação do arguido não pode ser feita ao arrepio das regras processuais penais e direitos do arguido.
19- Salvo o devido respeito, nada sustenta a condenação, pelo que a Sentença se encontra ferida de nulidade.
20- Considera o Recorrente incorretamente julgados os pontos 1 a 11, inclusive, relativos à Matéria de Facto Provada (2-Fundamentação) na medida em que se dão como provadas tais acusações.
21- O Tribunal deu como provada a acusação, formando a sua convicção exclusivamente numa alegada conversa informal!!!
22- É entendimento do Recorrente, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo, julgou incorretamente, pois não foi produzida qualquer prova.
23-Pelo que, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da Douta sentença recorrida, ou seja, a absolvição do Arguido.
24-Relativamente à eventual renovação de prova é entendimento do Recorrente, salvo melhor opinião, não haver in casu, necessidade de produção da mesma mas tão-somente a reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo.
25-O Recorrente nunca sofreu qualquer condenação, tendo o seu registo criminal limpo.
26-Não existem outros processos pendentes a correr contra o arguido,
27-encontra-se social e familiarmente integrado,
28-é e sempre foi uma pessoa calma e pacífica.
29-O arguido não aceita condenação de que foi alvo, afirmando-se inocente.
30-Não foi observado o princípio do in dubio pro reo.
Termos em que e, nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime pelo qual foi condenado, atendendo-se à total ausência de prova!

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1. O arguido foi condenado nestes autos da prática de um crime de incêndio florestal, previsto e punido pelo artigo 274.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada por regime de prova;
2. Não conformado com a condenação, recorreu o arguido, pugnado pela sua absolvição, alegando erro notório na apreciação da prova, por se ter valorado um depoimento que considera de conversa informal;
3. Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação. As percepções dos agentes policiais, concretamente por conversas informais com o suspeito antes da abertura formal são livremente valoráveis pois só não podem depor sobre diligências nas quais reduziram a auto as declarações do arguido;
4. Ora, se o arguido que ainda não é arguido nem sequer suspeito e enquanto os órgãos de polícia criminal estão a falar com o mesmo, informalmente, sobre o que viu, uma vez que foi ele quem deu o alarme do incêndio, diz, espontaneamente que foi ele quem ateou o incêndio, tal conversa não é uma conversa informal, pois o mesmo não era sequer suspeito dos factos.
5. Nos termos do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso pode ter como fundamento, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o erro notório na apreciação da prova;
6. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que a decisão do julgador, que foi fundamentada na sua livre convicção, seja uma decisão, de entre as possíveis, aquela que é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum;
7. Para que existisse erro notório na apreciação da prova necessário era que fossem dado como provados factos incompatíveis entre si, ou que fossem dados como provados factos contrários à prova produzida;
8. Nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador;
9. Assim, na valoração da prova, o julgador é livre de formar a sua convicção desde que, para tanto, a mesma não seja contra as regras da experiência, da lógica e da razão;
10. Da leitura da sentença, não resulta nenhum erro notório na apreciação da prova;
11. Sendo que face à fundamentação da douta sentença recorrida, assente na prova produzida e nas regras da experiência comum e da lógica, é evidente que a decisão do Tribunal a quo era a única que podia ser tomada, sendo inatacável precisamente porque foi proferida em obediência à lei;
12. O que o Recorrente pretende é substituir a sua convicção à convicção do Tribunal;
13. O princípio do in dubio pro reo não deve ser interpretado como um princípio de apreciação e valoração de prova, mas somente como um critério de resolução de dúvida insanável, ou seja, nos casos em que a prova não ultrapassa a dúvida razoável;
14. Pela leitura da sentença não temos dúvidas que o Tribunal a quo não teve dúvidas, incertezas e hesitações sobre a culpabilidade da recorrente, bem antes pelo contrário, demonstrando e justificando cabalmente o porquê de terem ficado provados os factos imputados ao arguido.
15. Assim, deve ser mantida a condenação do arguido nos seus exactos termos, mesmo no que diz respeito à pena aplicada ao arguido, uma vez que foram observadas todas as regras na determinação da pena e da medida concreta da mesma.
Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as de nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º do CPP, e as previstas no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Delimitando-o, reside em apreciar:
A) - da proibição da prova;
B) - dos vícios da decisão;
C) - da medida da pena.
Neste âmbito, saliente-se que o recorrente, embora refira que o recurso tem por objecto a matéria de facto, indicando pontos de facto, na sua perspectiva, como incorrectamente julgados, não a impugnou em conformidade com as exigências que poderiam motivar a sua modificação nos termos da alínea b) do art. 431.º do CPP, ou seja, por via de reapreciação da prova e erros de julgamento (art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP).
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Ao nível da matéria de facto, resulta da sentença recorrida:
Matéria de facto provada:
1. No dia 26 de Julho de 2013, cerca das 8h00, o arguido PMSC decidiu deslocar-se até uma zona de mato seco próximo a um carvalho localizado na Herdade da C, junto à Rua (...), com o propósito de largar fogo ao mato e arvoredo ali existente.

