Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2208/16.8T8STR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os deveres de informação do intermediário financeiro não se esgotam no plano meramente formal da enunciação do produto financeiro e suas características, mais ou menos detalhadas, apreensível pelo homem médio, exigindo-se uma informação que, em substância, surja como apreensível pelo concreto cliente investidor, em função do seu grau de conhecimentos e experiência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2208/16.8T8STR.E1


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
(…) e mulher, (…), residentes na Estrada da (…), lugar da (…), Fátima, instauraram contra Banco Bic Português, S.A., com estabelecimento na Rua Dr. (…), nºs 25/27, em Ourém, ação declarativa com processo comum.

Alegaram, em resumo, que tiveram conta aberta na agência de Ourém do Banco réu, na qual movimentavam, tanto a crédito, como a débito, parte dos seus dinheiros e possuíam as sua poupanças.

Em 12/4/2006, o gerente da referida agência informou o A. marido sobre a existência duma aplicação financeira, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco e com rentabilidade assegurada.

O referido gerente sabia que o A. não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os vários tipos de produtos financeiros e avaliar o risco de cada um deles, razões pelas quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

Convicto que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do Banco réu, o A. aplicou o montante de € 250.000,00 em obrigações SLN 2006, sem que soubesse concretamente o que tal era.

Em Novembro de 2015 o Banco réu deixou de lhes pagar juros, atribuiu a responsabilidade pelo não pagamento à SNL, entidade que os AA ignoram o que seja e, na data do vencimento, não restituiu aos AA o montante de € 250.000,00 que estes lhe haviam confiado.

Os AA desconheciam que tinham feito uma aplicação financeira com características diferentes de um depósito a prazo e caso soubessem, ou suspeitassem, que se tratava de um produto de risco, nunca a teriam autorizado.

O Banco réu logrou colher a assinatura do A. marido num “papel” preenchido pelo gerente da agência de Ourém, mas nunca foi entregue aos AA. cópia de qualquer documento que contivesse cláusulas respeitantes a obrigações subordinadas SLN e tais documentos, a existirem, só podem ser contratos com cláusulas gerais, inválidas sendo tais contratos nulos.

A falta de restituição do dinheiro aplicado e juros, tem causado aos AA grande preocupação, ansiedade, tristeza, doença, perda da alegria de viver, dificuldades financeiras e falta de perspetivas de futuro.

Concluíram pedindo a condenação do R. a pagar-lhes, ou a restituir-lhes, a quantia de € 250.000,00, bem como a sua condenação no pagamento da € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias estas acrescidas de juros.

Contestou o R. excecionando a incompetência do tribunal em razão do território e a prescrição do eventual direito emergente da sua responsabilidade enquanto intermediário financeiro e, contradizendo os factos alegados pelos AA, considerou, em resumo, que a subscrição de obrigações da SLN, SGPS, SA, à data titular, ainda que por interposta pessoa, de 100% do capital do Banco réu, era um investimento ou aplicação bastante conservador, que tinha como único risco o incumprimento da sociedade emitente e, assim, uma aplicação sem qualquer intenção especulativa, característica do histórico de investimentos e aplicações conservadores dos AA e que o A. marido foi exaustivamente esclarecido das condições e características do produto, esclarecimento acompanhado da respetiva nota técnica e boletim de subscrição, sem que o Banco réu, em momento algum, haja garantido o cumprimento das obrigações SLN.

Concluiu, a final, pela improcedência da ação.

Responderam os AA por forma a concluir pela improcedência das exceções suscitadas pelo R..

2. Foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção da incompetência do tribunal em razão do território, relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da prescrição, afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:

“Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu Banco BIC Português, S.A., a pagar aos Autores (…) e (…), a quantia de €251.500,00 (duzentos e cinquenta e um mil e quinhentos euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais pedido.”


3. O R. recorre da sentença e formula as seguintes conclusões:
“I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

II. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita nos pontos 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.5.

