Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2823/17.2T8STR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
OCUPAÇÃO EFECTIVA
VIOLAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Só se verifica violação do dever de ocupação efectiva se a não ocupação do trabalhador for culposamente imputável ao empregador, o que se presume (artigo 799.º do Código Civil), pelo que compete a este alegar e provar que a inactividade do trabalhador não lhe é (a ele, empregador) imputável.
I – Verifica-se violação do dever de ocupação efectiva se o empregador não obstante ter instaurado procedimento disciplinar contra a trabalhadora (que desempenhava as funções de facturação e atendimento de clientes), sem suspensão preventiva, e ter entretanto encetado negociações com a mesma tendo em vista cessação do contrato de trabalho, após o regresso da trabalhadora ao trabalho, depois de um período de férias, a que se seguiu baixa por doença, a coloca durante pelo menos 2 dias sem qualquer ocupação, numa sala contígua aos serviços administrativos/financeiros, sentada numa secretária, ladeada por poster “rollup” de vinhos, tendo como material de trabalho folhas brancas do tipo A4 e uma esferográfica.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2823/17.2T8STR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB, CRL, devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou uma coima de € 12.000,00, pela prática de uma infracção ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho, ou seja, por ter obstado injustificadamente à prestação efectiva de trabalho de um seu trabalhador, sendo CC, na qualidade de Presidente daquela, solidariamente responsável pelo pagamento da coima.

Por sentença de 19 de Janeiro de 2018, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 1) foi negado provimento ao recurso, assim confirmando a decisão da autoridade administrativa.

De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este tribunal, tendo na motivação de recurso formulado as seguintes conclusões:
«A) - Discordam os ora recorrentes, em absoluto, da posição do douto Tribunal “a quo”, em negar provimento à impugnação judicial proposta, mantendo a condenação da Arguida, pois, quer a fundamentação desenvolvida na referida impugnação judicial, quer os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos recorrentes, são suficientes para ter sido proferida uma sentença que reconhecesse procedente a impugnação judicial apresentada pela Arguida, revogando-se a condenação desta, proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, numa coima de 12.000,00 € (doze mil euros), assim como a respectiva responsabilidade solidária pelo pagamento da coima por parte de CC,
B) - O artº 129.º, nº 1, b) do C. do Trabalho estatui:- “Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;”
C) - Salvo melhor opinião, entendem os recorrentes que o artº 129º, nº 1, b) do C. do Trabalho não foi violado, pois foi plenamente justificada a não atribuição à trabalhadora DD das mesmas funções, quando se apresentou ao serviço após longo período de ausência.
D) - Não atendendo aos factos que considerou provados, o Mmº Juiz “a quo” não teve em conta, salvo o devido respeito, a existência da palavra “injustificadamente”, na formulação da al. b) do nº 1 do artº 129.º do C.T., pois a situação concreta sustenta o não preenchimento do teor do preceito legal referido.
E) - Na verdade, houve justificação, por parte da arguida, ora recorrente, para não dar o mesmo trabalho à trabalhadora DD, pois:
- esta esteve cerca de 2 meses ausente da empresa;
- o seu regresso perturbaria o normal funcionamento da actividade do armazém de engarrafamento e área de expedição;
- estava em curso o seu processo disciplinar;
- decorreram negociações com vista à cessação do contrato de trabalho, o que veio a acontecer em 23.09.2016, com pagamento de todos os créditos laborais, incluindo compensação por antiguidade;
- as negociações foram mais demoradas em virtude de reclamação de abono para falhas, cujo valor teve de ser calculado.
F) Neste sentido, vai a jurisprudência, designadamente o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2011, – Procº 678/03.3TTLSB.L1-4, salientando que “Ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores contrapõe-se o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente,” … e daí que a violação do dever de ocupação efectiva se deva reconduzir a um problema de boa fé.” e o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.01.2003, in www.dgsi.pt, em que se refere:
- “na óptica das necessidades da empresa e dos interesses do empregador, pode haver, por vezes, situações de inactividade temporária de trabalhadores, sem que isso seja ilegítimo. Basta pensar em situações de suspensão disciplinar do trabalhador, de necessidade de reduzir a produção, em actividades sazonais, de reestruturação da empresa, etc.. O direito não pode de forma alguma permitir é a desocupação do trabalhador que não se mostre efectivamente fundada.”
G) No mesmo sentido vai a doutrina, citando-se como mero exemplo, - a anotação do Dr. Diogo Vaz Marecos, no Código do Trabalho anotado, 1ª edição Coimbra Editora, página 338: "Contudo, em algumas situações pontuais, pode ser interesse do empregador que o trabalhador permaneça temporariamente desocupado, sem que tal configure uma ilicitude. Para tanto, a desocupação do trabalhador terá de mostrar-se objetivamente fundada, como sucederá, por exemplo, quando se verifique uma reestruturação da empresa em que durante determinado período de tempo não foi possível conceber o posto de trabalho que seja preenchido pelo trabalhador. Assim, o que a lei veda é a desocupação que seja objetivamente infundada".
- ou, como escreve o Dr. António Monteiro Fernandes, no seu "Direito do Trabalho" (Edições Almedina, Junho 2014), 14 Edição, página 299, in Código do Trabalho Anotado Paula Quintas e Hélder Quintas, 2016, 4ª Edição, Almedina, página 339: "A questão vem, assim, a colocar-se no plano da exigibilidade: não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objetivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inatividade (por razões económicas, disciplinares ou outras)."
Assim se Fará Justiça!».