2. Para o efeito o arguido abeirou-se do referido carvalho e aí atirou uma beata de cigarro que acabara de fumar, ainda incandescente, ateando, desse modo, fogo ao pasto existente no local, o qual rapidamente se propagou ao silvado e mato seco existente no olival circundante, não assumindo maiores proporções graças à intervenção de populares e bombeiros que acorreram ao local, para ali chamados pelo arguido.

3. De seguida deslocou-se até casa, pegou na bicicleta e dirigiu-se de seguida até ao topo da sua Rua onde começou a dar o alerta, contactando nesse momento o seu vizinho AP, residente nas proximidades.

4. Seguidamente o arguido ligou para o 112, seguindo-se assim o alerta para os bombeiros.

5. Em seguida o arguido manteve-se junto da casa, tendo regado com uma mangueira o terreno em frente à mesma, não se deslocando contudo ao local onde tinha colocado a beata e que já se encontrava a arder.

6. Na sequência da conduta do arguido, ardeu uma área de terreno correspondente a 0,0610 ha de pasto agrícola, tendo ainda ardido dois carvalhos e uma oliveira.

7. A área ardida é pertença de MVMC e JMMC, Sociedade Agrícola SA, e nas suas imediações encontra-se um olival e uma casa de habitação.

8. O combate a este incêndio, mobilizou cinco viaturas de combate a incêndios, quarenta e quatro elementos dos Bombeiros Voluntários de P e do C e sete sapadores.

9. O arguido sabia que com a descrita conduta ateava este incêndio, estando ciente de que o mesmo se havia de ao mato, silvado e arvoredo existentes no local, os quais não lhe pertenciam e seriam destruídos, em maior ou menor escala, pelo fogo, dependendo do modo como fossem detectados e pudessem ser combatidos.

10. Facto com o qual se conformou e, ainda assim, quis atear este fogo, como ateou.

11. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12. PC, oriundo de um meio social de características rurais, provém de uma família de humilde condição sócio económica.

13. O processo de desenvolvimento psicossocial de PC decorreu num ambiente familiar marcado pelas vicissitudes económicas e pela exposição a situações de violência/agressividade, motivadas, em grande parte, pelo consumo excessivo de álcool por parte do pai. Esta problemática teve reflexos negativos ao nível do relacionamento interpessoal/familiar, com recurso a práticas educativas autoritárias e a castigos físicos violentos.

14. Após a separação dos progenitores, o arguido foi institucionalizado no Internato de SA em P, onde permaneceu aproximadamente 1 ano.

15. A progenitora voltou a constituir agregado, tendo o arguido integrado o mesmo, estabelecendo-se uma relação empática com o padrasto, situação que ainda hoje se verifica.

16. PC integrou a escola em idade própria, tendo abandonado a mesma aos 18 anos, quando frequentava o 9º ano de escolaridade, por dificuldades de aprendizagem. O arguido apresenta um défice cognitivo acentuado.

17. A adolescência de PC foi caracterizada pelo isolamento social, sendo que o mesmo revela não ter amigos na localidade onde reside.

18. A família do arguido está sinalizada pelo ISSS de P, tendo sido beneficiária do RSI (actualmente suspenso).

19. PC reside com a mãe, com o padrasto e com a irmã, nos F, numa habitação de construção antiga (propriedade do padrasto), que possui as infra-estruturas básicas necessárias.

20. A situação económica do agregado é difícil, visto que a única fonte de rendimento é o vencimento que o padrasto aufere como trabalhador indiferenciado numa pequena empresa de corte e abate de árvores para lenha, 500€ mensais, sendo este valor insuficiente para as despesas do agregado.

21. Na comunidade PC é visto como um jovem com alguma incapacidade mental e solitário.

22. PC e a irmã frequentam o Centro de Reabilitação e Formação Profissional de CV, pertencente à Cerci - P, onde auferem uma bolsa mensal de 54€ cada.