III. O Facto provado 2.1.2 deveria ter a seguinte redação: “Em Abril 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, (…), atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e com rentabilidade assegurada.”

IV. Deveriam ainda ser dados como provados os factos não provados 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

V. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos da testemunha … (ficheiro 20170510095028_2665860_2871699) e pela análise do boletim de subscrição do produto.

VI. Os Autores intentaram a presente ação apresentando uma causa de pedir muito clara – artigo 17º da Petição Inicial – “Deste modo, o Banco Réu é depositário de € 520.000,00 que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente”.

VII. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro dos Autores, num produto que não o pretendido – o depósito a prazo – não resultou de forma alguma provada.

VIII. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que o Autor marido contratou com o banco um depósito a prazo cabia aos Autores. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco – a venda de obrigações da SLN com depósitos a prazo do banco.

IX. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.

X. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.

XI. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.

XII. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.

XIII. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.

XIV. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

XV. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objeto desses negócios de execução.

XVI. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos!

XVII. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º, nº 1, do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2004.

XVIII. O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).

XIX. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.

XX. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.

XXI. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.

XXII. O produto em causa era entendido efetivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal ativo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.

XXIII. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correta. O produto tinha efetivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respetiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.

XXIV. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!

XXV. A versão do CVM vigente à data da colocação das obrigações era a redação resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99, de 13/11 até ao D.L. 52/2006, de 15/03.

XXVI. Sendo também certo que o art. 312º, por exemplo, apenas foi alterado com o D.L. 357-A/2007, de 31/10, mantendo até então a sua redação original, decorrente do D.L. 486/99, de 13/11.

XXVII. À data da contratação, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E, nº 2 alínea a)!

XXVIII. À data, a subscrição de obrigações, em geral, é de per se, podia ser considerada como um investimento ou aplicação bastante conservador.

XXIX. Desde logo, por um tal produto apenas implicar o reembolso do capital “emprestado” e bem assim a remuneração acordada,

XXX. Sendo que o único risco efetivo de um tal produto é o risco de incumprimento da sociedade emitente, risco este que, no entender da Recorrente, não tinha em 2006 que ser sequer mencionado pelas razões acima expostas.

XXXI. As obrigações foram ainda emitidas pela SLN, SGPS, S.A. sociedade titular, ainda que por interposta sociedade, de 100% do capital social do Banco Recorrente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

XXXII. Foi esta segurança que foi transmitida pelos funcionários do Banco Recorrente aos clientes, como aliás resulta dos seus depoimentos.

XXXIII. Como vem sendo defendido (Cf. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do banco por informações à luz do artº 485º do CC, RDE 14, pág. 135 e segs, mormente 140 e seg.), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

XXXIV. No que toca a informação que contém juízos ou valorações, como sucede com informação sobre solvabilidade de terceiro, não se pode exigir a prestação de informação infalível, bastando-se que o banco faça uma avaliação correta dos dados que possui.

XXXV. E os dados disponíveis em 2006 apontavam sem sombra de dúvida para a segurança do produto em causa.

XXXVI. São de três tipos os deveres que sobre o Banco Réu impendiam: i)- de proteção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objetivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a receção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospeto.

XXXVII. Nenhum destes deveres foi violado pelo Banco Recorrente.

XXXVIII. A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto “garantido”, no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia no entender do Banco Réu, qualquer ato ilícito.

XXXIX. À data em que foi prestada, tratava-se de informação verdadeira, atual, clara e objetiva: em 2006, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu, durante mais de 10 anos, sem que os autores reclamassem qualquer irregularidade na subscrição das Obrigações.

XL. Não resultou demonstrada qualquer ilicitude na atuação do Banco Recorrente.

XLI. A falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.

XLII. As obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação).

XLIII. Os AA. mediante a subscrição de obrigações no montante de € 50.000,00, emprestaram esse valor à “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” (entidade emitente dessas obrigações), a qual, por seu turno detinha o Banco Réu a 100%, daí que na data de 2006 não fosse equacionável que aquela poderia um dia vir a falir.

