Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
234/25.5YREVR
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A pena de prisão aplicada à requerida não excede o limite máximo da moldura penal aplicável em Portugal já que se verificam no caso circunstâncias suscetíveis de integrar a agravação do crime de tráfico previsto no art. 21º, da Lei da Droga – avultada compensação económica, atento o valor do produto estupefaciente que a requerida detinha - o que, de acordo com o art. 24º, do mesmo diploma, eleva a penalidade máxima, na legislação portuguesa, para 16 anos de prisão.

Também a circunstância da requerida ter sido condenada no pagamento de multa que não pagou e que, por esse motivo, foi convertida em pena de prisão, não obsta ao reconhecimento da sentença pois, além de não constar como um dos fundamentos que o impede, tal trata-se de instituto que também existe na legislação portuguesa, em nada violando princípios jurídicos fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

Por último, salienta-se que a requerida não só deu consentimento à transmissão da sentença, como também foi a própria que o solicitou. E, tratando-se de cidadã portuguesa, com residência – antes de presa – em Portugal, são evidentes as vantagens, para a sua reinserção social, do cumprimento da pena em que foi condenada, no País da sua nacionalidade.

Desta forma, impõe-se o reconhecimento da sentença estrangeira em apreciação, com o consequente cumprimento da sua execução em Portugal.

Decisão Texto Integral: Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório

O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação promoveu, ao abrigo da Lei nº 158/2015, de 17/9, com as alterações constantes da Lei nº 115/2019, de 12/9, o reconhecimento da sentença penal, proferida na República de …, para efeitos de execução, em Portugal, da pena de prisão ali aplicada a AA, cidadã portuguesa, residente em …, atualmente reclusa naquele País.

Fundamenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

1- Por sentença proferida pelo Tribunal Criminal de …, a 03/06/2024, AA foi condenada, pela prática um crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, na pena de 13 anos de prisão; no pagamento da multa de €20 000,00, que em caso de incumprimento será convertida em pena de prisão e no pagamento de uma multa de €2.231,73, que em caso de incumprimento será convertida em pena de prisão.

2. A condenação fundou-se, em síntese, no facto da requerida ter na sua posse 4 quilogramas de heroína com um valor de mercado estimado entre 240 000€ e 312 000€.”

3. Tais factos são puníveis, nos termos acima expostos pela legislação da República de … e têm correspondência na lei penal portuguesa.

4. O Tribunal da Relação de Évora é competente para reconhecer a sentença uma vez que a condenada tem residência na Rua …, em …

5. A pena de €20.000,00 de multa não foi paga por AA, pelo que tem a cumprir, para além da pena de 13 anos de prisão, mais 366 dias de prisão subsidiária.

6. Inexistem causas de recusa do reconhecimento, previstas no artigo 17º da Lei nº 158/2015, de 17 de setembro.

8. A requerida AA declarou que pretende cumprir em Portugal a pena aplicada nos autos acima identificados.

* Foi nomeado Defensor Oficioso à requerida que, notificado do requerimento apresentado, nada disse ou requereu.

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2. Fundamentação de facto

Factos Provados

Atento o teor da certidão junta aos autos resultam provados os seguintes factos:

1 – AA, é cidadã portuguesa, nasceu a …/1999, é portadora do cartão de cidadão português nº …, emitido a …, e tem residência na na Rua…, em …;

2 – Por sentença proferida pelo Tribunal Criminal de …, a 03/06/2024, no Proc. nº …/2022, transitada em julgado no dia 03.06.2024, AA foi condenada, pela prática um crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelas Secções IV e VI, artigos 2, 9, 10 (1), 12, 14, 15, 15ª, 16, 20, 21(1)a, 22 (2)(a)(i)(aa)(ii), 22(3ª)(a)(b)(c)(d)(7), 24ª, 26 e 29 do capítulo 101 das Lei de …, Regulamentos 2, 4, 9 e 16, da Legislação Subsidiária 101.2 e Artigo 17, 23, 392B e 533, do Cód. Penal, na pena de 13 anos de prisão; ao pagamento da multa de €20 000,00, que em caso de incumprimento será convertida em pena de prisão, nos termos do disposto no artº 11º, do Cód. Penal; e ao pagamento de uma multa de €2.231,73, que em caso de incumprimento será convertida em pena de prisão, nos termos do disposto no artº 533º, do Cód. Penal.

3 - A condenação fundou-se na prática dos seguintes factos:

“No dia 15 de Outubro de 2022, a Srª. AA chegou a … no voo número …, proveniente de …. Durante uma inspeção de rotina, no âmbito do combate ao tráfico de droga, a Srº. AA foi intercetada pela brigada antidroga e informada de que a sua bagagem seria sujeita a revista por tarte das Autoridades Aduaneiras.

Dessas buscas resultou que, ocultos num fundo falso, se encontravam 4 quilogramas de heroína com um valor de mercado estimado entre 240 000€ e 312 000€.”

3- A pena de €20.000,00 de multa não foi paga pela requerida pelo que tem a cumprir, além da pena de 13 anos, mais 366 dias de prisão subsidiária.

4- A requerida esteve presente no julgamento.

5 – A requerida solicitou a transmissão da sentença estrangeira e deu o seu consentimento. A execução da pena em Portugal favorecerá a sua reinserção social.