23. O arguido está bem integrado na turma e no centro de formação, existindo capacidade para se integrar em contexto estruturados e em cumprir regras e rotinas.

24. Não apresenta qualquer actividade de tempos livres estruturada.

25. Do seu certificado de registo criminal nada consta.


Motivação da decisão de facto:
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade apurada com base na conjugação, à luz das regras da experiência comum, da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, nomeadamente:
- Factos 1. a 11.: O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade apurada com base nas declarações das testemunhas (…), com os documentos juntos aos autos, nomeadamente:
- auto de notícia, junto aos autos a fls. 11/12;
- fotografias juntas a fls. 6/9 dos presentes autos;
- fotografias juntas aos autos a fls. 28;
- ficha de determinação das causas dos incêndios, junta aos autos a fls. 92/100;
No que se refere às testemunhas (…), ambas vizinhas do ora Arguido, afirmaram que foi o Arguido a ligar para o 112, sendo que AL afirmou ter sido o Arguido a alertá-lo do incêndio, quando se deslocava no sentido ascendente a rua, sentido contrário ao do incêndio.
Também o facto de o Arguido não se ter aproximado do fogo, tendo ficado junto à sua casa, foi relatado por ambos os vizinhos.
Porém, no essencial, e no que respeita à prova testemunhal relevante foi o depoimento da testemunha HM, que relatou aquilo que observou no local bem como o que o arguido, na altura em que ainda não era arguido nem sequer suspeito de ser o autor dos factos.
Tal relato do arguido feito à testemunha e por esta confirmado, é aquele que se reflecte nos factos provados, sendo certo que no entender do tribunal tal depoimento pode e deve ser valorado (mesmo não tendo arguido prestado declarações em audiência).
É certo que são conhecidas as divergências acerca da admissibilidade e alcance das “conversas informais”, contudo, estamos em crer que as declarações prestadas perante os agentes policiais, tal como as prestadas pelo ora arguido não se reconduzem à noção de “conversas informais”, com o sentido habitual de “meio fraudulento de prova”.
Nesse sentido reproduzem-se aqui as palavras do Exmº Conselheiro Maia Gonçalves, citado pelo Exmº Desembargador João Gomes de Sousa, no Acórdão da RE de 04.06.2013, in www.dgsi.pt:
“(…) Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito”.
Dito de outro modo, agora com as palavras do Exmº Desembargador João Gomes de Sousa expressas no citado Acórdão:
“(…) Não há conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o arguido decide – por sua iniciativa e sem actuação criticável das forças policiais – fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC.
Não só as forças policiais estão a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação, como o arguido fez afirmações unilaterais (a “conversa informal” exige bilateralidade, comunicação mútua, uma provocação para a “confissão por ouvir dizer” ou, mesmo, o “relatar” fraudulento de uma “conversa” inexistente).
Ao invés, no caso presente a “comunicação” reduziu-se à eventual verbalização voluntária de um “estado de alma” por parte do arguido antes de ter essa qualidade. Ou seja, as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, que a tal resultado conduz o excesso, o radicalismo, na análise destas situações e na fase inicial do processo.
Esta situação teórico-processual é de fronteira e de difícil solução em muitos casos, mas no caso concreto ela não assume tal dificuldade e é, aliás, evidente numa análise calma da situação de facto e seus significados normativos.
E é de fronteira quando o ainda não arguido mas já pode ser suspeito, ainda não foi constituído arguido, podendo considerar-se que há motivo para tal.(…)”
Ora, tal como no acórdão citado “O caso dos autos não é de fronteira, pois que o arguido, antes de o ser e de haver motivos para o ser, faz uma afirmação que denuncia a prática eventual de um crime. Só após a sua afirmação surge a possibilidade – que pode não ser imediata, por necessidade de obter mais indícios – de constituição de arguido.”
Dito isto, e valorando integralmente o depoimento da testemunha referida, resulta a nossa convicção acerca da verificação dos factos dados como provados.
- Factos 12. a 24.: No teor do relatório social que se encontra junto aos autos a fls. 194/196.
- Facto 25.: No teor do Certificado de Registo Criminal que se encontra junto a fls. 145
Ponderada toda a prova, formou o tribunal a sua convicção, expressa nos factos provados.