XLIV. Não poderá assim ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu relativamente ao incumprimento verificado no pagamento das obrigações pela entidade emitente.

XLV. Não haverá também lugar à responsabilidade do Banco Réu em sede de responsabilidade civil por falta de verificação dos seus requisitos essenciais e pelas razões acima expostas.

XLVI. Deverá assim o Banco Réu ser absolvido dos pedidos contra si deduzidos na presente ação.

XLVII. O Tribunal recorrido efetuou uma incorreta aplicação dos artigos 595º, 762º, 227º do Código Civil, 289º, 291º, 304º, 312º e 323º do CVM e 75º RGICSF.

Termos em que se requer a V. Exas. que alterem a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores.”

Responderam os AA por forma a defender a confirmação da sentença recorrida.

No hiato temporal permitido pelo artº 651º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC) o Banco réu juntou aos autos dois Pareceres de eminentes Professores de direito – fls. 99 a 151.
Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, enquanto constituam corolário lógico-jurídico da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio e do conhecimento de alguma das questões suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do CPC – anotando-se, ainda, que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 5º, nº 3, do CPC.
Assim e considerando as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões colocadas: (i) a impugnação da matéria de facto, (ii) se os AA não provam a causa de pedir da ação, (iii) se o Banco réu não violou deveres de informação, (iv) se não ocorre um nexo causal entre a atuação do Banco réu e os prejuízos dos AA.

III Fundamentação.
1. Factos.

1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados:

1. Os AA eram clientes do Réu na altura BPN, na sua agência de Ourém, com a conta à ordem nº (…), onde movimentavam parte dos dinheiros e possuíam as suas poupanças.

2. Em 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, (…), atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3. O referido funcionário sabia que o Autor marido era uma pessoa simples, emigrante há muitos anos na Suíça não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles.

4. Motivos pelos quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

5. Sucede que o seu dinheiro – € 250.000,00, viria a ser colocado em Obrigações SLN 2006, sem que os AA soubessem em concreto o que era.

6. O A. marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o referido funcionário lhe disse que o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respetivos juros quando assim entendesse.

7. Atuou, assim, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.

8. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

9. Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco e que os mesmos estavam convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.

10. A partir de data não concretamente apurada, o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos

11. Nunca os gerentes ou funcionários do Réu, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações e, em concreto, o que eram Obrigações SLN 2006.

12. O Réu colheu a assinatura do Autor marido no documento de fls. 17 denominado SLN 2006 – Boletim de Subscrição, preenchido nos serviços do Réu, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, sem que o conteúdo de tal documento fosse explicado ao Autor marido, o qual não percebeu o seu alcance, nem entendeu que estava a dar uma ordem de subscrição de obrigações.

13. A Autora mulher nunca subscreveu nada e desconhecia em absoluto todo o processo de subscrição de Obrigações SLN 2006.

14. Aos Autores nunca foi lido, nem explicado, nem sequer entregue qualquer documento, através do qual lhes tivesse sido dado conhecimento da subscrição de Obrigações SLN 2006, liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros.

15. Na data de vencimento, o Banco Réu não restituiu aos Autores o montante de € 250.000,00 que estes lhe haviam confiado.

16. As Obrigações 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS. S.A.

17. Com a sua atuação, o Réu causou e continua a causar aos Autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saberem se e quando vão recuperar o seu dinheiro.

Factos não provados

1. Que taxa foi contratada entre Autores e Réu.

2. Aos AA foi explicado pelo seu gestor o produto financeiro em causa, tendo-lhe sido apresentado as condições do produto, e concretamente a sua remuneração em relação aos depósitos a prazo, o prazo de 10 anos e as condições e reembolso.

3. (…) e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

4. Os Autores foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto de forma acompanhada com a respetiva nota técnica.

