Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR CONTRADITÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um “projectado” indeferimento liminar. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 1501/17.7T8SLV.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra (…), advogada, tendo em vista a cobrança da quantia de € 18.089,74, correspondente a contribuições em dívida e juros de mora. Como título executivo, a exequente apresentou uma “certidão de dívida de contribuições” emitida pelo seu órgão dirigente. O tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento executivo, declarando-se materialmente incompetente para a presente execução. A exequente arguiu, então, a nulidade do despacho de indeferimento liminar com fundamento na sua não audição prévia à prolação do mesmo. Inconformada com tal decisão dela apelou a exequente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1 – A CPAS arguiu “a nulidade do despacho/sentença proferido”, mas fê-lo com fundamento no disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. 2 - Uma vez que não foi concedida, à ora recorrente, a possibilidade de se pronunciar, previamente à decisão, sobre a competência do tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. 3 - E por isso a nulidade da decisão seria uma mera consequência da nulidade pela omissão de um acto processual essencial, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do CPC. 4 - Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente acção, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa. 5 - Pois essa questão da decisão-surpresa terá de ser vista em cada um dos processos de per si, como no presente caso. 6 - Não sendo admissível a chamada decisão-surpresa, tem a CPAS, previamente à decisão, de ser auscultada sobre a matéria (competência dos tribunais judiciais para cobrança coerciva das contribuições em dívida pelos seus beneficiários). 7 - Além disso, o princípio do contraditório visa, também, permitir que a parte possa carrear para os autos os elementos que achar pertinentes por forma a que o tribunal, quando decidir, o faça na posse do máximo de informação possível. 8 - Não tendo a CPAS sido ouvida previamente à decisão, foi violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. 9 - Conforme, aliás, jurisprudência dos Tribunais da Relação de Lisboa, Porto e Coimbra. 10 - Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça à CPAS o direito de se pronunciar sobre a questão da competência dos tribunais judiciais, para dirimir e julgar as execuções intentadas pela CPAS para cobrança das contribuições em dívida pelos beneficiários. Não foram apresentadas contra alegações de recurso. Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela exequente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o juiz, antes de ter proferido despacho de indeferimento liminar, devia ter dado o contraditório ao autor ou ao exequente para que este, querendo, pudesse pronunciar-se sobre o fundamento de tal indeferimento. Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa dizer a tal respeito que, em situação idêntica à dos presentes autos, já se pronunciou o recente acórdão desta Relação de 28/6/2018 (relator Dr. Vítor Sequinho), disponível in www.dgsi.pt – no qual o aqui relator foi 2º Adjunto – desde já se adiantando que concordamos integralmente com as razões e fundamentos aí explanados que, por isso, passamos a transcrever de seguida: - (…) O artigo 590.º do CPC estabelece que, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º. O artigo 726.º do CPC, relativo ao processo de execução, estabelece que o processo é concluso ao juiz para despacho liminar (n.º 1) e que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso (n.º 2, al. b)). O n.º 3 do artigo 3.º do CPC estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. A recorrente sustenta que o tribunal recorrido violou esta última norma porquanto não lhe concedeu a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da competência do tribunal antes da prolação do despacho de indeferimento liminar e, dessa forma, cometeu uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, constituindo o referido despacho uma “decisão surpresa”. Discordamos deste entendimento. Não faz sentido a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar. Pela sua própria natureza e tal como a sua designação inculca, o despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro despacho, nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho. Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar. Ora, se é a própria lei a admitir a prolação de despacho de indeferimento liminar em determinadas situações, nomeadamente quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, é seguro que, nessas situações, não há lugar a contraditório prévio. Se fosse outra a intenção do legislador, certamente este teria cuidado de deixar de designar tal despacho de indeferimento como liminar. Por outro lado, não pode considerar-se que o despacho de indeferimento liminar proferido neste processo constitua uma decisão surpresa, a menos que assim se considerassem todos os despachos de indeferimento liminar. É evidente que, ao propor a acção, o autor ou o exequente tem a expectativa de que a mesma tenha melhor sorte que um indeferimento liminar, pelo que este último será, senão sempre, pelo menos na generalidade dos casos, inesperado. Ainda assim, a nossa lei processual continua a prever o indeferimento liminar, sinal evidente de que se trata de uma figura processual compatível com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC. Note-se, finalmente, que a lei compensa esta ausência de audição do autor ou do exequente antes da prolação do despacho de indeferimento liminar através da admissibilidade de recurso deste último independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos dos artigos 629.º, n.º 3, al. c), e 853.º, n.º 3, do CPC, assim permitindo um contraditório diferido. Em conclusão, não se verifica a nulidade processual que o recorrente arguiu, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido. No mesmo sentido do aresto acima transcrito veja-se ainda o Ac. desta Relação de 26/4/2018, também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte: - (…) Entendem os recorrentes que o tribunal, antevendo o indeferimento liminar, deveria tê-los convidado a se pronunciarem sobre tal possibilidade. Não concordamos. O despacho liminar não é proferido para as partes, não é proferido para decidir uma questão entre as partes. O despacho liminar só tem um interlocutor: o autor da petição. Como se escreve no ac. do STA, de 27 de Fevereiro de 2013, «o direito ao contraditório, como decorrência do princípio da igualdade das partes, é um direito que se atribui à parte de conhecer as condutas assumidas pela contraparte, de tomar posição sobre elas e de ser ouvida antes de ser proferida qualquer decisão. A essência do princípio do contraditório está pois no facto de cada parte processual ser chamada a apresentar as respectivas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas ou a pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras. E por isso, a relevância do direito à audiência prévia e do direito de resposta dá-se sobretudo quando o seu exercício representa a garantia de uma parte relativamente à conduta processual da contraparte. Mas, o âmbito de aplicação do nº 3 do artigo 3º parece incluir também o contraditório relativamente a “decisões-surpresa”, com que as partes não podiam contar, por não terem sido objecto de discussão no processo. Nesses casos, para que a parte não seja confrontada e atingida como uma decisão inesperada, impõe-se garantir o contraditório. Razões ligadas à boa administração da justiça e à justa composição do litígio justificam que também nesses casos a contraditoriedade se efective». No ac. do TCA Sul, de 18 de Junho de 2015 (citado pelo recorrido), escreve-se o seguinte: no «caso sub judice, examinando a tramitação processual do presente processo não se vislumbra com base em que fundamento se possa concluir que a decisão de 1ª. Instância se deve enquadrar como decisão-surpresa, mais tendo violado o dito princípio do contraditório, desde logo, porque nada na lei processual obriga o Tribunal a ouvir o autor antes de se proferir um despacho de indeferimento liminar. Sendo certo que tal despacho (quer quando ordene a citação do réu, quer quando indefira liminarmente a respectiva petição inicial) pode enfermar de erro de julgamento, mas, se assim for, a parte não está impedida de dele interpor o respectivo recurso, assim assegurando a lei o seu direito». Por último, podemos invocar o ac. do STJ, de 24 de Fevereiro de 2015, segundo o qual «não é admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar, seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso…». O despacho liminar não se destina a regular um conflito (mesmo que só processual) entre as partes pois que ele só tem um destinatário e um objecto: o autor e a sua petição. Por este motivo, julga-se improcedente a arguição de violação do contraditório. Em sentido idêntico ou similar aos dois arestos que acabamos de transcrever pode ver-se ainda o recentíssimo Ac. da R.L. de 21/2/2019, também disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dada altura, se afirmou o seguinte: - O processamento desenhado pela lei processual civil não prevê um despacho pré liminar ao indeferimento liminar com vista à parte (no caso ao exequente) se pronunciar sobre uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que no despacho liminar o tribunal venha a considerar verificada. - A “decisão surpresa” consoante resulta da própria expressão, pressupõe que a parte possa ser “surpreendida” por uma decisão que embora juridicamente possível, não tivesse nem pudesse ser por ela configurada, o que não sucede no caso dos autos em que quando da propositura da execução haviam já tido lugar diversos indeferimentos liminares de idênticas execuções intentadas pela exequente e pelo mesmo fundamento – incompetência absoluta do Tribunal. Ora, tendo em conta os fundamentos supra transcritos, os quais, não será demais repetir, sufragamos por inteiro, forçoso é concluir que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela exequente, ora apelante, não se mostrando violados os preceitos legais por esta invocados. *** Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: - Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um “projectado” indeferimento liminar. Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, mantem-se integralmente a decisão recorrida. Custas pela exequente, ora apelante. Évora, 11 de Abril de 2019 Rui Machado e Moura Eduarda Branquinho Mário Canelas Brás __________________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). |