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Analisando:

A) - da proibição da prova:
Ainda que o tribunal tenha valorado o depoimento da testemunha HM, inspector da Polícia Judiciária, para concluir pela participação do recorrente nos factos objecto de julgamento, no essencial, por referência ao relato que àquele fora feito por este, não o considerou, nessa vertente, como prova proibida, ou seja, processualmente, como “conversa informal” mantida entre essa testemunha e o recorrente e que não pudesse ser atendida.
Ao invés, em defesa de que essa prova foi essencial para a convicção formada, o recorrente sustenta que essa dita “conversa” foi mantida antes de ter sido considerado suspeito e de ser constituído arguido, sendo que, em julgamento, se remeteu ao silêncio e não foram devidamente concretizadas as palavras que alegadamente teria dito a esse inspector.
Traz, assim, à colação, a proibição de valoração dessa prova, na sua perspectiva, por constituir violação do princípio da imediação, enquanto equiparada, nas circunstâncias, a depoimento indirecto (art. 129.º do CPP), citando parte do acórdão desta Relação de Évora de 04.06.2013, proc.n.º 40/11-4GTPTG.E1, rel. ora Adjunto, in www.dgsi., curiosamente também referido como fundamentação, nesse âmbito, do tribunal a quo.
O Ministério Público discorda da posição do recorrente, estribando-se, ainda, na mesma jurisprudência.
Vejamos.
Conforme Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, pág. 345, Às limitações do regime do depoimento indirecto decorrentes do princípio constitucional da imediação, acrescem, no caso de ouvir dizer a arguido, as limitações decorrentes do direito constitucional do arguido ao silêncio, consagrado entre as garantias de defesa do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Todavia, note-se que, em rigor, o depoimento de órgão de polícia criminal acerca do que ouviu dizer a determinada pessoa não se reconduz a depoimento indirecto, como esclarecidamente se pronunciou o referido acórdão deste Tribunal da Relação, onde se lê:
Nos termos do acórdão da Relação de Guimarães de 11-02-2008 (Proc. 2181/07, rel. Cruz Bucho), “quando a testemunha relata em tribunal aquilo que ouviu da boca de outra pessoa, o depoimento é directo porque a testemunha dele teve conhecimento directo por o ter captado por intermédio dos seus próprios ouvidos”.
É princípio geral relativo à prova por depoimento que a testemunha deva ser inquirida sobre factos de que tenha conhecimento directo – artigo 128º do Código de Processo Penal.
(…)
E são as exigências resultantes dos princípios da imediação, oralidade e, maxime, do acusatório, a aconselharem que o iter cognoscitivo do tribunal quanto ao facto a apurar e subsequente formação da convicção do tribunal e sua motivação, se centrem no facto directamente percepcionado e não no indirectamente ouvido.
Não obstante, haverá que dilucidar se esse relato, ainda que propriamente, não uma “conversa”, será susceptível de ser valorado, em casos, como o presente, em que essa pessoa não tinha sido constituída como arguida e, nem mesmo, conforme o recorrente alega, haveriam sequer elementos para considerá-la como suspeito.
Sem prejuízo das reconhecidas formalidades e garantias atinentes à recolha de declarações de arguido (arts. 140.º, 141.º, 143.º e 144.º do CPP) e das limitações de valoração relativas a depoimentos de órgãos de polícia criminal (art. 356.º do CPP), estas têm ser interpretadas como implícitas à existência daquelas, e não abrangendo situação, como a vertente, em que nem mesmo ainda, aquando daquele relato, suspeitas existissem acerca da autoria dos factos.
Aqui entroncam, plenamente, as considerações expendidas no referido acórdão desta Relação:
«Não há conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o arguido decide – por sua iniciativa e sem actuação criticável das forças policiais – fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC.
Não só as forças policiais estão a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação, como o arguido fez afirmações unilaterais (a “conversa informal” exige bilateralidade, comunicação mútua, uma provocação para a “confissão por ouvir dizer” ou, mesmo, o “relatar” fraudulento de uma “conversa” inexistente).
Ao invés (…) a “comunicação” reduziu-se à eventual verbalização voluntária de um “estado de alma” por parte do arguido antes de ter essa qualidade.
Ou seja, as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, que a tal resultado conduz o excesso, o radicalismo, na análise destas situações e na fase inicial do processo».
O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça vem manifestando posição idêntica.
Segundo o sumário do acórdão de 15.02.2007, no proc. n.º 06P4593, rel. Cons. Maia Costa, in www.dgsi.pt, citado pelo tribunal a quo:
I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.
Em idêntico sentido, se pronunciou o acórdão de 12.12.2013, no proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1, rel. Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt, onde se lê:
Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do acto e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59 nº1 do Código Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55 nº 2 e 249 nº 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.
A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silencio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido a margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os actos a realizar no inquérito.
Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129 do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silencio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a pratica das providencias cautelares a que se refere o art. 249o do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia.
Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art. 249 do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva pratica-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.
Já se vê, pois, que a argumentação do recorrente não infirma, de modo algum, os fundamentos expendidos, relativamente aos quais, dada a sua clareza, não se oferece acrescentar algo de relevante.
Na verdade, o relato do recorrente perante o referido inspector foi por este transmitido em audiência e não existe obstáculo à sua valoração como meio de prova, uma vez que deu conhecimento do que lhe foi comunicado por aquele em fase de diligências cautelares de investigação, sem que tivesse tido lugar, ainda, a constituição como arguido, ou até, se perspectivassem suspeitas relativamente à pessoa do recorrente.
Quando o recorrente invoca, transcrevendo parte do mencionado acórdão desta Relação, reportando-se, de acordo com citação àquele acórdão do STJ de 15.02.2007, a que Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe, esquece que essas ditas conversas informais só serão proibidas desde que sejam preteridas essas formalidades e garantias que ao arguido assistem, mormente o seu direito ao silêncio, mas já não se a realidade que o agente policial transmite em audiência decorreu em momento em que as mesmas não eram exigidas, dada, então, a inexistência de arguido.
Nenhuma relevância tem, o recorrente invocar que as suas exactas palavras perante o agente policial sejam desconhecidas, quando, como decorre da motivação da sentença, o seu sentido é perfeitamente inteligível.
Por seu lado, a sua atitude de alerta de incêndio não é aspecto que alguma influência possa ter na validade/ou não da prova em questão.
Assim, afigura-se que o depoimento em causa foi regularmente validado pelo tribunal, nada impedindo que tivesse sido valorado como foi, não se tratando, pois, de prova proibida.