5. Os Autores sabiam que não tinham um depósito a prazo, nem sequer algo parecido com um depósito a prazo.

6. O Réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos AA.

1.2. Impugnação da matéria de facto.
Com fundamento no depoimento da testemunha (…) e na análise do boletim de subscrição do produto, considera o Banco réu que não se provam os factos agora discriminados nos pontos 4, 5, 6, 8, 12 e 14 dos factos provados, que se provam os factos referidos nos pontos 2, 3 e 4 dos factos não provados e que o ponto 2 dos factos provados deverá ser alterado por forma a constar: “Em 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, (…), atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação equivalente a um depósito a prazo com rentabilidade assegurada.”

A matéria impugnada reporta-se genericamente ao perfil de investidor dos AA. (ponto 4 dos factos provados) e à qualidade das informações prestadas pelos funcionários do Banco réu, ao A. marido, sobre a natureza e características da aplicação financeira por este subscrita, informações tidas por exaustivas pelo Banco réu e consideradas, pela decisão recorrida, como insuficientes para elucidar o A. marido das diferenças entre a aplicação financeira e um depósito prazo.

A decisão recorrida motivou, designadamente assim, as respostas à matéria impugnada: “No que diz respeito aos factos consubstanciadores das circunstâncias em que os Autores subscreveram o produto financeiro em causa e consequências dessa subscrição, tal como descritos nos pontos 2.1.2. a 2.1.15., o tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), conjugado com a análise do documento de fls. 17 (“boletim de subscrição”) tudo conjugado ainda, como se disse, com as regras da experiência comum. (…) Quanto à matéria de facto dada como não provada: (…) Finalmente a versão do Réu das circunstâncias em que foram subscritas as obrigações, tal como descrito nos pontos 2.2.2. a 2.2.6., não mereceu acolhimento, desde logo porque tais factos são incompagináveis com os dado como provados, não resultando, nem do depoimento das testemunhas, nem da análise dos documentos juntos, o mínimo indício que sustente tal versão dos factos.”

Motivação que evidencia duas circunstâncias, a nosso ver, relevantes para a sorte da impugnação: (i) a prova que fundamenta a impugnação serviu igualmente para fundamentar as respostas à matéria impugnada e (ii) as respostas à matéria impugnada fundamentaram-se em meios de prova que o impugnante não questiona.

Iniciando pela última, a prova que fundamenta a impugnação corresponde parcialmente à prova que concorreu para a resposta mas, por parcial, não a esgota; assim, e admitindo, o que nos basta, que do depoimento da testemunha (…) resulta, como possível, a solução que o Banco réu preconiza, não a impõe, precisamente porque a resposta teve uma motivação mais abrangente que, na parte não questionada, permanece incólume.

Depois, já o escrevemos no Ac. desta Relação de 23/11/2017 (proc. nº 7334/16.0T8STB.E1), “a impugnação da matéria de facto não visa derrogar o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, consagrado, entre outros, no artº 607º, nº 5, do CPC e, assim, a (re)apreciação da prova na 2ª instância, deve conciliar-se com este princípio, o que significa que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples evocação de uma convicção probatória formada pelo impugnante que divirja da ajuizada em 1ª instância, é necessário a especificação de concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida (artº 640º, nº 1, al. b), do CPC), o que não se verifica quando o fundamento da impugnação consiste numa avaliação diferente da prova produzida a propósito do facto impugnado”, como se afigura ser o caso.