6 – Encontra-se presa, em Malta, ininterruptamente, desde 16/10/22, mostrando-se previsto o termo da pena no Estado da Emissão em 16/10/36.

7 – A pena aplicada não se mostra extinta de acordo com as legislações de Portugal e de Malta e os factos aqui em causa não foram objeto de procedimento criminal em Portugal.

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Factos Não Provados

Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir.

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3. Fundamentação De Direito

No presente pedido de reconhecimento de sentença estrangeira o Estado de emissão é a República de … pelo que é aplicável a Lei nº 158/2015, de 17/9, com as alterações introduzidas pela Lei nº 115/2019, de 12/9.

A requerida é cidadã portuguesa, e tem a sua residência em … pelo que, de acordo com o art.13º, nº1, da Lei em referência, é este Tribunal da Relação de Évora o competente para o reconhecimento da sentença estrangeira.

De acordo com o art. 16ºA, nº3, o reconhecimento da sentença apenas pode ser recusado no caso de verificação de algum dos motivos previstos no art. 17º, que são os seguintes: a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento; b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º; c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem; d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa; e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa; f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação; g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença; h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena; i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão: i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento; ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável; j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida; k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde; l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.

No caso concreto, não ocorre nenhuma das mencionadas circunstâncias que obste ao reconhecimento da sentença.

Por outro lado, o art. 3º, nº1, da Lei em referência, estabelece: “São reconhecidas e executadas, sem controlo da dupla incriminação do facto, as sentenças e decisões abrangidas pela presente lei, que respeitem às seguintes infrações, desde que, de acordo com a lei do Estado de emissão, estas sejam puníveis com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a três anos: (…) e) Tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”

No caso, atento o teor da certidão junta e considerando factos aí descritos e que resultaram provados, podemos concluir que os mesmos são suscetíveis de integrar, na Lei Penal Portuguesa um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelos arts. 21º e 24º, al.c), da Lei nº15/93, de 22/1. Desta forma, o crime pelo qual a requerida foi condenada no Estado emissor, …, para além de constituir infração da legislação portuguesa, consta igualmente do elenco dos crimes previstos no citado art. 3º, nº1. Assim, também esta condição de reconhecimento de sentença estrangeira se verifica. Acresce que, dado o termo previsto da pena, é manifesto que o tempo que resta para o seu cumprimento se mostra superior a 6 meses de prisão.

A pena de prisão aplicada pelo Tribunal de … não excede o limite máximo da moldura penal aplicável em Portugal já que, como se mencionou, verificam-se no caso circunstâncias suscetíveis de integrar a agravação do crime de tráfico previsto no art. 21º, da Lei da Droga – avultada compensação económica, atento o valor do produto estupefaciente que a requerida detinha - o que, de acordo com o art. 24º, do mesmo diploma, eleva a penalidade máxima, na legislação portuguesa, para 16 anos de prisão.

Também a circunstância da requerida ter sido condenada no pagamento de multa que não pagou e que, por esse motivo, foi convertida em pena de prisão, não obsta ao reconhecimento da sentença pois, além de não constar como um dos fundamentos que o impede, tal trata-se de instituto que também existe na legislação portuguesa, em nada violando princípios jurídicos fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

Por último, salienta-se que a requerida não só deu consentimento à transmissão da sentença, como também foi a própria que o solicitou. E, tratando-se de cidadã portuguesa, com residência – antes de presa – em Portugal, são evidentes as vantagens, para a sua reinserção social, do cumprimento da pena em que foi condenada, no País da sua nacionalidade.

Desta forma, impõe-se o reconhecimento da sentença estrangeira em apreciação, com o consequente cumprimento da sua execução em Portugal.

De acordo com o art. 13º, nº2, da Lei em causa, é competente para executar a sentença reconhecida o juízo local com competência em matéria criminal da área da residência da condenada – … – e observando-se, quanto ao estabelecimento prisional a considerar para a execução, o disposto no art. 14º, da mesma Lei.

* 4 – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em: - declarar reconhecida e exequível a sentença penal proferida no proc. nº…, em 3 de junho de 2024, pelo Tribunal Criminal de … que condenou a requerida pela prática um crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelas Secções IV e VI, artigos 2, 9, 10 (1), 12, 14, 15, 15ª, 16, 20, 21(1)a, 22 (2)(a)(i)(aa)(ii), 22(3ª)(a)(b)(c)(d)(7), 24ª, 26 e 29 do capítulo 101 das Lei de …, Regulamentos 2, 4, 9 e 16, da Legislação Subsidiária 101.2 e Artigo 17, 23, 392B e 533, do Cód. Penal, na pena de 13 anos de prisão, acrescida de mais 366 dias de prisão (por não pagamento da multa no valor de 20.000,00 € em que também foi condenada), comprometendo-se o Estado Português a executar a referida pena de prisão segundo a Lei Portuguesa.

- determinar que a condenação seja executada pelo Juízo Local Criminal de ….

Sem custas.

Após transito, cumpra o disposto nos arts. 20º, nº1 e 21º, da Lei nº158/2015, de 17/9 e remeta os autos ao Tribunal competente para a execução.

Notifique.

Évora, 11 de novembro de 2025

Carla Oliveira (Relatora)

Edgar Valente (1ºAdjunto)

Mafalda Sequinho dos Santos (2º Adjunto)