B) - dos vícios da decisão:
Embora incorrectamente considerando os vícios da decisão como matéria de direito, o recorrente vem invocar insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, por referência ao art. 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.
Estes, cuja definição está plenamente sedimentada na doutrina e na jurisprudência, dispensando aqui reproduzi-la, têm como plano de análise o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se confundindo com diferente valoração de quem recorre relativamente à prova produzida e examinada.
Isto, para dizer que o recorrente se limita a afirmar, neste âmbito, que existe contradição entre os factos revelados em audiência e os efectivamente provados, com o que, afinal, mais não faz do que manifestar a sua divergência com a convicção extraída pelo tribunal.
Esta perspectiva contende com aqueles parâmetros de análise dos alegados vícios e, acerca destes, analisada a sentença, não se divisa que o tribunal tenha descurado a apreciação de todos os factos relevantes ao objecto de julgamento e com vista a lograr proferir decisão, nem que se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, bem como desrespeitado regras sobre o valor das provas de que dispôs, para suportar o seu raciocínio conducente à convicção firmada.
Ainda, saliente-se que o tribunal, na sua motivação, não expressou que a prova lhe oferecesse dúvida, mormente quanto à autoria dos factos, sendo que, apesar do depoimento de HM ter sido, nesse aspecto, decisivo, a relevância atribuída ao mesmo é de aceitar perante o que a experiência vai demonstrando, na medida em que, normalmente, não é alheia a responsabilidade de quem se afirma como autor desse tipo de actos e, na circunstância, alertando os vizinhos, que foram ouvidos em audiência, ainda que, como o recorrente, tenha défice cognitivo acentuado.
Não se encontra fundamento válido para que a dúvida se devesse ter colocado ao tribunal e, muito menos, de forma séria e inultrapassável, pelo que a alegação, tão-só nas conclusões do recurso, de inobservância do princípio in dubio pro reo não tem sentido útil.
A matéria de facto fixada dá-se, pois, como assente.