Entendimento que resulta, aliás, com mais propriedade, do acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004 [Diário da República n.º 129/2004, Série II de 2004-06-02], citado pelos Recorridos, ao expressar: “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”

In casu, o Recorrente não questiona que as respostas à matéria impugnada se conformam com o depoimento prestado pela testemunha (…), aliás, afirma o oposto – foi notória ao longo de todo o seu depoimento a preocupação de confirmar aquilo que está vertido na petição inicial –, nem se questiona a razão de ciência da testemunha, arrolada por ambas as partes, questiona aspetos subjetivos do depoimento e das circunstâncias que o rodearam – depôs de forma bastante insegura, nervosa e por demais comprometida com aqueles que são os interesses processuais do Autor nos presentes autos – ou seja, na aceção do aresto em referência, não se indica nenhuma violação dos passos para a formação convicção que se ataca ou, na nossa inicial aceção, menos liberta da letra da lei, não se especifica concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida quanto à matéria impugnada.

Assim, a prova que serve de fundamento à impugnação não impõe decisão diversa da impugnada, juízo indispensável às alterações preconizadas (artº 662º, nº 1, do CPC), por dois motivos: (i) a impugnação não se fundamenta em razões objectivas – concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida – mas em razões subjetivas – a avaliação que o Recorrente faz do depoimento da testemunha …; (ii) ainda que o depoimento desta testemunha houvesse que justificar as preconizadas alterações, só por si não as impunha uma vez que a motivação da matéria impugnada se fundou em meios de prova que o Recorrente não questiona.

Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto.

2. Direito

A decisão recorrida qualificou como intermediação financeira o negócio jurídico mediante o qual o Banco réu rececionou e transmitiu, por conta do A. marido, uma ordem de subscrição de Obrigações SLN 2006, emitidas por SLN, SGPS, S.A., no montante de € 250.000,00, considerou que o Banco réu violou grosseiramente os deveres de informação que sobre si impendiam no exercício da referida intermediação e que tal violação foi causal dos prejuízos sofridos pelos AA decorrentes designadamente do não reembolso do capital.

2.1. Se os AA não provam a causa de pedir da ação.
O Banco réu inicia por divergir da decisão recorrida argumentando que a ação tem como causa de pedir um contrato de depósito bancário que os AA não provam, razão bastante à sua improcedência; argumenta assim mas prossegue de imediato com a afirmação que entre as partes se estabeleceu uma relação de intermediação financeira (cclºs VI a XII).
O facto jurídico de que os AA fazem derivar o seu direito é a relação de intermediação financeira anotada pelo Banco réu, os prejuízos cujo ressarcimento os AA exercem na ação foram causados pelo incumprimento dos deveres impostos ao Banco no âmbito da dita relação de intermediação financeira, facto jurídico afirmado e repetido no decurso de toda a p.i. (v.g. artºs 6º a 13º, 15º e 18º a 21º da p.i.); assim, ao afirmar que entre as partes se estabeleceu uma relação de intermediação financeira, o Banco réu não está a interpretar, ainda que corretamente, a causa de pedir da ação, está a enunciá-la tal como emerge da p.i. e ao fazê-lo contradiz o seu próprio argumento – ter a ação como causa de pedir o contrato de depósito – desautorizando-o e assinalando justificadas razões da sua improcedência.
Fundando-se numa configuração da causa que a petição inicial não documenta, o recurso improcede quanto a esta questão.

2.2. Se não mostram violados os deveres de informação.
A questão central colocada no recurso prende-se com os deveres de informação impostos pela lei aos intermediários financeiros; a decisão recorrida ajuizou que o Banco réu, enquanto intermediário financeiro, violou deveres de informação relevantes e determinantes à subscrição de obrigações SLN 2006 pelo A. marido e o Banco réu, ora recorrente defende que observou os seus deveres e que o risco de incumprimento, no caso verificado, não faz parte deles.
A informação é decisiva no comércio jurídico e assume particular relevância no volátil mercado de capitais, não surpreendendo, assim, que o Código de Valores Mobiliários (CVM) abra com um capítulo a ela dedicado (Cap. III) e que este se inicie com um enunciado da qualidade da informação exigível neste domínio.
A informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita [artº 7º do CMV, na versão anterior às alterações do DL n.º 357-A/2007, de 31/10 vigente ao tempo, 12/5/2006, da ordem de subscrição, aplicável ao caso dos autos, por força do disposto no artº 12º, nº 1, do C. Civil].
Apesar desta inicial referência à qualidade da informação exigível, designadamente, no domínio das atividades de intermediação, o legislador veio densificar os deveres de informação dos intermediários financeiros no artº 312º do CVM, estabelecendo:

“1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
As exigências impostas ao intermediário financeiro na execução do seu múnus (só as entidades e instituições especialmente autorizadas, entre elas as instituições de crédito podem exercer, a título profissional, atividades de intermediação financeira – artºs 289º, nº 2 e 293º, ambos do CVM), vão muito para além da mera verificação formal da completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude da informação, exigindo-se que a informação seja prestada ao cliente por forma à tomada de decisões esclarecidas e fundamentadas, variando a extensão e a profundidade da informação em função do grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
Em duas palavras, os deveres de informação do intermediário financeiro não se esgotam no plano meramente formal da enunciação do produto financeiro e suas características, mais ou menos detalhadas, apreensível pelo homem médio, exigindo-se uma informação que, em substância, surja como apreensível pelo concreto cliente investidor em função da sua experiência e literacia financeira.
Cautelas legislativas que, a nosso ver, se compreendem; a decisão de transformar o dinheiro ou a riqueza em títulos, valores ou instrumentos suscetíveis de negociação no mercado mobiliário, encerra variáveis de risco cujo domínio exigem especialização e, na falta desta, a lei aponta para uma efetiva apreensão pelo investidor dos riscos envolvidos.
À luz destas considerações, importa, no caso, determinar se a informação prestada pelo Banco réu ao A. marido, pessoa simples, emigrante há muitos anos na Suíça sem qualificação, ou formação técnica que lhe permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles (ponto 3 dos factos provados), foi adequada a haver-se por esclarecida e fundamentada a decisão que o levou a subscrever obrigações SLN 2006, no montante de € 250.000,00 e, adiantando, a resposta é negativa.

A informação prestada pelo Banco réu não foi suficiente para esclarecer o A. marido sobre uma questão elementar das caraterísticas do produto subscrito, ou seja, a diferença do risco entre a compra de obrigações – o que é diferente do risco de incumprimento do concreto emitente – e um depósito a prazo e, pelo contrário, a informação prestada obnubilou a existência desta diferença, iniciando por anunciar o produto financeiro subscrito como “uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada” (ponto 2 dos factos provados), levando o A. marido a inferir que “estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo” (ponto 7 dos factos provados).

Prestada desta forma, a informação do Banco réu não foi adequada a esclarecer o A. marido, foi adequada a confundi-lo como, aliás, no caso, se demonstra - se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria (ponto 8 dos factos provados).

A analogia entre a subscrição das obrigações SLN e os depósitos a prazo empreendida pelo Banco réu, enquanto modelação dos esclarecimentos devidos ao A. marido, reiterada aliás no recurso, pondo de parte a sua licitude, não é uma informação verdadeira, clara e objetiva e, como tal, não pode haver-se por esclarecida e fundamentada a decisão tomada no pressuposto destas suas (inverificadas) qualidades.

E isto porque existem assinaláveis diferenças entre os depósitos a prazo e a subscrição de obrigações que o Banco réu, enquanto instituição de crédito, não ignora; diferenças que resultam da complexidade e particularidades destas últimas que os primeiros não comportam, enquanto produtos simples destinados a captar as poupanças dos investidores, com reembolso garantido de capital e, tipicamente, uma taxa de juro fixa, mas também por beneficiarem os últimos da proteção do Fundo de Garantia de Depósitos (artº 155º e segs do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), garantias que a subscrição de obrigações não compreendem; por efeito destas diferenças, o recurso à figura dos depósitos a prazo para vender obrigações constitui, a nosso ver, um péssimo ponto de partida para qualquer esclarecimento e um inultrapassável fator de perturbação da informação devida ao investidor mormente quando inexperiente, como se demonstra ser o caso.