Admitido o recurso na 1.ª instância – com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, atenta a caução prestada – o Ministério Público aí respondeu ao mesmo, a pugnar pela sua improcedência, assim concluindo:
«1.Resultando da matéria dada como provada que a 14 de Setembro de 2016, pelas 11.00 horas, data de visita inspectiva pela ACT ao local de trabalho da recorrente, se verificou que a trabalhadora DD se encontrava numa pequena sala contígua aos serviços administrativos/financeiros sentada numa secretária ladeada por poster “rollup” de vinhos, tendo como material de trabalho folhas brancas do tipo A4 e uma esferográfica sendo que antes de estar na situação referida tinha funções de facturação e atendimento de clientes e que se encontrava em tal situação de inactividade profissional [há] pelo menos dois dias.
Provado ainda que a trabalhadora foi alvo de um processo disciplinar a 02 de Agosto de 2016 e que a mesma esteve de baixa médica entre 14 de Julho de 2016 e 24 de Agosto de 2016, a que se seguiu um período de férias entre 25 de Agosto de 2016 e 09 de Setembro de 2016 após a que se apresentou ao serviço no dia 12 de Setembro de 2016.
2. Consubstanciando tal situação uma flagrante violação do dever de ocupação efectiva de trabalhador por parte do empregador inevitável seria a condenação da recorrente numa coima de €12.000,00 (doze mil euros) pela violação do artº 129.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, assim como a respetiva responsabilidade solidária pelo pagamento da coima por parte de CC.
3. Procurar como faz a recorrente justificar a situação de inactividade da trabalhadora na existência de negociações tendentes à cessação do contrato de trabalho, assim como considerar o regresso da trabalhadora após as férias que se seguiram ao período de baixa médica como forma de evitar transtornos na organização do trabalho afigura-se-nos demasiado simplista e ilegítimo.
4. Face à matéria dada como provada pela douta decisão recorrida e pela sua fundamentação jurídica a mesma merece total confirmação porque nenhuma censura há que se possa fazer à mesma.
5. Nestes termos o recurso da recorrente deve ser julgado improcedente e a douta decisão recorrida merece total confirmação.
Assim decidindo estou certo, de que Vªs Exªs farão, JUSTIÇA!»

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância, reiterando que o recurso deve ser julgado procedente.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação [artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro], no caso a questão essencial a decidir consiste em saber se a recorrente cometeu a contra-ordenação pela qual foi sancionada, isto é, se obstou injustificadamente à prestação do trabalho por parte da sua então trabalhadora

III. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade (para uma mais fácil apreensão (i) procede-se à numeração da matéria de facto, (ii) por repetitivos, procede-se à condensação de alguns factos e (iii) descrevem-se os mesmos numa sequência lógica):
1. A 14 de Setembro de 2016, pelas 11.00 horas, foi realizada uma visita inspectiva ao local de trabalho da Arguida, sito na ….
2. No decurso da visita inspectiva o Inspector autuante verificou que a trabalhadora da Arguida DD se encontrava numa pequena sala contígua aos serviços administrativos/financeiros sentada numa secretária ladeada por poster “rollup” de vinhos, tendo como material de trabalho folhas brancas do tipo A4 e uma esferográfica.
3. A trabalhadora da Arguida DD esteve na situação referida supra pelo menos dois dias.
4. A trabalhadora da Arguida DD antes de estar na situação referida supra tinha funções de facturação e atendimento de clientes.
5. A trabalhadora da Arguida DD foi alvo de um processo disciplinar a 02 de Agosto de 2016, a que se seguiu um período de baixa médica (entre 14 de Julho de 2016 e 24 de Agosto de 2016) e de férias (entre 25 de Agosto de 2016 e 09 de Setembro de 2016), após o que se apresentou ao serviço no dia 12 de Setembro de 2016.
6. Na sua ausência, durante o período de baixa e de férias, a trabalhadora DD foi substituída nas suas funções pela trabalhadora EE, com a categoria de chefe de enchimento, que já pertencia aos quadros da empresa e que nesse período cumpriu devidamente as tarefas antes desempenhadas pela trabalhadora DD.
7. Por factos ocorridos no dia 21 de Junho de 2016, imputados à trabalhadora DD, foi aberto processo disciplinar em 02 de Agosto de 2016, sem suspensão de funções, tendo sido enviada nota de culpa em 25 de Agosto de 2016, a que a mesma apresentou resposta em 08 de Setembro de 2016, após o que foi dirigido ao Ilustre patrono da trabalhadora Arguida a designação de datas para inquirição das testemunhas nos dias 22 e 23 de Setembro, solicitando-se a indicação dos factos na nota de culpa a que cada testemunha responderia, nunca se tendo procedido à referida inquirição, pois logo após a apresentação da sua defesa, por parte da trabalhadora visada, a partir de 08 de Setembro de 2016 foram iniciadas negociações com vista à cessação do contrato de trabalho, o que veio a efectuar-se em 23 de Setembro de 2016, com pagamento de todos os créditos laborais reclamados, incluindo a compensação por antiguidade, de que deu quitação, e entrega de comprovativo da situação de desemprego, para efeitos de atribuição do respectivo subsídio, pelo que o processo foi dado sem efeito por inutilidade superveniente.
8. A arguida/recorrente entendeu existir justificação objectiva para que a trabalhadora DD não retomasse as mesmas funções que mantinha antes da baixa, para não perturbar o normal funcionamento da actividade do armazém de engarrafamento e área de expedição, em virtude de essas funções estarem a ser assumidas por outra trabalhadora (EE) que normalmente a substituía em situações de férias, doença ou faltas ocasionais e que desempenhava cabalmente essas tarefas sem necessidade de contratação de outra pessoa, receando que a BB fosse prejudicada na eventual utilização de segredos comerciais da Arguida.
9. As negociações tendo em vista a cessação do contrato de trabalho foram mais demoradas em virtude de a trabalhadora DD ter reclamado o abono para falhas, (o que não lhe estava a ser atribuído por só ocasionalmente, às 2.ªs feiras, quando a loja se encontrava encerrada, efectuar recebimentos de valores e ter propostos que a BB assumisse a reposição de valores em falta sempre que tal ocorresse, o que se veio a verificar pelo menos duas vezes) tendo os serviços administrativos da arguida que efectuar os cálculos desses abonos para falhas.
10. A Arguida teve em 2015, ano de referência para a contra-ordenação, um volume de negócios de € 12.928253,00.
11. A Arguida tinha em 2016, ano da prática dos factos, 48 trabalhadores e existe desde 1958.

B) O tribunal a quo deu como não provado que a arguida/recorrente já há muito tempo vinha sentindo a necessidade de redução dos postos de trabalho, designadamente na área do armazém de engarrafamento e área de expedição.

IV. Fundamentação
1. Da prática da contra-ordenação pela arguida
Importa antes de mais ter presente que este tribunal apenas conhece da matéria de direito, sendo que na matéria de facto não se detecta a existência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410.º do Código de Processo Penal (cfr. artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09).
Além disso, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (aqui aplicável subsidiariamente), só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
E de acordo com o disposto no artigo 548.º do CT, constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima; nas contra-ordenações laborais a negligência é sempre punível (artigo 550.º do mesmo compêndio legal).
A negligência consubstancia-se na falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei (artigo 15.º do Código Penal), mais precisamente, no que às contra-ordenações diz respeito, reside na conduta do agente ao omitir um dever de cuidado a que estava obrigado por lei.

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 58.º, n.º 1 o direito ao trabalho.
E de acordo com o n.º 1, alínea b) do artigo 59.º, a organização do trabalho deve ser em condições socialmente dignificantes, de modo a facultar, além do mais, a realização pessoal do trabalhador.
Embora no domínio anterior ao Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08) não existisse uma disposição expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, várias normas da LCT, designadamente os artigos 19.º, n.º1, alínea b), e artigo 21.º, alínea a), já permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada (neste sentido e entre outros, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-05-2007, de 04-03-2007 e de 07-05-2009, Recursos n.º 4474/06, n.º 3699/08 e n.º 156/09, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt).
A fundamentação de tal dever entronca no princípio geral de boa fé, que as partes devem observar, tanto no cumprimento das obrigações, quanto no exercício do dever correspondente.
E, sendo o contrato de trabalho caracterizado como um contrato sinalagmático ou bilateral, na medida em que dele emergem, para ambas as partes, direitos e obrigações de forma recíproca e interdependente, ao mesmo são aplicáveis as regras gerais do direito das obrigações, designadamente as regras do cumprimento ou não cumprimento das obrigações (cfr. artigos 762.º e segts. e 790.º e segts. do Código Civil).
Dito de outro modo: em matéria de responsabilidade contratual, de acordo com o disposto no artigo 798.º, do Código Civil, o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor; e é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (artigo 799.º, do Código Civil).
No âmbito do CT/2003 [artigo 122.º, alínea b)] e, posteriormente, no âmbito do CT/2009 [artigo 129.º, n.º 1, alínea b)], este aplicável ao caso em apreciação, consagrou-se expressamente tal dever de ocupação efectiva do trabalhador.
Como assinalam Pedro Romano Martinez, Pedro Madeira de Brito e Guilherme Dray, a propósito desta última norma (Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 343), «(…), na medida em que se afirma que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, não deixa de ser dispensável o recurso à boa fé para efeitos de apuramento e concretização daquele conceito indeterminado. Como dispõe o nº 2 do artigo 762º do CC, o empregador (credor da prestação), no exercício do direito correspondente, deve proceder de boa fé. Importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efectiva é ou não, à luz da boa fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, ou se, pelo contrário, ela se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador.».
Assim, só existirá violação do dever de ocupação efectiva se a não ocupação do trabalhador for culposamente imputável ao empregador, o que se presume (artigo 799.º do Código Civil), pelo que compete ao empregador alegar e provar que a inactividade do trabalhador não lhe é (a ele, empregador) imputável.

Vejamos então o concreto caso que nos ocupa.
No dia 14 de Setembro de 2016 a inspecção da ACT constatou que pelo menos há 2 dias a recorrente mantinha a agora sua ex-trabalhadora DD sem qualquer ocupação, colocando-a numa sala contígua aos serviços administrativos/financeiros, sentada numa secretária, ladeada por poster “rollup” de vinhos, tendo como material de trabalho folhas brancas do tipo A4 e uma esferográfica (factos n.ºs 1 a 3).
A referida ex-trabalhadora havia sido alvo de procedimento disciplinar em 02 de Agosto de 2016, sem suspensão do trabalho, no período entre 14 de Julho de 2016 e 24 de Agosto de 2016 esteve de baixa médica e entre 25 de Agosto de 2016 e 09 de Setembro de 2016 de férias, regressando ao serviço no dia 12 de Setembro seguinte, altura em que foi colocada sem actividade, na situação descrita (n.º 5).
Quer nesse período, quer noutros períodos em que por qualquer motivo DD se encontrava ausente do trabalho, foi substituída por outra trabalhadora da recorrente, que desempenhava cabalmente as funções (n.º 6).
No dia 25 de Agosto de 2016, a aqui recorrente enviou nota de culpa a DD, a que esta respondeu em 08 de Setembro de seguinte e juntando, pelo menos, prova testemunhal: nesta mesma data iniciaram-se negociações tendo em vista a cessação do contrato de trabalho, o que se efectivou em 23 de Setembro de 2016 (n.º 7).
Ainda de acordo com a matéria de facto – que, como se disse, este tribunal deve acatar – quando DD regressou ao serviço, em 12 de Setembro de 2016, a ora recorrente não a colocou a exercer quaisquer funções na facturação e atendimento de clientes (onde anteriormente exercia a actividade) para não perturbar o normal funcionamento da actividade do armazém de engarrafamento e área de expedição, em virtude daquelas funções estarem a ser assumidas, de forma cabal, por outra trabalhadora, e até por poder vir a ser prejudicada com a eventual utilização por parte da referida DD de segredos comerciais da ora recorrente (n.º 8).
Ora, tais fundamentos invocados pela arguida/recorrente para não colocar DD a exercer a actividade não são, à luz da lei, justificáveis; por um lado, porque a trabalhadora deve(ia) exercer as funções para as quais havia sido contratada (n.º 1 do artigo 115.º do CT), pelo que exercendo aquela, até então, as funções de facturação e atendimento de clientes não se encontra fundamento legal para das mesmas ser retirada e serem exercidas por outra trabalhadora, cujas funções habituais eram de “chefe de enchimento”: isto, note-se, quando nem sequer resulta provado que a arguida/recorrente sentisse necessidade de proceder a redução dos postos de trabalho, designadamente na área do armazém de engarrafamento e área de expedição; por outro lado, se a arguida/empregadora entendia que DD podia revelar segredos comerciais, pese embora se desconheçam os concretos fundamentos da instauração do procedimento disciplinar poderia, porventura, ter recorrido a outros mecanismos para a afastar da actividade, maxime suspensão preventiva (cfr. artigo 354.º do Código do Trabalho).
Mas o que de mais relevante parece extrair-se das conclusões da motivação de recurso como fundamento para a recorrente não ter colocado DD no exercício das suas funções foi a existência de um processo disciplinar pendente e as negociações tendentes à cessação do contrato de trabalho.
Ora, quanto à existência de procedimento disciplinar, não tendo havido lugar a suspensão preventiva da trabalhadora, isso significa que esta mantém os direitos e deveres inerentes à prestação do trabalho, o mesmo é dizer que a trabalhadora continua obrigada a prestar a actividade e a empregadora obrigada a não obstar a tal prestação.
E que dizer quanto à existência de negociações tendentes à cessação do contrato?
Também aqui impõe que se diga que tais negociações, cujo concreto desenvolvimento na altura em causa se desconhece, em nada podem conflituar com a prestação de actividade por parte da trabalhadora: de outro modo, a não se atribuírem quaisquer funções à trabalhadora por existirem negociações tendentes à cessação do contrato de trabalho, tal poderia até representar uma forma de pressionar a trabalhadora a aceitar essa cessação da contrato de trabalho, ou a aceitá-la em termos menos favoráveis para a mesma trabalhadora, já que perante a situação (de inactividade em que tinha sido colocada), haveria sempre a fundada dúvida se caso as negociações não chegassem a bom termo regressaria à sua actividade, até porque o posto de trabalho se encontrava preenchido por outra trabalhadora.
Aliás, não obstante a matéria de facto não ser completamente explícita a tal respeito, tendo em conta as regras da normalidade e da experiência comum tudo parece indiciar que, num período em que já existiam negociações tendentes à cessação do contrato de trabalho, a colocação de DD – que, recorde-se, anteriormente exercia funções de facturação e atendimento de clientes – numa pequena sala, contígua aos serviços administrativos/financeiros, sentada numa secretária, ladeada por poster “rollup” de vinhos, tendo apenas como material de trabalho folhas brancas do tipo A4 e uma esferográfica (ou seja, a colocação da trabalhadora sem qualquer ocupação…) apenas serviria para contribuir, na perspectiva da empregadora/recorrente, para que essas negociações tivessem êxito (!).
Assim, dentro dos princípios da boa fé os motivos para a não colocação de DD a exercer a actividade não são, à luz da lei, justificáveis, o que vale por dizer, tendo presente o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho, que a arguida/recorrente obstou injustificadamente à prestação efectiva de trabalho por parte de DD.
Aqui chegados, e sendo certo que não vem posta em causa a concreta coima aplicada, não se pode anuir à argumentação da recorrente, pelo que o recurso deverá improceder.

Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e respectiva tabela III anexa).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 28 de Junho de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço


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[1] Relator: João Nunes; Adjunta: Paula do Paço.