C) - da medida da pena:
A aplicação de pena ao recorrente decorre, inevitavelmente, da sua consequente condenação pelo crime em presença.
Não obstante afastada, assim, a perspectiva do recorrente de não sujeição a qualquer pena, a sua alegação, aparentemente (não o refere expressamente), consente que se aprecie da medida aplicada e com vista à sua implícita alteração.
Para tanto, invoca a ausência de antecedentes criminais e a sua integração social e familiar.
Da sentença decorre que “O crime cometido pelo arguido é punido com pena de prisão (de 1 a 8 anos) pelo que importa apenas fixar, dentro da moldura penal referida, a pena concreta a aplicar”, a que se segue a fundamentação da determinação desta.
Todavia, sendo que o recorrente, à data da prática dos factos, contava 19 anos de idade (nasceu a 24.09.1993), o tribunal a quo omitiu ponderação da aplicação do regime especial para jovens, previsto designadamente no art. 4.º do Dec. Lei n.º 401/82, de 23.09, ex vi art. 9.º do CP, o que eventualmente se reflectiria, caso o julgasse conveniente, na medida abstracta da pena.
Tal omissão constitui matéria de relevo para a determinação da medida da pena.
Na verdade, a imposição de um regime penal próprio para os designados «jovens delinquentes» traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de proeminência das finalidades de integração e socialização e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes.
O regime pressuposto e viabilizado pelo referido art. 9.º do CP contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (art. 4.º do Dec. Lei n.º 401/82) e, por outro lado, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (arts. 5.º e 6.º do mesmo decreto-lei).
Como tal, constitui uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respectivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objecto de apreciação e julgamento, injunção que se mantém actual, como transparece da Proposta de Lei n.º 45/VIII, in Diário da Assembleia da República, 2.ª Série A, de 21.09.2000, como a mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente.
Na exposição de motivos desta Proposta de Lei, acentua-se a necessidade de encontrar as respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de factos qualificados pela lei como crime - «o direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida, correspondendo a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório».
Já no Preâmbulo do Dec. Lei n.º 401/82, se destacava que:
1. O presente diploma visa regular uma matéria de largo interesse e importância (…)
2. Tal interesse e importância não resultam tão só da ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado, mas vão também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como, finalmente, entroncam num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontre ainda no limiar da sua imaturidade.
(…)
4. Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.
Nesta intencionalidade de política criminal, uma das ideias essenciais é, pois, a de evitar, na medida do possível, a aplicação aos jovens adultos de penas institucionais ou detentivas, comprovada que está a natureza criminogénea da prisão e sabendo-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto se inserir progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores, constituindo um sério factor de exclusão.
O tribunal “a quo”, embora tendo aplicado ao aqui recorrente pena substitutiva da prisão, deveria ter-se pronunciado sobre tal matéria, no sentido de aplicar ou não esse regime penal especial, atenta o seu manifesto interesse para adequada decisão de mérito (entre outros, o acórdão do STJ de 03/12/2003, no proc. n.º 2856/2003, in www.verbojuridico.net).
A aplicação desse regime não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa, conforme acórdão do STJ de 14.06.2006, no proc. n.º 06I2037, in www.dgsi.pt.
A omissão reconduz-se, assim, a omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal, face à sua relevância, devia apreciar e conhecer e, assim, motivo de nulidade de sentença nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
Com efeito, a oficiosidade do conhecimento de todas as questões que são pertinentes à decisão da causa resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de opções fundamentais de política criminal que o julgador não pode olvidar e, da própria letra da lei, ao usar a expressão «devesse» com significado literal de injunção, idêntica obrigatoriedade de apreciação se extrai (acórdão STJ de 07.12.1999, in CJ Acs. STJ, ano VII, tomo III, pág. 234).
Sem prejuízo de diferente entendimento que envereda pela existência de erro de julgamento, e não de causa de nulidade da sentença (acórdãos do STJ de 18.07.1997, in CJ Acs. STJ ano V, tomo II, pág. 242, e de 22.09.2004, in CJ Acs. STJ ano XII, tomo III, pág. 159), afigura-se que a posição sufragando a nulidade da sentença é a que melhor se harmoniza com a importância conferida a tal regime e com a imposição implícita àquela alínea c) do n.º 1 do art. 379.º, aliás, de acordo com a jurisprudência maioritária que na matéria se tem debruçado (entre outros, os acórdãos do STJ de 20.02.2003, in CJ Acs. STJ ano XXVIII, tomo I, pág. 206, de 10.05.2006, no proc. n.º 06P1184, de 11.10.2007, no proc. n.º 3199/07.5, de 22.11.2007, no proc. n.º 07P1600, e de 31.03.2011, no proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1 – este mencionando vasta jurisprudência do STJ -, in www.dgsi.pt).
A sentença, nesta vertente, está, pois, ferida de nulidade, cumprindo ao tribunal a quo pronunciar-se para esse efeito.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento da medida concreta da pena.
*
3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- sem prejuízo do que se deixou apreciado ao nível da prova e da matéria de facto, declarar a nulidade da sentença nos termos sobreditos.

Sem custas.
Processado e revisto pelo relator.
(Carlos Jorge Berguete)
(João Gomes de Sousa)