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação” (artº 314º do CVM).

O Banco não ilidiu esta presunção de culpa e violou, a nosso ver, grosseiramente os deveres de informação que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro, verificando-se, assim, o inicial pressuposto – a atuação culposa – da obrigação de indemnizar questionado no recurso.
Em conclusão, os deveres de informação do intermediário financeiro não se esgotam no plano meramente formal da enunciação do produto financeiro e suas características, mais ou menos detalhadas, apreensível pelo homem médio, exigindo-se uma informação que, em substância, surja como apreensível pelo concreto cliente investidor, em função do seu grau de conhecimentos e experiência.
O recurso à figura dos depósitos a prazo como paradigma informativo das características e particularidades da subscrição de obrigações, ainda que emitidas por instituições financeiras, não cumpre as apontadas exigências de informação.
O recurso improcede quanto a esta questão.


2.3. Se não ocorre um nexo causal entre a atuação do Banco réu e o dano.
Considera o Banco réu que não se verifica o nexo de causalidade adequada entre a sua atuação enquanto intermediário financeiro e o não reembolso aos AA do capital investido, argumentando que o não reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
A responsabilidade civil contratual, tal como a extracontratual, traduz-se na obrigação de reparar prejuízos (artºs 798º e 483º, ambos do Cód. Civil) e, como tal, sem estes não existe, como também não existe, em ambos os casos, sem a identificação de uma atuação ilícita e do nexo causal entre esta e os prejuízos, o “devedor que falta ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artº 798º, nº 1, do Código Civil).
O devedor só responde pelos prejuízos causados pelo facto culposo, ou seja, não basta que uma determinada conduta tenha desencadeado um processo que conduz a um dano é necessário que exista entre a conduta/facto e o dano uma conexão que permita afirmar que este é imputável ao autor daquela.
A facilidade da enunciação da questão varia, no entanto, na razão inversa da dificuldade da sua solução como demonstram as várias teorias propostas e, ao que cremos, inacabadas, para resolver o problema do chamado nexo causal, seja no domínio da responsabilidade civil, seja no domínio da responsabilidade penal.
Provam estas dificuldades a forma como o Banco réu coloca a questão ou, reduzindo a margem de erro, a perceção que da sua exposição colhemos, ao argumentar com a teoria ou tese da “última condição” – o não reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro – para defender a inexistência do nexo causal, segundo a teoria da causalidade adequada.
A tese da “última condição” constitui uma modelação limitativa da teoria da conditio sine qua non e, segundo ela, a causa de um certo evento não seria toda a condição que não pode ser mentalmente retirada sem que o resultada desapareça, mas tão só a última destas condições, no caso, materializada pela insolvência do emitente, ora este modelo explicativo do nexo de causalidade distingue-se da teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “(é) necessário (…), não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” [Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed. pág 763] e, assim, não se vê como a partir da última condição considerada relevante para o processo causal – no caso a insolvência do emitente – se possa afirmar que foi ela a condição que, em concreto e em abstrato, causou o dano e, assim, sua causa adequada, uma vez que os planos de análise são diferentes e não comportam esta interseção.
As razões que fundamentam, nesta parte, o recurso mostram-se, a nosso ver, inábeis para se afirmar a inexistência do nexo de causalidade adequada entre a violação dos deveres de informação do Banco réu e os prejuízos sofridos pelos AA.
Prosseguindo, o nexo de causalidade, enquanto pressuposto (e medida) da responsabilidade civil, mostra-se enunciado no artº 563º, do CC: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Na anotação de Pires de Lima e Antunes Varela, esta disposição, “pondo a solução do problema da probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada – que o Prof. Galvão Teles formulou nos seguintes termos: «Determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar[Código Civil anotado, 2ª ed. pág. 502].
E do seu “espírito, colhido principalmente através dos trabalhos preparatórios do Código, a disposição quer sem dúvida consagrar o recurso ao prognóstico objetivo (…) para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja causa adequada (hoc sensu) desse dano” [Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol I, 3ª ed. págs. 770 e 771].
Assim “para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, em abstrato ou em geral, seja causa adequada do mesmo, traduzindo-se, essa adequação, em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médios, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso [Ac. do STJ de 28.11.12 (processo: 43/08.6TTVRL.1.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt].
O caso posto nos autos reúne, a nosso ver, estes predicados; no plano naturalístico, os factos provados revelam que a atuação culposa do Banco réu constituiu uma condição sem a qual a subscrição das obrigações e, com ela, o dano não se teria verificado, uma vez que foi por via dela que A. marido fez a aplicação financeira (ponto 7 dos factos provados) e idêntica adequação se verifica, em abstrato ou em geral, porquanto se demonstra que a atuação do Banco réu, mais do que uma mera probabilidade, foi determinante para a eclosão do dano – se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria (ponto 8 dos factos provados).

Assim, e na terminologia da lei, a obrigação de indemnização existe porque os AA provam que não teriam sofrido os danos se não fosse a errada informação que o Banco réu lhes facultou.

Em linha, aliás, com o Parecer junto aos autos de fls. 101 a 130 que, a dado passo, conclui assim: «Nas já citadas palavras de SINDE MONTEIRO, “[i]nexiste um nexo causal se o informado teria atuado da mesma forma sem a recomendação”. E é aos clientes do BPN que cabe provar que não teriam atuado da mesma forma sem a informação; ou seja, que não teriam realizado a subscrição caso lhes tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta; [cclª 30ª].

Formulação que, pela positiva, só pode significar que o nexo causal existe quando o informado prova que não teria atuado da mesma forma sem a recomendação, como se demonstra ser o caso.

Em conclusão, demonstrando os AA que, se não fora a informação prestada pela intermediação financeira do Banco réu, não teriam subscrito as obrigações SLN 2006, as quais não vieram a ser reembolsadas por efeito da insolvência do emitente, ocorre o nexo de causalidade normativamente relevante entre a atuação do intermediário financeiro e o prejuízo decorrente do não reembolso do capital aplicado na subscrição.

Em casos semelhantes ao dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem reconhecido, de forma uniforme, a atuação culposa do intermediário financeiro e o nexo de causalidade entre esta e os prejuízos sofridos pelos clientes investidores [acórdãos de 17/3/2016 (proc.70/13.1TBSEI.C1.S1), de 10/4/2018 (proc.753/16.4TBLSB.L1.S1), de 5/6/2018 (proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1), de 18/09/2018 (proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1) e de 18/9/2018 (proc. 20329/16.5T8LSB.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt], assim se justificando também a improcedência do recurso construído, como se mostra, na inexistência dos apontados pressupostos da responsabilidade civil (artº 8º, nº 3, do CC).

3. Custas

Vencido no recurso, incumbe ao Banco réu o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC):
I- Os deveres de informação do intermediário financeiro não se esgotam no plano meramente formal da enunciação do produto financeiro e suas características, mais ou menos detalhadas, apreensível pelo homem médio, exigindo-se uma informação que, em substância, surja como apreensível pelo concreto cliente investidor, em função do seu grau de conhecimentos e experiência.
II - O recurso à figura dos depósitos a prazo como paradigma informativo das características e particularidades da subscrição de obrigações, ainda que emitidas por detentores de instituições financeiras, não cumpre as apontadas exigências de informação.
III - Demonstrando os AA que, se não fora a informação prestada pela intermediação financeira do Banco réu, não teriam subscrito as obrigações SLN 2006, as quais não vieram a ser reembolsadas por efeito da insolvência do emitente, ocorre o nexo de causalidade normativamente relevante entre a atuação do intermediário financeiro e o prejuízo decorrente do não reembolso do capital aplicado na subscrição.

IV. Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 8/11/20218
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho