Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
17/21.1JAFAR.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
BEM JURÍDICO
COAUTORIA E DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO
AGRAVAÇÃO
AÇÃO ENCOBERTA
AGENTE INFILTRADO E AGENTE PROVOCADOR
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A prova de determinado facto acarreta o juízo implícito de não prova do seu contrário. O mesmo é dizer que se os factos alegados pela defesa representarem apenas a versão negativa dos factos provados, a referência expressa aos mesmos como factos não provados revelar-se-ia redundante, pelo que a não referência na sentença a tais factos negativos não acarreta qualquer nulidade.
II - A jurisprudência e a doutrina têm vindo a convergir no sentido de estabelecer como elemento diferenciador das categorias de agente encoberto e de agente provocador a circunstância de as respetivas ações serem ou não determinantes para a comissão do ato delituoso por parte do agente criminoso, elegendo-se como traço distintivo a passividade do agente infiltrado ou encoberto no que diz respeito à formação da vontade criminosa, contrastando tal passividade com a iniciativa criminosa do agente provocador.

III - Se no quadro normativo vigente, a atuação do agente provocador, por merecer censura ético - jurídica, é considerada ilegítima, constituindo um método proibido de prova por se incluir nos “meios enganosos” a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 126º do C.P.P., o agente infiltrado é aceite por se traduzir numa arma importante e eficaz na luta contra formas de crime cada vez mais violentas e altamente organizadas, ajudando a fazer face aos desafios que as polícias de todo o mundo enfrentam no combate às organizações criminosas fechadas e com elevado poder económico, muitas vezes associadas ao tráfico de grandes quantidades de droga e que acarretam maiores dificuldades ao nível da sua investigação e repressão.

IV - A nulidade por “omissão posterior de diligências que puderem reputar-se essenciais à descoberta da verdade” prevista no artigo 120.°, n.º 1, alínea d) do CPP, não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não está sujeita ao regime das nulidades da sentença previsto no artigo 379.°, mas sim ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral decorrente dos artigos 120.º e 121.º do CPP, que estabelece que as mesmas têm que ser invocadas no prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º 1 do CPP), se outra coisa não resultar do n.º 3 do mesmo artigo 120.º. O despacho de indeferimento de diligências probatórias que, por não ter sido posto em causa pelos arguidos – uma vez que dos mesmos não foi interposto recurso no prazo legal – transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não pode ser sindicado na instância recursiva que tem por objeto exclusivamente a impugnação do acórdão condenatório.

V - Tendo os factos ilícitos sido praticados por um conjunto de pessoas – no qual se incluem os recorrentes e o agente infiltrado – que atuaram coordenadamente, conjugando as suas tarefas, com as quais contribuíram para alcançarem o resultado ilícito a que se propunham, todos eles agiram sob a égide da coautoria, pois que esta pressupõe uma execução conjunta, codecisiva, em que o contributo de cada um seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto.

VI - Da intervenção da PJ e do seu agente infiltrado não resultou a perda do domínio funcional do facto por parte dos arguidos, na medida das suas parcelas de atividade. A diferença na valoração das condutas dos arguidos recorrentes e do agente infiltrado resulta, como sabemos, da aplicação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, nos termos do qual a contribuição do agente infiltrado não é punível.

VII - Sendo o crime de tráfico de droga um crime de perigo abstrato e de tutela antecipada – na medida em que não exige a verificação de um dano-violação, próprio dos crimes de resultado, nem tão pouco um perigo-violação, próprio dos crimes de perigo concreto – para o seu preenchimento basta que a ação seja adequada a gerar esse perigo, pelo que, tendo os arguidos recorrentes praticado atos qualificados como tráfico e, portanto, atos que consubstanciam o perigo típico com o qual se basta o crime em causa, constituíram-se como autores do mesmo, em nada interferindo na verificação de tal perigo, e no consequente preenchimento do tipo, a intervenção do agente infiltrado no âmbito da ação encoberta, sendo certo que durante todas as operações o perigo típico esteve sempre latente.

VIII- A apreciação da integração do conceito de avultada compensação remuneratória para efeitos de preenchimento da agravante prevista na al. c) do artigo 24.º, do D.L. 15/93 deverá assentar na análise dos factos na sua globalidade, restringindo-se, porém, tal doutrina aos membros da rede clandestina aos quais os proventos da venda da droga se destinavam.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 17/21.1JAFAR, foram os arguidos AA, filho de BB e de CC, natural de … (Eritreia), nacionalidade holandesa, nascido a …/…/1969, delegado comercial, titular do Passaporte holandês n.º …, residente em …, …,…, Holanda, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 7/5/2021, atualmente no EP de …, DD, filho de EE e de FF, natural de …, …, nascido a /…/…/1981, segurança, titular do CC nº …, que indicou residência na Rua …, nº …, …, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, desde 21/4/2021, atualmente no EP de … e GG, filho de HH e de II, natural de …, nascido a …/…/1982, empresário, titular do Cartão de Residência nº …, residente na Av. …, Lt…., …, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, desde 21/4/2021, atualmente no EP de …, condenados da seguinte forma:

- O arguido AA foi condenado pela prática, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 9 (nove) anos de prisão, tendo sido absolvido da prática dos demais crimes pelos quais se encontrava acusado, concretamente, o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela 1-B anexa ao mesmo diploma na forma agravada prevista no artigo 24º, alíneas c), f) e j), do mesmo diploma e o crime de associações criminosas, p. e p. pelo artigo 28º nº 2 do DL 15/93 de 22 de Janeiro;

- O arguido DD foi condenado pela prática, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- O arguido GG foi condenado pela prática, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

***

Inconformados com tal decisão, vieram o Ministério Público e os arguidos interpor recursos da mesma, tendo apresentado, após as motivaçãões, as conclusões que de seguida transcrevemos.

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelo Ministério Público:

“1. Por Douto Acordão proferido nos autos, o arguido AA foi absolvido da prática do crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, p. e p. pelos arts. 21.º e 24 º alíneas c ) e j), do D.L. n.º 15/93, de 22.01 e condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do citado D.L..

2. O Ministério Público não se conforma com a dita absolvição, por entender que as circunstâncias agravantes previstas nas als. c) e j) do art. 24 º se mostram preenchidas e resultam da matéria de facto dada como provada.

3. De igual modo não se conforma com a medida concreta da pena a que o arguido foi condenado, por um lado tendo em conta a pena abstracta prevista para o crime agravado e, por outro, por não ter levado em linha de conta as elevadas exigências de prevenção especial, ilicitude e culpa do arguido, mesmo que se entenda não estarem preenchidas tais circunstâncias agravantes.

4. No que concerne à circunstância agravante imputada ao arguido -» a obtenção, ou intenção de obtenção de avultada compensação económica -» está demonstrada, atento o facto de ter sido dado como provado que o arguido AA:

a) se deslocou a Portugal, de forma livre, voluntária e consciente, para execução do transporte de 144 Kgs de cocaína; b) seguindo plano traçado pela organização de JJ e KK; c) que havia sido transportada da Colômbia para Portugal e ia ser disseminada e consumida por milhares de pessoas; d) com o valor de mercado superior a 5 milhões de euros.

5. O bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública e, na vertente económica a protecção das economias dos Estados, razão pela qual a agravante reside na particular censura do espírito global de lucro ou ganho avultado.

6. Mais, como bem decidiu o STJ nos Ds. Acs. de 9-11-2016 e de 17.09.2019 a avultada compensação remuneratória que se procura obter pode não resultar da prova do efectivo do lucro de cada agente, análise contabilística irrealizável pelas características clandestinas da actividade, mas dos factos provados na sua globalidade (quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias susceptíveis de ser geradas), reveladores de uma actividade em que a ilicitude assume uma dimensão invulgar, superior à subjacente ao tipo base, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.

7. No caso dos autos, há que ponderar que resultou provado: que o arguido aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 144 kgs. de cocaína e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa; na execução dessa decisão o arguido veio ao nosso país entre os dias 21 e 23 ele Abril de 2021, ficando hospedado no hotel …, em …, encontrou-se com o agente “LL” em …, para receber a cocaína, que já se encontrava na posse da PJ mas esta não lhe foi entregue porque não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte; Voltou a Portugal e ao hotel referido em 3 de Maio de 2021, tendo em vista a recepção e transporte da cocaína; Alugou 2 veículos ligeiros, em …; Deslocou-se a …, no dia 5 de Maio, onde recebeu valor não inferior a 40 mil euros, para entregar em troca da cocaína; Esse valor correspondia a parte do pagamento ao agente “LL” pelo transporte da droga; No dia da detenção o arguido havia entregue, no interior do … um envelope que continha €39.500,00 ao agente “LL”; A cocaína que se encontrava na posse do arguido AA tinha o peso total de 144.215,501gramas e um valor de mercado superior a 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros);

O arguido AA tinha ainda na sua posse 2.670,00€ ( dois mil seiscentos e setenta Euros) em numerário, 4 telemóveis; O arguido AA conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que detinha e atentas as elevadas quantidades envolvidas que se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas; Actuou com vista a retirar beneficios económicos não concretamente apurados; e Com a venda da cocaína que foi apreendida os elementos da organização, angariariam proventos monetários muito elevados.

8. Face aos factos referidos não substituem dúvidas de que o arguido se deslocou por via aérea, propositadamente, da Holanda para território nacional, para efectuar o transporte de 144 pacotes de cocaína, sabendo que ia ser distribuída pela Europa.

9. Mais, a forma como a cocaína ia ser entregue e transportava foi directamente determinada pelo arguido e foi ele que recebeu, por mão própria, pelo menos 40 mil euros para pagar a quem lhe entregou a cocaína.

10. Tais factos, combinados com as regras da experiência comum, são de molde a concluir que ao arguido AA foi atribuído um grau elevadíssimo de confiança pela organização internacional liderada por JJ e KK.

11. Essa confiança permite afirmar que esse arguido assumiu na rede clandestina um papel central a que certamente correspondia uma “compensação” compatível com esse grau de inserção.

12. A relevantíssima quantidade de cocaína apreendida ao arguido é de um tal volume que revela incontestavelmente um tráfico de dimensão enorme e excepcional que garantiria um lucro avultado que não deixava de fora, um dos ou o principal responsável pelo sucesso desse “negócio”.

13. A intensidade (mais que a duração) da actividade, conjugada com a quantidade de produto e montantes envolvidos no "negócio" apontam para uma operação de internacional e grande tráfico, longe das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano ou do médio tráfico de distribuição intermédia.

14. Estes factores, de natureza objectiva conduzem, necessariamente, à conclusão de que o arguido procurava uma compensação remuneratória muito avultada que, pelo menos, fizesse jus à sua participação na operação criminosa.

15. Consideramos que se encontra preenchida a agravante prevista na al. c), do art. 24.º, do D.L. 15/93.

16. No que tange à agravante prevista na al. j) dessa norma -» actuação como membro de bando (…).

17. O conceito de “bando” tem sido densificado como figura intermédia entre a simples comparticipação e a associação criminosa, ou seja, constitui um plus diferenciador relativamente à comparticipação, mas não atinge o nível da associação criminosa.

18. “O que conta, o que releva é ser membro de bando”, havendo, “portanto, não só que determinar a existência de um bando como há, outrossim, que estabelecer um nexo de imputação objetiva que demonstre que o agente pertence a um bando” e “que o facto tenha sido levado a cabo com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”. E tal colaboração deve traduzir-se em “qualquer tipo de ajuda que se sobreponha à própria cumplicidade, indo ao ponto de admitir também casos de coautoria” (Professor José de Faria Costa” in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pag. 85).

19. No caso dos autos, da conjugação dos factos dados como provados e especialmente atenta a constatação de que o Tribunal a quo deu como provado que:

-» A organização criminosa transnacional de distribuição de Cocaína – liderada por JJ, de nacionalidade …, e KK, de nacionalidade …, tinha planeado a entrega em Portugal daquele produto estupefaciente, em quantidade que era inicialmente de 500kg, e seria depois quase todo transportado para outros países da Europa (facto 1.1);

-» Para a comercialização da cocaína e definição dos procedimentos a isso destinados, designadamente a sua passagem por Portugal e subsequente transporte para outros países na Europa, JJ fez deslocações a território nacional (facto 1.9);

-» Efectivamente os citados lideres da organização se deslocaram a Portugal, em 12.10.2020 e em Fevereiro de 2021 (conforme melhor concretizado nos factos provados em 1.10 e 1.11);

-» Depois da detenção daqueles a operação de entrega controlada em Portugal sofreu atrasos e foi retomada em meados de Abril, quando JJ (filho, com o nome de código "…”) em comunicações encriptadas para o telemóvel do agente LL, se apresentou, em lugar do pai, para a concretização da operação em Portugal (facto 1.14);

-» JJ (filho) comunicou então ao agente LL contacto da pessoa que viria a Portugal receber 144 pacotes de cocaína - … - nome de código do arguido AA, sendo os restantes 7 pacotes para entrega a investidores portugueses (facto provado em 1.15); e que

-» o arguido se deslocou a Portugal para execução do transporte dos 144,21 quilos de cocaína, que vieram a apreendidos, segundo plano traçado pela organização de JJ e KK (facto 1.50)

20. Resulta que o arguido AA praticou reiteradamente crimes de tráfico, subsumíveis ao art. 21.º do DL 15/93, com a amplitude típica que, ao nível objetivo e subjetivo, tal tipo-de-ilícito comporta, fazendo-o como membro de um bando, porquanto, nos termos concretamente dados como provados, actuou no local e nas circunstâncias de modo e tempo aí especificadas de comum acordo com indivíduos perfeitamente identificados no processo e nos factos provados, em conjugação de esforços, distribuindo tarefas entre si.

21. Da factualidade concretamente dada como provada e das ilações fáctico-conclusivas que a partir dela se impõe sejam extraídas, resulta que o arguido AA pertencia a um grupo, que os factos provados denominam de “organização”, liderada por JJ e KK, que se dedicava, de forma organizada, à venda de cocaína.

22. Também resulta que eram elementos do bando, com funções determinadas, o JJ (filho), a pessoa que deu ao arguido 40 mil euros em Lisboa e os agentes encobertos LL e MM (que embora se tenham introduzido na organização com o objectivo de descobrir e fazer punir os criminosos, na perspectiva do arguido e da análise objectiva dos factos por si levados a cabo eram seus “comparsas”).

23. Pelo exposto, deveria ter sido dado como provado que o arguido AA actuou também com a consciência de que participava num grupo que se dedicava à venda directa e reiterada de estupefacientes.

24. Quanto à medida da pena pretende-se que o arguido seja condenado pela prática do crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, punido com pena abstracta que vai dos 5 aos 15 anos de prisão.

25. No caso dos autos, como também foi adiantado no Acordão recorrido, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo, com a elevada danosidade social consequente, agravadas pela concreta natureza do produto a introduzir no mercado – cocaína – um dos estupefacientes amplamente conhecido pelo seu poder aditivo e incluído nas chamadas "drogas duras.

26. Mais estando nós perante tráfico internacional “criminalidade altamente organizada”, estão em causa exigências de segurança dos próprios Estados e dos seus cidadãos

27. Quanto ao grau de ilicitude e da culpa não é de aceitar que o arguido fosse um mero transportador.

28.De facto, ao arguido foram dados meios, como estadias em hotéis, dinheiro para pagar passagens aéreas, para alugar veículos e fazer deslocações, que implicam um grau de autonomia considerável.

29. Acresce que dos factos provados: de que o arguido se deslocou a … para ir buscar pelo menos 40 mil euros, que se destinaram ao pagamento de parte do transporte e despesas com a entrega da cocaína, e que esta tinha um valor de mercado superior a 50 milhões de euros, decorre de forma evidente que assumia um papel fundamental na organização e no sucesso do “negócio”, sem prejuízo da possibilidade de o transporte para os locais de efectivo destino poder vir a contar depois com outros intervenientes mais frágeis, o que não seria lógico acontecer naquele momento em que era necessário receber e conferir o valioso produto.

30. Daí podermos concluir que o arguido actuou com dolo directo e com grau de ilicitude e culpa muito elevado.

31. No que concerne às necessidades de prevenção especial temos que o arguido já foi condenado em penas de prisão por crimes de tráfico de estupefacientes praticados no estrangeiro.

32. Mais, o arguido não só não confessou os factos como no decurso de todo o julgamento se comportou de forma insultuosa com o Tribunal, havendo inclusivamente numa das sessões apelidado de “corrupto”, não demonstrando qualquer arrependimento pelos factos em que foi condenado.

33. Consideramos que o arguido deve ser condenado em pena não inferior a 12 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, conforme vinha acusado/pronunciado, p. e p. pelo art. 24.º, als. c) e j), do D.L. n.º 15/93.

34. Caso se entenda que não se verificam preenchidas as agravantes citadas, atentos factos acima referidos, quanto às necessidades de prevenção geral e especial enunciadas e elevada quantidade e qualidade da droga apreendida, pugnamos para que seja condenado em pena não inferior a 10 anos de prisão.”

Termina pedindo a condenação do arguido AA como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alíneas c) e j) do D.L. n.º 15/93, em pena não inferior a 12 anos de prisão, ou, subsidiariamente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, em pena não inferior a 10 anos de prisão

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- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelo arguido DD:

“1. O recorrente foi condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de droga, p.e.p. artigo 21º do dec-lei 15/93.

2. O recorrente não se conforma com a condenação sofrida.

3. O recorrente impugna a seguinte matéria de facto dada como provada no acórdão condenatório, nos pontos 1.53, 1.54, 1.55, 1.57, 1.68 e 1.71.

4. Impõe decisão diversa os depoimentos prestados em audiência de julgamento das testemunhas NN; Agente infiltrado “LL” e Inspector OO da PJ da Directoria de …, bem como as declarações prestadas pelo arguido DD, bem como a prova documental dos autos, nomeadamente o relato final da AE, informação da DEA de fls. 145, bem como informação da SS, e relatório social elaborado pela DGRSP.

5. Não se sugere Renovação da prova.

6. O recorrente impugna a conclusão do douto Tribunal, firmada no acórdão condenatório, de que a droga apreendida no veiculo … com a matricula …, se destinasse a si, em parte ou em todo, para posterior revenda a terceiros.

7. A prova produzida na audiência e discussão de julgamento, nomeadamente a prova testemunhal dos depoimentos de NN, Agente LL e OO, todos e em uníssono, relataram que o recorrente era um mero INTERMEDIÁRIO.

8. Tais depoimentos foram suportados pela informação prestada pela congénere Americana da PJ, a DEA a fls. 145 dos autos, e depois confirmada pelo Agente LL e também pelo NN, coordenador da Acção Encoberta, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento nos dias 18 de Janeiro de 2023 e 23 de Fevereiro de 2023, cujas passagens estão transcritas na Motivação de Recurso.

9. Destarte, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento é contrária ao afirmado no acórdão condenatório, constituindo assim, um vicio de erro notório na apreciação da prova do artigo 410º nº2 al. c) do CPP.

10. Não se diga sequer, que as transcrições das conversações realizadas por “apps” são suficientes para criar a convicção de que aquela droga era propriedade, em todo ou parte, do recorrente.

11. É que tais conversações, ainda que tidas como prova documental, são equiparadas a conversações telefónicas cuja valoração está sempre condicionada à sua verificação por outros meios probatórios, o que não sucede nos presentes autos.

Neste sentido o acórdão do STJ pelo Colendo Conselheiro Henriques Gaspar no douto acórdão com o nº 03P3213 de 07-01-2004.

12. O arguido DD tão somente um segurança para a transacção a realizar, o que corresponde às regras da experiência relativos a este tipo de

13. Mesmo que se entenda que o recorrente operou como intermediário, sempre se dirá, que não existe qualquer descrição de que como foi realizada essa intermediação.

14. Assim, entendemos com todo o devido respeito por opinião contrária, que se o interveniente que é segurança em termos profissionais, declara que eram essas as suas funções e nada havendo que coloque em crise tal afirmação, dever-se à dar como provado que o recorrente operou apenas como segurança da transacção ilícita.

15. Pelo exposto, dever-se-á alterar os pontos da matéria de facto dada como provada no acórdão, concluindo-se pela mera função de segurança nos encontros relatados em Janeiro e Abril de 2021.

16. O acórdão recorrido afasta a possibilidade da existência do agente provocador, alegando que o Agente LL, em momento algum instigou a realização ou prática de actos ilícitos.

17. Na verdade, a provocação ou a instigação do crime foi realizada pelo Agente colaborador da DEA e PJ de nome “MM”, porquanto foi este que ofereceu os “seus serviços” ao JJ para o transporte e armazenamento da droga para e em Portugal (dizemos nós),

18. Sendo que tal demonstração ficou por realizar uma vez que o douto Tribunal Colectivo indeferiu todos os requerimentos das Defesas no sentido de ouvir o testemunho do agente “ MM”.

19. O que constitui uma violação ao poder-dever do douto Tribunal ao abrigo do artigo 340º do CPP, para a descoberta da verdade material.

20. Ficou por saber como é que lhe foi proposto a realização de uma operação de transporte e armazenamento de meia tonelada de cocaína, se o mesmo tinha capacidade logística para tal, ou se foi o agente “MM” a utilizar os recursos da DEA para proveito próprio.

21. Foi o agente “MM” que em território nacional apresentou o agente LL ao JJ, no dia 4 de Fevereiro de 2021, em …, já a droga estava apreendida pela PJ em território nacional.

22. E sem qualquer razão compreensível para o cidadão comum, não se deteve o“chefe máximo” da alegada cúpula criminosa, para depois se optar pela detenção dos alegados transportadores/compradores/segurança.

23. Neste sentido o Depoimento da testemunha NN no dia 23/02/2023,conforme acta de audiência de julgamento com inicio pelas 9h55 e fim às 11h40, na passagem de 12:20 a 13:50.

24. Note-se que o “ir mais longe” na operação policial permitiu a detenção de 3 pessoas, sem qualquer ligação à “organização criminosa”, optando por não deter, nem o JJ, nem o seu filho que veio posteriormente a Portugal a mando do pai.

25. Ou seja, para o combate ao tráfico de droga não importava deter os cabecilhas de uma operação.

26. O que desvirtua as políticas de combate à criminalidade, não sendo compreensível sequer para o cidadão comum tal opção..

27. Repare-se que a opção policial de NÃO DETER O MAXIMO RESPONSÁVEL PELA IMPORTAÇÃO DA DROGA impede a defesa de trazer aos autos o testemunho ou declaração de quem podia testemunhar/declarar a existência da provocação ao crime.

28. Já a AE decorria há alguns meses e não era conhecida a intervenção de cidadãos portugueses.

29. Neste sentido o depoimento da testemunha NN no dia 23/02/2023, conforme acta de audiência de julgamento com inicio pelas 9h55 e fim às 11h40, com passagem ao minuto 13:05 a 14:06

30. Sendo certo que o nome do recorrente só é referenciado pela DEA à PJ já a droga estava na posse da DEA há mais de um mês e uns dias antes da droga chegar no voo da TAP a Portugal, pelo que nunca seria possível ao recorrente, mesmo que quisesse, ter tido intervenção na importação/armazenamento da droga para o nosso país.

31. O acórdão recorrido exclui a provocação ao crime por parte do agente LL nos factos, mas olvida o facto de ter sido este, com aval do coordenador NN, que facilitou o negócio da aquisição dos 7 kgs. de cocaína, como refere o douto acórdão recorrido na pág. 47

32. E se a recepção, transporte e armazenamento da droga, não foram determinantes para a alterar vontade do recorrente DD (porquanto a sua intervenção ocorre em momento posterior à recepção da droga pela DEA), já a facilitação do negócio pela redução do preço da droga é factor determinante para alterar a vontade dos seus intervenientes.

33. Neste sentido, estando a prática ilícita condicionada ao pagamento de um valor pecuniário que não foi alcançado em momento anterior pelos seus intervenientes, a aceitação de um valor em muito abaixo ao preço inicialmente pedido, é sem qualquer duvida, criar a condição para a resolução criminosa, e por conseguinte, induzir o interveniente à sua prática (de um crime) de que outra forma não lograria realizar.

34. Repare-se que o domínio do facto é exclusivamente da Policia Judiciária, pois foi quem, transportou, armazenou, realizou reuniões com a cúpula criminosa (JJ e JJ (filho)), com o recorrente e com outros co-arguidos, ultimando locais, preços e quantidades a entregar.

35. Portanto, a operação é realizada quase a 100% pela PJ, tendo inclusive determinado qual o preço que aquela droga valeria, condicionando os intervenientes, na oportunidade conseguida, pelo baixo valor a ser pago relativamente ao seu preço de mercado.

36. Neste sentido, a “facilitação” da PJ ao reduzir o preço solicitado pela droga a entregar, condicionou, alterou a vontade dos seus intervenientes, porquanto, não fosse a redução do preço da droga, o negócio não se realizaria, pelo menos, com estes cidadãos. (79.900 euros por 7kgs e 39.900 euros por 144kgs.!!)

37. O agente “LL” induziu à prática ilícita na entrega dessa droga por um valor muito abaixo do valor de mercado, criando a oportunidade do negócio, que de outra forma não seria possível realizar, constituindo-se tal actuação um método proibido de prova do artigo 126º do CPP, declarando-se nula, com todas as consequências daí inerentes.

38. O crime de tráfico de droga é um crime de perigo abstracto, cujo bem jurídico protegido é a saúde publica.

39. O douto acórdão refere que o “perigo” do crime de tráfico de droga é somente um crime de perigo pelo motivo da sua proibição, e não um elemento objectivo do seu tipo e como tal, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não perigo efectivo para o bem jurídico.

40. Discordamos de tal entendimento. Se assim se considerasse o crime de tráfico de droga, este deixaria de ser na sua génese um crime perigo.

41. E a sua conduta já é punida pela existência do perigo sem que se concretize a sua danosidade na saúde dos consumidores. É, portanto um crime de perigo abstracto.

42. O perigo é efectivamente um elemento do tipo, sendo certo que a conduta do agente é punida independentemente da existência de um perigo concreto para o bem jurídico protegido.

43. E tal entendimento subsiste pela natureza danosa do produto estupefaciente na saúde dos seus consumidores.

44. Ora, no caso dos autos, a “perigosidade” para o bem jurídico protegido apresenta-se de forma diferente à fundamentada no douto acórdão recorrido.

45. Porque, num exemplo ad absurdum, a imputação criminosa estender-se-ia ao agricultor que plantou a semente da planta da cocaína na América do sul, independentemente da planta se desenvolver e produzir ou não a substância psicotropica proibida.

46. Por outro lado, não obstante a perigosidade que a droga apresenta para o bem juridico protegido, no caso em apreço, a droga foi entregue à DEA ainda na … que posteriomente a entregou à PJ em … e a colocou num voo da … para Portugal.

47. A droga esteve sempre controlada e sob a protecção da policiai judiciária Portuguesa.

48. Em momento algum, a droga iria ser colocada no circuito comercial, pelo que o perigo para a saúde publica deixou de subsistir.

49. Podemos alegar que o crime de tráfico de droga é um crime exaurido ou de empreendimento, podemos até alegar que o perigo apenas é motivado pela sua proibição, mas não podemos alegar que a saúde pública alguma vez esteve em risco, porque se assim sucedesse, a passagem daquela droga por território americano, consumaria o crime naquele país e originaria um problema de competência internacional.

50. E se a passagem e permanência da droga nos Estados Unidos da America sob a égide da DEA durante quase um mês, não consomou a prática do crime por ofensa ao bem jurídico protegido, muito menos em Portugal terá ofendido a saúde pública dos consumidores de cocaína.

51. Pelo exposto entendemos que a actuação da Policia Judiciária em colaboração com a DEA no transporte e armazenamento da droga para Portugal permite concluir pela falta do preenchimento objectivo do tipo legal do crime, uma vez que o bem jurídico saúde publica esteve sempre protegido, e desta forma, não existindo a prática do delito.

52. Se ainda assim se não entender, dever-se-à atenuar a culpa porquanto a intensidade desse perigo é reduzida face ao controlo total da polícia sobre a droga apreendida.

53. A condenação de 7 (sete) anos de prisão pelo cometimento do crime de tráfico de droga, p.e.p artigo 21º do dec-lei 15/93, excede a sua culpa.

54. Reiteramos a fundamentação acima expendida para o vicio do erro notório na apreciação da prova no acórdão recorrido quando afirma que a droga apreendida era sua para revenda a terceiros.

55. Reiteramos que não existem elementos probatórios nos autos capazes de sustentar tal conclusão, como acima explanado.

56. Destarte, a participação do recorrente não é sofisticada, complexa e muito menos organizada que justifique a dosimetria de 7 anos de prisão.

57. O recorrente não tinha qualquer capacidade económica para investir na aquisição e transporte de 7kg de cocaína, mesmo que hipoteticamente se considerasse ser tal “investimento” a dividir com terceiros.

58. Dos elementos probatórios recolhidos, nomeadamente pelas vigilâncias, escutas telefónicas e apreensões, resulta a total ausência de capacidade financeira para aderir a tal desiderato.

59. Por outro lado, a ausência de antecedentes criminais, as habilitações literárias, e as actividades profissionais desenvolvidas retratam um cidadão que viveu toda a sua vida de acordo com os ditames da sociedade.

60. Pelo que dever-se-à considerar a elevada limitação do recorrente no domínio do facto criminoso.

61. Se se entender que a actividade desenvolvida pelo recorrente de menor perigo para o bem jurídico protegido numa participação com elevada limitação do domínio do facto, de um produto ilícito que não era seu, nem viria a ser seu, a medida da pena, reiteramos, excede a sua culpa.”

Termina pedindo a reabertura da audiência de julgamento para audição do agente, ou, subsidiariamente, a anulação de todo o processado por recurso a método proibido de prova, ou, subsidiariamente, a declaração de não preenchimento do elemento objetivo do tipo por ausência de qualquer perigo para o bem jurídico protegido, ou ainda, subsidiariamente, a atenuação da culpa pela menor intensidade desse perigo com a condenação do recorrente em pena não superior a 5 anos de prisão.

*

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelo arguido GG (1):

“I. Acórdão condenatório deverá ser revogado pois resulta de:

A) Falta de apreciação critica do facto assente de sempre ter sido omitido aos autos – designadamente em sede de INSTRUÇÂO – podendo ter originado um decisao diferente do Meretissimo JIC – que existiu uma acção encoberta/provocatária do ilícito;

B) Erro notório na apreciação da prova resultando num erro na subsunção jurídica que resulta de ser dado como assente que os arguidos podiam ter o domínio do facto ilícito, quando resulta assente da prova produzida que o produto estupefaciente foi trazido para Portugal pela DEA, apos adquirido por esta na Holanda, e em Portugal esteve sempre controlada e na posse quer da DEA quer da PJ, sendo sempre impossível que o arguido GG pudesse praticar qualquer facto ilícito.

C) Não ter sido realizada uma diligência considerada fundamental à descoberta da verdade, conforme foi requerido pela Defesa e que sobre o mesmo o Tribunal não se pronunciou, constituindo entre outras violação do artigo 32º da CRP, concretamente:

- Reconstituição do momento da detenção incluindo o momento em que o agente “PP” ainda está presente;

- Inspecção judicial do local onde o agente “PP” estava a residir, conforme RDE junto aos autos.

D) Medida da Pena e pena desproporcional e desadequada;

Podendo concluir-se, que este Recurso é sobre matéria de Facto e de Direito, por força do disposto nos artigos 410 e 412.º número 3 e do princípio consignado no artigo 428.º ambos do Código do Processo Penal.

II. DO AGENTE PROVOCADOR/NULIDADE DO PROCESSO

1. DESDE O INICO que se procurou aferir da legalidade da prova obtida nos presentes autos

2. Designadamente a existência de um agente infiltrado ou agente provocador. Como se veio a verificar.

3. Infelizmente apenas apos várias sessões de julgamento decorridas. E como quem não deve não teme, as regras de experiência comum dizem que, não estamos perante uma acção encoberta – nada impedia a sua divulgação face aos resultados já obtidos – mas sim perante um agente provocador

4. Algo que face a prova testemunhal proferida em julgamento e dir-se-á os próprios factos dados por assentes na sentença o comprovam – embora o tribunal a quo tenha tirado conclusão diferente e por isso se recorre – que estamos perante um agente provocador.

5 Acórdão do TRL de 29-11-2006, proc. 9060/2006-3 – “O agente provocador cria o próprio crime e o próprio criminoso, porque induz o suspeito à prática de actos ilícitos, instigando-o e alimentando o crime, agindo, nomeadamente, como comprador ou fornecedor de bens ou serviços ilícitos.”

6. Acórdão do TRL 29-11-2006, proc. n.º 9060/2006-3 – “Se a transacção de droga foi desencadeada/determinada pela PJ, tendo sido utilizado agente provocador, a prova obtida é nula, por inadmissível, por ter sido utilizado meio enganoso, proibido por lei, já que afecta a liberdade de vontade ou de decisão dos arguidos em causa.”

7. Foi o agente provocador quem desencadeou e determinou a transação de droga

8. Nos termos do artigo 125.º do Código de Processo Penal: “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” O que é o caso. A prova é legalmente inadmissível.

9. A atividade do agente provocador não pode deixar de ser considerada ilícita e, por isso, as provas assim obtidas são provas proibidas, por inadmissíveis.

10. Conforme defende o professor Manuel da Costa Andrade, na sua obra “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, e o Professor Germano Marques da Silva, na sua obra “Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos”, in Direito e Justiça, F.D.U. Católica, Vol. VIII, 1994, pág. 29.

11. No caso em concreto, o agente provocador este não se limitou a obter a confiança dos alegados suspeitos para conseguir ter acesso às informações, planos, confidências.

12 Mas limitou-se a precipitar o crime, sendo que o instigou, induzindo-o e aparecendo como fornecedor… Estamos, assim, claramente perante agente provocador!

13 A inadmissibilidade da prova obtida por agente provocador Ora, é inquestionável a inadmissibilidade da prova obtida por agente provocador, pois seria imoral que, num Estado de Direito, se fosse punir aquele que um agente estadual induziu ou instigou a delinquir. Uma tal desonestidade seria de todo incompatível com o que, num Estado de Direito, se espera que seja o comportamento das autoridades e agentes da justiça penal, que deve pautar-se pelas regras gerais da ética. vide LOURENÇO MARTINS [(Droga. Prevenção e Tratamento. Combate ao Tráfico, Coimbra,1984, página 154)].

14 Neste sentido e se se verificar a existência de agente provocador, as provas obtidas são NULAS e consequentemente, não podem ser utilizadas, nos termos dos artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal e artigo 32º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa.

15. Face ao exposto, vem requerer-se, respeitosamente, a V. Exas Venerandos Desembargadores que: Se dignem a ordenar e declarar NULO todo o processado, por violação das regras de produção de prova, designadamente do principio da legalidade e, em conformidade, decida revogar a Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de … e profiram Acordão que ordene o Arquivamento e, consequentemente, absolver o arguido GG, por a sua condenação ter tido como base prova NULA por ilegal, não obedecendo aos requisitos – nem ter tido sequer validação de juiz de instrução – da acção encoberta.

Assim se repondo a JUSTIÇA

16. DO DIREITO Acórdão do TRL de 29-11-2006, proc. 9060/2006-3 “O agente infiltrado, por sua vez, através da sua actuação limita-se, apenas, a obter a confiança do(s) suspeito(s), tornando-se aparentemente num deles para, desta forma, ter acesso a informações, planos, processos, confidências... que, de acordo com o seu plano constituirão as provas necessárias à condenação.”

Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 101/2001, de 25 de Agosto: “3 - A realização de uma acção encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.”

17 DA INEXISTENCIA DO PROCESSO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A ATIVIDADE DO AGENTE INFILTRADO No caso concreto, não existe junto ao processo qualquer pedido de autorização ou validação de Juiz de Instrução que permita a realização de uma ação encoberta.

18. Acórdão do TC nº 578/98 – “O que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade – da intervenção do agente infiltrado – é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e acolher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária.

Face ao exposto, vem requerer-se, respeitosamente, a V. Exas Venerandos Desembargadores que: Se dignem a ordenar e declarar NULO todo o processado, por violação das regras de produção de prova, designadamente do principio da legalidade e, em conformidade, decida revogar a Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de … e profiram Acordão que ordene o Arquivamento e, consequentemente, absolver o arguido GG, por a sua condenação ter tido como base prova NULA por ilegal, não obedecendo aos requisitos – nem ter tido sequer validação de juiz de instrução – da acção encoberta.

III. DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES

19 O crime de tráfico de estupefacientes agravado, encontra-se previsto nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º al. c), f) e j) do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma.

20 Transcrevendo o n.º 1 do artigo 21.º: Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

21 No caso concreto, desde já se diga, que o arguido GG não deteve qualquer domínio do facto, não tomou qualquer decisão e não executou qualquer plano.

22 Não tirando o Acordão ora recorrido qualquer conclusão para o facto de a PJ/MP ter omitido a existência de uma “acção encoberta”, pese embora de por assente que essa informação foi omitida aos autos quase ate finalizar o julgamento – ou seja, dá por assente que foi, inclusivamente, omitida em sede de Instrução -, mas o acordão ao nao tirar qualquer conclusão do mesmo, pese embora resulte do texto da decisão recorrida,

23 Em nosso entender existe: NULIDADE DO ACÓRDÃO & ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

24 O Acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto: Na alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, por não conter todas as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal (doravante abreviadamente CPP); Na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal.

25 E resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal. O qual resulta claramente do texto da decisão ora recorrida, como se refere o facto assente n.º 70 entra em manifesta contradição com a decisão de que os arguidos (em conjunto) se iam apropriar do produto estupefaciente.

IV. A. DA NULIDADE DA DECISÃO POR OMISSÃO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA

26 O arguido ora Recorrente, requereu: A reconstituição do momento da detenção ou a inspeção judicial do local, de forma a provar que quem o contactou foi um terceiro, quem foi ter com eles foi um terceiro, quem tomou a iniciativa foi um terceiro, quem abriu a mala do carro foi um terceiro, e perceber o posicionamento dos agentes da Policia Judiciaria e da DEA no terreno.

27 O esclarecimento destes factos não integra qualquer uma das alíneas do nº4 do artigo 340º do CPP.

28 Ao invés, os referidos esclarecimentos são relevantes e fundamentais para a descoberta da verdade material.

29 Principalmente quando subsiste uma duvida insanável, porquanto: Foram praticados atos tendentes a que os arguidos tomassem determinada atitude por parte do agente provocador/encoberto

Ou estes tiverem o domínio do facto? Sabemos que não. Mas parece que o tribunal não teve essa convicção.

31 E assim sendo, a reconstituição do momento permitiria concluir com rigor jurídico o momento e local de cada um dos arguidos, e do agente provocador, bem como todos os atos praticados por este afim de aferir se estamos perante um agente provocador ou uma acção encoberta, como veio posteriormente – quase em final de julgamento – defender a PJ/MP

32 No entanto, o tribunal não o fez, relegou para final a sua apreciação e afinal não fez qualquer referencia na sentença.

DIREITO VIOLADO O que constitui uma violação dos Direitos de Defesa do arguido, concretamente do artigo 32º da CRP Declaração de inconstitucionalidade que se requer seja declarada.

33

DA NULIDADE Face a omissão de uma diligencia que se revelava fundamental para a descoberta da verdade deve ser declarada Nula a sentença e ordenado a reabertura da audiência de discussão e julgamento e produção da respectiva prova requerida.

O que se requer

34 DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO Dando por integralmente reproduzido tudo o supra alegado ainda se dirá que:

Ao não ordenar a realização da diligencia de prova; Ao não evocar que esclarecimento pretendidos integra qualquer uma das alíneas do nº4 do artigo 340º do CPP.

Ao não a referir – nem que fosse para indeferir – na sentença ora recorrida

35 Violou o Tribunal a quo o dever de fundamentação da sentença, com as devidas consequências legais, concretamente a NULIDADE da decisão.

Devendo ser declarada NULA a sentença e ordenada produção de prova requerida, ou se entender o mesmo não ter relevância o que por mera cautela de patrocínio se admite, que o mesmo seja dito e porque, sendo produzida nova sentença

36 DO DIREITO VIOLADO No caso concreto estamos perante o vício de nulidade da sentença - por deficiente fundamentação da matéria de facto art. 374º, nº2 e 379º, nº 1 alinea a) do Código de Processo Penal, dado que nada foi dito sobre a diligencia de prova requerida pelo arguido e reputada por fundamental.

37 Violou, ainda, o artigo 355.º do Código de Processo Penal, norma com duplo sentido: Pois uma vez produzida ou examinada em audiência, essa (toda a) prova deva ser considerada na sentença.

Mas impõe que, não que se valore prova não examinada em audiência.

38 E da leitura a contrario resulta, em nosso entender, se a prova não foi produzida por omissão do Tribunal sempre terá de prevalecer o principio do In dúbio pro reo

39 Vide a este propósito Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, Relator: VASQUES OSÓRIO, de 18/01/2011

Vejamos, igualmente, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 220/09.2GAGLG.E1, Relator: ANA BARATA BRITO, de 06/11/2012 (disponível in www.dgsi.pt)

EM RESUMO: Nunca deixando de apreciar a prova em defesa do mesmo requerida e que, poderá, confirmar a sua versão.

40 Deveria o Tribunal a quo ter tido presente o princípio “in dúbio pro Reo”, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido.

41 Face ao exposto – contradição entre os depoimentos dos pode-se concluir que no caso em apreço existem sérias dúvidas quanto à que estamos perante uma ACÇÂO ENCOBERTA ou de AGENTE PROVOCADOR, se os arguido diz que houve provocação e o agente provocador/infiltrado – que se desconhece quem seja diz que não.

QUEM NÃO DEVE NÃO TEME

A) Porque a PJ/MP negou ate quase final do julgamento a existência de uma acção encoberta, se estava tão segura da legalidade da mesma?

B) Porque prejudicou deliberadamente os direitos dos arguidos – com violação clara e obkectiva dos direitos de defesa previstos no artigo 32º da CRP – permitindo que os requerimentos de Abertura de instrução fossem feitos sem conhecimento dos factos concretos?

C) Porque foi induzido deliberadamente em erro o Meritíssimo Juiz de Instrução de …? Omitindo factos e documentação fundamental à descoberta da verdade. Receio da apreciação jurídica do Meretissimo Juiz de que era uma acção provocada?

D) Onde esta até hoje o Despacho Judicial a autorizar a acção Encoberta validada por um Juiz? Desconhecemos

42 Pelo que tais factos e regras de experiencia comum de que: QUEM NÃO DEVE NÃO TEME não poderão ser imputados ao arguido por força do princípio “in dúbio pro Reo”, e consequentemente dever-se-á concluir que o motivo porque se induziu em erro o Meretisssimo Juiz de Instrução, porque se omitiu informação ao Colectivo de …, porque vários inspectores da PJ mentiram em sede de Julgamento, foi porque foi não uma acção encoberta mas teve uma agente provocador.

43 Requerendo a V.Exas Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de ÉVORA que declarem inconstitucional, por violação do artigo 32º do CRP a decisão de que na duvida entre as afirmações do arguido e das forças policiais sobre o animus do arguido prevalece a afirmação das forças policiais, mesmo sem recurso a prova requerida pelo arguido

Nestes termos e sempre sem olvidar o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve e pode ser revogado a Sentença ora recorrida, substituindo-se essa por outra que determine a inconstitucionalidade da sentença proferida nos presentes, por violação nao só do principio do in dubio pro reo, mas também do art. 32º da CRP

44 Concluindo que é a interpretação, sufragada pela Veneranda Relação, dos artigos 122.º, n.º 1, do CPP conjugada com o artigo 126.º n.º 1 e n.º 3 do CPP, valorando declarações que não tenham natureza confessória e sejam colocadas em crise, constitui uma interpretação Inconstitucional, face ao estatuído nas normas ínsitas nos artigos 32.º nºs 1 e 8 e 34.º nºs 1 e 4 da CRP

DA VIOLAÇÃO DO PRINCíPIO DO IN DUBIO PRO REO Dando por integralmente reproduzido tudo o anteriormente alegado, ainda se dirá que existe uma duvida insanavel, e

45 Não será tudo o que já foi dito nestas humildes motivações, mais que suficiente para criar um mínimo de estado de dúvida, mais que razoável, no espírito do julgador?

46 Houve ou nao um agente provocador? Foi a droga adquirida pela DEA, por ela transportada para Portugal, com objectivo de prender determinados indivíduos que nada tinham que ver com o arguido GG? Esteve esse produto estupefaciente sempre no domínio da DEA e da PJ e do seu agente provocador? Nunca foi dado conhecimento do mesmo ate quase final do julgamento? QUEM NÃO DEVE NA TEME? Reafirmamos que sim

47 E assim sendo deve ser revogado a sentença proferia e substituida por acordao que absolva o arguido GG, ou assim nao entendendo, ordenada a produção da prova requerida ou analisado criticamente as questões colocadas – segundo as regras de experiencia comum – concluindo-se que houve um agente provocador e (ou) que a acção encoberta não reuniu todos os pressupostos legais para a sua validade e proferindo-se nova decisão em conformidade, como é de ELEMENTAR JUSTIÇA

DO DIREITO VIOLADO Art. 127 do CPP; Art. 24 CPP; Artigo 340 CPP

VI. DA PENA CONCRETAMENTE APLICADA

DA DECISAO PROFERIDA RESULTOU ASSENTE: O arguido GG tem 41 anos, e nacionalidade …, é natural de …l onde decorreu o seu processo de crescimento e desenvolvimento integrado no agregado familiar de origem, composto pelos pais e três irmãos.

Integrados no bairro …, em …, um bairro com vários problemas de exclusão social mas também com um forte espírito comunitário, os pais procuraram transmitir aos seus descendentes os valores prevalecentes na sociedade em geral.

O arguido vivia num ambiente intrafamiliar positivo e gratificante.

Sem problemáticas relevantes na família sendo detentores de uma situação económica estável. O pai era empreiteiro da construção civil e a mãe trabalhava como empregada doméstica em casas particulares.

GG frequentava a escola e nos tempos livres frequentava o Centro Comunitário, ACM (Associação Cristã da Mocidade)/ Ymca de …. Aos 21 anos de idade, tendo concluído o 11º ano de escolaridade. GG iniciou o seu percurso profissional como operário fabril, que desempenhou durante seis meses, passando depois a trabalhar com o pai como servente de pedreiro.

Durante esse período, frequentou um curso de formação profissional de animação sociocultural, através elo lEFP, que lhe proporcionou um, estágio profissional no centro comunitário referido anteriormente.: um curso de mediação sociocultural na ACVS - Associação Caboverdiana de …. O arguido iniciou consumos de haxixe cerca dos 17 anos de idade, normalmente aos fins de semana em contexto de convívio com o grupo de pares. A partir dos 21 anos começou a consumir cocaína no mesmo tipo de contexto, comportamento que manteve até aos 24 anos, idade em que foi preso pela primeira vez ... À data dos ... factos ... GG vivia com o cônjuge, com quem iniciou relação afetiva há cerca de oito anos e contraiu matrimónio em 2019. Deste relacionamento tem dois filhos, o mais velho de seis anos e a mais nova de dezasseis meses de idade. O casal adquiriu uma habitação mediante empréstimo bancário, negócio que se veio a concretizar já durante a presente reclusão .... A situação económica do agregado é descrita como bastante estável, assente nos rendimentos auferidos pelo arguido, enquanto proprietário de um bar em … - … - e pelo cônjuge, enquanto assistente de bordo e terapeuta, por conta própria .... para além da sua atividade no bar, vendia alguns carros ... Não são atribuídos ao arguido consumos de substâncias estupefacientes além ... de bebidas alcoólicas pontualmente em contexto de convívio social.

GG ... mantinha um estilo de vida estruturado, centrado na atividade laboral e na via familiar ... evidencia uma postura adequada, cordial e um temperamento calmo bem como capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende corno adequadas e vantajosas para si, recursos pessoais que lhe permitem utilizar um discurso consonante com a adequação social. Evidenciando uma estrutura familiar coesa, a companheira bem como os restantes familiares revelam-se incondicionalmente disponivels para continuar a apoiar o arguido, durante e após a reclusão ... deu entrada no Estabelecimento Prisional de … em 06/08/2021 vindo transferido do Estabelecimento Prisional de …, onde deu entrada em 21/04/2021. Encontra-se à ordem dos presentes autos não sendo conhecidos processos pendentes... Em termos institucionais, GG tem mantido uma postura adaptada evidenciando boa capacidade de integração e adaptação. Em termos disciplinares, não regista infrações. Não se encontra integrado em qualquer atividade formativa ou laboral dedicando o seu tempo ao convívio com os outros reclusos e ginásio. Continua a beneficiar do suporte por parte da família recebendo visitas regulares dos pais, irmãos, cônjuge, cunhados e amigos.

Atentos à matéria de facto dada como provada, - concretamente aos factos apurados nos n.ºs 70 e 101, entendemos que a pena aplicada ao arguido GG, é inadequada quer por ser excessiva tout court quer por não ter o domínio dos factos, reafirma o produto estupefaciente esteves sempre na posse e domínio da DEA inicialmente e depois da Polícia Judiciária, confrontados com uma tentativa impossível de colaborar na aquisição de produtos estupefacientes

No máximo deveria ter pena, de cinco (5) anos.

Admitindo, inclusivamente, a Suspensao na sua Execução, face a prova testemunhal produzida e face ao Relatorio Social junto aos autos

De acordo com os artigo 40º e 71º, 77º n.º 1 do Código Penal (doravante CP).

Devia o Tribunal a quo ter assumido a particular relevância das suas condições sociais, económicas e pessoais do arguido que denotam integração a nível social e familiar, e mesmo a nível laboral a situação profissional do Arguido, ilações que se retiram do relatório social do Arguido e e da prova testemunhal produzida.

Refira-se que o Arguido não registou quaisquer incidentes disciplinares em contexto prisional e manteve a adequação comportamental e a observância das regras institucionais.

Da mesma forma, milita a favor do Réu que este vivia socialmente enquadrado e apoiado família, como foi revelado em todas e muitas que foram sessões de julgamento a família e amigos estiveram sempre presentes

Estes factos põem em causa qualquer convicção de que o Réu possa exercer qualquer tipo de atividade delirante.

Isso, certamente, desde o início, atenua significativamente as exigências de prevenção do caso concreto.

Assim, será necessário ponderar no cálculo da aplicação de uma pena justa e moralmente aceitável para a sociedade, mas, ao mesmo tempo, que permita ao arguido ter uma segunda oportunidade na sua vida. Segunda oportunidade para ele e para os seus filhos.

Além disso, foi afirmado E DADO COMO ASSENTE que o arguido ora recorrente nunca teve em qualquer momento o domínio do facto

O que deveria ter sido ponderado em sede de decisão e não foi.

Veja- se Sessão de julgamento do dia 13/05/2022 TESTEMUNHA – QQ Ficheiro áudio n.º 20220513120848, reproduzido na Motivação

E

Sessão de Julgamento do dia 13/05/2022

TESTEMUNHA – RR Início do depoimento testemunha RR. Ficheiro áudio n.º 20220513121857

Determinação da Pena: Enquadrada desta forma – conforme exposto na motivação supra a conduta do arguidos cumpre determinar a pena concreta a aplicar dentro das molduras abstractas previstas na lei, o que se fará, tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade - nos termos do art. 40°/1 do CP - em função das exigências de prevenção de futuros crimes - nos termos do art. 71 ° do CP - e,

Tendo a culpa do arguido por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º/2 do CP.

Relativamente ao arguido GG são várias as circunstancias justificativa da atenuação da pena, além das elencadas no art. 72° do CP,

7. Nunca teve qualquer domínio do facto ilícito;

8. Os contactos de que resultaram agendamentos com o agente provocador nunca foram efectuados por si mas pelos outros arguidos;

9. Conforme resulta assente por provado no Despacho de pronuncia que aqui se dá por integralmente reproduzido, não era o destinatário do produto estupefaciente; Ou seja, conforme resulta do despacho de pronuncia estamos a falar no máximo do que vulgarmente se designa por “mula”;

10. A droga nunca chegaria aos consumidores, porque alem de NUNCA SE TER DESTINADO A ESSE FIM, foi adquirida pela DEA, guardada pela DEA transportada pela DEA e posteriormente pela PJ (que se recusou a identificar se a guardou – como exigem as regras legais nos armazéns da PJ – ou noutro local;

11. E só existiram contactos em … e no dia da detenção porque o agente provocador assim o determinou e instigou.

12. MAIS IMPORTANTE AINDA: O Relatório Social do arguido junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido e os depoimentos de QQ e RR aqui reproduzidos para todos os efeitos legais.

Por tudo isto, salvo o devido respeito, deveria e impunha-se ao tribunal a quo aferir e formar um juízo de prognose favorável, sendo de acreditar e confiar que, atenta a personalidade do recorrente, e a sua inserção social, laboral e familiar, adote um comportamento futuro, respeitador e responsável.

Neste sentido, uma pena que lhe permita a sua ressocialização e não que o segregue tanto a nível laboral como social e familiar, como é certamente o desiderato a considerar na medida concreta da pena conforme se extrai do artigo 71.º do CP.

Neste âmbito, o Tribunal a quo negando o direito fundamental do Recorrente à liberdade, violou o principio da necessidade da pena.

Deste modo, não se afere das considerações do Tribunal a quo correcta consideração de valor sobre a utilidade da pena efectiva e pela não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no artigo 50.º do C.P.

Consideramos que a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão tem um valor tão ou mais eficaz e constitui um meio de reacção penal, obviamente, menos oneroso para os direitos e liberdades do Recorrente e até da comunidade.

Como expressa a doutrina de Fernanda Palma in Direito Penal Parte Geral, ed. AAFDL a culpa é deduzida da essencial dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade artigos 1.º e 27.º da Constituição,

A pena de prisão efectiva cominando na privação da liberdade do recorrente resulta da realização de uma conduta lesiva IMPOSSIVEL e que no caso concreto acabou por nem sequer se verificar,

CONDUTA LESIVA QUE SEMPRE FOI IMPOSSIVEL DE CONCRETIZAR

Neste sentido, deverá ser aplicada uma pena não superior a cinco (5) anos.

REQUERENDO que seja suspensa na sua execução de acordo com o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso que nos guia na norma do artigo 50.º n.º 1 e n.º 2 do CP

SUJEITA EM REGIME DE PROVA E COM CONDIÇOES DE O MESMO CONTINUAR A PRESTAR O APOIO SOCIAL AOS MAIS DESFAVORECIDOS.

Nestes termos e nos melhores de Direito e com o Mui Douto suprimento de V. Exas., de que se não prescinde, reapreciada a prova e a sentença proferida - Deverá julgar-se o recurso procedente e, em consequência, absolver-se o recorrente do crime que lhe vem imputado; - Deverá ser revogada a sentença e absolvido o arguido por da análise da sentença – e dos autos – resultar claro a inexistência de validação do juiz de instrução da acção encoberta, e que a mesma foi omitida e negada quase ate quase ao final do julgamento. Quem não deve não teme. Esta negação de acordo com as regras de experiencia comum só pode resultar de não estramos perante uma acção encoberta mas de um agente provocador ou, no mínimo, de uma acção encoberta que não reuniu todos os requisitos legais para ser considerada como tal. O QUE AFIRMAMOS. Não reúne os requisitos legais para ser considerada acção encoberta, por ter sido sempre o agente provocador a ter o domínio do facto ilícito. Consequentemente, deverá a prova junta aos autos ser considerada NULA por ilegal, com as devidas consequências legais; - Assim não se entendendo, deve revogar-se a sentença proferida por Nulidade da mesma em virtude de ter remetido para decisão final a apreciação de uma diligencia de prova fundamental a descoberta da verdade e até ter omitido a mesma na apreciação critica da prova. Face ao exposto, deve ordenar-se a produção da prova requerida pela defesa ou se o tribunal a quo entender que a mesma não é relevante, deverá, pelo menos, menciona-lo na decisão; - Respeitosamente ainda se requer que, de acordo com o princípio da proporcionalidade e adequação, seja substancialmente reduzida a pena aplicada ao arguido GG.”

Termina pedindo a declaração de nulidade da prova e do acórdão recorrido, com a absolvição do recorrente ou, subsidiariamente, a redução da pena aplicada.

*

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelo arguido AA:

“1. O presente Recurso tem por Objecto e circunscreve-se:

−À Nulidade do Acórdão Recorrido por Falta de Exame Critico da Prova;

−À Omissão de Pronúncia no Acórdão Recorrido quanto à Contestação apresentada pelo Recorrente para julgamento.

−Ao Erro de Julgamento da Matéria de Facto submetida a apreciação do Tribunal a quo;

−À Insuficiência da Prova produzida em Audiência de Julgamento, bem assim, como daquela que se encontra entranhada nos Autos para a Decisão da Matéria de Facto Provada vertida no Acórdão Recorrido;

−À Existência da Provocação ao Crime e Domínio Funcional do Facto pelo Agente Encoberto e seu Colaborador;

−À Inexistência da Violação do Bem Jurídico “Saúde Pública”;

−Ao Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crime de Tráfico de Estupefacientes e Violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes;

−À Inconstitucionalidade da Norma constante do Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada pelo Tribunal a quo no Acórdão Recorrido; e,

−Ao exacerbado quantum da Medida da Pena aplicada ao Recorrente.

2. Nulidade do Acórdão Recorrido por Falta de Exame Crítico da Prova

2.1 Escrutinado o teor do Acórdão Recorrido constata-se que essa Decisão do Tribunal a quo padece de Falta de Fundamentação.

2.2 Tendo em conta o teor do Acórdão Recorrido, impõe-se afirmar, o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico da Prova em termos minimamente aceitáveis.

2.3 O Tribunal a quo refere nas páginas 20 a 72 do Acórdão Recorrido (discorrendo sobre) as Provas relativamente às quais lançou mão para dar como provada a matéria de facto onde alavancou a condenação do Recorrente AA.

2.4 Nessa parte do Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo, refere que para dar como provada essa factualidade socorreu-se dos Depoimentos das Testemunhas indicadas na Acusação/Despacho de Pronúncia, arroladas com as Contestações e advindas da Produção de Prova em Julgamento, dos Relatórios de Diligência Externa, Autos de Vigilância, Informações da DEA e PJ, do Relato Final da Acção Encoberta, de alguns Apensos constantes dos Autos, dos Relatórios Sociais e dos Certificados de Registos Criminais dos Arguidos.

2.5 No resto dá sinais de ter esquecido que o Recorrente AA apresentou Contestação para Julgamento onde, além do demais, aduziu Documentação e indicou Testemunhas que suportaram (por completo afirme-se sem medo) aquilo que vazou nessa peça processual, contraditando de forma directa e objectiva o que havia sido descrito no Despacho de Acusação.

2.6 Da mesma forma como esquece de descrever quer o raciocínio que subjaz aos factos dados por provados, quer as provas que suportam cada um dos pontos dessa factualidade, quer, ainda, a razão lógica (raciocínio) dos dados por não assentes (provados).

2.7 Desconhece-se em absoluto - por de lá não resultar - quais foram as Provas entranhadas no Processo ou produzidas em Julgamento que, em entendimento do Colectivo, servem para atestar/estribar cada um dos pontos do Acórdão Recorrido que foram dados por provados pelo Tribunal a quo.

2.8 No que respeita à Prova Testemunhal o Tribunal a quo limitou-se a citar alguns trechos dos depoimentos das Testemunhas, mesmo quando algumas dessas partes dos depoimentos são contraditadas (ainda que sob a justificação do Tribunal a quo se tratar de lapsos advenientes da passagem do tempo pela memória dos Inspectores da Polícia Judiciária…) por outros Depoimentos de Testemunhas e Declarações dos Arguidos no Processo e Prova de outra natureza como a Documental e a Pericial.

2.9 O Tribunal a quo, a bem de ver, limitou-se a dar como provados determinados factos (vá-se lá saber por que razão ou motivo) enunciando de forma global e abstracta, relativamente a alguma dessa factualidade (a que lhe apeteceu), qual a Prova de que se terá socorrido para dar como demonstrados esses factos ignorando (injustificadamente, e) por completo a fundamentação probatória das remanescentes factualidades que considerou assentes (provadas), que, diga-se, é a sua quase totalidade.

2.10 Não especificando, nomeadamente, quanto aos poucos factos que o fez, o motivo pelo qual, em termos minimamente lógicos, essa Prova (ou princípio dela) difere, contraditando-a ou atestando-a, da restante.

2.11 Certo é que se impunha, em vista do exame crítico das Provas a que se refere a última parte do N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal, que se explicitasse de modo concreto e objectivo, designadamente, as razões que levaram o Tribunal a quo a não considerar, e porquê, as Declarações do Recorrente e seus Co-Arguidos, bem assim, como a considerar mais relevante o Depoimento do Agente Encoberto e seu Colaborador do que todas as demais inquiridas no decurso do Processo e ouvidas em Audiência de Julgamento.

2.12 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado no N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do N.º 1 do Artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de Nulidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes.

3. Omissão de Pronúncia sobre a Contestação apresentada para Julgamento

3.1 O Recorrente AA apresentou tempestivamente Contestação onde contraditou cada um dos factos de que estava acusado (pronunciado) e, para suporte desse arrazoado, aduziu Prova Documental e Testemunhal que não se descortina no teor do Acórdão Recorrido haver sido de que forma fosse crivada, analisada ou apurada judicialmente pelo Tribunal a quo.

3.2 Cumpre dizer, os factos que são alegados pelo Arguido na Contestação merecem tratamento jurídico igual às factualidades imputadas a este no Despacho de Acusação e/ou Pronúncia.

3.3 O mesmo será afirmar, o Tribunal tem de descrever no Acórdão que prolata todos os factos alegados pelos Arguidos e dar-lhes o mesmo tratamento que destinou àqueloutros imputados na Acusação e/ou Pronúncia.

3.4 Ora, no caso do Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo, para lá do resumo inicial, não lhe destinou uma sequer linha do seu teor à Contestação apresentada pelo Recorrente AA ou tão pouco, diga-se a bem da verdade, de qualquer um dos seus Co-Arguidos.

3.5 Esta omissão de pronúncia relativamente aos factos que o Recorrente AA densificou e bem concretizou na sua Contestação vislumbra-se inadmissível por violação dos Princípios da Igualdade entre Defesa e Acusação e da Legalidade Processual.

3.6 Impunha-se que o Tribunal a quo, em face da Prova entranhada no Processo e da que se produziu em Julgamento, escrutinasse cada factualidade invocada pelo Recorrente na Contestação e aclarasse de modo explicito e directo as razões e/ou motivos pelos quais devia ou não considerar tais factos provados ou não provados.

3.7 Só assim o Recorrente AA poderia (ora) impugnar os factos aí dados como não provados, o que só por si, demonstra que o exercício do contraditório está exuberantemente coarctado por não haverem sido analisados as factualidades que arrazoou na Contestação que aduziu para Audiência de Julgamento junto do Tribunal a quo.

3.8 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes.

4. Erro de Julgamento da Matéria de Facto

4.1 O Acórdão Recorrido padece de Erro de Julgamento por ter cometido, salvo melhor opinião, uma gritante desacertada decisão da matéria de facto que logrou dar como assente, note-se provada.

4.2 Na verdade, o Tribunal a quo elencou, na matéria que considerou provada, designadamente nos Pontos 1.16, 1.17 e 1.18, factos que estão em flagrante oposição com a Prova produzida em Julgamento e com toda a que se encontra entranhada nos Autos.

4.3 Para tanto, fundamentou essa convicção no total vazio constante da motivação do Acórdão Recorrido.

4.4 Basta atentar na motivação do Acórdão colocado em crise: entra pelos olhos adentro a inexistência de motivos para dizer que esses factos têm/devem/de outra forma não podem ser dados como provados e/ou não provados!

4.5 Quanto a estes factos o Tribunal a quo limita-se a dar os mesmos por provados, contudo, procurando-se a justificação para isso na Motivação do Acórdão Recorrido nada lá consta de particular ou genérico. São dados por provados sem qualquer invocação de prova no suporte dos mesmos.

4.6 Todavia a Prova produzida em Julgamento, jamais permitirá extrair estas ilações, ou, menos ainda, autoriza que se possam verter tais conjecturas na factualidade provada do Acórdão Recorrido.

4.7 A Prova produzida em Julgamento e incorporada nos Autos, na sua máxima avaliação, não permite considerar como praticados estes factos pelo Recorrente AA, entenda-se, as factualidades e conclusões descritas nestes pontos dos factos dados por provados.

4.8 É isto que resulta, com facilidade de interpretação, daquilo que se produziu em Julgamento e de tudo o que se encontra entranhado nos Autos, inclusive dos próprios meios de Prova invocados pelo Tribunal a quo na sua motivação.

4.9 Ademais, a Prova que se produziu em Julgamento e toda aquela que se encontra junta aos Autos permite - flagrantemente - atestar que, vítima de uma encenação da Polícia Judiciária, o Recorrente AA, nas circunstâncias de tempo, modo e espaço ali descritas, não praticou qualquer factualidade ilícita!!

4.10 Acontece que a Prova que foi utilizada para, ao que aparenta, fundamentar estas factualizações e conclusões exige e impõe precisamente o seu contrário. Isto é, a apreciação probatória de tudo o que se produziu em Julgamento e se encontra entranhado no Processo, neste particular, exigia que o Tribunal a quo tivesse dado todos estes factos como Não Provados.

4.11 Desses Depoimentos, Declarações e Documentação extrai-se, sem grandes rodeios ou floridos, que o Recorrente AA nada tem que ver com a prática dos Ilícitos que se descrevem ter ocorrido naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar.

4.12 Com efeito, daí resulta - bem ao contrário daquilo que o Tribunal a quo de modo vacilante, infundado e sem sentido referiu na fundamentação do Acórdão Recorrido - que o Recorrente AA:

−Não aceitou vir a Portugal naquela circunstância de tempo receber qualquer quantidade de cocaína para a transportar de automóvel para outros países da Europa;

−Não iria receber qualquer compensação económica por conta da sua deslocação a Portugal nessa data;

−Em momento algum se encontrou com o Agente Encoberto para receber qualquer produto ilícito, única e exclusivamente, para lhe entregar um carro e dinheiro que lhe haviam solicitado.

4.13 Efectivamente, escrutinados todos os Depoimentos prestados em Audiência de Julgamento constata-se que nenhum facto com ressonância criminal, relacionado com o Crime de Tráfico de Estupefacientes, resulta daí demonstrado ter sido praticado pelo Recorrente AA.

4.14 Daqui decorre que se procurou a todo o custo, sem preocupação do quer que seja, encontrar e fabricar algo que pudesse permitir especular que o Recorrente tinha algo que ver com alguma qualquer uma destas factualidades de modo a acusá-lo, submetê-lo a julgamento e, com sorte para quem assim o quis, ele ser condenado. Para infelicidade da verdade, assim ocorreu, quando é notório que o seu destino foi ditado pela circunstância de se encontrar à hora errada, no local errado.

4.15 Cabe questionar: se o Recorrente AA não houvesse sido encontrado naquela circunstância de tempo e lugar, em que foi detido no parque de estacionamento do supermercado, haveriam razões e motivos bastantes para em momento ulterior se justificar a sua detenção?!

4.16 A resposta já o era antes Senhores Juízes Desembargadores: evidentemente que não, nada do que existia no processo nesse dia consentia a sua detenção posterior, da mesma forma que nenhuma da prova recolhida para os Autos no decurso do resto do tempo que durou o Inquérito o viria e vem a justificar até ao presente momento! Nada de nada!!

4.17 Por conseguinte, os segmentos probatórios supramencionados, nomeadamente os Depoimentos das mencionadas Testemunhas e toda a referida Documentação, bem assim, como a demais Prova produzida em Julgamento, aqui se incluindo o Relato Final da Acção Encoberta, impunham que a matéria vazada nos referidos pontos da factualidade dada como provada fosse ao invés, necessária e inevitavelmente, dada como Não Provada. O que não ocorreu.

4.18 Deste modo - não se anulando esta Decisão na sua totalidade com a consequente repetição do Julgamento - incumbirá a V/Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, realizar uma reapreciação dos segmentos probatórios ora invocados pelo Recorrente e que colocam em crise os factos dados por provados nos referidos itens do Acórdão Recorrido procedendo-se a uma nova fundamentação do mesmo que, ante o exposto, será, necessariamente, substitutiva da realizada pelo Tribunal a quo em termos de considerar tal factualidade como Não Provada.

5. Insuficiência da Prova produzida em Julgamento para a Decisão da Matéria de Facto Provada vertida nos pontos 1.5, 1.39, 1.45, 1.46, 1.50, 1.51 e 1.52 do Acórdão Recorrido

5.1 A propósito do vício ora invocado impõe-se referir que houve factualidades colhidas durante o Julgamento que, salvaguardado o devido respeito por opinião contrária, não consentem, seja na sua objectividade, seja na sua subjectividade, dar os factos que foram vertidos nos pontos 1.5, 1.39, 1.45, 1.46, 1.50, 1.51 e 1.52 do Acórdão Recorrido como provados.

5.2 Na verdade, em cada um destes sete pontos dos factos provados, está-se perante a formulação incorrecta de um juízo, em que a conclusão extravasou - galopantemente - as suas premissas, isto é, a matéria de facto, efectivamente, provada é, manifestamente, insuficiente para fundamentar a solução de Direito a que o Tribunal a quo logrou chegar neste particular.

5.3 Como já se referiu, nenhuma Prova foi produzida em Julgamento (para lá da narrativa que alimenta o enredo do guião do Agente Encoberto) ou se encontra junta aos Autos que permita afirmar, nem que de forma ténue seja, que o Recorrente AA praticou qualquer factualidade subsumível ao Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes.

5.4 Motivo pelo qual, em entendimento do Recorrente, a matéria considerada assente nestes pontos do Acórdão Recorrido extravasa, galopantemente, a Prova produzida em Julgamento e ultrapassa injustificavelmente a dúvida razoável na apreciação da Prova dada em liberdade ao Julgador pelo Legislador Penal.

5.5 Desses Depoimentos e Documentação extrai-se, sem grandes rodeios ou floridos, que o Recorrente nada tem que ver com a prática do Ilícito, ou sequer tinha conhecimento, que se descreve ter ocorrido naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar.

5.6 Com efeito, daí resulta - bem ao contrário daquilo que o Tribunal a quo de modo vacilante, infundado e sem sentido referiu na fundamentação do Acórdão Recorrido - que o Recorrente:

−É totalmente alheio às factualidades que o Tribunal a quo deu por provados;

−O dinheiro e objectos de era portador aquando da sua detenção em nada se relacionava com qualquer episódio de tráfico de produtos estupefacientes;

−Desconhecia por completo que a Polícia Judiciária tinha carregado o veículo que lhe entregou com 144 Kg de cocaína;

−Desconhecia totalmente o que estivesse dentro desse veículo cuja existência lhe era totalmente estranha;

−Não participou em qualquer actividade correlacionada com tráfico de produtos estupefacientes; e

−Não aderiu a qualquer plano, por si ou terceiros congeminado, para tráfico de produtos estupefacientes.

5.7 Por conseguinte, entende o Recorrente AA que, neste particular, não se produziu qualquer Prova, ou se encontra junto aos Autos qualquer matéria probatória, que permita ou autorize que se conclua, além da dúvida razoável, que naquelas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas nestes pontos do Acórdão Recorrido ele negociou, intermediou, adquiriu, planeava transportar ou transaccionou qualquer produto estupefaciente, designadamente cocaína, com o objectivo de obter quaisquer proveitos económicos ou de outra natureza e que, para essa finalidade, colaborou ou teve a colaboração de alguém.

5.8 Neste particular, ante a Prova conhecida e levada aos Autos, fica-se sem perceber, seguindo a narrativa do Agente Encoberto vertida no Acórdão Recorrido, a quem e onde destinava o Recorrente guardar e levar os 144 kg de cocaína?

5.9 Dos Autos resulta que o Recorrente tinha viagem de avião de volta à Holanda para o dia seguinte, mais resulta que não tinha quaisquer contactos ou espaços arrendados ou sob seu domínio onde guardar tal quantidade de produto, e mais resulta que naquele período não era possível transpor as fronteiras terrestes de Portugal ou qualquer país da Europa. Portanto fica a dúvida que a ser como se descreve no Acórdão Recorrido como seria essa enorme (e volumosa) quantidade de cocaína transportada para países da Europa nesse momento?

5.10 Questões que sobre as quais o Tribunal a quo não se dignou reflectir ou tão pouco cuidar de tentar dar resposta. Talvez porque o próprio guião do Agente Encoberto não conter as deixas para essas justificações.

5.11 Razão pela qual, em entendimento do Recorrente AA, estes factos, vertidos nestes pontos da factualidade considerada provada, estão insuficientemente fundamentados, e como tal devem V/Ex.ªs declarar Nulo o Acórdão Recorrido e reenviarem o Processo para novo Julgamento.

5.12 Por conseguinte - não se anulando esta Decisão na sua totalidade com a consequente repetição do Julgamento - incumbirá a V/Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, reapreciando os segmentos probatórios ora invocados pelo Recorrente, os quais colocam em crise os factos dados por provados nos referidos pontos do Acórdão Recorrido, procederem a uma nova fundamentação dos mesmos que, face ao exposto, será, necessariamente, substitutiva da realizada pelo Tribunal a quo em termos de considerar tal factualidade como Não Provada.

6. Provocação ao Crime e Domínio Funcional do Facto pelo Agente Encoberto e seu(s) Colaborador(es)

6.1 Conforme decorre do Acórdão Recorrido, no decurso do Julgamento foi junto ao Processo o Relato Final da Acção Encoberta da Polícia Judiciária.

6.2 Relato que, para lá do demais, veio demonstrar que os factos, provas e descrições inscritas no Despacho de Acusação era tudo uma Falsidade.

6.3 Cumpre dizer que esse expediente junto aos Autos - Relato Final da Acção Encoberta da operação “…” - constitui apenas uma parte exígua daquilo em que, na realidade, consistiu a Acção Encoberta que decorreu no decurso do Inquérito deste Processo e que teve como intervenientes principais, aqueles que a Defesa do Recorrente AA vem bradando ab initio, no caso, a DEA e a PJ.

6.4 Com efeito, o expediente, denominado “Relato Final da Acção Encoberta”, enviado pelo Senhor Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária aos Autos começa a folhas 251 (duzentos e cinquenta e um) e está datado de 02 de Junho de 2021 quando na verdade - é seguro e sabido - a Acção Encoberta iniciou-se, obviamente, a folhas 1 e, muito provavelmente, antes do mês de Novembro de 2020.

6.5 Efectivamente, o que (de provocatório ao Crime) se passou até este momento, ou seja, até folhas 251 e dia 02 de Junho de 2021 está no segredo do Ministério Público, da PJ e da DEA e não é sabido de mais ninguém, nem sequer de V/Ex.ªs Venerandos Desembargadores!

6.6 Na verdade, deitando um olhar para a Acusação submetida a Julgamento e comparando-a com o escasso expediente da Acção Encoberta junto ao Processo é possível concluir - inequivocamente - pela falsidade de todas as imputações efectuadas ao Recorrente AA e seus Co-Arguidos bem como da falsidade do Depoimento da quase totalidade das Testemunhas levados a Julgamento pela Acusação (Actores secundários desta peça de teatro levado ao palco da Justiça portuguesa) e de grande parte dos Autos e Relatos vazados no Processo.

6.7 Cumpre dizer, o Recorrente AA e seus Co-Arguidos foram todos eles prejudicados desde o Primeiro Interrogatório Judicial de Arguidos Detidos e, sobretudo, em sede de Instrução - não obstante a coragem, determinação, rigor e seriedade na aferição da matéria indiciária efectuada pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal ao despronunciar um dos Arguidos, logo nessa sede, e em desqualificar um dos Crimes - quando e na medida em que a Acusadora avançou com factos que bem sabia não serem verdadeiros.

6.8 Na verdade, a Decisão Instrutória que foi submetida a Julgamento está fundamentada, na sua substância e essência, em factos Falsos que caso o Senhor Juiz de Instrução Criminal deles tivesse conhecimento, certamente, teria proferido Decisão Instrutória bem diferente e o Recorrente AA nem sequer teria sido submetido a Julgamento e haveria sido libertado e teria sem dúvida lançado essa Acusação directamente para o lixo!

6.9 Contudo assim não ocorreu no Tribunal a quo e, ao invés do que seria expectável, o Acórdão Recorrido avança com extensa doutrina e jurisprudência para evidenciar em que consiste a Provocação ao Crime, designadamente, acerca da iniciativa de cometer ou não o Crime.

6.10 Acontece que, a Provocação ao Crime é muito mais que incutir o desígnio criminoso na mente do Suspeito/Visado (Vítima, neste caso, diremos nós), é também, e por vezes bem mais decisivo, o alimentar, fomentar e facilitar proactivamente a prática dos factos ao longo do iter criminalis.

6.11 No caso concreto, o Estado Português (em rigor o Ministério Público e a Polícia Judiciária) disponibilizou um avião (da …) para transportar a droga (151 Kg de cocaína), de … nos Estados Unidos para …, procedeu ao seu transbordo do avião para terra e levou-a de carro até à moradia que arrendou em … para aí a guardar. Tudo à custa do erário público, isto é, dos impostos dos portugueses.

6.12 Com efeito, do único documento do processo encoberto levado à vista das Defesas dos Arguidos no processo descoberto (Relato Final da Acção Encoberta) constata-se, como V/Ex.ªs atestarão, o seguinte:

−A DEA esteve presente nas negociações de aquisição da cocaína na …, cuja quantidade variou entre 1 Tonelada e os 151 kg, acompanhando todo o processo de negociação e compra do início à sua conclusão;

−A DEA recebeu 151 kg de cocaína no dia 14 de Dezembro de 2020 na …;

−A DEA transportou os 151 kg de cocaína da … para … nos EUA;

−A DEA guardou os 151 kg de cocaína em … nos EUA;

−A DEA transportou, em voo da …, de … para Portugal os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;

−A DEA entregou à PJ os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;

−A PJ guardou nas suas instalações 151 kg de cocaína de 21 de Janeiro de 2021 até aos dias 20 de Abril de 2021 e 06 de Maio de 2021;

−A PJ no dia 20 de Abril de 2021 colocou no veículo dos Co-Arguidos do Recorrente AA 7 kg de cocaína, que retirou dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de os prender por esse facto; e,

−A PJ no dia 06 de Maio de 2021 (quase 4 meses depois de ter recepcionado essa droga) colocou no veículo …, que havia solicitado ao Recorrente AA, 144 kg de cocaína, que era o remanescente dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de o prender por esse facto.

6.13 Esta é a dinâmica das factualidades encobertas e encenadas - a todo o custo - pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária que conheceram a luz do dia quase no final do Julgamento.

6.14 Acresce, ainda a tudo isto, que o Agente Encoberto teve um comportamento completamente artificial uma vez que numa realidade do Tráfico de Produtos Estupefacientes (sobretudo naqueles tidos por mais pesados) determinada circunstância jamais aconteceria.

6.15 Com efeito, como esclareceu o Agente Encoberto “LL”, em sede de Audiência de Julgamento, foi acordado que o Recorrente teria de lhe entregar, a si Agente Encoberto, pelo menos €100.000,00 para este lhe dar os 144 kg de cocaína.

6.16 Num cenário real como V/Ex.ªs bem sabem – pois estamos a falar num crime de Tráfico de Estupefacientes de 144 Kg de cocaína em que, na falta de pagamento, não se pode ir para Tribunal ou denunciar o caso à polícia mais próxima e não raras vezes se resolvem com morte – o acordado tem de ser religiosamente cumprido no tempo e local próprio.

6.17 O que aconteceu então no caso concreto Venerandos Desembargadores? Foi tudo menos correspondente com a lógica da realidade duma actividade ilícita desta envergadura em que os intervenientes nem sequer tem qualquer relação de proximidade e/ou conhecimento. O que aconteceu foi tudo artificial, baseado em autênticas facilidades e proactivas condescendências por parte do detentor da cocaína, no caso a Polícia Judiciaria.

6.18 Conforme esclareceu o Agente Encoberto “LL” afinal o suspeito (o Recorrente AA) não pagou nem sequer metade desse valor, pasmem-se V/Ex.ªs Venerandos Desembargadores, bastou-se com menos de metade dessa quantia, foi para ele suficiente receber à troca de 144 Kg de cocaína €39.500,00 (Trinta e nove mil e quinhentos euros).

6.19 O que faz pensar, também, que tratando-se de intervenientes experientes e batidos no mundo do Tráfico dos Produtos Estupefacientes (como se procurou ensaiar no processo descoberto do início ao seu fim relativamente ao Recorrente AA), não estranhariam eles (na reflexão que se impunha ao detentor da cocaína, o Agente Encoberto) igualmente tais facilidades e descontracção no cumprimento daquilo que realmente interessa nesta actividade: isto é o dinheiro?!

6.20 Isto a bem de ver, Senhores Juízes Desembargadores da Relação de Évora, conduz-nos inapelavelmente à Provocação ao Crime, a uma circunstância em que o Suspeito é levado a prevaricar e, por conseguinte, nos termos do disposto no Artigo 126.º do Código de Processo Penal, outra consequência não poderá ter que a proibição da prova com todas as consequências legais daí advenientes.

6.21 No que respeita ao domínio funcional do facto, impõe-se dizer que, é indiscutível que o Produto Estupefaciente estava na posse, ininterrupta, das autoridades policiais (Polícia Judiciária) há vários meses.

6.22 Durante este período – cerca de 4 meses – ninguém tinha conhecimento da localização da cocaína, conforme esclareceu o Agente Encoberto. Aliás, é muito provável que esta mesma cocaína haja já levado outros cidadãos incautos e desprevenidos a cair na história de um qualquer Agente Encoberto e, consequentemente, à prisão sem eles próprios o saberem.

6.23 Sobre um caso em tudo semelhante ao dos presentes Autos decidiu o Desembargador Jorge Langweg, Processo 370/04.1JELSB do 1º juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal de Faro, “A circunstancia da Policia Judiciaria ter assegurado, a partir de determinado momento, o domínio funcional do facto, no âmbito de uma acção encoberta autorizada judicialmente suscita outras questões, estas de direito penal substantivo, que não importa ora desenvolver, mas que se prendem com a natureza licita do transporte de droga -porque autorizado entre dois momentos determinados, ao abrigo do regime legal das acções encobertas – e a ausência de participação provada dos arguidos noutros actos de execução que não estejam estritamente englobados nesta actividade licita o que excluiria também a sua responsabilidade penal.”

6.24 Está bem claro que o Recorrente AA não teve qualquer intervenção – directa ou indirecta – até ao momento que as autoridades policiais guardaram a droga e até mesmo ao momento em que lhe colocaram as algemas, visto que nunca viu qualquer cocaína.

6.25 A levar como boas as Declarações do Agente Encoberto, o Recorrente AA apenas teve intervenção num momento em que a droga (que ele nunca sequer viu) já estava sub-repticiamente alojada no veículo que lhe foi entregue pela própria polícia judiciária num parque de estacionamento, totalmente vedado, com uma única entrada e saída guardado à vista por mais de vinte policias e a poucos metros da esquadra da polícia municipal.

6.26 Não se diga que o Recorrente teve a posse da cocaína, ainda que por momentos (segundos), porque assim que entrou no veículo foi imediatamente abordado por alguns dos mais de vinte policias que se encontravam naquele local exíguo e fechado.

6.27 Foram as autoridades policiais quem entregaram a cocaína, que tinham guardado há mais de 4 meses numa vivenda arrendada com o dinheiro dos contribuintes portugueses na cidade de …, ao Recorrente AA. Cuja existência, resulta do processo descoberto e também do encoberto, era totalmente estranho aos Autos até chegar a Portugal 2 ou 3 dias antes de ser preso nesta fábula do Agente Encoberto.

6.28 Esta entrega antecedeu uma preparação de segurança adequada por forma a que não existissem riscos do desaparecimento do Produto Estupefaciente. Por isso a escolha do local onde lhe entregaram o veículo: o tal parque de estacionamento do supermercado com apenas uma saída e entrada e com rotas de fuga inexistentes (nem sequer aéreas porquanto o estacionamento é parcialmente coberto com toldo), porque totalmente vedado, e em frente à esquadra da policia municipal de … guardado por mais de 20 inspectores da policia judiciária (que nos dizeres dos que desfilaram em Julgamento desconheciam que lá estivessem naquele mesmo momento, estranho numa altura em que eram poucos os cidadãos que podiam andar na rua ou se deslocar às compras não se reconhecerem uns aos outros).

6.29 Notem V/Ex.ªs que a Polícia Judiciária escolheu o parque de estacionamento do … de …, que apenas tem uma entrada, é totalmente vedado com redes altas, com uma só entrada e saída de frente à esquadra da polícia municipal, com as câmaras de vigilância desligadas e dentro e em redor desse local tinha mais de vinte inspectores da polícia judiciária. Deste modo, nem de helicóptero o Recorrente, tendo responsabilidade nos factos, poderia fugir, quanto mais, como na realidade aconteceu, desconhecendo tudo o que se estava a passar naquela circunstância de tempo e lugar.

6.30 Deter como acção típica implica, necessariamente, uma relação fáctica em que está co-envolvido um domínio efectivo e pacifico duma coisa.

6.31 Ora, foi precisamente essa chamada “posse pacífica” sobre a cocaína que nunca assistiu ao Recorrente AA que, em rigor, nunca deteve o Produto Estupefaciente, nem sequer o viu.

6.32 Tal como as coisas comprovadamente se passaram, o domínio, um domínio irrestrito e contínuo, esteve sempre nas mãos da Polícia Judiciaria e dos Agentes Encobertos, em termos tais que não se descortina qualquer conexão entre a conduta do Recorrente AA e o suposto perigo protegido pela incriminação. Nem a título de idoneidade ou aptidão de perigo, nem aquela relação que, apesar de tudo, sempre terá de existir nos crimes de perigo abstracto, como condição da sua solvabilidade constitucional.

6.33 Neste sentido, o Recorrente AA ainda que, em termos abstractos, realizasse o desvalor de acção, não realizou – nem tal esteve ao seu alcance – o desvalor de resultado, como quer que se entenda este momento face a uma incriminação com a estrutura típica do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes.

6.34 Tal circunstância coloca as condutas do Recorrente AA fora do regime da consumação ou mesmo da tentativa e outra conclusão não impõe que não seja a existência de uma exuberante Provocação e prática do Crime pelo Agente Encoberto “LL” que, com o consentimento da Justiça Portuguesa, até ao momento nem a cara apresentou nos Autos.

7. Violação do Bem Jurídico “Saúde Pública”

7.1 É incontornável o princípio segundo o qual não há Crime quando o bem jurídico não estiver comprovadamente em perigo.

7.2 Neste sentido caminha a opinião de Paulo Pinto de Albuquerque quando afirma que: “Sempre que, sem margem para duvidas, o perigo para a saúde publica não puder verificar-se, não estará preenchido o tipo. Também me parece que a situação exemplificada não pode configurar um crime de trafico de estupefacientes (quer se considere que estamos perante um crime de perigo abstracto-concreto, como entende CARLOS ALMEIDA, quer se considere que esta afastada a tipicidade mesmo de um crime de perigo abstracto), pois a conduta nunca será em abstracto idónea para provocar qualquer perigo ou danos relativos a saúde (na linha da referida tese de E. MAIA COSTA).”

7.3 E no mesmo sentido se alinha a do Venerando Desembargador Jorge Langweg, no já mencionado Acórdão, quando decidiu e inscreveu nas Doutas Decisões Judiciais que “De resto, pelo controlo absoluto da droga por parte da Polícia Judiciaria – alias reconhecido pelos agentes encobertos inquiridos em sede de julgamento – nunca estiveram em perigo os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em consequência do transporte da cocaína, a partir do momento em que a droga foi colocada a bordo do barco controlado pela Polícia Judiciaria.”

7.4 Reflexão e entendimento que já o Colendo Conselheiro Eduardo Maia Costa havia expressado, no artigo que publicou in Revista do Ministério Público, N.º 94, P.91 e seguintes, ao mencionar que, “O que importa, pois, e de acentuar a necessidade de referir a incriminação do perigo abstracto ao bem jurídico protegido, em termos de a afastar sempre que o bem jurídico não seja susceptível de lesão. (...) Esta é a única forma de compatibilizar a incriminação do perigo com o princípio da estrita necessidade das penas. Na verdade, como Figueiredo Dias tem afirmado e repetido enfaticamente, a tutela de bens jurídicos é a única legitimação do direito de punir no nosso sistema constitucional, por forca do art. 18º, nº 3 da Constituição, que dá cobertura aquele princípio, que recebe explicita consagração no art. 40º do Código penal.(...) Por último quando for de excluir qualquer risco para o bem jurídico, a conduta, ainda que típica, portanto, não é punível. (...) Quer-se apenas afirmar que quando se constatar que certa conduta e inidónea em abstracto para produzir lesões ou o perigo de lesões para o bem jurídico, essa conduta, ainda que descrita no tipo, não e ilícita, sob pena de lesão do principio da necessidade das penas.”

7.5 Por conseguinte, Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, como V/Ex.ªs melhor sabem não há Crime sem a, consequente, violação do Bem Jurídico que o preceito visa proteger.

7.6 Deve, pois e por isso mesmo, o Recorrente AA ser absolvido do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes pelo qual foi condenado no Tribunal a quo.

8. Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crime de Tráfico de Estupefacientes e a Violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes

8.1 De tudo o que foi produzido em Julgamento e de toda a Prova que consta dos Autos, verifica-se que não existe qualquer prova directa a ligar o Recorrente a nenhum dos factos com ressonância criminal considerados provados.

8.2 Com efeito, nenhuma das testemunhas (excepção quanto ao Agente Encoberto que mantem a narrativa da sua peça) revelou qualquer conhecimento directo da ligação do Recorrente a nenhum dos eventos relacionados com Tráfico de Estupefacientes à excepção daquele que ele próprio encenou em conjunto com os demais intervenientes da Policia Judiciaria e Ministério Público, não existe qualquer intercepção telefónica entre o Recorrente e alguém ligado a qualquer evento correlacionado com Tráfico de Estupefacientes, nada correlacionado com produto estupefaciente foi encontrado na posse do Recorrente, não existe qualquer fotografia ou vigilância que demonstre a ligação do Recorrente a qualquer situação tentada ou consumada de Tráfico de Estupefacientes nestes Autos.

8.3 Incluindo reportagens fotográficas do parque de estacionamento onde foi detido com a alegada carga de cocaína (144 Kg) na bagageira do veículo que lhe entregou a polícia judiciária. E sabem V/Ex.ªs por que razão não existe retractado esse episódio?! Porque essa droga nunca esteve naquele veículo e parque de estacionamento!

8.4 É forte e inabalável convicção do Recorrente AA (e do aqui Signatário) que essa cocaína nunca saiu da Directoria de … da Polícia Judiciária!!! E só lá foi fotografada porque foi mais cómodo, seguro e tranquilo o suficiente, porque estamos em Portugal, e a Polícia pode e faz o que entende de forma serena e tranquila.

8.5 Não esqueçam V/Ex.ªs que até as câmaras de videovigilância do parque de estacionamento do supermercado de …, que tinha menos de um ano de existência, estavam avariadas à semelhança das do parque de estacionamento do supermercado …, ao lado daqueloutro, onde também ocorreu encontro promovido pelo Agente Encoberto com o Recorrente AA.

8.6 Assim, verifica-se que o Tribunal a quo mais não fez que fundar a sua convicção, quanto ao juízo probatório, em elementos de prova encenada, indirecta ou indiciária, como seja a interpretação das Declarações do Agente Encoberto cujo teor nada lhe dizem respeito, conversas de terceiros que nada dizem respeito ao Recorrente, convicções de Testemunhas, designadamente, daquelas que defendem a investigação, Autos de Vigilância cujo teor está manifestamente deturpado não retractando a verdade do que efectivamente aconteceu e em alguns dos casos até são não genuínos, para não afirmar falsos.

8.7 No caso concreto, os factos que se mostram provados de forma directa, quer por prova documental, quer pelo depoimento de testemunhas, são os seguintes:

−Todos os factos que estavam descritos na Acusação demonstraram ser falsos;

−A DEA esteve presente nas negociações de aquisição da cocaína na …, cuja quantidade variou entre 1 Tonelada e os 151 kg, acompanhando todo o processo de negociação e compra do início à sua conclusão;

−A DEA recebeu 151 kg de cocaína no dia 14 de Dezembro de 2020 na …;

−A DEA transportou os 151 kg de cocaína da … para … nos EUA;

−A DEA guardou os 151 kg de cocaína em … nos EUA;

−A DEA transportou, em voo da …, de … para Portugal os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;

−A DEA entregou à PJ os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;

−A PJ guardou nas suas instalações 151 kg de cocaína de 21 de Janeiro de 2021 até aos dias 20 de Abril de 2021 e 06 de Maio de 2021;

−A PJ no dia 20 de Abril de 2021 colocou no veículo dos Co-Arguidos do Recorrente AA 7 kg de cocaína, que retirou dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de os prender por esse facto; e,

−A PJ no dia 06 de Maio de 2021 colocou no veículo …, que havia solicitado ao Recorrente AA, 144 kg de cocaína, que era o remanescente dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de o prender por esse facto.

8.8 Deste modo, cabe perguntar se, fazendo a conjugação de todos estes elementos, plurais e alguns até concordantes, com as regras da lógica e da experiência comum, é possível concluir, de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que o Recorrente AA negociou, intermediou, adquiriu ou transaccionou, planeava transportar ou colaborar no transporte de qualquer produto estupefaciente, designadamente 144 Kg de cocaína, com o objectivo de obter quaisquer proveitos económicos ou de outra natureza e que, para essa finalidade, colaborou ou teve a colaboração de alguém que este desconhece por completo e não resulta demonstrado algum contacto ter tido. Como é evidente, a resposta terá de ser negativa.

8.9 Na verdade, não existe nenhuma regra da experiência ou da lógica que nos permita inferir dos alegados factos base (que se revelaram ser todos falsos) que o Recorrente intermediou/participou em negócios de aquisição/transporte de droga de indivíduos que nunca viu ou se relacionou ou tão-pouco falou.

8.10 Não podemos deixar de ter em atenção que um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Na verdade, um facto indiciário só poderá ter valor probatório quando ao mesmo não se possa atribuir senão a uma causa.

8.11 Quando esse facto pode ser atribuído a várias causas, como é o caso dos Autos, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Deste modo, os factos acima referidos só poderiam ter um valor probatório se pudesse excluir todas as demais possibilidades e concluir que apenas poderiam ter uma única causa - o Tráfico de Estupefacientes.

8.12 Da leitura destes factos provados, verifica-se que em alguns deles estamos perante imputações vagas e meramente conclusivas do Tribunal a quo, as quais o Recorrente AA não só não pôde refutar em sede de Julgamento por não ser possível defender-se de factos que não conhece, como o próprio Tribunal a quo não podia, em consequência disso mesmo, formar, nessa parte, uma convicção concreta sobre o objecto do processo que lhe foi dado julgar, para além do mais, por inexistência total de prova a esse respeito.

8.13 Assim, forçoso é concluir que não existem quaisquer Provas nos Autos ou foram produzidas em Julgamento que permitam condenar o Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes.

8.14 Mas ainda que assim não fosse, o que resulta dos Autos é que todo Produto Estupefaciente que surge - ainda que perversamente no que ao Recorrente diz respeito - tentado transportar para a Europa num período de tempo em que nem sequer era permitido circular nas estradas nacionais de forma plena ou transpor fronteiras terrestes foi todo ele apreendido no decurso da Investigação. Aliás nunca deixou de estar apreendido.

8.15 Sendo certo que, em atenção ao Depoimento do Agente Encoberto este mesmo produto estupefaciente nunca esteve na disponibilidade dos Arguidos, esteve, nos seus dizeres, sempre controlado pela Polícia Judiciária, no caso do Recorrente protegido à vista por mais de vinte inspectores da polícia judiciaria. Portanto, inexistiu, em rigor, qualquer perigo, mesmo que potencial, de disseminação desse produto estupefaciente.

8.16 Por conseguinte, a condenação do Recorrente pela prática do Crime de Tráfico de Estupefaciente viola o Principio da Presunção da Inocência -acolhido no N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, N.º 2 do Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e N.º 1 do Artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - e o Principio do In Dubio Pro Reo, motivo pelo qual devem V/Ex.ªs declarar Nulo o Acórdão Recorrido e reenviarem o Processo para novo Julgamento.

9. Inconstitucionalidade da Norma constante do Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido

9.1 Decorre do Acórdão Recorrido que o Tribunal a quo, na apreciação da Prova que lhe foi submetida julgar, lançou mão do Princípio da Livre Apreciação da Prova plasmado no Artigo 127.º do Código de Processo Penal.

9.2 Aliás, afirma-o, ainda que de forma tímida e acanhada, no teor da própria fundamentação do Acórdão Recorrido, veja-se pág. 20, quando menciona “…A convicção do Tribunal fundou-se na totalidade da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum…”

9.3 Contudo, é inconstitucional a norma do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada na motivação do Acórdão Recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base (sobretudo quando os que advinham da Acusação se demonstraram serem todos eles falsos) e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Tribunal a quo, com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da Prova Indirecta.

9.4 Como V/Ex.ªs melhor sabem, apenas é constitucionalmente conforme à Constituição da República Portuguesa, a dimensão normativa do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual as presunções devem ser graves, precisas e concordantes, permitindo que perante os factos conhecidos (ou um facto preciso), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras de experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros, no valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor está o rigor da presunção.

9.5 O Acórdão Recorrido afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base (porque os que existiam se revelaram falsos), nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, sobretudo, como nestes Autos, quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para - sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes”.

9.6 Por conseguinte, é Inconstitucional a norma inserta no Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido pelo Tribunal a quo por afronta directa ao que se encontra Constitucionalmente consagrado no Texto e Princípios da Constituição da República Portuguesa.

10. Da Medida Concreta da Pena

10.1 Ainda que a Prova produzida em julgamento, pelas razões já aduzidas, não permita consubstanciar o juízo de condenação formulado pelo Tribunal a quo, ainda assim - por mera cautela de patrocínio de quem já viu demasiados inocentes injustamente condenados em penas privativas da liberdade - pronunciamo-nos por uma Pena mais reduzida a aplicar ao Recorrente AA.

10.2 A questão que ora se submete à arguta apreciação de V/Exªs é a da Medida da Pena, Nove anos de Prisão, aplicada pelo Distinto Tribunal a quo, que o Recorrente AA, mui respeitosamente, preconiza como excessiva, peticionando outra mais benévola, sem, todavia, ter a pretensão de in concreto Vos indicar qual.

10.3 Por conseguinte, não o absolvendo do Crime de que injustamente se encontra condenado, para efeitos de determinação da medida da Pena que lhe virão a aplicar, tendo presente o supra exposto, relevem V/Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, que o Recorrente, conforme decorre da Prova junta aos Autos e da que foi produzida em Audiência de Julgamento:

−Tem 53 anos de idade;

−Não tem contra si quaisquer Processos pendentes em Portugal;

−É uma pessoa conscienciosa e moralmente irrepreensível;

−É empreendedor e trabalhador;

−É urbano no trato e comportamento;

−É uma pessoa de imensos afectos e imbrincadas relações sociais e familiares com os seus filhos, esposa, família, amigos, e comunidade;

−Tem a esposa, filhos, família, amigos e comunidade, a quem descreveu tudo o que vem sofrendo com este Processo, dispostos a acolhê-lo e a ajudá-lo em tudo o que vier a necessitar; e,

−Ainda que nos últimos tempos tenha tido uma vivência sofrida, com problemas de saúde que se agravam de dia para dia no cárcere, é um individuo familiar e socialmente integrado e que, em termos futuros, tem um projecto profissional definido e sólido há muitos anos.

10.4 Com efeito, quanto a este ponto, impõe-se afirmar que a Pena infligida ao Recorrente (Nove de Prisão) é na sua circunstância uma quase sentença de morte e é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama.

10.5 Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos, em que as Penas aplicadas não raras vezes, por maior número e mais graves crimes, são manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada.

10.6 Deste modo acredita-se que outra Pena, em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!

10.7 Razão pela qual o Recorrente - não sendo por V/Ex.ªs absolvido do Crime pelo qual foi iniquamente condenado no Tribunal a quo - discorda da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente, uma Pena não muito afastada do limite mínimo desse Ilícito.

Em suma, nos presentes Autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente AA não praticou o Crime de Tráfico de Estupefacientes em que foi condenado, como foi criada uma clara e razoável dúvida quanto a esses factos por que vinha acusado/pronunciado e em relação à sua Culpa no mesmo, bem assim, como sobre a (i)legalidade da intervenção do Agente Encoberto, pelo que deve ser absolvido deste Crime.”

Termina pedindo a declaração de nulidade do acórdão recorrido, ou, subsidiariamente, a alteração da matéria de facto provada e não provada e da decisão de direito, com a consequente absolvição do recorrente, ou, ainda subsidiariamente, a redução da medida da pena.

***

Os recursos foram admitidos.

Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu aos recursos apresentados pelos arguidos e o arguido AA respondeu ao recurso apresentado pelo Ministério Público, tendo ambos pugnado pelas respetivas improcedências e tendo apresentado nas respostas as seguintes conclusões:

Resposta do Ministério Público relativamente ao recurso interposto pelo arguido DD:

“1. O arguido DD foi condenado pela prática, como co- autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.1, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

2. Segundo entendimento do arguido, o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto a prova produzida em julgamento, concretamente os depoimentos das testemunhas NN, OO e agente LL, contrariam a matéria de facto dada como provada, verificando-se que o arguido foi um mero segurança da transacção a realizar;

3. Cumpre desde já referir que a sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios a que alude o art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal;

4. A citada norma legal refere-se à existência de vícios que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida e ser perceptíveis a um observador comum;

5. Ora, da leitura do acórdão posto em crise, concretamente da matéria de facto provada e não provada, e bem assim da fundamentação aduzida e justificação relativamente à convicção do tribunal, resulta que o alegado vício se não verifica, não merecendo, por isso, a decisão recorrida qualquer censura neste particular;

6. Entende o recorrente que o Tribunal a quo fixou a matéria de facto provada de forma errada, uma vez que deu como provados os factos 1.53, 1.54, 1.55, 1.57, 1.68 e 1.71, não tendo sido produzida prova que permita afirmar que o arguido praticou os factos;

7. Ao colocar em causa a convicção probatória, o recorrente emite uma discordância sobre o modo como foi valorada a prova e quanto à convicção da instância sobre os factos;

8. A pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto;

9. Ou seja, o princípio in dubio pro reo não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto;

10. Todavia, e ao contrário da pretensão do recorrente, o Tribunal a quo não ficou, no que tange à matéria considerada provada, com qualquer dúvida sobre a autoria da prática dos factos e que conduziu à condenação do arguido;

11. A apreciação conjunta das provas produzidas em audiência, conjugada com a prova documental e pericial, que o tribunal efectuou no âmbito dos poderes que legalmente lhe são atribuídos pelo art. 127º do Código de Processo Penal, permitiu dar como definitivamente assentes os factos constantes da decisão, o que resulta claramente explanado na fundamentação da mesma;

12. Alegou o recorrente ter existido por banda do agente LL uma actuação de provocação ao crime, associada a facilidades e proactivas condescendências por parte dos detentores da cocaína, concretamente, os agentes policiais, pugnando pela nulidade das provas, porque proibidas, nos termos do disposto no art. 126º do Código de Processo Penal;

13. Todavia, bem andou a decisão recorrida na valoração que fez dos depoimentos prestados pelos agentes da P.J. e no do Agente Encoberto (agente LL) do qual resulta que actuou dentro da legalidade, sem qualquer provocação dos arguidos;

14. Em face da factualidade que ficou provada, importa reconhecer que se mostram preenchidos relativamente ao recorrente, na modalidade da detenção, todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do art. 21º do DL 15/93 de 22/1;

15. Ora, como bem se refere no acórdão, é insustentável defender-se que o arguido não teve o domínio do facto, uma vez que ao praticarem os factos que os levaram à detenção, cada um dos arguidos, assumiu ainda que, parcialmente, uma função de carácter essencial na actividade do tráfico de estupefaciente, contribuindo nessa medida para a realização do facto;

16. Alegou o recorrente que, uma vez que não esteve na posse da cocaína, que esteve sempre sob o controlo da Polícia Judiciária, não foi atingido o bem jurídico protegido, concretamente, a saúde pública, não estando preenchido o crime;

17. O crime de tráfico de estupefacientes protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, sendo que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública;

18. O crime de tráfico de estupefacientes tem a natureza de um crime de perigo abstracto, isto é, não se exige para a consumação do crime que a actividade ilícita elencada na norma, produza um resultado concreto danoso, bastando que essa actividade constitua ela própria presumidamente um perigo potencial para o bem jurídico protegido, ou seja, a saúde pública;

19. O crime consuma-se com a actividade do tráfico, esgota-se nela, sem necessidade de produção de um efeito exterior separável espácio-temporalmente. Logo, o que se pune é a actividade ilícita, geradora de um risco presumido para a saúde pública;

20. Provada a actividade levada a cabo dolosamente, provado está o crime;

21. Em face da matéria de facto provada, verificando-se que a sua conduta integra um dos comportamentos previstos pela norma, preenche-se o perigo exigido, preenchendo-se o tipo;

22. Entende o arguido que a pena concretamente aplicada é excessiva, desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que caso reclama, peticionando uma pena mais benévola;

23. O arguido DD foi condenado na pena de 7 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, do D.L. n.º15/93, de 22.1;

24. Da leitura da decisão, constata-se que o Tribunal a quo tomou em linha de conta todas as circunstâncias impostas: o grau de ilicitude acentuado, atenta nomeadamente a natureza do estupefaciente (cocaína) e quantidade elevada, o dolo directo, a ausência de antecedentes criminais do arguido e as suas condições socio económicas;

25. Para além destes aspectos, não podem também deixar de se considerar, como fez o tribunal, no domínio do tráfico de droga, as fortíssimas exigências ao nível da prevenção geral;

26. Tais crimes geram significativa criminalidade contra o património e têm assumido contornos cada vez mais graves, pondo acentuadamente em causa a saúde pública, também pelos gastos inerentes ao tratamento das doenças associadas ao consumo de drogas e causam grande alarme social;

27. Atendendo aos factores já indicados, afigurando-se-nos ter a pena sido doseada com equilíbrio e de forma adequada e proporcional, não se justificando intervenção correctiva, devendo manter-se nos precisos termos;

28. Não se vislumbrando que assista razão ao recorrente, deverá, igualmente, o recurso interposto soçobrar nesta parte.”

*

Resposta do Ministério Público relativamente ao recurso interposto pelo arguido GG:

“1. O arguido GG foi condenado pela prática, como co- autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.1, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

2. Segundo o recorrente, o acórdão está ferido de nulidade, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1 al. a ) do CPP, por falta de fundamentação, tal como preceituado no art. 374º, nº 2 do citado diploma legal, porquanto o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico da prova em termos minimamente aceitáveis, desconhecendo-se, em absoluto, quais foram as provas entranhadas no processo ou produzidas em julgamento que, em entendimento do Colectivo serviram para atestar /estribar cada um dos pontos que foram dados como provado;

3. Ora da leitura do acórdão resulta que o Tribunal a quo foi exaustivo na enumeração das provas que tomou em linha de conta para a formação da sua convicção e explicou as razões porque as credibilizou;

4. Desde as provas cujo valor probatório está pré-estabelecido na lei, como a pericial e a prova documental, como o recurso às regras de experiência comum a que lançou mão, as razões quanto à atribuição de credibilidade ao depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, os critérios de razoabilidade e de lógica que conduziram às conclusões expendidas, tudo foi dissecado de forma a demonstrar segurança para alicerçar os factos dados como provados;

5. Alega o recorrente que tempestivamente requereu a reconstituição do momento da detenção ou a inspecção judicial ao local, por forma a provar que quem o contactou foi um terceiro, quem foi ter consigo foi um terceiro, quem abriu a mala do carro foi um terceiro, visando apurar se os actos praticados pelo mesmo integram uma acção encoberta ou, ao invés, são passíveis de chamar à colação a figura do agente provocador;

6. Todavia, o Tribunal relegou a apreciação do requerimento para sede de audiência de discussão e julgamento, o que não veio a suceder, sendo ainda certo que o acórdão é omisso quanto a esta questão, padecendo de vício de nulidade, por omissão de pronúncia;

7. Afigura-se que não assiste razão ao recorrente, posto que as provas requeridas e produzidas na fase processual do julgamento devem, para além da sua admissibilidade e legalidade e para além de terem relação com o objecto do processo, representar novidade que possa influir na decisão da causa;

8. Tendo o Tribunal procedido à inquirição dos agentes encobertos LL e SS, e bem assim à inquirição do agente responsável pela acção encoberta, tudo na sequência da junção do relato final, as diligências requeridas pelo arguido deixaram de revestir interesse para a descoberta da verdade , não enfermando a decisão de qualquer nulidade;

9. Segundo entendimento do arguido, o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto, segundo o seu entendimento, o facto 70) entra em manifesta contradição com a decisão de que os arguido se iam apropriar do produto estupefaciente;

10. Cumpre desde já referir que a sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios a que alude o art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal;

11. A citada norma legal refere-se à existência de vícios que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida e ser perceptíveis a um observador comum;

12. Revertendo para o caso em apreço, da leitura do acórdão posto em crise, concretamente da matéria de facto provada e não provada, e bem assim da fundamentação aduzida e justificação relativamente à convicção do tribunal, resulta que o alegado vício se não verifica, não merecendo, por isso, a decisão recorrida qualquer censura neste particular;

13. Alegou o recorrente ter existido por banda do agente LL uma actuação de provocação ao crime, pugnando pela nulidade das provas, porque proibidas, nos termos do disposto no art. 126º do Código de Processo Penal;

14. Todavia, bem andou a decisão recorrida na valoração que fez dos depoimentos prestados pelos agentes da P.J. e no do Agente Encoberto (agente LL) do qual resulta que actuou dentro da legalidade, sem qualquer provocação dos arguidos;

15. Todavia, e ao contrário da pretensão do recorrente, o Tribunal a quo não ficou, no que tange à matéria considerada provada, com qualquer dúvida sobre a autoria da prática dos factos e que conduziu à condenação do arguido;

16. Quando se fala em dúvida razoável, não basta adiantar diversos cenários que não sejam objetivamente impossíveis. Para criar uma dúvida fundada e insanável no espírito do julgador não chega a mera hipótese, é necessário um mínimo de suporte factual que aponte no sentido de, no concreto caso em apreço, o cenário que se poderia colocar em abstracto tem, naquela específica situação, consistentes elementos de plausibilidade;

17. A circunstância de o tribunal ter dado como provada a autoria dos factos pelo recorrente, não é de censurar, pois que, foi baseada na conjugação de toda a prova produzida e fundamental na formação da sua convicção, já que a fundamentação da sentença recorrida enuncia os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários diretos (os sujeitos processuais) e perante a comunidade, permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre o material probatório de que o tribunal pôde dispor, cumprindo, pois, a sua missão;

18. Assim, estando a motivação e valoração da prova isenta de dúvidas não há que lançar mão do princípio in dubio pro reo;

19. Em nosso entender, o tribunal não errou no doseamento da pena a que condenou o arguido, pelo que não padece o acórdão recorrido de qualquer vício;

20. Volvendo ao concreto caso em reapreciação, constata-se que o Tribunal a quo tomou em linha de conta todas as circunstâncias impostas: o grau de ilicitude acentuado, atento nomeadamente a natureza do estupefaciente (cocaína) e quantidade elevada, o dolo directo, a ausência de antecedentes criminais do arguido e as suas condições socio económicas;

21. Para além destes aspectos, não podem também deixar de se considerar, como fez o tribunal, no domínio do tráfico de droga, as fortíssimas exigências ao nível da prevenção geral;

22. Sendo pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos, em caso algum poderia a pena aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução por se não verificar o dito pressuposto de que depende a suspensão

23. De outra banda, as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico reclamam a necessidade da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, porquanto face à natureza e quantidade de estupefaciente apreendido, mal compreenderia a comunidade que o mesmo não fosse condenado em pena de prisão efectiva.”

*

Resposta do Ministério Público relativamente ao recurso interposto pelo arguido AAi:

“1. O arguido AA foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.1, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 9 (nove) anos de prisão;

2. Segundo o recorrente, o acórdão está ferido de nulidade, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1 al. a ) do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação, tal como preceituado no art. 374º, nº 2 do citado diploma legal, porquanto o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico da prova em termos minimamente aceitáveis, desconhecendo-se, em absoluto, quais foram as provas constantes do processo ou produzidas em julgamento que, em entendimento do tribunal serviram para atestar /estribar cada um dos pontos que foram dados como provado;

3. Analisada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e a constante dos autos não devem restar dúvidas de que o Tribunal cumpriu essa exigência legal;

4. Na verdade, ao contrário do que pretende o recorrente, o acórdão condenatório é exaustivo na enumeração das provas que foram tomadas em linha de conta para a formação da convicção do Tribunal, sendo explicitadas as razões por que lhes conferiu credibilidade;

5. O que acontece é que o recorrente não concorda com a análise da prova feita pelo Tribunal, discordando dos raciocínios levados a cabo relativamente aos elementos de prova produzidos;

6. Porém, essa discordância não configura a existência da invocada nulidade por falta de fundamentação, razão pela qual deverá o recurso improceder nesta parte;

7. Ao contrário do que pugna o recorrente, o acórdão não enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre factos constantes da contestação, não ocorrendo qualquer violação dos princípios da igualdade entre a defesa e acusação e a legalidade processual e bem assim dos arts. 127º, 374º e 379º do Código de Processo Penal e do art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa;

8. Do cotejo dos arts. 368º e 374º do Código de Processo Penal resulta que não são quaisquer factos provenientes da acusação/pronúncia, da defesa, do pedido de indemnização civil ou da produção de prova em julgamento que importa verter entre os provados e não provados a enumerar na sentença, mas apenas aqueles que são relevantes, isto é, essenciais, para a definição dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime e do tipo de participação do agente, para a determinação da respectiva culpa, para a verificação de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, para a verificação dos pressupostos de punibilidade ou de aplicação de medida de segurança, bem como dos de arbitramento da indemnização civil e, finalmente, de acordo com o preceituado no art. 369.º, do C.P.P., os atinentes à determinação da sanção, sendo de realçar os relativos aos antecedentes criminais do arguido, à personalidade do arguido e ao seu enquadramento social, posto todos eles influenciarem e serem determinantes da escolha e medida concreta da pena a encontrar pelo Tribunal;

9. Assim, fora da apontada obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam todos aqueles que são acessórios ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dadas a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação, negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados;

10. Entendimento diverso quanto a esta última situação levaria à obrigação de realização de trabalho duplicado e até com sentido jurídico pouco rigoroso, por apelar à comprovação de factos negativos;

11. No caso em apreço, da leitura da contestação apresentada pelo recorrente, constante de fls.1779-1803, percebemos que na mesma o arguido limita-se a descrever uma realidade alternativa, com o intuito de contraditar a pronúncia dos autos, mas que face aos factos tidos como sustentadamente provados nos autos, representam apenas a sua expressão negativa;

12. Pelo exposto, consideramos que não se apresentaria necessário, elencar essa versão entre os factos provados ou não provados, posto que todos foram contrariados pelo decidido quanto à factualidade da pronúncia ou se mostravam irrelevantes para a decisão da causa;

13. Alegou o recorrente que os pontos 1.16, 1.17 e 1.18 da matéria de facto provada foram incorrectamente julgados, posto que estão em flagrante oposição com a prova produzida em julgamento e com toda a prova que se encontra “entranhada” nos autos, delas resultando que o arguido, nas circunstâncias de lugar e tempo ali descritas não praticou qualquer factualidade ilícita;

14. Quando se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; as provas que devem ser renovadas;

15. O arguido não deu cumprimento ao estatuído no artº 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, não indicou as concretas provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa (com indicação dos concretos documentos, prova pericial e das concretas passagens dos testemunhos, por referência ao início e termo das mesmas, na respectiva gravação);

16. Assim, não constituindo uma válida impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, deve o recurso improceder nesta parte;

17. Ao colocar em causa a convicção probatória, o recorrente emite uma discordância sobre o modo como foi valorada a prova e quanto à convicção da instância sobre os factos;

18. A pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto;

19. Ou seja, o princípio in dubio pro reo não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto;

20. Todavia, e ao contrário da pretensão do recorrente, o Tribunal a quo não ficou, no que tange à matéria considerada provada, com qualquer dúvida sobre a autoria da prática dos factos e que conduziu à condenação do arguido;

21. A apreciação conjunta das provas produzidas em audiência, conjugada com a prova documental e pericial, que o tribunal efectuou no âmbito dos poderes que legalmente lhe são atribuídos pelo art. 127º do Código de Processo Penal, permitiu dar como definitivamente assentes os factos constantes da decisão, o que resulta claramente explanado na fundamentação da mesma;

22. Alegou o recorrente ter existido por banda do agente LL uma actuação de provocação ao crime, associada a facilidades e proactivas condescendências por parte dos detentores da cocaína, concretamente, os agentes policiais, pugnando pela nulidade das provas, porque proibidas, nos termos do disposto no art. 126º do Código de Processo Penal;

23. Todavia, bem andou a decisão recorrida na valoração que fez dos depoimentos prestados pelos agentes da P.J. e no do Agente Encoberto (agente LL) do qual resulta que actuou dentro da legalidade, sem qualquer provocação dos arguidos;

24. Em face da factualidade que ficou provada, importa reconhecer que se mostram preenchidos relativamente ao recorrente, na modalidade da detenção, todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do art. 21º do DL 15/93 de 22/1;

25. Dentro da divisão de tarefas planeada pelo grupo criminoso, competia ao arguido receber os 144 pacotes de cocaína, correspondentes a 144 kgs de cocaína, e transportá-la numa viatura para outros países europeus;

26. O arguido, acedendo a essa divisão de tarefas, desempenhou o papel que lhe fora atribuído, tendo providenciado pelo veículo para o transporte do estupefaciente;

27. Ora, como bem se refere no acórdão, é insustentável defender-se que o arguido não teve o domínio do facto, uma vez que ao praticarem os factos que os levaram à detenção, cada um dos arguidos, assumiu ainda que, parcialmente, uma função de carácter essencial na actividade do tráfico de estupefaciente, contribuindo nessa medida para a realização do facto;

28. Mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de estupefacientes;

29. Alegou o recorrente que, uma vez que não esteve na posse da cocaína, que esteve sempre sob o controlo da Polícia Judiciária, não foi atingido o bem jurídico protegido, concretamente, a saúde pública, não estando preenchido o crime;

30. O crime de tráfico de estupefacientes protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, sendo que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública;

31. O crime de tráfico de estupefacientes tem a natureza de um crime de perigo abstracto, isto é, não se exige para a consumação do crime que a actividade ilícita elencada na norma, produza um resultado concreto danoso, bastando que essa actividade constitua ela própria presumidamente um perigo potencial para o bem jurídico protegido, ou seja, a saúde pública;

32. O crime consuma-se com a actividade do tráfico, esgota-se nela, sem necessidade de produção de um efeito exterior separável espáciotemporalmente. Logo, o que se pune é a actividade ilícita, geradora de um risco presumido para a saúde pública;

33. Provada a actividade levada a cabo dolosamente, provado está o crime;

34. Pelo que ficou dito fácil é a conclusão de que não assiste razão ao recorrente;

35. Em face da matéria de facto provada, verificando-se que a sua conduta integra um dos comportamentos previstos pela norma, preenche-se o perigo exigido, preenchendo-se o tipo;

36. Entende o arguido que a pena concretamente aplicada é excessiva, desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que caso reclama, peticionando uma pena mais benévola;

37. O arguido AA foi condenado na pena de 9 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, do D.L. n.º15/93, após desqualificação do crime pelo qual vinha acusado/pronunciado, p. e p. pelo art. 24.º, als. c) e j), do D.L. n.º 15/93 de 22.1;

38. O Ministério Público, não concordando com tal condenação, interpôs recurso, e, como ali se defendeu, pretende-se que o arguido seja condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, punido com pena abstracta que vai dos 5 aos 15 anos de prisão;

39. No caso dos autos, há que ponderar que resultou provado: que o arguido aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 144 kgs. de cocaína e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa; na execução dessa decisão o arguido veio ao nosso país entre os dias 21 e 23 ele Abril de 2021, ficando hospedado no hotel …, em …, encontrou-se com o agente “LL” em …, para receber a cocaína, que já se encontrava na posse da Polícia Judiciária mas esta não lhe foi entregue porque não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte; Voltou a Portugal e ao hotel referido em 3 de Maio de 2021, tendo em vista a recepção e transporte da cocaína; Alugou 2 veículos ligeiros, em … Deslocou-se a …, no dia 5 de Maio, onde recebeu valor não inferior a 40 mil euros, para entregar em troca da cocaína; Esse valor correspondia a parte do pagamento ao agente “LL” pelo transporte da droga; No dia da detenção o arguido havia entregue, no interior do … um envelope que continha €39.500,00 ao agente “LL”; A cocaína que se encontrava na posse do arguido AA tinha o peso total de 144.215,501 gramas e um valor de mercado superior a 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros); o arguido AA tinha ainda na sua posse 2.670,00€ ( dois mil seiscentos e setenta Euros) em numerário, 4 telemóveis; O arguido AA conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que detinha e atentas as elevadas quantidades envolvidas que se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas; Actuou com vista a retirar beneficios económicos não concretamente apurados; e Com a venda da cocaína que foi apreendida os elementos da organização, angariariam proventos monetários muito elevados;

40. O arguido actuou com dolo directo e com grau de ilicitude e culpa muito elevado;

41. No que concerne às necessidades de prevenção especial, temos que o arguido já foi condenado em penas de prisão por crimes de tráfico de estupefacientes praticados no estrangeiro, conforme se extraia do ponto 1.84 da matéria de facto provada;

42. Conforme se deixou exposto no recurso interposto, o Ministério Público considera que o arguido deve ser condenado em pena não inferior a 12 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, conforme vinha acusado/pronunciado, p. e p. pelo art. 24.º, als. c) e j), do D.L. n.º 15/93;

43. E, caso se entenda que não se verificam preenchidas as agravantes citadas, atentos factos acima referidos, quanto às necessidades de prevenção geral e especial enunciadas e elevada quantidade e qualidade da droga apreendida, afigura-se que deverá ser condenado em pena não inferior a 10 anos de prisão;

44. Não se vislumbrando que assista razão ao recorrente, deverá, igualmente, o recurso interposto soçobrar nesta parte.”

*

Resposta do arguido AA relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Público arguido:

“1. O Recurso interposto não merece provimento.

2. De acordo com as Conclusões apresentadas, a Recorrente suscita para apreciação de V/Ex.ªs as seguintes questões:

−A condenação do Recorrido por Tráfico de Produtos Estupefacientes Agravado; e,

−A dosimetria da pena, que considera reduzida.

3. Pretensão que, entre outra, caminha em sentido diametralmente oposto àquele que o, aqui, Recorrido (lá nas vestes de Recorrente) suscita no Recurso que, também, interpôs do Douto Acórdão Recorrido.

4. Não obstante o Recorrido entender que a Prova entranhada no Processo e produzida em Audiência justificar a sua absolvição de todos os crimes de que foi acusado, o certo é que, não o sendo, se encontra perfeitamente justificada a razão pela qual o Tribunal a quo absolveu o Recorrido do crime na sua modalidade agravada pelo que não merece, nessa perspectiva, qualquer reparo a Douta Decisão.

5. Entende a Digna Recorrente que o Recorrido deverá ser condenado pela agravação do crime de tráfico de produtos estupefacientes e, consequentemente, ver aumentada a pena de prisão para um quantum não inferior a 12 anos.

6. Salvaguardado o devido respeito por opinião contrária entende o Recorrido que, in casu, esta pretensão, ante a Prova produzida em Audiência de Julgamento e de toda aquela que se encontra entranhada nos Autos, é descabida.

7. Mesmo numa situação de condenação pela modalidade agravada, que se repudia poder de alguma forma ter ocorrido nos presentes Autos, essa medida da pena, superior a doze anos, é exuberantemente elevada para os factos que o Tribunal a quo deu por provados.

8. Na verdade, são fartos os exemplos em que a medida da pena que foi aplicada ao Recorrido já se apresenta no caso concreto como excessiva quanto mais medida superior.

9. Motivos pelos quais se entende que, em razão disso, a Pena que lhe foi aplicada neste particular pelo Tribunal a quo foi excessiva, em rigor, lançando mão da Jurisprudência dos Tribunais Superiores constata-se que, em processos de natureza idêntica, as sanções aplicadas são bem mais comedidas do que aquelas que lhe foram impostas, é o caso, entre muitos outros do conhecimento de V/Ex.ªs por exemplo, o do:

−Processo N.º 163/15.0JELSB.C1.S2, de 25.10.2017, relativo a uma Apreensão de 1.400 Kg de cocaína em que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou uma pena de 7 anos de prisão; ou o do,

−Processo N.º 308/10.7JELSB.L3, de 2.3.18, referente a uma Apreensão de 1.750 Kg de cocaína em que o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão; ou até mesmo do,

−Processo N.º 235/14.9JELSB.E1.S1, de 6.11.16, em que houve uma Apreensão de 350 Kg de cocaína e o Supremo Tribunal de Justiça aplicou a pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

10. Deste modo - tendo em conta a Prova produzida em Audiência de Julgamento e a posição da Jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto a esta matéria -aumentar a pena do Recorrido quanto a este Ilícito é agravar desproporcionalmente a medida da sua Culpa quanto a essa factualidade.”

***

*

O Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação teve vista do processo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 416º, nº 2 do CPP e emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público e da improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos.

*

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e tendo sido realizada a audiência, com observância dos requisitos legais previstos no artigo 423º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelos recorrentes das respetivas motivações, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) Determinar se o acórdão recorrido enferma de nulidade por:

a) Insuficiência de exame crítico da prova, nos termos previstos nos artigos 379º, nº 1 alínea a) por referência ao artigo 374º, nº 2 do CPP; (recursos dos arguidos AA e GG)

b) Não consideração dos factos constantes da contestação nos termos do artigo 379º, nº 1 alínea c) por referência ao artigo 374º, nº 2 do CPP; (recurso do arguido AA)

c) Valoração de provas nulas obtidas através de métodos proibidos de prova, concretamente da figura no agente provocador no âmbito da ação encoberta, nos termos do artigo 126º do CPP; (todos os recursos apresentados pelos arguidos)

d) Não terem sido realizadas diligências de prova solicitadas pelas defesas em audiência; (recursos dos arguidos DD e GG)

B) - Determinar se a decisão recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova consagrado na alínea c) do no nº 2 do artigo 410º do CPP. (recursos dos arguidos DD e GG)

C) - Tendo sido cumpridos os requisitos previstos no artigo 412º do CPP, determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP, com invocação da inconstitucionalidade desta norma na dimensão normativa resultante da interpretação da mesma realizada no acórdão. (recursos dos arguidos AA e DD) D) - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de direito em virtude de: a) Não ter sido violado o bem jurídico protegido, nem ter existido domínio do facto por parte dos recorrentes, não se encontrando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de tráfico de estupefacientes; (todos os recursos apresentados pelos arguidos) b) As penas de prisão aplicadas se revelarem excessivas. (todos os recursos apresentados pelos arguidos) c) Os factos relativos ao arguido AA deverem subsumir-se ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alíneas c) e j) do D.L. n.º 15/93, devendo o mesmo ser condenado em pena não inferior a 12 anos de prisão, ou, subsidiariamente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, em pena não inferior a 10 anos de prisão. (recurso do Ministério Publico)

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, deu por provados e não provados os seguintes factos:

“1. Factos Provados

Discutida a causa, dos relevantes para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1.1 Em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, a 12/11/2020, a Drug Enforcemente Administration, DEA, comunicou à Polícia Judiciária, PJ, que uma organização criminosa transnacional de distribuição de Cocaína - liderada por JJ, de nacionalidade …, e KK, de nacionalidade …, tinha planeado a entrega em Portugal daquele produto estupefaciente, em quantidade que era inicialmente de 500kg, e seria depois quase todo transportado para outros países da Europa;

1.2 A DEA tinha sob investigação os referidos indivíduos e solicitou a colaboração da PJ para a entrega controlada dessa cocaína em Portugal;

1.3 Para acompanhar e efectuar essa entrega controlada para a DEA, a PJ decidiu instaurar a acção encoberta …, com início a 20/11/2020;

1.4 Na referida acção encoberta … teve intervenção um funcionário da PJ, encoberto, denominado agente LL;

1.5 Segundo informação da DEA à PJ o transporte dessa cocaína, desde a origem na … até Portugal foi contratado por JJ, por via marítima, a um terceiro, encoberto, colaborador da DEA, denominado MM;

1.6 O MM recebeu a cocaína proveniente da …, mas entregou-a à DEA nos Estados Unidos da América, EUA.

1.7 Dessa cocaína, vieram, de … para …, apenas 151 pacotes, equivalentes a cerca de 151kgs., que chegaram a Portugal, em janeiro de 2021, num voo comercial da …, acompanhados por agentes da DEA e da PJ;

1.8 Os 151 pacotes contendo cocaína foram recebidos pela PJ e ficaram à sua guarda em instalações próprias.

1.9 Para a comercialização da cocaína e definição dos procedimentos a isso destinados, designadamente a sua passagem por Portugal e subsequente transporte para outros países na Europa, JJ fez deslocações a território nacional.

1.10 Assim, no final do dia 12.10.2020, JJ e KK, viajaram de avião, de … para …, permanecendo em território português cerca de nove horas, tendo regressado a … durante a manhã do dia seguinte.

1.11 Com igual objectivo e na concretização do planeado, JJ deslocou-se a Portugal em Fevereiro de 2021, tendo ficado hospedado no "Hotel …", em …, de 4 para 5 de fevereiro de 2021, tendo depois seguido para Espanha.

1.12 Nessa ocasião, no dia 4 de fevereiro, teve lugar uma reunião em que o agente MM apresentou a JJ o agente LL como a sua pessoa de confiança para o armazenamento e transporte da droga em Portugal;

1.13 Entretanto, segundo informação da DEA à PJ, a 21/2/2020, JJ e KK, foram detidos, na …,

1.14 Em consequência dessas detenções e das restrições de deslocação internacionais, por encerramento de fronteiras, devido à Pandemia Covid-19, a operação de entrega controlada em Portugal sofreu atrasos e foi retomada em meados de Abril, quando JJ (filho, com o nome de código “…”) em comunicações encriptadas para o telemóvel do agente LL, se apresentou, em lugar do pai, para a concretização da operação em Portugal,

1.15 JJ (filho) comunicou então ao agente LL o contacto da pessoa que viria a Portugal receber 144 pacotes de cocaína - … – nome de código do arguido AA, sendo os restantes 7 pacotes para entrega a investidores portugueses.

*

1.16 AA aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína equivalentes a cerca de 144 kgs. de cocaína, e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa;

1.17 Em contrapartida, AA iria receber uma compensação económica, em valor não concretamente apurado;

1.18 No período compreendido entre os dias 21 e 23 de Abril de 2021, o arguido AA deslocou-se a Portugal, tendo ficado hospedado na unidade hoteleira …, em …, e no dia 22 de Abril encontrou-se com o agente LL em …, para receber a cocaína, que já se encontrava na posse da PJ;

1.19 Nesse dia o agente LL não lhe entregou a cocaína porque o arguido não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte;

1.20 Após, no dia 3 de Maio de 2021, o arguido AA deslocou-se novamente a Portugal, onde se hospedou no Hotel …, em …, tendo em vista receber e depois transportar a cocaína;

1.21 Nessa ocasião o arguido AA veio acompanhado por TT.

1.22 Na execução do plano que traçou, o arguido AA alugou a 3/5/2021, o veículo de matrícula portuguesa …, de marca e modelo … e, a 4/5/2021, o veículo de matrícula portuguesa …, de marca e modelo …;

1.23 No dia 4/5/2021 o agente LL não entregou a cocaína ao arguido AA porque este não tinha o dinheiro para lhe pagar a totalidade do transporte;

1.24 No dia seguinte, o arguido AA propôs ao agente LL entregar-lhe 40.000 euros para lhe ser entregue a cocaína, e o restante seria pago posteriormente;

1.25 Proposta de pagamento que o agente LL transmitiu à sua Chefia e foi aceite;

1.26 Nesse dia, 5 de Maio de 2021, o arguido AA deslocou-se a …, onde um outro indivíduo, de identidade não apurada, lhe entregou dinheiro para pagar o transporte da cocaína, em montante não concretamente apurado, mas de valor não inferior a 40.000,00 (quarenta mil) euros;

1.27 No dia 6 de Maio de 2021, pelas 8.30 horas, visando concretizar a operação de transporte de cocaína, seguindo o plano previamente combinado com o agente LL que lhe ia entregar o estupefaciente, o arguido AA, acompanhado de TT, iniciou o dia em …, de onde se deslocou para a cidade de ….

1.28 Fizeram-se transportar até aquela localidade no veículo … acima referenciado, conduzido pelo arguido AA, seguindo TT sentado no lugar ao lado do condutor;

1.29 Pelas 9.20 horas chegaram a …, parqueando junto do Terminal de Autocarros …;

1.30 Aí chegados, TT apeou-se do veículo … e dirigiu-se às traseiras do terminal rodoviário, onde acedeu ao interior do referido veículo …, que, previamente, ambos - o arguido AA e TT - em momento não concretamente apurado, aí tinham deixado estacionado, iniciando a marcha em seguida;

1.31 Colocado em andamento o veículo …, TT conduziu em direção à saída de …, sendo seguido pelo veículo …, este conduzido pelo arguido AA, vindo ambos a tomar a EN…, e, depois disso, um e outro, a estacionar junto do estabelecimento "…";

1.32 Pelas 10.10 horas, o arguido AA e TT retomaram a marcha usando os mesmos veículos e seguiram até …, vindo a parar no parque de estacionamento do hipermercado "…i", onde TT estacionou o veículo …;

1.33 De seguida, o arguido AA encontrou-se com o agente LL no parque de estacionamento do hipermercado …, de onde, foram, juntos e a pé, novamente para o parque do …, até ao veículo …, onde o arguido AA entregou ao agente LL o … para ir carregá-lo com a cocaína, e lhe disse para, depois de carregado, o levar para o parque do … e estacioná-lo em lugar que lhe indicara, onde já verificara que não havia câmaras de vídeo-vigilância;

1.34 Após, TT juntou-se ao arguido AA e, juntos, pelas 10.30 horas, seguiram no veículo … no sentido do centro de …;

1.35 Enquanto isso, e conforme combinado antes com o arguido AA, o agente LL conduziu o … a local seguro da PJ, onde se encontrava o estupefaciente, onde foram colocados na bagageira do automóvel 144 (cento e quarenta e quatro) blocos retangulares, contendo cada um deles, cerca de um quilo de cocaína,

1.36 Após, entre as 12.50h e as 13.00h o agente LL conduziu o veículo …, já carregado com a cocaína, até ao parque de estacionamento do hipermercado …, situado na rua …, em …, local onde o arguido AA e TT tinham estacionado o veículo … em que se faziam transportar e já se encontravam à sua espera.

1.37 Após, o arguido AA saíu do veículo … e encontrou-se com o agente LL, tendo ambos entrado no hipermercado, onde estiveram durante cerca de meia-hora, enquanto o arguido AA fazia compras;

1.38 Nessa ocasião, conforme, previamente, também tinha combinado com o agente LL, o arguido AA colocou no carrinho do supermercado um envelope com dinheiro para o pagamento, envelope que continha €39.500,00 (trinta e nove mil e quinhentos euros) que o agente LL retirou do carrinho e guardou consigo, saindo do local a pé;

1.39 Pelas 13:20 horas, o arguido AA saiu do referido hipermercado, passou junto do … e seguiu até junto do veículo …, entrando para o lugar do condutor, bem ciente de que a cocaína já se encontrava no interior do veículo;

1.40 Quando se preparavam para sair daquele local, com o arguido AA a conduzir o veículo … e TT a conduzir o …, foram ambos abordados pela polícia;

1.41 No interior da bagageira do veículo … o arguido AA tinha consigo - 144 (cento e quarenta e quatro) blocos retangulares envoltos em papel celofane e plástico de cor preta, com diversas imagens e inscrições numa das faces, designadamente de "…", "…", "…" e de "…", contendo no seu interior cocaína, com o peso, líquido de:- 92 870.534 gramas (93 embalagens), com o grau de pureza de 59.8%; - 49 350.967 gramas(49 embalagens), com o grau de pureza de 68.9%; - 1002.000 gramas (1 embalagem), com o grau de pureza de 68.6%; - 992.000 gramas (1 embalagem), com o grau de pureza de 63.5%;

1.42 A cocaína que se encontrava na posse do arguido AA tinha o peso total de 144.215,501 gramas;

1.43 Tal substância encontrava-se no interior de seis sacos de viagem;

1.44 O arguido AA tinha ainda na sua posse 2.670,00€ (dois mil seiscentos e setenta Euros) em numerário, 2 (dois) telemóveis, 1 (uma) factura em nome de UU de um alojamento em …, com referência a uma estadia para dois adultos, com check-in a 4/5/2021 e check-out a 6/5/2021, 1 (um) contrato de aluguer referente ao veículo … (com data de aluguer no dia 04.05.2021 e data de devolução no dia 07.05.2021), um telemóvel marca … de cor azul, com os IMEI´s… e … com pin de desbloqueio … e um telemóvel marca … de cor cinzenta, com capa protectora transparente;

1.45 O arguido AA quis e conseguiu deter e transportar a cocaína da forma supra descrita.

1.46 O arguido AA bem conhecia a natureza e características estupefacientes do produto, cocaína, que detinha, e bem assim que, atentas as elevadas quantidades envolvidas, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.

1.47 Com a venda da cocaína que foi apreendida os elementos da organização, angariariam proventos monetários muito elevados.

1.48 O preço de mercado de um grama de cocaína é de cerca de 35,00€ (trinta e cinco euros).

1.49 A referida cocaína apreendida tinha valor de mercado superior a 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros).

1.50 O arguido AA deslocou-se a Portugal para execução daquele transporte segundo plano traçado pela organização de JJ e KK.

1.51 O arguido AA quis levar à prática os factos ilícitos antes mencionados para dele retirar benefícios económicos não concretamente apurados;

1.52 O arguido AA agiu de forma livre, voluntariamente e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.

*

1.53 Em Janeiro de 2020 a DEA comunicou à PJ que dois clientes portugueses de JJ - DD e VV – seriam os destinatários de sete pacotes de cocaína, equivalentes a 7 kgs.

1.54 No dia 18/1/2021, o agente LL encontrou-se com os arguidos DD e GG (irmão de VV) junto à estação de Caminhos de Ferro da CP de …, para a entrega pelo agente LL de sete pacotes de cocaína equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína;

1.55 A entrega não se concretizou porque os arguidos não tinham o dinheiro para o pagamento, e porque o estupefaciente ainda não se encontrava em Portugal, facto que os arguidos desconheciam;

1.56 No dia 13/04/2021, o arguido DD viajou até à zona de … (…), onde ficou a pernoitar, e, em 15/04/2021, viajou até …, onde se encontrou com o arguido GG, e com o agente LL para combinarem a entrega do estupefaciente e do pagamento.

1.57 Nessa reunião os arguidos DD e GG ainda não dispunham do dinheiro para o pagamento, pelo que comunicaram ao agente LL que a entrega dos sete pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína, só teria lugar no dia 20 de Abril de 2021, na Rua da …, no parque de estacionamento do "…", em …, mediante o pagamento da quantia de €79.900,00, sendo o pagamento restante a efectuar posteriormente;

1.58 Proposta de pagamento que o agente LL transmitiu à sua Chefia e foi aceite;

1.59 Assim, no dia 20 de Abril de 2021, pelas 18.00 horas, aqueles dois arguidos, fazendo-se transportar no veículo de matrícula …, dirigiram-se à referida Rua da …, junto ao … de …, onde estacionaram - o arguido GG sentado no lugar do condutor, e o arguido DD no lugar ao lado do condutor;

1.60 Aí, aguardaram a chegada do agente LL, que lhes iria fornecer a cocaína;

1.61 Pelas 18.05 horas, conforme tinham previamente combinado, os dois arguidos saíram do veículo … onde já tinham colocado na bagageira a quantia de €79.900,00 e cederam a sua condução ao agente LL, entretanto ali chegado, para que este levasse o veículo e colocasse a cocaína no interior do mesmo;

1.62 Enquanto isso, os dois arguidos ficaram no local, apeados, a aguardar o regresso do veículo com a cocaína no seu interior;

1.63 Pelas 18.55 horas, o referido veículo já carregado com os sete pacotes de cocaína, e, de onde o agente LL já tinha retirado os €79,900,00, regressou àquele local, conduzido pelo agente LL, que parou o veículo na zona central do parque do …;

1.64 Nessa altura, os arguidos DD e GG aproximaram-se do veículo e, tendo o agente LL aberto a porta da bagageira, dirigiram-se todos à traseira do veículo, tendo os arguidos GG e DD confirmado a existência do saco com a cocaína na bagageira.

1.65 Logo em seguida, o agente LL afastou-se do local, apeado, altura em que os arguidos GG e DD entraram no veículo para abandonar o local.

1.66 Quando já tinham iniciado a marcha, pelas 19.00 horas, os arguidos foram abordados por elementos da Polícia Judiciária, que, designadamente, com o veículo em que seguiam, barraram a marcha ao veículo … em que os arguidos seguiam.

1.67 Os arguidos DD e GG tinham no porta-bagagens do referido veículo um trolley de viagem de cor preta, em cujo interior se encontravam 7 (sete) "blocos retangulares" envoltos em papel celofane e plástico de cor preta, contendo no seu interior cocaína, com um peso bruto total aproximado de 7 630.000 gramas, com o peso líquido de 6 993.000 gramas, com o grau de pureza de 57.4%.

1.68 O arguido DD tinha também na sua posse 1(um) telemóvel marca …, modelo … de cor azul com IMEI… e IMEI…, com bateria, com bloqueio facial de ecrã, 1 (um) telemóvel marca …, modelo …, com cartão da operadora … no interior, bateria e IMEIs… e …, que se encontrava numa bolsa de tiracolo, e 60,00€ (sessenta euros) em três notas do BCE de valor facial de 20,00€ (vinte euros) na mesma bolsa.

1.69 O arguido GG tinha na sua posse – a viatura ligeira de passageiros da marca modelo/…, de cor branca, matrícula …, 1 (um) telemóvel de marca/modelo … modelo …, cor prateada, com capa de silicone transparente IMEI … contendo um cartão chip de cor laranja que se encontrava no interior da bagageira da viatura, 1 (um) telemóvel …, de cor azul, IMEI …contendo um cartão … com o numero …, 1(um) telemóvel …, de cor preta, com capa de silicone transparente IMEI… e IMEI… contendo um cartão da … sem números apostos, 1(um) hotspot da … wifi modelo …, de cor branca com o IMEI …, com um cartão da … no interior com o numero …, e 360,00€ (trezentos e sessenta euros) em cinco notas do BCE de valor facial de 50 euros, quatro notas do BCE de valor facial de 20 euros, uma nota do BCE de valor facial de 10 euros, e quatro notas do BCE de valor facial de 5 euros;

1.70 Os arguidos DD e GG agiram de comum acordo e em comunhão de esforços.

1.71 Os arguidos DD e GG bem conheciam a natureza e características estupefacientes do produto - cocaína - que detinham, e bem assim que, atenta a quantidade envolvida, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.

1.72 Ambos os arguidos quiseram levar à prática os factos ilícitos antes mencionados para deles retirarem benefícios económicos.

1.73 Os arguidos actuaram sempre, nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades, destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes, com a finalidade comum de obterem proventos económicos.

1.74 Agiram de comum acordo, livre, voluntariamente e conscientemente.

1.75 Bem sabiam que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

1.76 As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA, DD e GG serviam para fazerem face às despesas das viagens realizadas para a execução dos respectivos planos de actuação;

1.77 Os objectos apreendidos aos arguidos, designadamente, telemóveis, foram usados e/ou destinavam-se às actividades de tráfico de estupefacientes descritas.

1.78 O arguido AA foi detido no dia 6/5/2021 e sujeito a prisão preventiva a 7/5/2021 à ordem dos presentes autos.

1.79 O arguido DD foi detido no dia 20/4/2021 e sujeito a prisão preventiva a 21/4/2021 à ordem dos presentes autos.

1.80 O arguido GG foi detido no dia 20/4/2021 e sujeito a prisão preventiva a 21/4/2021 à ordem dos presentes autos.

1.81 A 28/6/2022, foi declarada a especial complexidade do processo em sede de audiência de julgamento.

1.82 Os arguidos não registam antecedentes criminais em Portugal;

1.83 O arguido AA já foi condenado:

- em pena de multa, por crime de injúria ou resistência a um representante de autoridade pública, nos Países Baixos;

- em pena de 18 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,

- em pena de 21 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,

- em pena de 2 anos de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,

- em pena de multa, por crime de condução sob efeito do álcool e estupefacientes, nos Países Baixos;

- em pena de 10 anos de prisão por seis infracções cujos “nomen juris” não constam do CRC, nos Países Baixos;

- em pena de 5 anos de prisão por furto nos Países Baixos;

- em pena de 24 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,

- em pena de 4 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, e uso de arma de fogo não autorizada, na Bélgica;

1.84 O arguido AA tem 53 anos, é natural de …, …, país na zona leste de Africa … é o segundo de 3 filhos de um casal com média condição económica e social, sendo o pai trabalhador numa fábrica de produtos químicos e a mãe doméstica. Devido à guerra civil existente na altura o agregado viajou para a Europa em meados da década de 70, e fixou-se na cidade holandesa de …, tendo o progenitor do arguido obtido colocação numa unidade fabril local o que permitiu à família manter um quadro económico estável. AA adquiriu a nacionalidade holandesa e frequentou o sistema de ensino até aos 17 anos, tendo chegado ao 7º ano de escolaridade. O arguido … não gostava de estudar pelo que não prosseguiu os estudos, cumprindo posteriormente o serviço militar obrigatório onde tirou a carta de condução de ligeiros e pesados. Depois de deixar o exército trabalhou cerca de 4/5 anos como motorista de pesados, seguindo-se… uma carreira profissional como disc-jockey em estabelecimentos de diversão na … e …. A partir de 2012 dedicou-se aos negócios e tem desde então uma firma dedicada à reciclagem de roupa e aluguer de viaturas (…), o que lhe permite ter uma situação económica estável. No plano familiar AA … mantém contactos telefónicos com a progenitora e as duas irmãs, todas a viver na …, bem como com UU, a mãe do seu filho mais novo, um bébe de 8 meses, a residir na zona de …, …. O pai do arguido já faleceu e AA … tem mais 4 filhos de outros relacionamentos, a morar na … e na …. tendo o mais velho 25 anos. Antes de ser preso preventivamente em 07/05/2021 à ordem deste processo o arguido morava sozinho em casa arrendada na …, embora também tenha domicílio em …, na …. Relativamente a antecedentes criminais/prisionais… Desde que ingressou no sistema prisional… o arguido teve apoio do Consulado da … e tem mantido uma conduta institucional adequada, sem registo de sanções disciplinares, ocupando-se em atividades lúdicas e na leitura.

1.85 O arguido DD tem 42 anos, é o mais novo de uma fratria de cinco elementos. A progenitora faleceu há mais de trinta anos… tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido junto do pai e irmãos, não tendo sido identificados problemas no seio familiar de origem. O pai desempenhava atividade profissional na agricultura, vindo a estabelecer nova relação marital, pelo que, em determinada altura, DD ficou a coabitar com dois dos seus irmãos. DD frequentou o sistema escolar até ao 9º ano de escolaridade, tendo iniciado atividade profissional com cerca de dezassete anos de idade, como bagageiro num hotel, tendo saído do local para cumprir serviço militar, desempenhando funções de fuzileiro durante cerca de quatro anos. Posteriormente, DD decidiu ingressar na …, tendo desempenhado funções nesse âmbito durante cerca de cinco anos, mobilizando-se internacionalmente. Com cerca de trinta anos de idade, DD regressou a Portugal, tendo sido nessa altura que conheceu … a mãe da sua filha, tendo o casal decidido ir residir para o …, deixando a região do …, de onde são ambos oriundos… À data dos … factos, DD residia com a companheira e a filha …, em …, havendo … uma dinâmica familiar positiva, marcada por laços de afecto e solidariedade. A família residia em casa arrendada, …trabalhou como vigilante vários anos… na empresa ……. uns dias antes de ser detido … A mudança prendeu-se a motivos financeiros. Na altura, a companheira encontrava-se desempregada, beneficiando de subsidio de desemprego. O casal relaciona-se de forma positiva, mantendo a companheira o apoio ao arguido…. Presentemente, a família núclear de DD reside no …, encontrando-se a companheira do arguido a trabalhar como … nos … DD não tem trajeto associado a consumo de estupefacientes, identificando-se com atividades desportivas como o kickboxing ou jiu jutsu. Quando a situação jurídica o permitir, DD pretende ir residir para o …, para casa de um dos seus irmãos (…), existindo disponibilidade do mesmo ... Na sequência da sua detenção, a companheira de DD regressou ao …, perspetivando o arguido residir aí quando a sua situação jurídica o permitir. Em situação de reclusão, DD tem vindo a apresentar comportamento adequado.

1.86 O arguido GG tem 41 anos, e nacionalidade …, é natural de … onde decorreu o seu processo de crescimento e desenvolvimento integrado no agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e mais três irmãos sendo o segundo elemento da fratria. Tem cinco irmãos uterinos mais velhos, todos residentes fora do país. Integrados no bairro da … conotado com várias problemáticas de exclusão social mas também com um forte espírito comunitário, os progenitores procuraram transmitir aos descendentes os valores prevalecentes na sociedade em geral… com um ambiente intrafamiliar positivo e gratificante, … sem problemáticas relevantes na família sendo detentores de uma situação económica estável. O pai era empreiteiro da construção civil e a mãe trabalhava como empregada doméstica em casas particulares. Por motivos profissionais, o pai só permanecia em casa aos fins de semana pelo que coube à mãe do arguido assumir-se como a figura privilegiada no processo educativos dos filhos. Nesse contexto, GG frequentava a escola e nos tempos livres frequentava o Centro Comunitário, ACM (…) / … de …. Aos 21 anos de idade, um ano após abandonar a frequência escolar tendo concluído o 11º ano de escolaridade, GG iniciou o seu percurso profissional como operário fabril, que desempenhou durante seis meses, passando depois a trabalhar com o pai como servente de pedreiro. Durante esse período, frequentou um curso de formação profissional de animação sociocultural, através do IEFP, que lhe proporcionou um estágio profissional no centro comunitário referido anteriormente… um curso de mediação sociocultural na … de …. O arguido iniciou consumos de haxixe cerca dos 17 anos de idade, normalmente aos fins de semana em contexto de convívio com o grupo de pares. A partir dos 21 anos começou a consumir cocaína no mesmo tipo de contexto, comportamento que manteve até aos 24 anos, idade em que foi preso pela primeira vez…À data dos … factos … GG vivia com o cônjuge, com quem iniciou relação afetiva há cerca de oito anos e contraiu matrimónio em 2019. Deste relacionamento tem dois filhos, o mais velho de seis anos e a mais nova de dezasseis meses de idade. O casal adquiriu uma habitação mediante empréstimo bancário, negócio que se veio a concretizar já durante a presente reclusão…. A situação económica do agregado é descrita como bastante estável, assente nos rendimentos auferidos pelo arguido, enquanto proprietário de um bar em … – … – e pelo cônjuge, enquanto …, por conta própria. … para além da sua atividade no bar, vendia alguns carros …Não são atribuídos ao arguido consumos de substâncias estupefacientes além … de bebidas alcoólicas pontualmente em contexto de convívio social. GG … mantinha um estilo de vida estruturado, centrado na atividade laboral e na via familiar… evidencia uma postura adequada, cordial e um temperamento calmo bem como capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si, recursos pessoais que lhe permitem utilizar um discurso consonante com a adequação social. Evidenciando uma estrutura familiar coesa, a companheira bem como os restantes familiares revelam-se incondicionalmente disponíveis para continuar a apoiar o arguido, durante e após a reclusão… deu entrada no Estabelecimento Prisional de … em 06/08/2021 vindo transferido do Estabelecimento Prisional de …, onde deu entrada em 21/04/2021. Encontra-se à ordem dos presentes autos não sendo conhecidos processos pendentes… Em termos institucionais, GG tem mantido uma postura adaptada evidenciando boa capacidade de integração e adaptação. Em termos disciplinares, não regista infrações. Não se encontra integrado em qualquer atividade formativa ou laboral dedicando o seu tempo ao convívio com os

outros reclusos e ginásio. Continua a beneficiar do suporte por parte da família recebendo visitas regulares dos pais, irmãos, cônjuge, cunhados e amigos.

2. Factos Não Provados

Dos relevantes para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

2.1. Que o produto a entregar em Portugal seria depois quase todo transportado para o norte da Europa.

2.2. Que o arguido AA integrava a acima referenciada "organização criminosa", juntamente com JJ e KK

2.3. O arguido AA ao actuar conforme descrito, nos factos provados supra agiu sempre com a consciência da sua integração no grupo e de que o cumprimento das respectivas tarefas era indispensável à prossecução dos objectivos do grupo a que aderiu, fazendo-os seus.

2.4. Assim, acrescentou à estrutura da organização os seus meios individuais, o que fez através de laços de disciplina e hierarquia definidos para melhor levar a cabo os seus intentos.

2.5. O arguido AA, bem como os demais indivíduos JJ, KK e outros não identificados, com quem actuavam concertadamente, juntaram-se em grupo e actuaram sempre, nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades, destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes em grande quantidade, com a finalidade comum de obterem grandes proventos económicos.

2.6. Para tanto, actuavam nos termos descritos de forma conjugada e concertada.

2.7. Actividade a que já se vinham dedicando desde data não apurada.

*** II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Das nulidades do acórdão arguidas nos recursos

a) Por falta ou insuficiência de exame crítico da prova

(recursos dos arguidos AA e GG)

Sendo arguida alguma nulidade da sentença no recurso, nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 414.º, nº 4 do CPP, incumbe ao tribunal que a proferiu pronunciar-se sobre ela e supri-la, antes de mandar subir o recurso. O tribunal a quo nada referiu sobre esta matéria, silêncio que não podemos deixar de atribuir ao entendimento de que nenhuma nulidade realmente existe. E é este também o entendimento que perfilhamos.

De acordo com a lei processual penal, concretamente nos termos do artigo 379.º CPP, sentença nula é aquela que se encontra inquinada por vícios decorrentes ou do seu conteúdo ou da sua elaboração. Tal nulidade, ainda que não arguida em recurso, é de conhecimento oficioso, conforme decorre do nº 2 do mesmo artigo.

No que tange à nulidade sentença decorrente da alegada insuficiência do exame crítico das provas, nenhuma razão assiste aos recorrentes.

Com efeito, e no que concretamente diz respeito ao exame crítico, a análise da motivação da convicção probatória constante do acórdão condenatório não só revela que os julgadores valoraram todos os documentos juntos aos autos, todas as declarações e todos os depoimentos produzidos em audiência – o que lhes permitiu formar convicção segura relativamente ao acervo factológico tido por provado – mas também que a alegação do vício de nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, concretamente por insuficiência do exame crítico da prova, é totalmente insustentada.

A nulidade da sentença prevista no artigo 379º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP, ocorre nos casos em que a decisão não contenha a fundamentação que inclua o elenco dos factos provados e não provados, a motivação da convicção probatória realizada com o exame crítico das provas e, bem assim, os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão. Na situação que agora nos ocupa, os recorrentes AA e GG invocam uma circunstância que, a verificar-se, seria geradora da nulidade da sentença, conquanto afirmam que nela se não contém, de modo suficiente e inteligível, a apreciação crítica da prova, desse modo tornando impossível reconstituir o modo como se formou a convicção do julgador relativamente aos factos constitutivos do objeto do processo.

Alega concretamente o recorrente AA quanto a este fundamento do recurso, que:

“(…)2.2 Tendo em conta o teor do Acórdão Recorrido, impõe-se afirmar, o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico da Prova em termos minimamente aceitáveis.(…)

2.6 Da mesma forma como esquece de descrever quer o raciocínio que subjaz aos factos dados por provados, quer as provas que suportam cada um dos pontos dessa factualidade, quer, ainda, a razão lógica (raciocínio) dos dados por não assentes (provados).

2.7 Desconhece-se em absoluto - por de lá não resultar - quais foram as Provas entranhadas no Processo ou produzidas em Julgamento que, em entendimento do Colectivo, servem para atestar/estribar cada um dos pontos do Acórdão Recorrido que foram dados por provados pelo Tribunal a quo.

2.8 No que respeita à Prova Testemunhal o Tribunal a quo limitou-se a citar alguns trechos dos depoimentos das Testemunhas, mesmo quando algumas dessas partes dos depoimentos são contraditadas (ainda que sob a justificação do Tribunal a quo se tratar de lapsos advenientes da passagem do tempo pela memória dos Inspectores da Polícia Judiciária…) por outros Depoimentos de Testemunhas e Declarações dos Arguidos no Processo e Prova de outra natureza como a Documental e a Pericial.

2.9 O Tribunal a quo, a bem de ver, limitou-se a dar como provados determinados factos (vá-se lá saber por que razão ou motivo) enunciando de forma global e abstracta, relativamente a alguma dessa factualidade (a que lhe apeteceu), qual a Prova de que se terá socorrido para dar como demonstrados esses factos ignorando (injustificadamente, e) por completo a fundamentação probatória das remanescentes factualidades que considerou assentes (provadas), que, diga-se, é a sua quase totalidade.

2.10 Não especificando, nomeadamente, quanto aos poucos factos que o fez, o motivo pelo qual, em termos minimamente lógicos, essa Prova (ou princípio dela) difere, contraditando-a ou atestando-a, da restante.

2.11 Certo é que se impunha, em vista do exame crítico das Provas a que se refere a última parte do N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal, que se explicitasse de modo concreto e objectivo, designadamente, as razões que levaram o Tribunal a quo a não considerar, e porquê, as Declarações do Recorrente e seus Co-Arguidos, bem assim, como a considerar mais relevante o Depoimento do Agente Encoberto e seu Colaborador do que todas as demais inquiridas no decurso do Processo e ouvidas em Audiência de Julgamento.

2.12 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado no N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do N.º 1 do Artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de Nulidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes.(…)”.

Na fundamentação da sentença deverão, efetivamente, concretizar-se as razões que estruturaram a convicção do julgador, convicção que se traduziu na seleção factual que o mesmo fez constar do elenco dos factos provados e não provados, com base na valoração dos meios de prova disponíveis. O exame crítico de tais provas exige, não apenas que se indiquem as mesmas, mas também que se explicitem os raciocínios que, de acordo com as regras da lógica e da expediência comum, foram racionalmente seguidos e que conduziram à convicção do tribunal. Tal explicitação deverá ser feita de forma a possibilitar aos destinatários da decisão realizarem a reconstrução do percurso mental efetuado pelo julgador e que se apresenta como sustentador do juízo probatório, permitindo-lhes, ademais, verificar que a decisão tomada não foi arbitrária. (2)

Atentemos, pois na fundamentação do acórdão recorrido na parte relativa à motivação da decisão de facto (3):

“(…) 3. Motivação da decisão de facto

Quanto à questão da culpabilidade,

A convicção do Tribunal fundou-se na totalidade da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum, da livre convicção e do valor científico da prova pericial, nos termos da ponderação que, de seguida, faremos da prova reunida nos autos por declarações dos arguidos, depoimentos das testemunhas, documental e pericial, não sem previamente se contextualizar o modo como a notícia da acção encoberta e o desconhecimento dos seus contornos condicionou a produção da prova, e como, já quando se encontrava finda a prova testemunhal (e já em período de férias judiciais, a 18/7), a junção do relato, que se encontra a fls. 2484, determinou a produção de novas provas e se projectou nos factos que resultaram provados, conferindo-lhes uma nova compreensão.

Com efeito,

Já, pelo menos, desde a fase de instrução, que, com excepção do arguido AA, os demais arguidos invocaram a existência da acção encoberta e da actuação de um agente encoberto, agindo como provocador, na génese das apreensões efectuadas e das circunstâncias em que ocorreram as respectivas detenções, pugnando pela sua junção aos autos, e daí pretendendo retirar consequências quanto à actuação da PJ e da (in)validade da prova produzida nos autos, pretensão que lhes foi negada, por ser legalmente inadmissível nessa fase processual - segundo o entendimento feito pelo Sr. Juiz de Instrução do regime legal da oportunidade do conhecimento dessa informação instituído pela Lei 101/2011 de 25/8 e com os demais fundamentos constantes da Decisão Instrutória.

Já em fase de julgamento, na sequência da insistência dos arguidos e despacho judicial favorável, a 22/3/2022, por ofício de fls. 1923, veio o MP confirmar a existência da acção encoberta com o nº …, recusando porém a junção do relato, com fundamento em que, em suma, o referido despacho não demonstrou o requisito da absoluta indispensabilidade da junção desse documento, por, nem sequer, se ter iniciado, ainda, o julgamento.

Iniciada a audiência de julgamento no dia seguinte, 23/3/2022, a requerimento dos arguidos, proferiu o Colectivo novo despacho, exarado em acta, a ordenar a junção do relato, cuja indispensabilidade fundamentou, em suma, na necessidade da descoberta da verdade material, face às suspeições já levantadas pelos arguidos - quer na fase de instrução, quer nas Contestações e nos requerimentos de prova que apresentaram - sobre as incongruências da investigação, incongruências expressas, maxime, na circunstância de não ter sido detido, nem sequer fotografado, o indivíduo que recebeu dos arguidos os veículos vazios e depois lhos entregou, carregados com o estupefaciente, indivíduo que foi sempre referido na acusação e na pronúncia como um sujeito de identidade desconhecida, um elemento da organização criminosa a que os arguidos se encontravam ligados, não entendendo os arguidos que essa intervenção tivesse passado incólume senão no quadro da provocação.

Recusada novamente a junção pelo MP, com fundamento em que o juízo de indispensabilidade só poderia ser aferido depois de produzida toda a prova da acusação, tal recusa veio a ser confirmada pelo acórdão do TRE, proferido no decurso do julgamento, em recurso que teve subida imediata e em separado, interposto pelo MP do despacho do Colectivo que reordenou a junção.

Finda a produção da prova arrolada pelo MP, veio o Relato da acção encoberta a ser junto aos autos, já em férias judiciais, a 18/7/2022, a fls. 2484, remetido pela PJ.

Tal relato, entre o mais, revelou a existência de um agente encoberto – agente encoberto LL – ao serviço da PJ, a proveniência da droga, o modo de entrada e a custódia da mesma em Portugal, o tempo que medeou desde a entrada em Portugal até ser entregue aos arguidos, os encontros do agente encoberto com os arguidos, e as quantias recebidas dos arguidos pelo agente encoberto para carregar e lhes entregar os veículos com o estupefaciente apreendido,

E, teve por consequência, a necessidade de realização de novas diligências de prova

- a reinquirição da testemunha responsável pelas acções encobertas, NN,

- a inquirição do agente encoberto LL,

- a inquirição do agente encoberto SS (cuja intervenção foi pontual, e, sem intervenção directa nos factos, apenas para garantir, de longe, a segurança do agente LL, no encontro que ocorreu junto à CP de …, conhecimento que sobreveio no decurso da audiência de julgamento) para o confronto dos factos trazidos pelo Relato da acção encoberta com a investigação e o acervo probatório reunido nestes autos 17/21.1JAFAR – “o processo descoberto”.

Dessas inquirições e reinquirição resultaram

- uma nova compreensão dos factos da acusação (além dos contornos que já lhe tinham sido dados pelo despacho de pronúncia), nessa nova leitura destacando-se agora a evidência da actuação do agente encoberto, como sendo a pessoa referida como elemento não identificado ligado à organização criminosa que em Portugal se encontrou com os arguidos e com eles acordou os detalhes da entrega da droga, e, efectivamente, a entregou, entidade agora designada como agente encoberto LL, a quem se passou a reportar nos factos provados supra as actuações correspondentes ao referido indivíduo,

- e, bem assim, resultaram os factos da acção encoberta que não constavam descritos nem na Acusação, nem no Despacho de Pronúncia, acção encoberta, tantas vezes já invocada pelos arguidos.

Dito isto, foram ponderados os seguintes elementos de prova

As declarações dos arguidos

Arguido AA

Que prestou declarações em 1º interrogatório judicial, em instrução e em audiência de julgamento, no essencial, ao longo dos autos mantendo que veio a Portugal a pedido de JJ (filho) para entregar um carro de aluguer e 100.000 euros a uma pessoa, XX, que mais tarde soube ser o agente encoberto, pessoa com quem falava por comunicações encriptadas no whatsapp e noutra aplicação cujo nome já não recorda, nem se recordando em que telefone, nomeadamente se comprou algum para esse efeito para vir a Portugal, e com quem teve vários encontros em Portugal, mas desconhecendo, em concreto, as finalidades daquelas entregas, missão que aceitou executar para pôr termo a um dissídio que tinha com o JJ (pai) que se achava seu credor de cerca de 30.000 euros, infundadamente, provindo essa pretensa dívida de um encargo fiscal de IVA nesse montante, numa venda que lhe fez de três veículos automóveis, IVA que o JJ não aceitava pagar, e que, no mais, do tempo que passou em Portugal, alegou que queria comprar um “…” para presentear o filho recém-nascido, desconhecendo, pois, em absoluto, qualquer transacção/operação de tráfico de estupefacientes, e, por isso, sentindo-se vítima de JJ, e da Polícia Judiciária.

Assumiu que entregou ao XX o veículo …, no parque do …, depois de ter sido acordado com ele que apenas lhe poderia entregar 40.000 euros, ficando o restante para pagamento posterior à entrega do estupefaciente Quantia que foi buscar a … e lhe foi entregue por um cidadão Holandês da organização do JJ, Quantia que, já no interior da loja do …, imediatamente antes da detenção, entregou ao XX, tendo recebido dele, em troca, a chave do ….

Em 1º interrogatório judicial assumiu que se encontrava no parque de estacionamento do … quando o XX voltou com o …, e que viu que o veículo vinha carregado com muitas malas, facto que depois negou, em audiência de julgamento, negando, sequer, ter visto o estupefaciente no veículo aquando da sua detenção,

Assumiu igualmente em 1º interrogatório judicial que aceitou praticar estes actos para se ver livre da dívida para com o JJ (pai), Admitindo até que podia ser preso, mas confiando que, porque não tinha tido qualquer contacto com drogas nada lhe poderia acontecer, Versão que manteve em audiência de julgamento, acrescentando que os seus negócios, em têxteis e aluguer e venda de carros, na … e na …, e, até em …, lhe dão um rendimento mensal de cerca de 52.000 euros, pelo que não precisava de dinheiro nem de se dedicar a negócios de droga.

Em fase final de declarações que prestou em audiência de julgamento recusou responder a esclarecimentos do Ministério Público.

Arguido GG

Que, em suma, em 1º interrogatório judicial, assumiu que conheceu o arguido DD por, em 2019, ter trabalhado como segurança na discoteca “…”, estabelecimento do qual ele GG, era um dos gerentes, e que na data da detenção estava em … porque tinha vindo mostrar o carro da mulher, o …, de 2014, hibrido, que estava para venda, ao comprador que foi o arguido DD que arranjou, comprador que queria um híbrido, e se chamava ZZ, mulato, 40 ou 50 anos, e quis experimentar o carro ali naquela zona de …, e quando ele voltou, foram à bagageira para mostrar o hibrido, porque a bateria fica na traseira do veículo, nessa ocasião viu lá uma mala que não era sua e não estava lá antes, mas o ZZ começou a andar e foi-se embora, e não lhe perguntou que mala era aquela, pensou que era algum assunto do comprador com o DD, e entrou para dentro do carro, porque ia levar o DD a casa,

Não viu blocos nenhuns.

Porém, em sede de audiência de julgamento, alterando a versão inicial, disse ter perguntado ao ZZ que mala era aquela e que ele respondeu que não se preocupasse que o DD já falava com ele, indo-se embora, sem oferecer dinheiro pelo carro, tendo dito que não gostou da condução,

O DD ganharia 500 euros se vendesse o carro,

No final da audiência acrescentou, também, que assinou os autos de apreensão sem ter visto nenhum estupefaciente, apenas porque quis proteger a mulher, que tinha sido mãe há cinco meses, e queria protegê-la, pois o Inspector AAA disse-lhe que se não os assinasse iam buscar a sua mulher, porque o carro estava em nome dela, Conhecia o DD por ser amigo do seu irmão VV, desconhecendo de que falariam um com o outro, não sabe de nada, nem tem nada a ver com isso,

E só estava em … naquele dia porque o irmão VV lhe pediu o favor de vir em seu lugar, porque ele ia ao médico com o filho,

por último, que a mulher queria vender o carro porque tinha tido outra filha.

O arguido DD

Que só prestou declarações em sede de audiência de julgamento, já a final,

Em suma, admitindo que participou nos encontros e se encontrava no lugar da detenção, por ter sido aliciado por um seu conhecido BBB, advogado com muitos amigos na Polícia Judiciária, para fazer segurança naquele local ao indivíduo que depois conduziu o veículo, e que o BBB lhe disse que se chamava ZZ, que as instruções vinham do BBB, que lhe disse que por essa intervenção naquele dia iria ganhar 1500 euros, vindo a aperceber-se no decurso dos acontecimentos que era um negócio de droga,

Que o BBB lhe disse que naquele negócio estavam envolvidos agentes da Policia Judiciária razão de ter aceite ali estar, confiante de que nada de mal lhe poderia acontecer, Sendo que o ZZ que foi a pessoa que conduziu o … antes da detenção, estava junto dele quando a polícia chegou, mas que logo a seguir desapareceu,

Nesse dia deslocou-se de … para … de comboio e de … para … de táxi,

Sobre as razões da presença do arguido GG nos encontros, declarou não querer prestar declarações.

Os Depoimentos das testemunhas

Inspector OO

da Directoria do Sul da PJ, que foi o titular do inquérito neste processo 17/21.1JAFAR, e participou, pessoalmente, em várias diligências de investigação, procedeu a pesquisas em bases de dados, fez vigilâncias, seguimentos, intercepções telefónicas, com localização celular e também esteve presente nas detenções.

Nomeadamente,

Quanto aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- presenciou o encontro inicial entre os arguidos DD, GG, e um terceiro indivíduo não identificado, (que na fase final do julgamento se apurou ser o agente encoberto LL) a 18/1/2021 (e, não a 19/1, como consta do auto de notícia de fls. 39, menção que se atribui a mero lapso de escrita, da finalização do expediente) junto à estação de comboios da CP de … – vd. fls. 39 a 43 – encontro que, num tempo de proibição de circulação de veículos e pessoas, imposta pela pandemia Covid-19, lhe causou estranheza, encontro em que os participantes ora usaram, ora não usaram, as respectivas máscaras cirúrgicas, então obrigatórias, como é patente nas fotos de fls. 40 a 42, permitindo-lhe, pelo menos, reconhecer o arguido DD, com ficha biográfica na PJ, e, que, posteriormente, documentou as pesquisas a que procedeu para a identificação dos indivíduos nas bases de dados e nas respectivas fichas biográficas existentes na PJ – como consta de fls. 44 a 62 e 86.

Assim, tendo chegado à pessoa do arguido DD, por ser conhecido como segurança de profissão, residente na zona de …, referenciado em ficha biográfica da PJ, por tráfico de estupefacientes e roubo,

e, tendo chegado à pessoa do arguido GG, a partir do registo automóvel do veículo que conduzia, cuja mulher era a proprietária inscrita no registo, indivíduo também referenciado em ficha biográfica da PJ por roubo, tráfico de estupefacientes e tentativa de homicídio, informações que complementou com as constantes dos registos centrais e fotos obtidas em bases de dados e redes sociais, elementos donde resultaram o conhecimento do veículo … da companheira do arguido DD, e o contacto do telemóvel do arguido DD – … – a partir do qual foram possíveis as intercepções telefónicas que se iniciaram a 5/2/2021 e se prolongaram até final da investigação, e permitiram a localização celular do arguido DD, e, as vigilâncias, seguimentos e detenções de ambos os arguidos que se encontram documentadas nos autos.

Posteriormente, tendo chegado aos autos informação da DEA, de uma operação de transporte de cocaína para Portugal, proveniente da …, liderada por um tal JJ, cidadão …, da qual seria destinatário um grupo da zona de …, servindo de intermediário nesse negócio DD, seguiram-se as pesquisas e diligências constantes dos autos, que foram efectuadas por determinação superior e precedidas das autorizações judiciais necessárias, a partir dessa informação da DEA criando-se a expectativa da vinda de JJ a Portugal, que poderia ocorrer a qualquer momento.

A presença de JJ em Portugal veio a confirmar-se, com chegada a 4/2 e saída a 5/2/2021, por escassas horas (cerca de 9 horas, atentas as horas de chegada e partida dos voos em que viajou), informação a que a PJ chegou, com a colaboração do SEF e do Hotel … em ….

Por essa ocasião, foi também obtida a informação de uma presença anterior, em Outubro de 2020, desse JJ naquele Hotel, acompanhado por um cidadão …, KK, referenciado internacionalmente como sócio do JJ, no tráfico internacional de cocaína.

As vigilâncias e intercepções telefónicas ao arguido DD foram iniciadas a 5 de Fevereiro de 2021 e só terminaram com a detenção.

Dessas intercepções telefónicas, A testemunha, constatou que, por esse tempo, naquele período de Covid, DD, praticamente, não saía de casa, e, em mensagens de 11 de Fevereiro, tendo-se verificado um contacto suspeito do arguido para um indivíduo espanhol, identificando-se como “amigo pescador”.

Por essa altura, a testemunha teve também a informação do superior hierárquico, que, na sequência da detenção de JJ e KK, a 21 de Fevereiro de 2021, na …, por tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais, seria o filho de JJ, também chamado JJ, quem iria continuar a operacão em curso em Portugal.

Entretanto, das intercepções telefónicas feitas ao arguido DD, sabia-se que, praticamente, não saindo de casa, a partir de 31/3 e até 12/4 esteve a trabalhar na marina de …, entre as 20h e as 8h da manhã, E, no dia 13/4, sendo localizado em movimentação para o …, onde pernoitou na morada que tinha como local de residência no seu cartão de cidadão, na zona de ….

Na sequência dessa informação Quando souberam que se dirigia a …, a 15/4 foi deslocada uma equipa da Directoria do Sul, Inspector CCC e Inspector-Chefe AAA, que efectuou a vigilância desses encontros de …, que se encontram documentados em autos de diligência a fls. 270 a 274.

Cronologicamente, Esta testemunha, OO, participou presencialmente nas seguintes diligências de investigação:

- a 18/1/2021, presenciou o encontro junto à CP de …, e fez o seguimento do arguido DD desde a estação da CP até à sua residência em … – vd. fls. 41.

- a 2/2/2021, fez a vigilância aos locais da residência e do local de trabalho do arguido DD e do automóvel – vd. fls. 87,

- a 11/2/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … da sua companheira – vd. fls. 151,

- a 11/2/2021, acompanhou a intercepção de comunicação telefónica do arguido DD para um número espanhol apresentando-se como “amigo Pescador”,

- a 18/2/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … , acompanhado de DDD – vd. fls. 182,

- a 25/2/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … – vd. fls. 183,

- a 9/3/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … – vd. fls. 201,

- a 11/3/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … – vd. fls. 207,

- a 22/3/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel …,, acompanhado por EEE– vd. fls. 222,

- a 5/4/2021, fez a vigilância ao local da residência do arguido DD e do automóvel … – vd. fls. 248.

E, finalmente,

- a 20/4/2021 – após início de vigilância, em que esteve acompanhado pelo Inspector FFF, junto ao local da residência da arguido DD e do automóvel estacionado junto à residência, fez o seguimento do arguido através da sua localização celular, a deslocar-se para a zona de …, e de … para …, e aí presenciou os contactos dos arguidos GG e DD no parque do estacionamento do … com o tal indivíduo desconhecido (que, no decurso da audiência de julgamento se apurou ser o agente encoberto LL),

vigilância a que se seguiram, com a intervenção de várias equipas de inspectores da PJ, as diligências que culminaram na detenção dos arguidos,Detenção em que a testemunha OO participou e, cuja oportunidade foi decidida e ordenada pelos seus superiores.

Foi, também, sob a sua égide, que decorreram os procedimentos posteriores à detenção, respeitantes ao tratamento do expediente das detenções e apreensões já na Directoria do Sul da PJ, – conforme autos de diligência que se encontram devidamente documentados e serão examinados infra.

Esta testemunha deu ainda conta das diligências que efectuou para obter informação sobre o indivíduo que devolveu aos arguidos o veículo carregado com o estupefaciente, que não foi detido, Tendo conseguido os elementos de identificação fornecidos pelo ocupante à proprietária da Vivenda do nº … da …, local aonde se deslocou esse indivíduo desconhecido com o veículo …, imediatamente antes da concretização da entrega da droga aos arguidos, todavia, desses elementos tendo concluído que o cartão de cidadão por ele indicado para a reserva estava caducado, não tinha fotografia, a morada da residência não existia, e que o número de telefone utilizado para a reserva era um número pré-pago sem utilizador conhecido, como pré-pago também era o número utilizado por quem marcou ao arguido DD o encontro em Setúbal, tudo procedimentos que, segundo notou, correspondem aos habitualmente utilizados por estas organizações criminosas, para não deixarem rastos.

Quanto aos factos respeitantes ao arguido AA

Logo a seguir à detenção dos arguidos DD e GG, no dia 21 de Abril, esta testemunha, por intermédio dos seus superiores, recebeu indicação da DEA de que um indivíduo, AA, ligado a JJ e KK, viria a Portugal para mais um transporte de cocaína.

Nessa sequencia, através da … verificaram que o referido individuo viajou de … para …, e no dia 19 viajou de … para …, sendo que, no dia 8 de Abril tinha viajado de … para … com UU, junto do Hotel tendo sido verificado que ali esteve hospedado, chegou no dia 21/4 e saíu no dia 23/4/2021, tendo dado indicação no check-out que voltaria uns dias depois.

conforme auto de diligência realizado junto do Hotel …, de 23/4/2021, que confirmou, Ficaram alerta e apuraram que AA voltou ao Hotel … no dia 3/5/2021 – acompanhado por TT, tendo avisado que poderiam prolongar a estadia por mais uns dias.

Foi feita vigilância aos dois indivíduos, por duas equipas, de quatro inspectores cada, tendo sido fotografados ambos nas varandas do hotel, depois ambos saindo em duas viaturas, que se apurou serem alugadas em rent-a-car de … e …, o TT em … e o AA em …, Tendo arrancado ambos pela EN … em direcção a …, onde o contacto foi perdido, mas, mais tarde, voltando a ser encontrado o … perto do … de …, sendo depois os dois indivíduos localizados no Parque de estacionamento do …, apeados, de onde saíram no …, não tendo sido possível o seguimento.

Na parte da tarde voltaram a vê-los, por duas vezes, uma no parque do …, de onde saíram para a marina de …, e, ao final da tarde tendo sido verificado que o … já não se encontrava estacionado junto da pastelaria de …, onde stivera antes.

No dia 5, à tarde, duas equipas, de quatro inspectores cada, saíram para …, tendo localizado os indivíduos, AA e TT, no …, no parque de estacionamento do restaurante …, Local de onde saíram pouco depois das 21h para …, o empreendimento de onde consta a factura em nome de UU, para o período de 4 a 7 de Maio, para 2 pessoas.

Nesse dia, à noite, chegou da DEA a informação de que o arguido AA tinha ido a …, para receber 40.000 euros de alguém da organização de JJ.

No dia 6, conforme consta das accões de vigilância que se encontram documentadas nos autos, em súmula,

Em seguimento feito ao arguido AA e TT, no …, desde …, pela EN … em direcção a …, onde pelas 9h20 recolheram no terminal junto ao Hotel …, o …, conduzido por TT, seguido pelo … conduzido pelo arguido AA, as equipas no terreno verificaram que o … foi deixado no parque do …, pelas 11h25 encontrando-se os dois indivíduos a circular em …, no …, seguindo TT como pendura, veículo em que depois de terem estado no restaurante …, saíram para o … de …, onde entraram no parque de estacionamento pelas 12h50m.

Nessa altura, a comunicação entre todos os inspectores no terreno, já vinha sendo feita via rádio, e, encontrando-se os outros inspectores nas imediações do …, inclusive a testemunha, Os inspectores DDD e EEE entraram no parque do … e ficaram à espera, primeiro dentro do carro, e depois no interior do supermercado, até que o arguido AA saíu do carro e entrou no …, enquanto o TT entrou para o lugar do condutor do …, Pelas 13h20m, sendo-lhe transmitido que o arguido AA saiu do …, passou junto ao …, onde estava TT, e entrou no …, que aparentava estar carregado, sendo visível, de fora, a carga na bagageira, sendo no momento em que o arguido AA e TT iam arrancar, que a testemunha e os demais inspectores no terreno receberam ordem da Chefia para abordar as viaturas.

Os dois colegas DDD e EEE abordaram e imobilizaram as duas viaturas e os dois indivíduos, e a testemunha verificou as bagageiras, onde encontrou, no …, seis sacos pretos com cocaína.

Viu os sacos amontoados, abriu um ou dois, e viu que tinham placas muito semelhantes às apreendidas aos outros arguidos DD e GG, mas com logotipos diferentes, nos outros, um puma, nestes, um puma, uma cruz suástica, etc.

Foram feitas de seguida as revistas pessoais aos dois indivíduos, AA e TT, e, bem assim, as apreensões, de quantias em dinheiro e objectos que estão discriminados nos autos, Sendo a pesagem do estupefaciente e o expediente, elaborados a seguir, já na Directoria do ….

Os telemóveis foram remetidos para a Europol, para correlação com outros telemóveis apreendidos em investigações de outros países, razão do exame à data da inquirição desta testemunha, segundo a mesma informou, ainda estar a decorrer, E, via Europol, ficando a testemunha, ainda, a saber que havia investigações a correr contra o JJ em …, que o KK já antes tinha sido detido em … e …,

E que os dois foram detidos na …, E que AA tinha sido detido por tráfico de canábis na … e de cocaína na ….

Por último, a testemunha confirmou as acções de vigilância e seguimentos que se encontram documentados nos autos de diligência externa, que se encontram juntos aos autos e foram examinados em audiência, nos termos que constam infra.

Inspector FFF

da directoria do … da PJ, SRITE, secção de investigação de tráfico de estupefacientes que fez vigilâncias e seguimentos que culminaram na detenção dos arguidos,

quanto aos factos respeitantes ao arguido AA a sua intervenção começou com a diligência de 4 de Maio, já com a indicação das viaturas usadas por AA e TT, um … e um …, que seguiu até …, cada um deles no seu carro, alternando de posição na auto-estrada, ora um à frente, ora outro atrás, tendo feito, com o seu telemóvel, as fotografias dos suspeitos que constam dos autos, nas varandas do Hotel … em ….

No dia da detenção, actuando sózinho, iniciou vigilância aos arguidos no restaurante …, encontrando-se todas as equipas no terreno em conferência por rádio, sabendo por isso das posições relativas dos colegas, quando entrou no parque da … já as outras equipas que lá estavam tinham feito a abordagem dos indivíduos, e os veículos … e … já não se encontravam nas posições iniciais, já estando dirigidos para a saída, só tendo visto na Directoria os sacos de desporto que continham a droga, fez a contagem e acondicionamento do estupefaciente, na Directoria, porque eram muitos sacos, explicando que só quando são poucos essa contagem pode ser feita logo nos locais das apreensões.

quanto aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG no dia 20/4/202, fazendo equipa com o Inspector OO - participou na vigilância à residência do arguido DD, em …, onde foi observado o veículo … estacionado à porta de casa, porém, apontando a localização celular do telemóvel do arguido para a sua presença na zona de …, … e …, informação a partir da qual veio o mesmo a ser localizado na zona dos … e do … em …, junto da viatura … com o arguido GG, local para onde a equipa também se deslocou,

- já no parque do … de … viu a aproximação ao veiculo de um terceiro individuo não identificado, seguindo os três no dito veículo para a zona dos bombeiros, a escassos metros dali, local onde os dois arguidos saíram do veículo e fiaram apeados, afastando-se o veículo conduzido pelo terceiro indivíduo não identificado, sendo seguido por outra equipa no terreno, conforme comunicação recebida via-rádio,

- cerca de meia hora depois, observou o dito veículo conduzido pelo referido indivíduo, a voltar ao parque do …, onde parou, e encontrando-se já ali os arguidos DD e GG, todos se deslocaram para junto da mala/bagageira do carro, aberta pelo condutor, tendo-se debruçado sobre ela os arguidos, logo de seguida, saindo do local a pé o outro indivíduo não identificado, enquanto os arguidos DD e GG entraram no veículo, que, quando já tinham arrancado e estavam a iniciar a marcha para abandonarem o local, foram abordados, pelos inspectores no terreno,

- Sendo que, inicialmente, quando foram barrados, os arguidos se dirigiram aos inspectores que os abordaram, como se se tratasse de uma altercação de trânsito, interpelando-os por terem atravessado o veículo na sua frente, com isso impedindo-lhes a passagem,

- sendo esta testemunha, quem, logo após os arguidos terem sido retirados do interior do veículo, entrou no mesmo, abriu a bagageira, e foi verificar o conteúdo da mesma, deparando-se com os pacotes com o produto estupefaciente,

- e, que, após a detenção dos arguidos, foi quem conduziu a viatura para as instalações da PJ em …, onde os pacotes com o estupefaciente foram submetidos ao teste rápido, reconhecendo a sua assinatura nos documento de fls. 441 e 442.

- e, sabendo que foi o Inspector GGG quem tentou a perseguição ao indivíduo não identificado que, todavia, já não foi localizado.

Inspector DDD

Da Directoria do … da PJ, que

Ajudou o OO em algumas diligências para recolha de informação, nomeadamente, no aeroporto de … e no hotel …,

Depois participou em algumas vigilâncias e nas detenções, tendo descrito com detalhe as vigilâncias que efectuou, as equipas que integrou, e as que, em cada momento, estiveram mobilizadas no terreno, as detenções, tendo sido confrontado com as fotografias e autos de diligência em que participou.,

Quanto aos factos respeitantes ao arguido AA

No dia 4/5/2021 participou na primeira vigilância, começaram no hotel … e foi feito o seguimento até … retomaram a vigilância por volta das 4h e pouco, no …, no dia 5/5, a meio da tarde, foram para … para localizar os indivíduos, AA e TT, que perto da hora do jantar se encontravam no restaurante …, e perderam depois na zona da marina, e, no dia 6/5/2021, com a inspectora EEE deu apoio às equipas que já estavam no terreno, designadamente, Tendo estado presente no interior do …, imediatamente, antes da detenção, E já depois da saída, no exterior, junto ao TT,

Tendo sido por eles feita a abordagem dos dois veículos, Vindo entretanto juntar-se a eles, para darem apoio, as duas equipas que se encontravam no exterior, Tendo a detenção ocorrido quando os dois veículos já se encontravam em movimento, ambos a fazer marcha atrás.

Esclareceu que foi o colega OO que verificou as bagageiras e o conteúdo da bagageira do …, Nessa detenção ele ficou sempre junto de TT, a quem fez a revista, e a EEE junto de AA, a quem fez a revista, após tendo-se dirigido todos para a Directoria do …, para onde levaram os veículos, só tendo visto os 144 blocos de cocaína, cerca de 160 kgs brutos, com os vários desenhos que descreveu, já na Directoria do …, aquando da pesagem do estupefaciente,

quanto aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- acompanhou o Inspector OO na vigilância ao arguido DD, em Fevereiro, em …, nada sabendo dos pormenores da investigação, além de saber que se tratava de um processo de tráfico de estupefacientes,

- e só voltou a intervir no dia da detenção dos arguidos DD e GG, 20/4/2021, fazendo equipa com o Inspector CCC, e sob as ordens do Inspector-chefe AAA, dadas via rádio e telefone,

Nesse dia da detenção,

Em equipa com o Inspector CCC, inicialmente a indicação era para irem para …, para onde apontava a localização celular do arguido DD, Porém, a meio caminho, receberam indicações da Chefia, para se dirigirem para …, por terem sido localizados o arguido DD já na zona do …,

- fizeram o seguimento do veículo … já na zona de …,

- Tendo entretanto sido recebida a informação de que outro indivíduo tinha entrado para o lugar do condutor,

- e, tendo depois sido vistos apeados os dois arguidos, receberam ordem para seguirem o veículo quando já era conduzido pelo indivíduo não identificado, o que fizeram desde o Parque de estacionamento do … até um beco sem saída, na zona da marina de …, onde o veiculo estacionou, local por onde passaram, e, onde, aparentemente, nada se passava, e onde não havia condições para manterem a vigilância por risco de serem descobertos,

- por ordem da Chefia, voltaram para trás, para a zona do …, onde tinham estado antes, por não ser expectável que os arguidos ali ficassem definitivamente apeados, onde ficaram dentro do carro a ouvir as comunicações,

- a seguir tendo sido ouvida a comunicação dos colegas apeados que o veículo … conduzido pelo tal indivíduo não identificado regressou ao local, e, parou dentro do parque, e que o condutor e os dois arguidos foram ver a bagageira, e que iam entrar no veículo, receberam a ordem para a abordagem,

- com o Inspector CCC procedeu à abordagem dos arguidos, quando o veiculo em que seguiam já se encontrava em movimento, barrando-lhes o caminho com o veículo deles, conduzido pelo Inspector CCC,

- para a detenção vieram juntar-se a eles os Inspectores OO e FFF, que se encontravam na esplanada existente no local, tudo por ordem do Inspector Chefe,

- procedeu com o Inspector CCC à detenção do arguido DD, que ainda tentou resistir sem sucesso, enquanto, em simultâneo, os Inspectores OO e FFF abordaram e detiveram o arguido GG,

- tendo o Inspector FFF verificado que no interior da bagageira do veículo se encontravam os blocos de droga,

- e, outro colega ido atrás do indivíduo que se tinha afastado,

- com o CCC fez a revista ao DD, no local,

- E, por último, já nas instalações da PJ em …, viu o trólei de viagem que se encontrava no veículo, com umas roupas velhas a tapar os blocos de estupefaciente, blocos que descreveu com a imagem de um puma, e também ajudou na pesagem e testes do estupefaciente.

Inspector CCC

da Directoria do … da PJ, agora na …,

Quanto aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- com o Inspector-Chefe AAA, entre os dias 13 e 15/4/2021, com indicações da localização celular do arguido DD, em … e …, fez o seguimento deste, desde … até …, e ali presenciou os encontros em que participaram os arguidos DD, GG, VV (irmão do arguido GG) primeiro, com um, e depois, com mais outros dois indivíduos, não identificados, tendo feito as fotografias desses encontros – tudo documentado no auto de fls. 270,

- com o Inspector DDD, no dia 20/4/2021, recebendo instruções das Chefias e em contacto com outras equipas no terreno, participou na detenção dos arguidos DD e GG,

- imediatamente antes das detenções, tendo ambos seguido o veículo em que se deslocava o arguido GG, agora conduzido por indivíduo não identificado, desde os Bombeiros de …, perto do parque de estacionamento do …, até uma moradia situada num beco sem saída, na zona da marina, depois tendo recebido ordens do Inspector Chefe AAA para se dirigirem ao parque do …,

- local onde já se encontravam os arguidos, e aonde compareceu o indivíduo não identificado no veículo …, dirigindo-se todos para a bagageira do veículo, entretanto aberta, e para cujo interior todos olharam,

- de seguida, tendo os dois arguidos entrado no veículo, enquanto o outro indivíduo se afastou, nesse momento tendo sido recebidas as ordens para procederem à abordagem,

- confirmou que havia outras equipas no local, designadamente, o OO e o FFF, que já vinham de …, e o HHH e o III,

- confirmou terem bloqueado a passagem ao veículo, com a viatura em que seguiam, e não ter verificado a bagageira, limitando-se ao estrito cumprimento do que lhe foi ordenado,

quanto aos factos respeitantes ao arguido AA

em Maio, tinha visto o arguido e TT nas varandas do Hotel …, em equipa, já não recorda com quem, fez um seguimento ao arguido AA e a TT, de … para …, nas viaturas … e …,

e no dia seguinte fez um seguimento a uma das viaturas em ….

Inspector HHH,

da Directoria do … da PJ,

que já em Fevereiro de 2021 estivera no Hotel … em Faro, com a Inspectora EEE, para confirmar a presença de JJ, e que, desconhecendo outros detalhes da investigação, apenas participou nas abordagens e detenções dos arguidos,

nos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- no dia da detenção, 20/4/2021, fazia equipa com o Inspector III, e encontravam-se no local sob o comando e as instruções do Inspector Chefe AAA e do Inspector Coordenador JJJ,

- participou, a pé, nas vigilâncias que antecederam as detenções dos arguidos DD e GG, quando estes, após terem entregue o veículo … ao indivíduo não identificado, ficaram apeados na zona dos bombeiros de … e do …,

- tendo assistido ao regresso do veículo ao parque de estacionamento, conduzido por aquele indivíduo não identificado, e observado os três a olharem para dentro da mala do carro,

- e que, aquando da detenção, fez a segurança periférica aos colegas que procederam à abordagem e detenção dos arguidos, enquanto o colega III foi atrás do indivíduo não identificado que se tinha ausentado do local,

- já depois da detenção apenas se apercebeu de uma embalagem na bagageira do veículo, mas não verificou o conteúdo por não lhe competir fazê-lo,

factos respeitantes ao arguido AA

Em equipa com o OO, no dia da detenção, 6/5,

Fez vigilância ao arguido circulando no veículo … de … para …, até junto do veículo …, que depois o arguido AA e TT deixaram no parque do … em …, Parque de estacionamento do …, de onde saíram os dois, no …, sendo seguidos por outros colegas, depois do … só tendo voltado a vê-los no momento da detenção, no …, aonde ele e o OO, foram dar apoio à EEE e ao DDD que tinham feito a abordagem, o arguido AA estava ao volante do … e TT ao volante do …,

Foi o OO que foi ver o que estava nos veículos, Seis sacos com cocaína, que também viu depois, no local Esteve focado na segurança periférica das detenções, A ordem de abordagem foi geral, dada pela chefia, AA e TT foram informados logo no local das razões da detenção, foram dominados no solo e quando se levantaram a mala já estava aberta e os arguidos viram os sacos, Na directoria ajudou no expediente,

Inspector III

da Directoria do … da PJ, que só interveio nos factos respeitantes aos arguidos DD e GG com o Inspector HHH, tendo participado, em equipa apeada, na diligência que levou à detenção dos arguidos DD e GG,

- tendo recebido ordens do inspector-Chefe AAA para se dirigir à zona do … de …, para controlar dois suspeitos que se encontravam nesse local, a aguardar que voltasse um terceiro que tinha saído de carro,

- tendo chegado ao local cerca das 18:20h, viu os dois indivíduos a deambular, e, após a chegada do veículo referenciado, dirigiram-se todos, incluindo o condutor do veículo, já com a bagageira aberta pelo condutor, para junto dela a olhar para o seu interior,

- Nessa altura tendo o condutor do veículo abandonado o local em direcção ao …, e tendo os dois arguidos entrado no veículo, e, assim que arrancaram, tendo sido recebida a ordem para a abordagem do veículo e a detenção,

- e, que verificando que os colegas estavam a deter os arguidos que seguiam no veículo, tomou ele a decisão de ir no encalce do indivíduo que se tinha afastado do local, mas já não tendo conseguido localizá-lo,

- durante a sua intervenção acompanhou as ordens que iam sendo dadas por rádio, e as que pessoalmente lhe fossem dirigidas, por telefone, sendo que, previamente, no caminho de … para …, apenas tinha recebido indicações sobre a descrição de dois suspeitos e do veículo, e, por último, também de um terceiro indivíduo, relativamente ao qual não foi dada qualquer indicação para a sua detenção, não tendo ideia de lhe terem sido indicados nomes, nem lhe tendo sido fornecidas fotografias,

Inspectora EEE

Inspectora da Directoria do …, da PJ,

- que participou na recolha de elementos relativos à estadia de JJ no nosso país junto do Hotel … – intervenção documentada em auto a fls. 137,

- Quanto aos factos respeitantes ao arguido AA

Participou na detenção do dia 6/5 em equipa com o inspector DDD,

E, em seguimentos ao veículo …, das deslocações do arguido AA e TT, na manhã desse dia, entre as 10h e a hora da detenção, Estavam no terreno 3 equipas, em três viaturas, que iam comunicando entre si via rádio e via telemóvel, e com a chefia, Inspector Chefe AAA,

Ela e o inspector DDD fizeram vigilância dentro e fora da loja do …, E procederam à detenção quando receberam a ordem para o efeito, num momento em que o arguido AA e TT se tinham atrapalhado um ao outro na saída, Fez a revista ao arguido AA,

Foi o OO que viu o conteúdo da bagageira do …,

Os seis sacos com cocaína, que só viu na Directoria,

E em cuja contagem, pesagem e teste rápido do estupefaciente, ajudou.

Quanto aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- acompanhou o Inspector OO nas vigilâncias ao arguido DD por duas vezes, ocasionalmente, por ter de se deslocar a … por diligências noutros processos – intervenção documentada em auto a fls. 222,

Inspector Coordenador JJJ

responsável pelo departamento da PJ dedicado à investigação dos crimes de tráfico de estupefacientes,

Que respondeu de forma esclarecedora quanto a todas as questões que lhe foram colocadas sobre todas as concretas intervenções que teve na investigação e nas trocas de informação com a DEA e com a Europol, que, abaixo, mais esmiuçadamente se referem a propósito do exame da prova documental,

E, também de forma esclarecedora, quanto às questões em geral de articulação da sua intervenção enquanto coordenador da Directoria do … da PJ, designadamente com o inspector Chefe e os demais Inspectores que participaram na investigação, e com a coordenação das acções encobertas, segundo as metodologias próprias do funcionamento de cada departamento, regras vitais para a prossecução das finalidades do corpo de polícia em questão,

E que, enquanto inspector-coordenador da Directoria do …, no caso dos presentes autos, acompanhou o que entendeu ser necessário, designadamente,

- esteve presente nas imediações, nos dias das detenções,

- não podendo precisar quantas equipas estiveram no terreno, 3 ou 4, uma vez que a dinâmica dos acontecimentos vai volatilizando o que foi definido inicialmente, sendo necessária a introdução de adaptações,

- foi confrontado com o teor de fls. …, sobre o qual esclareceu ser um e-mail da sua caixa de correio, constituindo, em linguagem policial, uma informação especulativa registada como expediente que achou relevante para a investigação, pelo que ordenou o respectivo registo e junção aos autos,

- no mais, explicou detalhes de procedimentos administrativos internos, relativamente ao tratamento e classificação do expediente que chega ao seu conhecimento,

- tendo esclarecido que a sua função é supervisionar a legalidade de todos os actos do processo e promover ao MP a realização de actos,

- e, quanto à Europol, tendo explicado que não é um corpo de polícia mas uma agência de informação, e que no que respeita à articulação da PJ com a Europol, a finalidade é a consulta e o cruzamento de informação com bases de dados para além do contexto nacional, sendo muito frequente ser solicitada à Europol a realização de exames periciais, designadamente, de telefones, estando a mesma acreditada para esse efeito, sendo essa solicitação o procedimento normal quando estão em causa actores internacionais, o que no caso do arguido AA, por não ser cidadão residente e ter vindo para um hotel onde tinham estado dois fortes suspeitos de delitos de nível internacional, se mostrou justificado,

Explicou, também, o modo de articulação entre a PJ e a Europol,

Que o Gabinete da Europol em Portugal é uma estrutura da PJ, sendo ele, JJJ, o contacto da Europol em Portugal,

Mas, apesar disso, sendo os responsáveis pelas investigações, quem preenche os formulários existentes, como aconteceu designadamente, no caso de fls. … a …, sendo mencionado o seu nome apenas por ser o responsável da secção,

Sendo a Europol quem define os prazos dos exames, comprometendo-se a devolver o material recebido quando não consegue efectuar os exames solicitados nos prazos que fixou para a sua realização,

Quanto ao seu conhecimento da existência de acções encobertas, Explicou que correm noutro departamento da PJ E que o princípio que rege os dois departamentos, é o de que a gestão recíproca da informação deve ser feita na rigorosa medida das necessidades, cada um sabendo apenas o que tem de saber, designadamente, saber se existe uma autorização da acção encoberta, e, havendo, articular-se com o colega responsável.

No caso concreto, sabia da acção encoberta, mas os inspectores da investigação não tinham esse conhecimento, só após as detenções lhes tendo sido dado conhecimento disso, informalmente, e, sendo necessário que assim seja, para não colocar em risco a segurança das pessoas,

No caso, apenas ele tinha esse conhecimento, e o Inspector AAA só mais tarde e genericamente,

Quanto ao mais, questionado sobre as razões da inexistência no processo de fotografias das pessoas não identificadas, e sobre a decisão do abandono da vigilância na praceta da …, disse serem da sua competência e/ou do Inspector-Chefe AAA, exclusivamente, as decisões sobre as acções que os inspectores no terreno executam ou não executam, a cada um deles cabendo, apenas, executar as ordens que recebem,

Por fim, negou saber que era um agente encoberto quem estava a levar o carro com a droga, e que esse conhecimento seria apenas do coordenador da accão encoberta.

NN

Que é o coordenador da … da PJ, o departamento de acções encobertas, AE, da PJ, desde Maio de 2020, inicialmente arrolado e inquirido pela defesa do arguido AA, foi reinquirido, a requerimento do Ministério Público, ao abrigo do disposto no art. 340º do CPP, após a junção do Relato a fls. 2484, dos seus depoimentos, entre o mais, por forma que não deixou qualquer dúvida, resultando que

- após informação da DEA, e, na sequência da sua participação em reuniões com os elementos da DEA no escritório de …, realizadas para o escrutínio da informação disponibilizada, e subsequente avaliação e planeamento da acção a desenvolver – que apresentou ao DCIAP a proposta da AE,

- a AE iniciou-se 6 a 8 dias depois da informação da DEA, por despacho judicial, inicialmente preventiva e depois repressiva, e que a mesma decorreu, desde o início até ao final, sempre sob a sua orientação e supervisão e sob autorização prévia das autoridades judiciárias competentes,

- que também foi através de informação da DEA, que, em Janeiro de 2021, a PJ teve conhecimento da intervenção, naquela operação de tráfico de estupefaciente, dos arguidos GG e DD, supostamente, o primeiro, como comprador de parte daquele estupefaciente, e ao segundo, cabendo, para esse efeito, o estabelecimento dos contactos com a organização criminosa de JJ e KK,

- que, ao longo da investigação deste processo 17/21, a partilha de informação da AE foi feita por si, exclusivamente, com o Inspector Coordenador da Directoria do … da PJ, JJJ, responsável máximo pela investigação do processo descoberto, e dos limites dessa partilha de informação, restrita ao absolutamente necessário para garantir o segredo da operação, a entrega e o controlo do estupefaciente e a detenção dos arguidos e a salvaguarda da segurança pessoal dos intervenientes inspectores da PJ, maxime, do agente encoberto, e, sem o conhecimento dessa informação pelos inspectores da Directoria do … que levaram a cabo no terreno a investigação no processo descoberto,

- a dinâmica das AE, cujo desenvolvimento no terreno varia em função das alterações programáticas da operação de tráfico pelas organizações criminosas, e das necessidades de garantir o sucesso das operações do controle e custódia da droga, e da detenção dos agentes criminosos, e da segurança dos envolvidos, maxime do agente encoberto,

- e a autonomia entre a AE e a investigação levada a cabo no processo descoberto, sendo as competências e responsabilidade de cada um dos respectivos coordenadores, diferentes, autónomas, e sem interferências,

- o modo e o tempo da entrada da droga deste processo, em Portugal,

- a guarda da droga em instalações próprias da PJ,

- os procedimentos adoptados para o exame toxicológico do estupefaciente pelo laboratório de polícia científica da PJ, LPC, que passam pela identificação, descrição individualizada e pesagem do estupefaciente tal como foi apreendido, por forma a garantir a integridade da droga recebida, e acautelar eventuais discrepâncias de peso resultantes dos condicionamentos dos materiais das embalagens, e factores climáticos e atmosféricos durante o armazenamento,

- a confirmação da intervenção e das acções no terreno do agente encoberto LL

- e, pontualmente, no dia 18 de Janeiro de 2021, da intervenção de outro encoberto, o agente SS - ambos funcionários da PJ, agindo sob o seu comando, orientação e supervisão, e, a participação que tiveram nos encontros, e, na definição dos detalhes dos procedimentos para as entregas, dos locais e dos modos de entrega que foram propostos pelos arguidos, adequando-os aos fins da acção encoberta,

- nomeadamente -

tendo sido ele, NN, quem decidiu, após propostas dos arguidos, aceitar reduzir para 79.500 e 39.900 euros, os montantes que os arguidos DD e GG e AA, respectivamente, deviam pagar ao agente encoberto aquando da entrega da droga, adequação de montantes cuja necessidade decorreu de, nas datas previstas para as respectivas entregas, os arguidos não disporem dos montantes que eram devidos,

- sendo que no caso do estupefaciente entregue ao arguido AA o montante que se encontrava em dívida para a entrega da droga, acordado entre a organização e o transportador, era de 100.00 euros,

- e, que, no caso do estupefaciente entregue aos arguidos GG e DD, não era conhecido pela PJ o montante devido pela entrega, nem a que título, se, incluindo transporte e/ou valor do produto, mas, num caso e noutro, propondo-se os arguidos perante o agente encoberto pagar os montantes em falta depois das entregas,

propostas que o agente encoberto aceitou, por decisão do depoente, coordenador da acção encoberta, por, naquela fase do processo encoberto, aqueles montantes serem tidos como adequados à concretização e ao sucesso da operação,

- e, que confirmou a sua presença no terreno nas datas das detenções, comandando e supervisionando as entregas e as detenções, embora sem o conhecimento das equipas de investigação da PJ que procederam às vigilâncias, detenções e apreensões – com excepção do respectivo Coordenador, JJJ, único com quem se manteve em contacto em tempo real e partilhou a informação e as ordens de comando estritamente necessárias ao sucesso da acção encoberta, e, por intermédio deste, JJJ, também controlando a intervenção das acções das equipas no terreno, que eram compostas no momento das detenções por cerca de 20 elementos, agindo sob as ordens do Inspector Chefe da Directoria do …, AAA, e do Coordenador JJJ,

- e, quanto ao arguido GG, tendo também ficado esclarecido por esta testemunha que apesar de ser inicialmente o nome do seu irmão, VV, aquele que foi transmitido pela DEA, todavia, foi o arguido GG a pessoa que interveio em todos os encontros - os preparatórios da entrega e o da entrega - tendo o conhecimento da identidade deste sobrevindo, logo a 18/1/2021, a partir do registo da matrícula do veículo que conduzia, sendo marido da proprietária do veículo, informação do registo automóvel que foi relacionada com outra existente nas bases de dados disponíveis – identificação civil, fichas biográficas existentes na PJ, redes sociais - informação que foi pesquisada e recolhida em tempo real pelo próprio depoente NN, nesse primeiro encontro, junto à CP de …, (o que como sabemos, por já referido supra, também foi feito pelo inspector OO nestes autos 17/21) e foi analisada comparativamente com idênticos dados relativos a VV, sendo também confirmada pelo agente LL, que participou, presencialmente, nesses encontros no terreno, inexistindo nenhuma dúvida que a pessoa retratada nesses documentos identificada como GG foi a mesma que conduziu o veículo … e que compareceu nesses encontros, Confirmação reafirmada em audiência de julgamento pelo agente LL, por forma credível, em virtude desse conhecimento pessoal adquirido presencialmente,

E, que, aliás, também não suscitou quaisquer dúvidas ao tribunal quanto a ser o arguido presente em audiência de julgamento a mesma pessoa que, retratada nas imagens fotográficas juntas aos autos, foi nelas identificada como GG.

Agente encoberto LL

do seu depoimento, conjugado com o da testemunha NN e com o relato final que elaborou na AE, concluiu-se

- que era funcionário da PJ,

- que a sua actuação se limitou ao cumprimento das ordens do Coordenador da acção encoberta, em adequação com as indicações dos arguidos, e, em cada momento da sua intervenção apenas detendo a informação estritamente necessária ao desempenho exigido nesse momento, não conhecendo o teor dos despachos judiciais proferidos na acção encoberta, designadamente, o despacho judicial de autorização, perfilando-se esse conhecimento restrito como regra de conduta necessária à não contaminação do seu desempenho,

- que, participou, presencialmente, no início de Fevereiro de 2021, do encontro que teve lugar em …, com JJ e o agente MM, deste MM sabendo que era a pessoa a quem JJ encomendara o transporte da droga para Portugal, que era um agente encoberto e que não era funcionário da PJ, mas desconhecendo se era elemento, ou mero colaborador, da DEA,

- que a sua presença nesse encontro foi exigido por JJ ao MM para conhecer a pessoa de confiança deste, responsável em Portugal pelo transporte, armazenamento e entrega do estupefaciente, condição em que foi apresentado pelo MM ao JJ, e, tendo JJ querido saber das condições em que se encontrava armazenado o estupefaciente e tendo solicitado fotografias, com os detalhes que descriminou, fotografias para enviar aos seus clientes e começar a escoar o produto,

- que, para fazer essas fotografias que enviou a JJ, teve, pela primeira vez, acesso ao estupefaciente que já se encontrava à guarda da PJ,

- sendo nessa mesma ocasião que JJ lhe forneceu o contacto do seu filho, “…”, para futuras comunicações entre ambos, em plataforma informática encriptada e com a utilização de nomes de código,

- que, entretanto, devido às limitações de circulação entre fronteiras decorrentes da pandemia e, bem assim, por ter ocorrido, entretanto, a detenção na … de JJ e KK, a concretização das entregas em Portugal sofreu atrasos,

- e que, por último, foi ele quem esteve presente nos encontros com os arguidos documentados nos autos pelas equipas de investigação no terreno, e que foi ele quem procedeu às entregas da droga aos arguidos e deles recebeu as quantias que foram entregues.

Concretamente,

Relativamente aos factos respeitantes aos arguidos DD e GG

- interveio pela primeira vez, no encontro em …,

a 18 de janeiro de 2021, no encontro junto à CP de …, encontro destinado ao pagamento e entrega do estupefaciente pagamento cujo montante desconhecia, e do qual nada lhe foi pago, porque os arguidos lhe transmitiram que não dispunham dele nessa data e que o contactariam, posteriormente, para o efeito, razão de ter sido combinado um novo encontro para 15 de Abril de 2021, em … - encontrando-se esse encontro de 18/1/2021 documentado pelo Inspector OO, no auto de notícia e na reportagem fotográfica de fls. 39 a 43 - sendo que, a 18/1/2021, tão-pouco poderia a testemunha agente LL ter feito a entrega da cocaína aos arguidos, posto que o estupefaciente ainda não tinha chegado a Portugal, ao contrário do que os arguidos supunham,

- interveio pela segunda vez no encontro de …,

a 15 de Abril de 2021, encontro onde também compareceu VV, onde os arguidos GG e DD combinaram consigo fazer-lhe um pagamento parcial de 79.900 euros, contra a entrega do estupefaciente, em novo encontro que agendaram para o dia 20 seguinte, no … de …, sendo o restante, do pagamento em falta, pago após a entrega do estupefaciente - encontro que está documentado em RDE e reportagem fotográfica de fls. 270 a 274,

- e que, por último, interveio pela terceira vez no dia da detenção

20 de Abril 2021, junto ao … de …, encontro em que participaram apenas o depoente e os arguidos DD e GG, que lhe entregaram o veiculo …, com a quantia de 79.900 euros, na bagageira, para o pagamento acordado, dirigindo-se o depoente no veículo para o local onde se encontrava o estupefaciente, local que só nesse momento lhe foi indicado pela chefia, e aonde o veículo foi carregado com o estupefaciente na bagageira, e o dinheiro dali retirado, e, após, tendo o depoente, agente LL, voltado ao parque de estacionamento do …, onde já se encontravam novamente os arguidos, onde parou junto deles e abriu a porta da bagageira, para que os arguidos vissem o que se encontrava no seu interior, e, imediatamente, dali saindo ele, agente encoberto LL, apeado, como a sua chefia lhe tinha ordenado que fizesse, ao mesmo tempo que os arguidos entraram para o veículo e o puseram em funcionamento, iniciando viagem, momento em que foram abordados, pelos elementos da PJ que se encontravam no local, encontros documentados nos RDE e na reportagem fotográfica de fls. 287.

Relativamente aos factos respeitantes ao arguido AA

Em finais de Abril, seguiram-se os encontros com o arguido AA - cujo nome de código, …, lhe chegou através de comunicação em plataforma electrónica, por JJ (filho) - para lhe ser entregue o estupefaciente,

Em finais de Abril, a entrega do estupefaciente não se concretizou porque o arguido não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte

A 4 de Maio de 2021 em novo encontro, junto ao … de … a entrega não se efectuou, novamente, porque o arguido AA não dispunha da quantia acordada para o pagamento, 100.000 euros, quantia que respeitava apenas ao transporte, já que a droga pertencia à organização, propondo o arguido AA entregar 40.000 euros, contra a entrega dos 144 Kgs de cocaína, sendo o restante dos 100.000 euros pago posteriormente, após a entrega, proposta que foi aceite por decisão da Chefia, sendo por ele AA marcado novo encontro para 6/5.

A 6 de Maio de 2021, o encontro ocorreu no parque de estacionamento do supermercado … de … por indicação do arguido, donde saíram apeados para o …, do outro lado da estrada, onde se encontrava estacionado o … levado para ali pelo arguido.

O … foi-lhe entregue para que o fosse carregar e o trouxesse para o ….

Depois de ter ido carregar o …, o depoente agente encoberto LL deixou o veículo estacionado no parque do …, num lugar escolhido e indicado pelo arguido AA, onde não havia câmaras, encontrando-se TT no veículo … também estacionado noutro lugar do parque, ali permanecendo, enquanto o depoente e o arguido AA entraram no …, onde durante cerca de 30 minutos o arguido fez compras, tendo colocado o dinheiro acordado para a entrega, €39.500,00, no carrinho de compras, de onde foi retirado pelo agente LL.

Logo após, o depoente agente LL abandonou o local apeado, enquanto o arguido entrou no … e accionou o motor, pondo-se em movimento, para seguir viagem, seguido por TT ao volante do …, de seguida tendo ocorrido a detenção do arguido (e de TT).

Tal descrição pelo agente encoberto LL dos factos respeitantes aos encontros que teve com os arguidos e às respectivas detenções também obteve confirmação nos depoimentos das testemunhas Inspectores da PJ da Directoria do …, e do Inspector Coordenador da Investigação, embora esses depoimentos tenham sido prestados em momento anterior, quando já era certa a existência da acção encoberta, mas ainda antes do conhecimento do Relato.

Agente encoberto SS

Interveio na AE na qualidade de agente da PJ, sem nenhuma intervenção directa, presenciando o encontro de Janeiro de 2021, em …, de longe, sem qualquer intervenção, por lhe ter sido ordenado, apenas, que fizesse a segurança do agente encoberto LL no encontro, não sabendo precisar a quantos metros de distância estava dos intervenientes, apenas tendo contacto visual mas não contacto auditivo, sem participar em nenhuma acção,

KKK

Inspectora da PJ, em exercício de funções na Unidade nacional da Europol em …, - que não teve intervenção no inquérito e se limitou a confirmar ter recebido de FFF os telemóveis apreendidos aos arguidos a fls. 611, que encaminhou para a agência europeia da Europol em …, …, para exame,

- e que, questionada sobre a demora na junção aos autos dos relatórios dos exames a esses telemóveis, à data em que foi ouvida, apenas sabia que o último relatório que recebeu das perícias efectuadas aos referidos telemóveis já tinha sido encaminhado para a investigação, estando a ser articulada a entrega dos telemóveis,

- no mais, explicou como se articulam entre si a agência nacional da Europol e a agência que procede aos exames em …, e o modo como as comunicações e as conclusões dos exames efectuados são tratados e comunicados, administrativamente, entre a agência que procede aos exames e a agência nacional que os solicita, mediante a utilização de formulários e segundo códigos que estabelecem graus de confidencialidade da informação transmitida, e que no caso deste processo, pode assegurar resultar de fls. … e … que foram solicitadas informações à … pela Europol para levantamento da confidencialidade da informação recolhida nos exames,

Depoimentos de outras testemunhas arroladas pelo arguido AA

LLL

Que foi Director da Directoria do … da PJ entre 2019 e Abril de 2022,

- e não se recordava desta concreta acção encoberta, nem das apreensões de cocaína em questão, sem embargo de poderem ter sido levadas ao seu conhecimento, entre tantas outras operações,

MMM

Inspector da UPAT, da PJ, a quem a menção do número desta acção encoberta, bem como os nomes PP e XX nada dizem ou recordam,

NNN, encarregado do … de … desde 2006,

- que referiu que a loja tem sistema de videovigilância interno e externo,

Porém, no exterior apenas em locais estratégicos, designadamente, não abrangia as zonas de estacionamento fora do toldo, nem o lado do muro oposto à loja,

- que esteve de férias durante duas semanas entre Abril e Maio de 2021, desconhecendo se nesse período houve alguma avaria nas câmaras, sendo a fiscalização do respectivo funcionamento da competência do vigilante, e desconhecendo também se havia vigilante no período das duas primeiras semanas de Maio,

Tão-pouco se recordava de lhe terem sido solicitadas imagens pela PJ.

OOO gerente do … de …,

que esclareceu que nem todas as lojas tem videovigilância e o daquela loja em concreto, de …, só se iniciou em Outubro ou Novembro de 2021,

TT

amigo do arguido AA desde 2014, que foi ele próprio igualmente detido e constituído arguido na mesma oportunidade do arguido AA, mas, depois, não foi pronunciado, que descreveu o arguido AA como pessoa sem problemas financeiros - tinha uma empresa têxtil, uma empresa de contentores, e, outra de aluguer de automóveis - não conhece, nem nunca tinha ouvido falar de JJ ou KK, sem ser nos autos, sabendo que AA foi detido e esteve preso durante 9 meses, mas nunca tendo sido condenado.

Veio a Portugal a convite do arguido AA, por razões de saúde suas, chegaram a 3 de Maio e foram detidos a 6 de Maio de 2021, no primeiro dia ficaram em quartos separados no Hotel … e nos seguintes ficaram numa vivenda arrendada, estiveram sempre juntos, nunca viu ao arguido AA um telemóvel …, o AA alugou dois carros, porque tinha de “sub-alugar” um deles a outra pessoa, um certo “XX”, no dia da detenção conduziu o …, que esteve estacionado no terminal rodoviário de …, de … até …, ao parque do “…”, que viu que o veículo tinha “chapeleira”, por terem colocado algumas compras na bagageira,

e que antes da detenção, já estavam estacionados no parque do …, quando chegou o …, dois a três minutos depois de ali terem chegado, cerca de dez minutos antes das 13h, que a pessoa que trouxe o … para o … foi a mesma que o levou do …, que descreveu, como sendo o XX, homem de 40 a 50 anos, magro, e parecia de …, que, antes da detenção, essa pessoa e o AA, falaram e foram juntos para dentro da loja, às compras, onde estiveram uma meia-hora, tendo ele ficado no estacionamento.

Depois das compras o AA deixou-as na bagageira, deu um envelope ao XX e o XX deu-lhe as chaves do carro, o AA foi para o … e o XX fez uma pequena conversa consigo e riu-se, e, de repente, quando o AA já estava dentro do …, chegaram, talvez, uns 15 agentes da polícia, que não viu nada de suspeito dentro do …, nem viu nenhum dos agentes mostrar nada dentro do … ao AA, não viu a porta do … ser levantada nem aberta em momento algum, foram detidos, postos no chão, algemados e levados imediatamente, que sabe ser esse indivíduo o XX com quem o AA se encontrou por ter presenciado os encontros 2ª feira à tarde, durante uma hora, 3ª feira à tarde, durante meia hora no parque do …, E 5ª feira, duas vezes, uma no …, e outra no …, Não perguntou ao AA quem era o XX,

Encarou esses encontros como fazendo parte da actividade profissional dele,

Tinham agendados voos de regresso para a 6ª feira de manhã, dia 7 de Maio, Tinha uma consulta para essa data no hospital,

Que o AA lhe disse que tinha estado em Portugal recentemente para negociar a compra de um carro chamado – … – E que, quando foram detidos no parque do …, e os levaram para …, perguntou a razão de terem sido detidos, e lhe mostraram uma fotografia com malas e disseram-lhe que estavam no carro do seu amigo AA,

Mais esclareceu que na 4ª feira de manhã, pelas 8h30m, foram de … para …, visitar a cidade, a ultima visita foi ao café …, entre as 14h e as 15h e depois regressaram,

Não viu o AA encontrar-se com ninguém.

Tinha tido uma depressão e essa foi a razão de o AA o ter trazido a Portugal, para passear,

Não ouviu a conversa entre o AA e o XX no parque do …,

O AA entregou-lhe as chaves e o XX levou o … com ele,

Depois do … foram comer ao Restaurante, E cerca de duas horas depois de ter levado o carro o XX telefonou ao AA para ir buscar o carro, O AA disse-lhe que tinham de ir para o … levantar o carro, mas que isso não tinha sido combinado, O AA só lhe tinha dito que a única coisa a fazer era entregar àquela pessoa as chaves do carro, e o carro, e, mais nada,

Depois disse que tinham de ir ao …, e mais nada,

Não ouviu nada da conversa do AA com o XX na 3ª feira, Nessa 3ª feira o … já estava alugado e estava estacionado em …, Nessa 3ª feira quando se encontraram com o XX no …, foram no carro branco,

Não sabe porque razão o … não foi logo entregue ao XX, Só sabe que no momento em que o … foi entregue ao XX, o AA lhe disse que o tinha alugado para esse efeito,

Nunca tinha visto, antes de ser entregue, o envelope com dinheiro, Só o viu no momento da entrega junto ao …, Momento da entrega aconteceu junto de si, depois de terem estado no interior do supermercado,

Que quando percebeu que a polícia ali estava já estava ao volante do …, mas ainda não tinha ligado o motor,

Se no momento da detenção o … já estava com o motor ligado ou em andamento, não sabe responder, porque nesse momento estava a falar com o filho, por vídeo,

Sabe que o AA esteve em Portugal antes uma vez com a sua namorada,

Os voos onde chegaram e de onde partiriam eram de …,

Antes da detenção, o AA disse-lhe para ir à vivenda que ele tinha de ir a um sítio, e se juntaria a ele, uma hora depois,

Foi o AA quem pagou todas despesas da sua viagem, voos, comida e alojamento,

Não acompanhou o AA a ver o “….”

UU, Companheira do arguido AA, desde há 4 anos,

Com um filho em comum, de meses,

Que sobre as condições de vida do arguido AA disse que quando o conheceu o mesmo já tinha contentores de têxtil para vender roupa, e também faz aluguer de veículos,

Que conhece JJ e sobre os negócios e relações dele com o AA, Sabendo que há cerca de dois anos, o seu companheiro tinha alugado a JJ um veículo que era dela, e vendido outros dois,

Um para o filho JJ Júnior, e outro para a filha, tendo havido problemas nesse negócio, porque os pagamentos vieram sempre atrasados, por causa das matrículas, que teriam de vir da …, e porque o carro que estava em nome dela circulava com as matrículas do JJ,

Quanto às suas deslocações a Portugal,

Esclareceu que de 13 a 19 de Abril de 2021 veio a Portugal com o AA de táxi, de …, para apanhar um avião em … para …, acompanhou-o durante todo o tempo da permanência em Portugal e nesse período não o viu falar com ninguém estranho, nem o ouviu falar com os JJ, pai ou filho, nem recebeu no seu telemóvel, qualquer mensagem dos JJ pai ou filho, ouviu dizer depois que o JJ pai tinha sido preso,

Antes do AA estar preso recebeu uma mensagem do JJ, a 15/2/2021 por causa de uma multa de 53 euros por excesso de velocidade no carro alugado que o JJ não queria pagar, tendo-o informado que não queria ser contactada, mas eles não conseguiam ligar para o AA, por isso, ligaram para o telefone dela,

Pagou a multa e depois respondeu-lhe,

Quanto ao mais, o AA queria adquirir um carro para oferecer ao filho, um …, depois da visita a Portugal, procurou na net porque na … não se encontra, e em Portugal há muitos,

Reconheceu esse carro nas fotos juntas com a contestacão,

O AA tinha-as enviado para ela por whatsapp,

Quanto a problemas judiciais do AA O que sabe é que ele foi preso em …, pensa que em 2020, mas foi libertado antes do início do Covid, e, não chegou a ser condenado, e, isso aconteceu por causa de um carro que era procurado na … porque que ele andava com esse carro alugado,

Ele tem uma frota de carros para alugar, com sede na …, e também tem contentores de têxtil na …, Também vende veículos mas não se sabe se são os da empresa de aluguer,

Vivem juntos na …,

Conhece JJ de irem comer várias vezes ao seu restaurante, onde às vezes ia com o AA entregar carros de aluguer ao JJ, e por causa da compra do seu carro para o filho do JJ chegaram a ir a casa do JJ,

Só esteve em Portugal uma vez, naquele período para apanhar o voo, em …, ficaram numa vivenda em …, a 27 de Abril não esteve em Portugal, mas a factura que está nos autos tem o seu nome, porque o AA lhe pediu para fazer a reserva para ele e o TT.

depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido GG

Foram ouvidas

PPP mulher do arguido GG,

- que o descreveu como excelente pai e excelente pessoa, que antes de estar preso ajudava as crianças e as famílias carenciadas do bairro da …,

E que tinha um bar, um ginásio e vendia automóveis,

- no mais, confirmou ser ela a dona do veículo …, que o queria vender e que o marido, o arguido GG, lhe arranjou um comprador, a quem, naquele dia em que foi preso, foi mostrar o veículo, e ainda que o carro em questão é hibrido e o motor se liga e desliga na parte traseira,

QQQ, assistente social, coordenadora do centro comunitário da segurança social da …,

- que deu conta ao Tribunal das actividades de benemerência, de apadrinhamento social, desenvolvidas pelo arguido GG no bairro, junto de crianças e famílias carenciadas, através de prestação de apoios diversos, nomeadamente, ajudas na legalização de crianças filhas de imigrantes ilegais, aquisição de livros escolares, aquisição de mobiliário para quartos de criança, obtenção de ajuda alimentar por parte dos estabelecimentos de restauração,

- descrevendo o arguido GG como pessoa reconhecida no meio por essas actividades de responsabilidade social, e sendo proprietário de um restaurante, um bar e um ginásio,

RRR, agente da PSP, cunhado do arguido GG,

- que o descreveu como pessoa humilde, trabalhadora, sempre disponível para ajudar, empreendedor, dono de um restaurante e um bar, bem conhecidos em …, e de um ginásio, e, em tempo de Covid, tendo o arguido contribuído para a manutenção da sua forma física nesse ginásio.

nos documentos respeitante ao arguido AA

Auto de diligência de 21.4.2021, a fls. 386 a 388

Executada por OO, no dia seguinte à detenção dos arguidos DD e GG à moradia da Praceta…, aonde se tinha dirigido o indivíduo não identificado no … antes de entregar o estupefaciente aos arguidos,

Auto de diligência de 22.4.2021, a fls. 390

executada pelo mesmo Inspector OO à mesma moradia, dois dias depois da entrega do estupefaciente aos arguidos DD e GG,

auto de 21/4/2021 a fls. 416

Informação do Inspector coordenador JJJ dirigido ao Inspector OO, dando conta da informação da DEA, a fls. 417, da deslocação a Portugal, a 21/4/2021, de AA, indivíduo relacionado com JJ e KK, provindo da … pra fazer encontros e organizar transportes de cocaína,

Auto de diligência de 23.04.2021, a fls. 418

executada por Inspector OO e DDD, no aeroporto de … e no Hotel …, em …, para recolha de informação sobre estadias de AA em Portugal, designadamente, comprovadas nos dias 19/4/20221 e 21 a 23/4/2021, diligência cuja realização surgiu na sequência da informação da DEA, de 21/4/2021, a fls. 417, dirigida ao Inspector Coordenador JJJ, e por ele remetida para o Inspector OO,

Auto de diligência de 3/5/2021, a fls. 420

executada pelo Inspector OO, comprovativa da estadia do arguido AA, acompanhado por TT no Hotel … em …, com entrada a 3/5/2021,

Auto de vigilância de 4.5.2021, a fls. 421 a 425

executada pelos Inspectores OO, FFF, DDD e CCC, ao arguido AA e a TT, fotografados na esplanada e varandas do Hotel …, pelas 9h55, e de onde saíram, o arguido AA na viatura …, e TT na viatura …, que se encontravam estacionadas nas imediações do Hotel e nas quais se dirigiram em direcção a … e depois a …, sendo avistado estacionado o … em frente à pastelaria … em …, pelas 11h45, e saindo o arguido e TT do parque do …, na viatura …, sendo esta avistada pelas 16h45h no parque de estacionamento do …, e pelas 18h50 novamente nesse local de onde saíu para a zona da marina de …, tendo ambos deixado o Hotel no mesmo dia 4/5/2021,

Registo automóvel de fls. 426 e 427

dos veículos … e … donde resulta serem propriedade das empresas de “rent-a-car” … e … com sede em … e …, respectivamente,

Auto de vigilância de 5.5.2021 a fls. 430

ordenada por Insp. Chefe AAA e executada pelos Inspectores OO, FFF, DDD e CCC – donde resultou a localização da viatura … pelas 20h30 no parque do restaurante …, de onde pelas 21h05 nela saíram os arguido AA e TT para o empreendimento … , em …;

Informação de 5/5/2021, a fls. 431 a 435,

remetida pelo Inspector Coordenador JJJ para o Inspector OO, da comunicação que recebeu da DEA, na mesma data, com referência à entrega prevista de 144 pacotes de cocaína, dando conta da deslocação a … de um “associado” de AA, proveniente de …, …, num voo da …, para lhe entregar 40.000 euros, parte de 100.000 euros, para o pagamento de transporte de cocaína para Portugal, (quantia que AA recebeu),

Auto de diligência de 6.5.2021 a fls. 437 a 440

que culminou com a detenção do arguido AA e de TT e foi ordenada pelo Inspector Chefe AAA, em que participaram os Inspectores OO, HHH, FFF, DDD e EEE, na sequência do conhecimento trazido pela DEA da entrega de 40.000 euros a AA, no dia anterior, em …, para pagamento relacionado com a entrega de 144 pacotes de cocaína, com equipas compostas pelos inspectores indicados supra, que localizaram e vigiaram os movimentos da viatura …, desde as 8h30, hora a que saiu do Aldeamento …. conduzida pelo arguido AA e transportando o TT em que se deslocaram para o centro de … e daí para o terminal de autocarros …, em …, onde se encontrava estacionado o veículo …, pelas 10h10 chegando o … conduzido por TT, e o … conduzido pelo arguido AA ao parque do supermercado … em …, onde deixaram ficar a viatura …, saindo dali ambos no …, e, pelas 12h50 chegando ambos no …, agora ao parque de estacionamento do …, onde se encontrava agora estacionada a viatura …, enquanto TT passou para o lugar do condutor no …, tendo o arguido AA saído do mesmo veículo e entrado para o interior da loja do supermercado onde permaneceu até às 13h20, e de onde depois saíu, entrando no veículo …, para o lugar do condutor, tendo ocorrido a detenção quando os dois veículos já tinham iniciado a marcha para saírem do local, tendo o veículo … no interior 144 pacotes de cocaína.

Auto de apreensão de fls. 442

de 6/5/2021, executado pelos Inspectores FFF, DDD e EEE, a AA, de 144 blocos que se encontravam em seis sacos de viagem pretos, no porta bagagens da viatura …, no momento conduzida por AA, no parque do supermercado … em …, envoltos em papel celofane e plástico preto, com inscrições e imagens (…) cujo conteúdo sujeito a teste rápido reagiu positivo para cocaína,

Reportagem fotográfica a fls. 443 a 445

de 6/5/2021, com fotografias dos sacos que se encontravam no porta bagagens do …, e dos blocos que se encontravam nos sacos, efectuadas na Directoria do … da PJ, pelos Inspectores FFF, DDD e EEE,

Auto de teste rápido e pesagem de fls. 441

de 6/5/2021, efectuado pelos Inspectores FFF, EEE e HHH, na Directoria do … da PJ, a 144 blocos, envoltos em papel celofane e plástico preto, com inscrições e imagens descritas no auto (…) contendo um pó que submetido a teste rápido reagiu positivo para cocaína,

Auto de apreensão a AA a fls. 446

de 6/5/2021, efectuado pelos inspectores DDD e EEE, na Directoria do … da PJ, dos bens que se encontravam na posse de AA dentro da viatura …, no parque de estacionamento do … de …, de:

- 2.670,00€, em numerário,

- um contrato de aluguer da rent-a-car … relativo ao aluguer da viatura … com a matrícula … em nome de AA,

- um telemóvel marca … de cor azul, com os IMEI … e …, com pin de desbloqueio …,

- um telemóvel marca … de cor cinzenta, com capa protectora transparente,

- uma factura do alojamento em …, em nome de UU, com referência a uma estadia para dois adultos, com check-in a 4/5/2021 e check-out a 6/5/2021,

Contrato de aluguer de fls. 453 a 454,

nº 4421, da … a AA, com o telemóvel de contacto …, do veículo …, com início a 04.05.2021 pelas 9h07, a devolver a 07.05.2021, pelas 09h00, no Hotel …, mediante o pagamento em “cash”, de 300,00,

Contrato de aluguer de fls. 456

nº299279 da … a AA, com o telemóvel de contacto …, do veículo …, com início a 03.05.2021 pelas 9h30, a devolver a 12.05.2021, pelas 15h00, em …, mediante o pagamento em “cash”, de €235,00;

factura/recibo de um contrato de aluguer, a fls. 457

nº299257 da … a AA, com o telemóvel de contacto …, do veículo …, com início a 23.04.2021 pelas 11h35, a devolver a 30.04.2021, pelas 12h00, em …, mediante o pagamento em “cash”, de €235,00, comprovando estadia anterior do arguido em Portugal,

factura de fls. 455,

nº FR102335300/430 de 3/5/2021 referente a uma reserva no …, para 2 adultos, de 4/5/2021 a 6/5/2021, em nome de UU,

Auto de detenção em flagrante delito a fls. 458 a 461

de 6/5/2021, de AA e TT, no parque de estacionamento do … em …, elaborado pelo Inspector OO da Directoria do … da PJ, com a descrição dos bens apreendidos a TT e ao arguido AA, a este, designadamente, de 144 embalagens de cocaína,

Informação trocada entre a PJ e a Europol

de fls. 586 e 587 – donde constam referências ao processo 17/21.1JAFAR, à DEA e ao tráfico de drogas, e à data de 11/05/2021,

de fls. 588 e 592 a 595 – donde constam referências a solicitações de informações e registo criminal de JJ, KK, AA e TT, DD e GG, ao processo 17/21.1JAFAR, à DEA e ao tráfico de drogas, cocaína,

de fls. 599 – com pedido de perícia a telemóvel … com IMEI …, alvo GG,

de fls. 601 – com pedido de perícia a telemóvel …, com IMEI …, alvo GG,

de fls. 602 – com pedido de perícia a telemóvel … com IMEI … e …, alvo GG,

de fls. 603 – com pedido de perícia a telemóvel … com IMEI … e …, alvo DD,

de fls. 604 – com pedido de perícia a telemóvel … com IMEI … e …, alvo DD,

de fls. 606 – com pedido de perícia a telemóvel …, alvo AA,

de fls. 607 – com pedido de perícia a telemóvel … com IMEI … e …, alvo AA,

de fls. 618 – com referência ao proc. 17/21.1JAFAR e informação não disponível,

Termo de apensação de transcrições telefónicas ao arguido DD –

Apenso I fls. 399 e 410,

Termo de apensação de transcrições telefónicas ao arguido DD –

Apenso 2 I,

Transcrições e exames periciais,

apenso 2 - fls. 619,

documento de fls. 761 a 767 – com informação provinda da DEA respeitante ao proc. 17/21.1JAFAR e a JJ, KK, e AA, provinda de … e da …,

Exame a telemóvel - de fls. 596,

Auto de exame directo - a fls. 786 e 787,

Auto de notícia de fls. 39

datado de 19/1/2021, elaborado pelo Inspector OO, dando conta de um encontro que presenciou junto à CP de …, pelas 12h10, que lhe levantou suspeitas, por se tratar de período em que existiam fortes restrições de circulação de pessoas e veículos, de Covid-19, e, por nele ser interveniente um indivíduo conhecido da PJ, residente em …, DD, e dois outros indivíduos, desconhecidos, um de aspecto magrebino, a que o DD se dirigiu, e um terceiro individuo, condutor do veículo …, de onde saíu o DD, tendo fotografado o DD e o condutor do veículo, com e sem máscaras, tendo seguido o referido veículo até …, e DD até à sua residência, e a partir da pesquisa de matrícula, tendo apurado os nomes do titular do registo de propriedade e do respectivo cônjuge, GG, com ficha na PJ, designadamente por investigações de homicídio, roubo e tráfico de estupefacientes, e tendo recolhido informação vária para a identificação, nas bases de dados disponíveis, e fotografias na rede social Facebook, conforme documentos que juntou aos autos e constituem fls. 44 a 62 e 86, informação de que deu conhecimento superiormente, e, que no dia 20/1/2021, por despacho do Insp. Coordenador da Directoria do …, Insp. Coordenador JJJ foi distribuída com o NUIPC 17/21.1JAFAR para tráfico de estupefacientes,

despacho judicial do TCIC de fls. 79,

de 25/1/2021, a autorizar ao DCIAP, recolha de som e imagem, entre o mais, aos arguidos DD e GG, por informação de suspeita de ligação dos referidos indivíduos a associação criminosa dedicada ao tráfico de estupefacientes,

Auto de diligência de fls. 87

de 2/2/2021, executado pelo Inspector OO, de vigilância à residência do suspeito DD, em …, com recolha de fotografias e identificação do veiculo … matrícula …, com registo de propriedade em nome da companheira de DD,

despacho judicial do TCIC de fls. 101,

de 5/2/2021, a autorizar, entre o mais, intercepções telefónicas e localização celular ao telemóvel … do suspeito DD, com IMEI …, com retroactividade a 25/1/2021,

Auto de diligência de fls. 137

de 5/2/2021, ordenada pelo Inspector Chefe AAA, executada pelos Inspectores HHH e EEE, na sequência de informação da DEA, reportando-se a informação fornecida pelo SEF, comprovativa da estadia em Portugal de JJ, no Hotel …, em …, entre 4 e 5 de Fevereiro de 2021,

auto de início de intercepções e gravação de comunicações telefónicas, a fls. 138

de 6/2/2021, elaborado pelo Inspector OO, com data de início a 5/2/2021 e alvo o número … usado pelo suspeito DD

informação da DEA a fls. 145 para Inspector JJJ, Directoria do … da PJ,

de 3/2/2021, solicitando ajuda à PJ para investigação conjunta em operação de tráfico de cocaína, liderada por JJ, proveniente da …, com entrega em Portugal, para distribuição na Europa, sendo mencionado DD, residente no … e ligado à segurança e vida nocturna, actuando como contacto de um grupo criminoso da zona de … interessado em adquirir parte dessa cocaína,

auto de notícia de fls. 146

datado de 13/11/2020, dirigido ao Inspector Coordenador JJJ, elaborado pelo Inspector Chefe AAA, após consultas das listagens de passageiros nos voos do aeroporto de …, e registos de hospedes no Hotel …, dando conta da estadia em Portugal de JJ, acompanhado por um indivíduo supostamente KK, no Hotel …, na noite de 12 para 13/10/2020, provindo de … com chegada a … pelas 20h55, e com partida de … para … nesse dia 13, pelas 06h45m,

auto de diligência de fls. 151

de 11/2/2021, elaborado pelo Insp. OO, dando conta de vigilância efectuada a residência de DD em …, sem movimentações assinaladas,

Informação da segurança social de fls. 156 a 157

com indicação das entidades pagadoras de remunerações a DD e GG, DD com última remuneração (€796,19) em Janeiro de 2021, e GG com última remuneração (€900,00) em Novembro de 2020,

Ficha de registo automóvel do veículo …, de fls. 47,

…, 1997, proprietário SSS,

Ficha de registo automóvel do veículo … de fls. 61,

…, 1999, proprietário TTT

Registo de localizações celulares do dia 13.04.2021,

Auto de diligência de fls. 87 a 89,

vigilância de 2/2/2021, executada pelo Inspector OO, à residência do arguido DD, com indicação da informação já recolhida da companheira, TTT, proprietária do veículo …, e o número de telefone usado pelo, então suspeito, DD, …,

Auto de diligência a fls. 182

vigilância de 82/2/2021, executada pelos Inspectores OO e DDD, com observação do arguido DD, da companheira, e de uma criança ao colo desta, tendo o arguido observado os inspectores no veículo onde se encontravam,

Auto de diligência de fls. 183

vigilância de 25.02.2021, executada pelo Inspector OO, com a menção de que o veiculo … se encontrava estacionado junto à residência e sem outra informação,

Auto de diligência de fls. 201

vigilância de 9.03.2021, executada pelo Inspector OO, com a menção de que o veiculo … se encontrava estacionado junto à residência, e sem outra informação,

Auto de diligência de fls. 202

vigilância de 11.03.2021, executada pelo Inspector OO, com a menção de que o veiculo … se encontrava estacionado junto à residência, com foto, e sem outra informação,

Auto de diligência de fls. 222,

vigilância de 22.03.2021, executada pelos Inspectores OO e EEE, com a menção de que o veículo … se encontrava estacionado junto à residência, do arguido e sem outra informação,

Auto de diligência de fls. 248 e 249

vigilância de 5.04.2021 executada pelo Inspector OO, com a menção de que o veículo … se encontrava estacionado junto à residência do arguido, com foto, e sem outra informação,

cota de fls. 269

de 14/4/2021, informação do Inspector OO, da localização celular do arguido DD, em 13 e 14/4/2021, no …, …, …, onde pernoitou,

Auto de diligência de fls. 270 a 274,

vigilância de 15.4.2021, com fotos, executada pelo Inspector-Chefe AAA e o Inspector CCC, com localização celular do arguido DD em … pelas 11h50, junto ao Bairro …, e, pelas 15h20, sendo observado na Av. …, junto ao Bloco …, num encontro com o arguido GG, VV e, posteriormente ali tendo comparecido um indivíduo de tez negra, não identificado, e, pelas 16h00, no parque de estacionamento do …, ocorrendo um novo encontro do arguido DD com VV e um outro individuo desconhecido de tez negra, grupo a que de seguida se juntou GG, ficando os quatro em conversa ate às 16h15, depois afastando-se o indivíduo desconhecido a pé, e os restantes nos veículos em que tinham chegado ao local – o arguido GG no veículo … propriedade de UUU, pai de SSS, mulher do arguido GG, e o arguido DD com VV no veículo … registado em nome de VVV, irmã do arguido GG e VV, este último titular do seguro automóvel do ….

Com localização do arguido DD pelas 20h30, novamente, em …, onde tinha pernoitado, desde 13/4/2021.

A vigilância foi complementada pelo Inspector CCC, no dia seguinte, com pesquisas nas bases de dados disponíveis, pelas matrículas das viaturas e identificação dos respectivos titulares documentada a fls. 275 a 286.

Auto de diligência de fls. 287 a 290,

vigilância de 20.4.2021, em …, … e …, executada pelos Inspectores OO, HHH, FFF, DDD, CCC e III,

com início em …, pelas 10h00, pela equipa formada por OO e FFF, com menção da viatura … estacionada junto da residência do arguido DD,

e, pelas 15h33, encontrando-se a decorrer intercepções telefónicas indicando a localização celular que o arguido se encontrava em movimento, a partir das 15h57 na zona de …, e pelas 17h39 localizando-o junto dos bombeiros de ….,

informação determinante da comparência das restantes equipas em …,

onde, pelas 18h00, no parque do …, OO e FFF viram os arguidos DD e GG junto da viatura …,

pelas 18h05 comparecendo no local um indivíduo não identificado, moreno, entrando todos no veiculo, com o desconhecido agora no lugar do condutor, e escassos metros percorridos, junto aos Bombeiros de …, onde os arguidos ficaram apeados, regressando ao parque do …, seguindo a viatura conduzida pelo individuo não identificado, seguida pela equipa composta pelos Inspectores DDD e CCC, em direção à zona da marina de …, até um beco, onde o veículo estacionou no recinto da moradia nº … da Praceta …, tendo aí a equipa recebido ordens para parar a vigilância e regressar ao parque do …, o que foi feito,

Pelas 18h55 a viatura … voltou ao parque do …, conduzida pelo mesmo indivíduo, onde parou na zona central, abeirando-se dela os arguidos e dirigindo-se ambos e o condutor também para a traseira da viatura, onde todos observaram o interior da bagageira que foi aberta pelo condutor, e, logo de seguida, abandonado o referido desconhecido o local, a pé, enquanto os arguidos entraram no veículo, assim que iniciaram a marcha, pelas 19h00, tendo sido abordada a viatura pelos Inspectores, confirmada a existência de sete pacotes na bagageira, contendo cocaína, e detidos os dois arguidos,

Informação de intercepções telefónicas, a fls. 246,

referente à utilização do telemóvel … por DD,

Auto de apreensão de fls. 292

de 20/4/2021, efectuado pelos Inspectores CCC e DDD, na Directoria do Sul da PJ, de sete blocos que se encontravam no porta bagagens do …, envoltos em papel celofane e plástico preto, com a imagem de um puma, contendo um pó que, submetido a teste rápido, reagiu positivo para cocaína,

Auto de teste rápido e pesagem de fls. 291

de 20/4/2021, efectuado na directoria do … da PJ pelo Inspector DDD, aos sete pacotes, com resultado positivo para cocaína, e peso bruto de 7.630 grs.,

reportagem fotográfica de fls. 293 e 294

Efectuada na directoria do … da PJ, pelos Inspectores DDD e CCC,

A fls. 293 mostrando os sete pacotes que foram apreendidos quando se encontravam na bagageira do veículo …, em que seguiam os arguidos DD e GG,

a fls. 294, mostrando a pesagem de um desses pacotes,

Auto de apreensão a DD a fls. 295 e respectivas imagens fotográficas a fls. 296,

de 20/4/2021, efectuado na Directoria do … pelos Inspectores CCC e DDD de:

- um telemóvel marca …, modelo … de cor azul com IMEI… e IMEI…, com bateria, com bloqueio facial de ecrã,

- um telemóvel marca …, modelo …, com cartão da operadora … no interior, bateria e IMEIs… e …, que se encontrava na sua bolsa de tiracolo,

- 60,00€ (sessenta euros) em três notas do BCE de valor facial de 20,00€ (vinte euros) na mesma bolsa.

Auto de apreensão a GG a fls. 297 e respectivas imagens fotográficas a fls. 298 de 20/4/2021, efectuado na Directoria do … pelos Inspectores FFF e XXX, de:

- uma viatura ligeira de passageiros da marca modelo/…, de cor branca, matrícula …

- um telemóvel de marca/modelo … modelo …, cor prateada, com capa de silicone transparente IMEI … contendo um cartão chip de cor laranja que se encontrava no interior da bagageira da viatura,

- 1 (um) telemóvel …, de cor azul, IMEI … contendo um cartão … com o numero …, 1(um) telemóvel …, de cor preta, com capa de silicone transparente IMEI… e IMEI2… contendo um cartão da … sem números apostos,

- um hotspot da … wifi modelo …, de cor branca com o IMEI …, com um cartão da … no interior com o numero …, e

- 360,00€ (trezentos e sessenta euros) em cinco notas do BCE de valor facial de 50 euros, quatro notas do BCE de valor facial de 20 euros, uma nota do BCE de valor facial de 10 euros, e quatro notas do BCE de valor facial de 5 euros, ;

Dados de tráfego de fls. 132 a 134

do telemóvel do arguido DD com o número … entre 27/1/2021 e 4/2/72021

Informações da DEA a JJJ

fls. 200, de 5/3/2021 – dirigida a JJJ comunicando que JJ e KK foram presos a 21/2/2021, em …, na …, e que continuam a investigação e têm notícia de que o JJ Junior, filho de JJ quer continuar os contactos iniciados pelo pai em Portugal, e terminar a operação iniciada, na qual a DEA agradece o apoio e cooperação e manifesta o propósito de continuara a fornecer toda a informação para uma investigação conjunta bem sucedida.

Nas perícias aos telemóveis

Apenso 1

- relatórios periciais dos telemóveis dos arguidos,

- PEN que constitui fls. 67 do apenso 1,

- Transcrição das mensagens de whatsapp de fls. 2356 a 2387 extraídas do telemóvel Alcatel apreendido a DD obtidas da PEN de fls. 67,

Apenso 2

- relatórios periciais dos telemóveis dos arguidos,

- CD de fls. 78,

Exames do LPC

Relatório toxicológico de fls. 972 – donde resultam a natureza, peso, grau de pureza e número de doses do produto estupefaciente apreendido a AA,

Relatório toxicológico de fls. 974 – donde resultam a natureza, peso, grau de pureza e número de doses do produto estupefaciente apreendido a DD e GG.

Conjunto de prova

em face do qual as versões apresentadas por cada um dos três arguidos, que são todas diferentes, e, que, no caso dos arguidos DD e GG, que vêm acusados como co-autores, são, mesmo, contraditórias entre si - têm, como único traço comum, a negação dos factos e a alegação de que foram vítimas de provocação na acção encoberta, e não merecem credibilidade, por inverosímeis, e por amplamente desmentidas pelos depoimentos das testemunhas inspectores da PJ que participaram na investigação e pela prova documental que os mesmos carrearam para os autos.

Com efeito,

A tese do arguido AA,

na parte em que negou saber ao que vinha e o que fazia, não é mais do que uma tentativa de se alhear da responsabilidade pelos actos que praticou, procurando justificar o injustificável, e não tem outra sustentação que não seja a fantasia do arguido, que levou, aliás, a incredibilidade da sua versão, ao extremo de declarar ao Sr. Juiz do 1º interrogatório judicial que já sabia que podia ser preso, mas temia menos a justiça e os juízes do que a organização criminosa do JJ, sendo certo que nas suas declarações posteriores nada acrescentou que lhe conferisse seriedade.

Por último,

Dir-se-à, ainda, com relevo para a ponderação da contrapartida económica que o arguido AA iria auferir pela sua conduta, que a quantia de 30.000 euros que referiu ser o montante da dívida reclamada por JJ, de que se veria livre, tão-pouco merece credibilidade,

Quer por não fazer o menor sentido que viesse a Portugal para entregar a um indivíduo 40.000 euros e um carro de aluguer, alugado em Portugal, note-se, e recebesse por isso outros 30.000 euros, E, que o fizesse sem precisar de dinheiro, dados os seus rendimentos mensais de 52.000 euros, Quer por se desconhecer os termos do que foi acordado, ou qual seria o relevo da sua conduta para a organização de JJ, mas também, porque, afinal, segundo a versão que apresentou dos factos quem solicitou a sua intervenção foi o JJ filho, quando a referida dívida era reclamada pelo pai,

deste modo, também nesta parte não merecendo credibilidade as declarações do arguido.

Quanto aos arguidos DD e GG

que, vêm pronunciados em co-autoria, e cujas versões são manifestamente incompatíveis, por contraditórias.

a versão do arguido DD,

de que foi apanhado numa operação de tráfico de estupefacientes, onde iria receber 1.500 euros só para fazer segurança, não se sabe a quem, e de que contaria com a protecção da Polícia Judiciária, – arguido que só se dispôs a prestar declarações a final da audiência de julgamento, e se recusou a ver confrontada a sua versão com a versão do co-arguido GG, direito que lhe assiste, mas, que todavia, impossibilitou de forma irremediável a descoberta de qualquer laivo de lógica ou fundo de verdade, que conferisse a mínima credibilidade que fosse à versão que apresentou – é, além, de insustentável, amplamente desmentida quer pelas percepções dos inspectores da Polícia Judiciária, que procederam à investigação, quer pelo teor das mensagens que o arguido DD (com o endereço electrónico …) trocou com o seu interlocutor (com o endereço …) nos dias que antecederam a detenção – 16/4/2021, 18/4/2021, 19/04/2021 e 20/04/202 – mensagens que foram recuperadas do telefone …

apreendido ao arguido DD, e constam da pen a fls. 67 do apenso 1 da perícia efectuada e se encontram transcritas a fls. 2329, fls. 2357 a 2386 vº destes autos - mensagens nas quais, claramente, aqueles dois interlocutores falam da necessidade de providenciarem um meio de transporte para uma transação de produto estupefaciente, e das dificuldades de conseguir um veículo adequado às necessidades, mas sem gerar suspeitas, e dos riscos inerentes às várias soluções, dos preços de mercado de estupefaciente praticados nas zonas de actuação do arguido DD e do seu interlocutor, e da necessidade do convencimento do fornecedor sobre a sua capacidade financeira de procederem ao pagamento do preço acordado depois da entrega do estupefaciente,

sendo, aliás, explícitas nessas conversações as referências aos riscos indesejáveis de operações mal-sucedidas, designadamente, a de uma descarga de canábis na praia, publicitada na comunicação social.

Quanto ao arguido GG,

cujas declarações, no essencial, mantendo a versão, de que os seus encontros com o arguido DD e as deslocações ao … tiveram por exclusiva finalidade o propósito de vender o veículo …, que era da sua mulher, a um comprador indicado pelo arguido DD, que queria um … entenda-se um veículo híbrido, tendo sido com essa finalidade que entregou o veículo no dia da detenção ao potencial interessado na aquisição, que levou consigo a viatura para a experimentar, e a devolveu com droga, desconhecendo em absoluto qualquer transação/operação de tráfico de estupefacientes, ignorando a mala na bagageira, sem se preocupar em saber de quem fosse, ou qual fosse o seu conteúdo, além de absolutamente contraditória com a versão do co-arguido DD, e não confirmada por ele, como seria quase obrigatório que acontecesse caso fosse verdadeira, mesmo depois do aditamento feito em audiência de julgamento, de que nada sabia nem nada tinha a ver com os negócios do arguido DD, e de que estava ali no local da detenção, por mero acaso, por ter vindo a …, afinal de contas, fazer um favor ao irmão VV, que naquele dia teve de ir com o filho ao médico, também não tem sustentação possível perante a restante prova existente.

Com efeito, Nesta tese, Em primeiro lugar, o arguido GG e a mulher eram, pessoalmente, as pessoas interessadas em vender a viatura …, Pelo que, não se vê em que medida estaria o arguido GG, ao deslocar-se a …, naquele dia, para mostrar o veículo ao potencial comprador, a fazer um favor ao irmão VV, sendo ele próprio GG, comerciante de veículos usados, como o irmão, E sendo certo que o próprio GG declarou mais atrás, ao Sr. Juiz do 1º interrogatório judicial, conhecer o arguido DD, por ter sido um dos gerentes da discoteca … onde o arguido DD trabalhou em 2019, o que permite concluir ter com ele uma relação pessoal, independente da relação que o seu irmão VV teria com o mesmo DD, da prática de “jiu jitsu” noutra parte também referida, para explicar os relacionamentos entre os três,

Em segundo lugar, por que razão teria o comprador ido experimentar o veículo só naquele dia, 20 de Abril, em …, sendo que já três meses antes, em Janeiro de 2021, na CP de …, se tinham encontrado ele e o DD (como resulta documentalmente comprovado nos autos a fls. 39 dos autos, e por depoimentos das testemunhas OO, agente encoberto LL, agente SS e NN), com o mesmo indivíduo, potencial comprador, pelo que, logo, nessa altura, poderia o comprador ter experimentado o veículo, e ter-lhe o arguido GG explicado as potencialidades do híbrido e a ligação na traseira do veículo,

em terceiro lugar, porque se torna impossível negar que fosse ele o interlocutor das mensagens trocadas no whatsapp com o arguido DD nos dias anteriores, com o conteúdo referido supra, pela simples razão de que esse interlocutor (com o endereço …) foi o mesmo que na tarde da detenção trocou mensagens com o arguido DD para o efeito de o localizar e recolher na zona de …, como tem de se concluir, por ser o arguido GG a pessoa que chegou a …, com o arguido DD, a conduzir o veículo …, onde veio a ser encontrado o estupefaciente, (e a articular também com a referência feita à consulta “da minha bébé” feita pelo mesmo “…” ao “…”, havendo nos autos a notícia deste arguido ter sido pai recentemente de uma menina.

Quanto à valoração dos depoimentos das referidas testemunhas da Directoria do …, resulta que efectuaram as diligências de que foram incumbidos pelas suas chefias - o Inspector-Coordenador JJJ e o Inspector-Chefe AAA - por ordem e orientação dos quais levaram a cabo as vigilâncias e seguimentos dos arguidos nos termos que relataram nos depoimentos que prestaram em audiência de julgamento, e que se encontram documentalmente comprovados nos autos de diligência e reportagens fotográficas juntas aos autos, sobre cujo conteúdo e participação foram ouvidos e que confirmaram em audiência.

Na verdade, Apesar dos depoimentos dos Inspectores da Directoria do … da PJ, terem sido marcados por intenso contraditório por parte das defesas dos arguidos, procurando afectar a credibilidade dos inspectores que procederam à investigação no processo “descoberto”, por negarem o conhecimento da acção encoberta, - expectativa legítima, dir-se-á, já que aquando dessas inquirições os arguidos e o Tribunal se encontravam privados do conhecimento dos contornos e finalidades da acção encoberta, e, através dessas testemunhas, os arguidos procuravam fazer a demonstração da existência de provocação ao crime, tese a que podiam dar sustentação as lacunas da investigação em torno do indivíduo de identidade desconhecida que procedeu às entregas do estupefaciente, e a revelação da acção encoberta durante tanto tempo negada, dessa forma, seguindo as defesas o único caminho que lhes era deixado, o da demonstração da “contaminação” da acção dos inspectores da PJ pela accão encoberta, suscitando a falsidade das suas actuações e razões de ciência que invocaram, para, com isso, atingirem a validade das diligências de investigação que realizaram e documentaram e dos respectivos depoimentos em audiência, objectivos que, como se viu depois da junção do relato final, redundaram, afinal, em pura perda de tempo -

Tais depoimentos, dizíamos,

no final, além de leves desconformidades, por lapsos pontuais ou pequenas falhas de memória trazidas pelo decurso do tempo, próprias da prova testemunhal, - como nos parece ser o caso do lapso existente no auto de notícia destes autos, 17/21, quando sabemos pelo depoimento do agente LL e do relato da AE que tal encontro teve lugar no dia anterior, 18/1, mencionando-se no auto de notícia a data de 19/1/2021, que terá sido a da finalização do expediente, desconformidade que, todavia, não é essencial - expurgados dessas questões, tendenciosas, de suspeição, todos se revelaram credíveis, quer quanto aos factos que conheciam, quer quanto às razões de ciência que indicaram, única e exclusivamente decorrendo das diligências que efectuaram, que se mostraram em consonância com o cumprimento das ordens que recebiam na cadeia hierárquica, no quadro da investigação deste processo 17/21, e, totalmente “a latere” do que se passava na acção encoberta e com autonomia dela, conforme ficou devidamente explicitado pelo depoimento do Coordenador da Directoria do …, Inspector JJJ, a que o depoimento posterior do Inspector Coordenador das acções encobertas NN juntou ainda maior significado, aquando da sua reinquirição, depois da junção do relato final, já sem o espartilho do segredo da acção encoberta, pronunciando-se quanto à necessidade do desconhecimento pelos agentes que procederam à investigação no processo descoberto dessa acção encoberta, e à justificação dessa necessidade, fundada quer no sucesso da operação encoberta quer na segurança do agente encoberto.

Desses depoimentos dando-se como assente que, como foi referido pelas testemunhas JJJ e NN, os inspectores da Directoria do … actuaram sem conhecerem a existência da AE,

- o que, todavia, dizemos nós, não exclui o conhecimento, por exemplo, pelo Inspector OO, das informações de cooperação internacional da DEA, que foram juntas ao processo durante a investigação, por intermédio do Inspector Coordenador JJJ – como é o caso daquelas vazadas a fls. …, de 5/2/2021, de que o arguido DD era o intermediário numa operação de tráfico de estupefacientes entre indivíduos da zona de …, e uma organização internacional dedicada a essa actividade, liderada por JJ, perspectivando-se, com essa finalidade, visitas deste a Portugal - a fls. … – da noticia da detenção e da continuação da operação por Ricardo Aznar filho, de fls. …a … – da deslocação a … do arguido AA para receber de um elemento da organização de JJ 40.000 euros, parte do pagamento do transporte da cocaína para Portugal, conhecimento que sendo muitíssimo relevante no desenvolvimento da investigação neste processo “descoberto” é diverso e distinto do conhecimento da existência da acção encoberta.

Também assim,

quanto aos depoimentos das testemunhas NN, agente encoberto LL e agente SS, que foram inquiridos sobre a factualidade constante do relato da acção encoberta e no confronto com o teor desse relato, e com a prova reunida nos presentes autos, designadamente, quanto à intervenção do agente encoberto LL nos encontros e diligências em que participou e que se encontram documentados nos autos, depoimentos que foram igualmente sujeitos a amplo contraditório dos arguidos, e em que, salvo as que podiam comprometer a identificação e segurança dos intervenientes, nenhuma pergunta respeitante aos factos ficou sem resposta ou teve resposta dúbia, tendo as referidas testemunhas contribuído para o pleno esclarecimento de todas as questões que a “intromissão” da acção encoberta tinha suscitado ao longo do processo, maxime, em julgamento,

e contribuindo de forma decisiva para a descoberta da verdade.

Por último,

Foi ainda considerado o depoimento da testemunha KKK quanto aos esclarecimentos que prestou referentes ao modo como em geral se articulam entre si a Europol e a Polícia Judiciaria, nos exames e no tratamento da informação que trocam,

No caso dos autos, relevando tais esclarecimentos, designadamente, para a compreensão do “timing” dos exames efectuados aos telemóveis dos arguidos e para a informação que continham.

Quanto aos depoimentos das testemunhas

TT,

assinalando-se que a descrição que fez da entrega do envelope com dinheiro pelo arguido AA ao XX não tem correspondência nem com a versão do arguido AA nem com a versão do agente encoberto LL,

NNN e OOO,

E, também,

UU,

por não se revestirem de especial relevo para a descoberta da verdade, remete-se para o respectivo teor nos termos que constam supra.

No que toca ainda à questão da culpabilidade,

quanto aos depoimentos das testemunhas LLL e MMM, por nada saberem, nada havendo a assinalar.

Para finalizar, Quanto ao valor do depoimento da testemunha agente encoberto LL na parte em que em audiência de julgamento indicou a pessoa do arguido GG, como sendo quem esteve em todos os encontros em …, … e em …, aquando da detenção, afastando a hipótese de confusão com o seu irmão VV, com aproveitamento de referências iniciais da DEA àquele, levadas para o relato da AE, tal indicação coloca-se no âmbito da prova testemunhal, e resulta da relação de proximidade física, que permitiu ao agente encoberto LL a memorização das características da pessoa com quem contactou, por isso, completamente fora das finalidades, do alcance e dos procedimentos do reconhecimento a que alude o art. 147º do CPP.

Por outro lado, sempre seria eliminada qualquer hipotética dúvida, quer pelas fotografias juntas aos autos,

quer pelas declarações do próprio arguido assumindo ser ele, GG, a pessoa que foi detida e se encontra constituída arguida nestes autos.

Por último, com relevo para ambos os casos, Dir-se-á ainda que quando foram detidos os arguidos já tinham consumado a detenção do estupefaciente e tinham iniciado a marcha dos respectivos veículos, transportando no seu interior os falados blocos de cocaína, pelo que, nenhuma dúvida se suscita quanto à consumação de ambas as actividades de de detenção e de transporte do estupefaciente.

(…)

Quanto aos factos não provados

Resultaram de sobre eles não se ter produzido nenhuma prova.

Quanto à situação pessoal, social e económica dos arguidos,

a convicção resultou dos respectivos CRC´s e dos relatórios sociais e, no caso do arguido GG, também dos depoimentos das testemunhas PPP, QQQ e RRR, nos termos consignados supra.(…)”

Ora, confrontando a fundamentação constante do excerto transcrito, contata-se que o acórdão recorrido contém uma ampla e completa motivação do juízo probatório realizado com referência aos elementos de prova constantes dos autos e que sustentaram a seleção factológica provada e não provada. Nenhuma razão assiste, pois, aos recorrentes quando reclamam perante a forma como o acórdão condenatório apresenta a motivação da decisão de facto, que consideram insuficiente. Ao contrário do que se afirma nos recursos, o acórdão expõe de forma clara, racional e perfeitamente compreensível os raciocínios lógico-dedutivos subjacentes à formação da convicção probatória relativamente a todos os factos tidos por provados e por não provados, tendo explicitado de forma minuciosa quais os fundamentos que, no seu entender, conferem credibilidade a determinadas provas e não a outras.

Os recorrentes poderão não concordar com o juízo probatório realizado – razão pela qual os recorrentes DD e AA o questionaram, impugnando a matéria de facto, nos termos previstos no artigo 412º do CPP (4) – o que não poderão é afirmar que o mesmo se não encontra motivado. Tal afirmação é ostensiva e amplamente desmentida pelo confronto do excerto transcrito, não merecendo, pois, a questão em análise qualquer outro desenvolvimento e improcedendo totalmente a arguição de nulidade da sentença consubstanciada na falta de exame crítico da prova.

* b) Por não consideração dos factos constantes da contestação. (recurso do arguido AA)

Alega o recorrente AA que: “(…) o Tribunal a quo, para lá do resumo inicial, não lhe destinou uma sequer linha do seu teor à Contestação apresentada pelo Recorrente AA ou tão pouco, diga-se a bem da verdade, de qualquer um dos seus Co-Arguidos. 3.5 Esta omissão de pronúncia relativamente aos factos que o Recorrente AA densificou e bem concretizou na sua Contestação vislumbra-se inadmissível por violação dos Princípios da Igualdade entre Defesa e Acusação e da Legalidade Processual. 3.6 Impunha-se que o Tribunal a quo, em face da Prova entranhada no Processo e da que se produziu em Julgamento, escrutinasse cada factualidade invocada pelo Recorrente na Contestação e aclarasse de modo explicito e directo as razões e/ou motivos pelos quais devia ou não considerar tais factos provados ou não provados. 3.7 Só assim o Recorrente AA poderia (ora) impugnar os factos aí dados como não provados, o que só por si, demonstra que o exercício do contraditório está exuberantemente coarctado por não haverem sido analisados as factualidades que arrazoou na Contestação que aduziu para Audiência de Julgamento junto do Tribunal a quo. 3.8 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes.(…)”

Não lhe assiste, porém, razão. O vício do acórdão sinalizado pelo recorrente, a verificar-se, consubstanciaria a nulidade legalmente prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP. Tal nulidade pressupõe que o tribunal se não tenha pronunciado sobre questões que deveria ter conhecido. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP, depois do relatório e antes do dispositivo a sentença penal deverá conter a fundamentação, na qual deverão enunciar-se, sob pena de nulidade, todos os factos considerados relevantes para a apreciação dos autos – retirados da acusação, do pedido cível e da contestação e ainda os que resultarem da discussão da causa, conforme sobressai do teor do artigo 368.º do C.P.P. – integrando-os expressamente no elenco dos factos provados e não provados. Apenas se concebe que o tribunal não inclua nos factos provados e não provados aqueles que, não obstante constarem da acusação, do pedido cível ou da contestação ou resultarem da discussão, se não revelarem relevantes para a boa decisão da causa ou os que assumirem natureza conclusiva, o que, no rigor, deverá assinalar-se na decisão. É o que se extrai do teor do artigo 368.º do C.P.P., que, dispondo sobre a deliberação que é realizada após o encerramento da discussão, estabelece: “Artigo 368.º Questão da culpabilidade 1 - O tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão. 2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil. 3 - Em seguida, o presidente enumera discriminadamente e submete a deliberação e votação todas as questões de direito suscitadas pelos factos referidos no número anterior.”

Ora, como bem assinala o Ministério Público na resposta ao recurso apresentado pelo arguido AA, da norma transcrita decorre que não são quaisquer factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, que o tribunal deverá obrigatoriamente incluir no elenco dos factos provados e não provados constante da sentença, mas apenas os que são relevantes para a definição e preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime e do tipo de participação imputado ao agente, para a determinação da sua culpa, bem como os atinentes à determinação da sanção. Simetricamente, os factos que não servem os referidos propósitos, por se revelarem inócuos ou irrelevantes, bem como aqueles cuja relevância se mostra prejudicada por se substanciarem apenas em mera negação de outros já constantes do elenco dos factos provados, não deverão constar da enunciação dos factos não provados, o que, a suceder, sujeitaria a decisão à legítima crítica de falta de rigor jurídico. A prova de determinado facto acarreta o juízo implícito de não prova do seu contrário. O mesmo é dizer que se os factos alegados pela defesa representarem apenas a versão negativa dos factos provados, a referência expressa aos mesmos como factos não provados revelar-se-ia redundante, pelo que a não referência a tais factos negativos não acarreta qualquer nulidade.

Ora, na situação dos autos, lida a contestação apresentada pelo recorrente em 02.03.2022 constatamos que a mesma contém apenas a negação dos factos que lhe vinham imputados na acusação e que foram considerados provados no acórdão recorrido, sem que no seu texto se descortinem factos novos que, face ao objeto do processo, assumam relevância para a decisão da causa.

Pelo exposto se conclui não se verificar a nulidade do acórdão prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP arguida no recurso apresentado pelo arguido AA.

* c) Por valoração de provas nulas. (tosos os recursos apresentados pelos arguidos) Consideram ainda os arguidos recorrentes que o acórdão recorrido enferma do vício de nulidade em virtude de ter valorado provas nulas. Para tanto, alegam nas conclusões dos recursos, que o agente infiltrado, qua atuou no âmbito da ação encoberta, agiu como instigador, ou seja, como agente provocador, tendo determinado ou, pelo menos, tendo condicionado a formação da resolução criminosa, o que, a ter-se verificado, se traduziria num método proibido de prova, nos termos previstos no artigo 126º do CPP. Não acompanhamos, de todo, tal argumentação e consideramos absolutamente insustentada e imerecida a crítica feroz que a mesma contém relativamente à valoração probatória realizada pelo tribunal recorrido. (5)

Vejamos.

Para conhecimento da nulidade invocada pelos recorrentes, que agora constitui o objeto da nossa análise, revela-se útil convocar as normas legais que regulam a legalidade das provas, os métodos proibidos de prova, e, consequentemente, as provas nulas, culminando no conhecimento, em particular, da nulidade decorrente da valoração como meios de prova dos que foram obtidos através dos expedientes desenvolvidos no âmbito da ação encoberta autorizada nos autos, designadamente através da atuação do agentes infiltrados. Como é sabido, a admissibilidade das provas deverá conformar-se, nos termos gerais, com o disposto nos artigos 125º e 126º do CPP e, no plano constitucional, com o preceituado pelo artigo 32º, nº 8 da CRP, que estabelecem da seguinte forma: “Artigo 125.º Legalidade da prova São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Artigo 126.º Métodos proibidos de prova 1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. 4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”

* Artigo 32.º (Garantias de processo criminal)

(…) 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”

Nas alegações e conclusões do recurso, os arguidos põem em causa a validade da ação encoberta, sustentando que a mesma ocorreu com desrespeito dos procedimentos legais previstos no Decreto-Lei nº101/2001 de 25 de agosto, invocando concretamente que não se encontra junto autos o despacho de autorização da mesma (recurso do arguido GG) e que o agente encoberto funcionou como agente provocador, em violação da regulamentação prevista no citado diploma legal.

Mas não têm razão.

A atuação dos agentes encobertos encontra-se regulada nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº101/2001 de 25 de agosto – diploma que consagra o regime jurídico das ações encobertas para fins de prevenção e investigação criminal – nos seguintes termos:

“Artigo 5.º Identidade fictícia 1 - Para o efeito do n.º 2 do artigo 1.º, os agentes da polícia criminal podem actuar sob identidade fictícia. 2 - A identidade fictícia é atribuída por despacho do Ministro da Justiça, mediante proposta do director nacional da Polícia Judiciária. 3 - A identidade referida no número anterior é válida por um período de seis meses prorrogáveis por períodos de igual duração, ficando o funcionário de investigação criminal a quem a mesma for atribuída autorizado a, durante aquele período, actuar sob a identidade fictícia, quer no exercício da concreta investigação quer genericamente em todas as circunstâncias do tráfico jurídico e social. 4 - O despacho que atribui a identidade fictícia é classificado de secreto e deve incluir a referência à verdadeira identidade do agente encoberto. 5 - Compete à Polícia Judiciária gerir e promover a actualização das identidade fictícias outorgadas nos termos dos números anteriores. Artigo 6.º Isenção de responsabilidade 1 - Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma. 2 - Se for instaurado procedimento criminal por acto ou actos praticados ao abrigo do disposto na presente lei, a autoridade judiciária competente deve, logo que tenha conhecimento de tal facto, requerer informação à autoridade judiciária que emitiu a autorização a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º.”

A análise das questões colocadas nos recursos a respeito da atuação dos agentes encobertos demanda a clarificação e distinção em termos jurídico-legais das figuras do agente provocador e do agente infiltrado. A jurisprudência e a doutrina têm vindo a convergir no sentido de estabelecer como elemento diferenciador das duas categorias a circunstância de a ação dos agentes encobertos ser ou não determinante para a comissão do ato delituoso por parte do agente criminoso, elegendo-se como traço distintivo a passividade do agente infiltrado ou encoberto no que diz respeito à formação da vontade criminosa, contrastando tal passividade com a iniciativa criminosa do agente provocador. Assim, estaremos perante um agente provocador nas situações em que o agente, através da sua conduta e a coberto do seu disfarce, determina outrem a praticar um crime. Por seu turno o agente infiltrado, ocultando igualmente a sua verdadeira identidade e intenções e atuando no âmbito uma investigação, insere-se num determinado meio criminal, com o propósito de ganhar a confiança dos suspeitos e de, na base dessa confiança, reunir dados incriminatórios sobre os mesmos. Pese embora, se necessário, possa praticar atos de execução de acordo com o seu plano, o agente infiltrado não assume o papel de instigador, pois que não determina os suspeitos ao cometimento de qualquer infração, existindo a vontade criminosa anteriormente à ação do agente. (6) Ora, se no quadro normativo vigente, a atuação do agente provocador, por merecer censura ético - jurídica, é considerada ilegítima, constituindo um método proibido de prova por se incluir nos “meios enganosos” a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 126º do C.P.P., o agente infiltrado é aceite por se traduzir numa arma importante e eficaz na luta contra formas de crime cada vez mais violentas e altamente organizadas, ajudando a fazer face aos desafios que as polícias de todo o mundo enfrentam no combate às organizações criminosas fechadas e com elevado poder económico, muitas vezes associadas ao tráfico de grandes quantidades de droga e que acarretam maiores dificuldades ao nível da sua investigação e repressão. Ao nível legislativo interno, a figura do agente infiltrado foi consagrada no Decreto-Lei nº101/2001 de 25 de agosto, acima referido.

E o que dizer da atuação do agente infiltrado na situação dos autos? Na senda do que a tal propósito se consignou, quer no acórdão condenatório, quer nas respostas as recursos apresentadas pelo Ministério Público, nenhuma dúvida temos em considerar respeitados os limites fixados pela Lei 101/2001 de 25.08 no que tange à atuação do agente que, no âmbito da ação encoberta autorizada no processo, agiu na qualidade de agente encoberto. Com efeito, importando distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa e a criação dessa mesma intenção, os factos considerados provados demonstram à saciedade que na situação que nos ocupa o agente infiltrado se limitou a proporcionar os meios e a criar as oportunidades para que a intenção criminosa previamente formada se concretizasse. Entre os referidos meios e oportunidades se inclui o transporte da droga e a aceitação de um valor inferior ao previamente acordado, por forma a facilitar a transação, nenhuma razão assistindo aos recorrentes quando referem que tais circunstâncias se revelaram determinantes para a formação da vontade criminosa. Ao contrário do propugnado nos recursos, tal vontade há muito que se encontrava formada. Não havendo dúvida de que os recorrentes foram levados ao engano pelo agente encoberto, nada na factualidade provada permite concluir ter sido aquele quem criou nos primeiros a vontade de traficar droga. O que se apurou, de outra sorte, foi que os arguidos atuaram de acordo com as vontades que prévia e livremente haviam formado, tendo sido vítimas das suas próprias escolhas. Aliás, as questões concretamente colocadas a este propósito nos recursos apresentados pelos arguidos encontram resposta antecipada na fundamentação constante do acórdão condenatório – que a uma ampla explanação teórica sobre o tema da ação encoberta e dos agentes infiltrados e provocadores, fez seguir a subsunção do caso concreto às normas e princípios aplicáveis – à qual os recorrentes optaram por não aludir e muito menos rebater. Atentemos nos seus termos: “(…)Sobre as acções encobertas dispõe a Lei 101/2001 de 25/8, que estabeleceu o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e investigação criminal, no art. 1º/2, que “consideram-se acções encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade”, no art. 2º-j), que, entre os crimes indicados na referida Lei, figuram os “relativos ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”, e, no art. 3º, sobre os requisitos das acções encobertas, que “as acções encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente, a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação”, e, por último, no art. 6º/1, sobre a isenção de responsabilidade dos agentes encobertos, que, “Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria imediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma”. Da articulação das transcritas disposições legais tem de concluir-se - que o ordenamento jurídico-penal português admite a existência de acções encobertas desde que sejam respeitadas as condições nelas estabelecidas (arts. 1º, 2º e 3º), e, - que os agentes encobertos que nelas participem podem praticar actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação, ficando isentos de responsabilidade criminal, excepto se agirem como autores mediatos ou instigadores (art. 6º), pelo que, os actos de co-autoria ou de cumplicidade são aceitáveis. Como refere Isabel Oneto, em “O Agente Infiltrado - Contributo para a compreensão do regime jurídico das acções encobertas”, Coimbra Editora, 2005, a págs. 141, 150 - «São contudo a co-autoria e a cumplicidade as formas de comparticipação que a conduta do agente infiltrado mais frequentemente pode assumir, quer no âmbito das light cover, quer nas modalidades que consubstanciam as operações deep cover.» Ainda, Citando Isabel Oneto, quanto à clarificação do conceito do agente encoberto versus agente infiltrado na Lei 101/2001 de 25/8, “parece que o legislador optou pela expressão “agente encoberto” ao invés de utilizar o termo “agente infiltrado” nela se incluindo a realidade que pode comportar as duas figuras”, entendendo a mesma autora, que, na terminologia da referida Lei, quando no art. 1º nº 2 se refere a agente encoberto, a págs.139,“…agente encoberto é aquele que pode ocultar a sua qualidade ou identidade no seu reelacionamento com terceiros, mantendo-os na ignorância para ganhar a sua confiança … E vai mais longe: submete-o a um regime especial de investigação que afasta a obrigatoriedade de detenção do suspeito em caso de flagrante delito, com vista a obter a sua confiança e a inserir-se no meio criminoso, com a finalidade de descobrir material probatório relativo a um determinado tipo de crimes, podendo mesmo neste âmbito praticar factos típicos, pelos quais estará isento de responsabilidade penal. De igual modo, está o agente desobrigado de intervir na sua qualidade de agente da lei, quando esteja perante actos de execução a fim de impedir a consumação de um crime.”, E que, “a proceder-se a uma distinção entre agente infiltrado e agente encoberto esta deveria de operar-se no âmbito do conceito de agente infiltrado, atribuindo ao agente encoberto as operações light cover que precisamente se caracterizam pelo facto de não durarem mais de seis meses, exigirem um menor grau de planeamento, de supervisão e de experiência por parte do agente, mantendo este a sua identidade e o seu lugar na estrutura policial. Estas operações implicam um menor risco para o agente e tem um objectivo prciso que pode consistir numa transacção ou tão só um encontro para recolha de informações. Nelas se enquadram as modalidades decoy operation, a pseudo-achat, a pseudo-vente, o flash-roll, a livraison surveillé, e a livraison controlée. Desta forma poderíamos entender o agente encoberto como uma sub-espécie do agente infiltrado”. Dito isto, retomando-se a questão da responsabilidade penal do agente encoberto nos termos regulados no art. 6º da Lei 101/2001, importa distinguir a acção do agente encoberto da provocação, que há-de fazer-se nos termos do art. 26º do Código Penal, nos termos do qual autor mediato - é quem pratica o facto por intermédio de outrem, e instigador - é quem, dolosamente, determina outra pessoa à prática do facto e este já foi ou começou a ser executado, Sendo consensual na doutrina e na jurisprudência que “A distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia, das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a actuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada.” Enquanto o agente infiltrado trabalha num meio em que os crimes já foram praticados, estão em execução ou na iminência de ocorrerem, o agente provocador incita, instiga outrem à prática do crime, torna-se autor mediato do crime. … O STJ entende, tal como resulta constante e unanimemente da doutrina em diversos domínios, que é necessário distinguir entre a criação de uma intenção criminal e a criação de uma oportunidade com vista à efectivação duma oportunidade com vista à realização duma intenção criminal existente. Isto é, importa distinguir os casos em que a acção do «agente infiltrado» cria, determina, uma intenção criminal até então inexistente dos casos em que o indivíduo já está implícita ou potencialmente disposto a cometer uma infracção, a praticar factos específicos de determinada natureza e características, e a acção do «agente infiltrado» se limita a pôr em marcha a intenção preexistente. Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação da liberdade de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação. A provocação, em matéria de proibição de prova, só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria. Sendo que a figura da provocação continuará a caracterizar-se essencialmente pela instigação ao crime por parte do agente de polícia, na determinação ao crime com o único propósito de repressão penal, sempre que o crime não tivesse sido praticado sem tal intervenção policial.” – vd. Ac. do STJ de 20-02-2003, relator Sr. Consº Simas Santos, processo 02P4510, acessível em www.dgsi.pt. Ainda, quanto à admissibilidade da prova feita por agente encoberto infiltrado, a dita Lei 101/2001 é omissa, Pelo que, a questão da admissibilidade da prova feita/obtida por agente infiltrado há-de conformar-se nos termos gerais, com o disposto nos arts. 125º e 126º do Código de Processo Penal, CPP, e 32º/8 da Constituição da República. Do referido art. 125º do CPP - que estabelece o princípio da liberdade da prova - resulta que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e do art. 126º do CPP - que estabelece os métodos proibidos de prova - da conjugação dos seus nºs 1 e 2- a) resulta que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante …ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, sendo ofensivas da integridade física ou moral das pessoas, as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante “perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através da … utilização de meios enganosos”. Ora, sendo assim, do confronto do art. 126º/1/2-a) do CPP com os arts. 1º/2 e 6º da Lei 101/2001, é manifesto que a actuação de um agente encoberto comporta alguma deslealdade, que todavia, não é proibida, isto é, o resultado dessa actuação não constitui, sem mais, prova proibida. Porquê? Cita-se para a resposta, pela sua clareza e por se manter actual, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 578/98 de 14/10/1998, publicado no DR II Série, nº 48 de 26/2/1999, a fls. 2950: “Não obstante os perigos que comporta a utilização de agentes infiltrados, e a dose de deslealdade que nela vai implicada, considera-se hoje que estando em causa certo tipo de criminalidade grave (terrorismo, tráfico de droga, criminalidade violenta ou organizada), é impossível renunciar ao serviço do undercover agent. Está-se em domínios em que os interesses que se entrecruzam são de tal ordem e os meios de que os criminosos dispõem, tantos e tão sofisticados, que a sociedade quase se sente impotente para dar combate a tal criminalidade. E, por isso, aceita-se aqui alguma excepcionalidade no modo de obter as provas”. Prossegue depois o referido Acórdão do Tribunal Constitucional, citando Manuel da Costa Andrade, em “Sobre as Proibições de Prova Em Processo Penal”, Coimbra, 1992, a p. 229 e 230, “A este propósito, Manuel da Costa Andrade … depois de referir que estão hoje “em minoria as vozes que propendem para a afirmação generalizada da proibição de prova” anota que a generalidade dos autores, e sobretudo a jurisprudência continuam a encarar o Polizeispitzel, como expediente indispensável de uma resposta eficaz às manifestações mais ameaçadoras da criminalidade”. Ainda, pela clarividência da exposição e pela utilidade de que se reveste para a apreciação do caso dos autos, não se resiste a continuar a citar o referido Acórdão do TC, agora, a pag. 2951: “Convém, no entanto, advertir que a utilização de métodos encobertos de investigação (maxime, o recurso ao agente infiltrado) há-de fazer-se sempre sem ultrapassar os limites do consentido pela ideia de Estado de Direito. De facto, na ânsia de dar combate ao crime grave, que mina as bases da sociedade, não podem legitimar-se comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas. E, isso, mesmo que tal se faça no propósito de desmascarar o criminoso, de pôr a descoberto a sua actividade delituosa. Quando se afecta intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão da pessoa, a deslealdade atinge um tal grau de insuportabilidade que é a integridade moral do sujeito que então é violada – e, com ela o art. 25º/1 da Constituição. É que não há-de ser a utilização de um qualquer engano que deve induzir uma proibição de prova: há uma dose de engano na indagação criminal que é tolerável. Como escreve Costa Andrade (ob. cit. pag. 236) “por princípio apenas deverão ter-se por proibidos os meios enganosos susceptíveis de colocar o arguido numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de prova”. Do ponto de vista da legitimidade constitucional da intervenção do agente infiltrado, é, assim, relativamente indiferente que, contra determinado sujeito, esteja ou não a correr termos um inquérito. O que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade, é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e a colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária”. Dito isto, É à luz destes preceitos, destes ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, e da prova produzida supra Que importa apurar se o agente encoberto desta acção encoberta, agente LL, agiu ou não como autor mediato ou instigador nos actos que praticou - com as consequências da sua responsabilidade penal ou da isenção dela, nos termos do aludido art. 6º da Lei 101/2001 -isto é, à luz do expendido supra, apurar se o engano dos arguidos atingiu aquele grau de intolerabilidade, de insuportabilidade – numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos mencionados no art. 126º do CPP - que toca a sua integridade moral, e, por isso, se constituiu como meio proibido de prova. Ora, o que resulta então da prova produzida quanto ao alegado engano/provocação dos arguidos? Desde logo, que a decisão da PJ de pôr em marcha a acção encoberta só foi tomada apos a solicitação da DEA da sua colaboração para uma entrega controlada de cocaína, que iria ter lugar em Portugal, sendo perante essa solicitação da DEA, que a PJ no seu prudente critério avaliou ser necessária a instauração da acção encoberta e a intervenção do agente encoberto, avaliação que submeteu à prévia autorização judicial e foi concedida, o que equivale a dizer que a operação de tráfico de estupefacientes em Portugal já estava em curso, quando nela interveio o agente encoberto LL, o que, cronologicamente, o afasta do processo de formação da vontade dos arguidos de receberem o estupefaciente, e, por consequência, exclui qualquer hipótese de perturbação da liberdade da vontade ou de decisão dos arguidos, pelo agente encoberto. Conclusões, aliás, que as teses dos arguidos não infirmam, Posto que, em momento algum do processo, invocaram terem recebido do indivíduo que lhes entregou os veículos carregados com a droga (que, depois, no decurso da audiência de julgamento, se soube ser o agente encoberto LL) qualquer proposta de aquisição, transporte, ou outra, que colocasse qualquer deles na situação de deter aquela droga, por qualquer forma. Com efeito,Como se disse supra, - se o arguido AA, veio encontrar-se com o agente encoberto a pedido de JJ para lhe entregar um carro e dinheiro, - se o arguido DD foi fazer uma acção de segurança num negócio de droga, - e, se o arguido GG vinha vender um carro, estas versões dos arguidos excluem, manifestamente, a situação de provocação pelo agente encoberto, E, por outro lado, remetem, residualmente, o engano do agente encoberto de que cada um dos arguidos se disse vítima, para o plano da mera detenção do estupefaciente. Com que evidências? Mesmo que nos focássemos, da forma mais objetiva possível, apenas nas situações da detenção do estupefaciente pelos arguidos, na exclusiva ponderação das próprias declarações de vitimização de cada um, Como poderia o arguido AA Ignorar a finalidade da sua vinda a Portugal entregar 100.000 euros, e um carro, a um indivíduo, a pedido de JJ - a quem o próprio AA se referiu como sendo membro de uma organização criminosa de trafico de estupefacietes, que sabia que tinha sido preso em Fevereiro de 2021 – com isso livrando-se de uma dívida de 30.000 que JJ lhe reclamava, conforme disse - aceitando esse veículo cerca de duas horas depois de volta, e desconhecer que o mesmo estava carregado com droga? Como poderia o arguido DD mesmo deixando-se fora da ponderação o facto da mala na bagageira, que não disse que viu, e as razões apresentadas pelo arguido GG para estar consigo naquele local, que, pelo menos, em audiência, foram prestadas na sua presença e não quis confirmar nem infirmar, recusando-se a falar sobre os motivos da presença do arguido GG no local) sendo ele, DD e GG os únicos ocupantes daquele veículo em que tinham os dois chegado ao local, onde o DD já sabia que estava a fazer segurança num negócio de droga, que, para mais, estaria a decorrer com o beneplácito da Polícia Judiciária, segundo declarou, podendo confiar que estava seguro, e aceitar entrar no mesmo veículo, de novo só com GG, menos de uma hora depois de o terem levado, para se irem embora do local só os dois no mesmo veículo, sem suspeitar que estaria carregado com droga? E, como poderia o arguido GG, Não suspeitar do carregamento de droga ao receber de volta o seu carro daquele indivíduo com uma mala na bagageira (bagageira por ele assumidamente encontrar-se aberta para a visualização da ligação do “híbrido”) mala, que segundo declarou não era sua, e não questionar sobre a referida mala ali estar, no carro que era da sua mulher, nem o referido indivíduo, nem sequer o arguido DD, como disse que não fez, e aceitar ir-se embora do local com ela na bagageira? A resposta a cada uma destas perguntas, só pode ser negativa, como já se concluiu supra a propósito da inverosimilhança das versões que apresentaram, sem qualquer credibilidade. Deste modo, É indesmentível que os arguidos foram enganados pelo agente encoberto LL quando lhes ocultou a sua identidade. Mas, atingiram os meios utilizados pelo agente encoberto LL a sua liberdade de vontade ou de decisão, como proíbe o art. 126º do CPP, E, se fosse afirmativa a resposta, tê-la-iam atingido de forma intolerável, insuportável ou desproporcional, considerados os fins prosseguidos, da descoberta da verdade e da prevenção e repressão criminais, que constituem a razão de ser da existência das autoridades de investigação criminal, e as circunstâncias do caso concreto? De novo, a resposta só pode ser negativa. Não há a menor dúvida de que os arguidos destes autos não foram provocados ao crime pelo agente encoberto. Nada na factualidade provada permite concluir que foi o agente encoberto que criou nos arguidos a vontade de traficar droga, para a seguir serem presos, sem nenhum outro objectivo que não fosse esse (instigação), nem nenhum dos factos provados é revelador de que o agente encoberto quis traficar droga por intermédio dos arguidos (autoria mediata), o que em ambos os casos seria eticamente condenável e legalmente inadmissível. Na verdade, os arguidos actuaram movidos pelos seus interesses pessoais, e, foram vítimas, sim, mas das suas próprias vontades, das escolhas que fizeram livremente. E quanto à dimensão do engano, a única conclusão que pode tirar-se é a de que cada um dos arguidos apenas podia desconhecer a qualidade de agente encoberto do indivíduo com quem se encontraram, por mais de uma vez, e de quem receberam a droga, dimensão que não viola os normativos do arts. 125º e 126º do CPP, tendo os actos de execução do agente encoberto LL sido praticados no âmbito da acção encoberta, sob a tutela da previsão da 1ª parte do art. 6º da Lei 101/2001 - não para darem vida ao crime mas para o reprimir, e, por isso, não é o agente encoberto LL por eles penalmente responsável, nem existe qualquer nulidade que, da acção encoberta, afecte a validade da prova produzida. Temos pois de concluir pela legalidade da prova obtida.(…)”

* Subscrevemos integralmente a análise constante do excerto transcrito, que se apresenta exaustiva, clara e rigorosa e que, reiteramos, responde antecipadamente a todas as questões colocadas nos recursos atinentes à alegada valoração de provas nulas por, alegadamente, terem sido obtidas através de um método proibido de prova, mais não havendo do que concluir pela improcedência de tal arguição. Como eloquentemente se refere no acórdão do STJ de 20.02.2003, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, acima referenciado, “(…) 4 - Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação. A provocação, em matéria de proibição de prova só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.” E na situação dos autos, é inequívoco que tais limites foram absolutamente respeitados, conforme muito bem se explicou no acórdão recorrido. No que tange à alegação, constante do recurso do arguido GG, de inexistência nos autos de autorização judicial para a ação encoberta, dir-se-á apenas que, contrariamente ao que sustenta o recorrente, atento o disposto nos artigos 3º, nºs 5 e 6 e 4º, nº1 da Lei nº 101/2001 de 25.8, dos autos não poderá constar o pedido de autorização ou o despacho de validação da ação encoberta, pois que o que poderá ser junto aos autos, como efetivamente foi (7), é o relatório final da ação encoberta, encontrando-se, porém, fora de qualquer dúvida a existência de uma ação encoberta no âmbito do presente processo devidamente autorizada e validada. Finalmente, uma breve referência à alegação constante do recurso do arguido DD no sentido de que a não detenção de JJ e do seu filho em Portugal – tidos como cabecilhas da rede clandestina de tráfico de droga – condiciona a sua defesa, apenas para dizer que as decisões sobre as detenções de suspeitos constituem opções exclusivas dos investigadores, sobre as quais o tribunal não é chamado a pronunciar-se, não se vislumbrando, ademais, que, com tal opção, tenha ocorrido qualquer vulneração do direito de defesa do recorrente.

* Nesta conformidade, atestadas que estão, in casu, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade do recurso à colaboração do agente da PJ portuguesa enquanto agente infiltrado no âmbito da ação encoberta autorizada nos autos, constatamos não ter sido a prova produzida obtida através de meios enganosos e como tal absolutamente proibida. Estas as razões pelas quais somos a concluir não assistir razão aos recorrentes no que tange à arguição do vício de nulidade das provas por terem sido obtidas através um de método proibido de prova, improcedendo os recursos neste segmento.

*

c) Por não terem sido realizadas diligências de prova solicitadas pelas defesas em audiência. (recursos dos arguidos DD e GG) Nos recursos apresentados pelos recorrentes DD e GG encontra-se ainda arguida a nulidade do acórdão condenatório sustentada na circunstância de não terem sido realizadas diligências de prova solicitadas pelas defesas em audiência. Concretamente, alegam os recorrentes DD e GG, respetivamente, que: -“17. Na verdade, a provocação ou a instigação do crime foi realizada pelo Agente colaborador da DEA e PJ de nome “MM”, porquanto foi este que ofereceu os “seus serviços” ao JJ para o transporte e armazenamento da droga para e em Portugal (dizemos nós), 18. Sendo que tal demonstração ficou por realizar uma vez que o douto Tribunal Colectivo indeferiu todos os requerimentos das Defesas no sentido de ouvir o testemunho do agente “ MM”. 19. O que constitui uma violação ao poder-dever do douto Tribunal ao abrigo do artigo 340º do CPP, para a descoberta da verdade material” (recurso do arguido DD); - “26 O arguido ora Recorrente, requereu: A reconstituição do momento da detenção ou a inspeção judicial do local, de forma a provar que quem o contactou foi um terceiro, quem foi ter com eles foi um terceiro, quem tomou a iniciativa foi um terceiro, quem abriu a mala do carro foi um terceiro, e perceber o posicionamento dos agentes da Policia Judiciaria e da DEA no terreno.27 O esclarecimento destes factos não integra qualquer uma das alíneas do nº4 do artigo 340º do CPP.28 Ao invés, os referidos esclarecimentos são relevantes e fundamentais para a descoberta da verdade material.29 Principalmente quando subsiste uma duvida insanável, porquanto: Foram praticados atos tendentes a que os arguidos tomassem determinada atitude por parte do agente provocador/encoberto Ou estes tiverem o domínio do facto? Sabemos que não. Mas parece que o tribunal não teve essa convicção. 31 E assim sendo, a reconstituição do momento permitiria concluir com rigor jurídico o momento e local de cada um dos arguidos, e do agente provocador, bem como todos os atos praticados por este afim de aferir se estamos perante um agente provocador ou uma acção encoberta, como veio posteriormente – quase em final de julgamento – defender a PJ/MP. 32 No entanto, o tribunal não o fez, relegou para final a sua apreciação e afinal não fez qualquer referencia na sentença. DIREITO VIOLADO O que constitui uma violação dos Direitos de Defesa do arguido, concretamente do artigo 32º da CRP Declaração de inconstitucionalidade que se requer seja declarada.33 DA NULIDADE Face a omissão de uma diligencia que se revelava fundamental para a descoberta da verdade deve ser declarada Nula a sentença e ordenado a reabertura da audiência de discussão e julgamento e produção da respectiva prova requerida.(…)No caso concreto estamos perante o vício de nulidade da sentença - por deficiente fundamentação da matéria de facto art. 374º, nº2 e 379º, nº 1 alinea a) do Código de Processo Penal, dado que nada foi dito sobre a diligencia de prova requerida pelo arguido e reputada por fundamental.37 Violou, ainda, o artigo 355.º do Código de Processo Penal, norma com duplo sentido: Pois uma vez produzida ou examinada em audiência, essa (toda a) prova deva ser considerada na sentença.” (recurso do arguido GG). Desde já adiantamos, que, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, não assiste aos recorrentes qualquer razão quanto à invocada nulidade. Vejamos.

Resulta, efetivamente, do artigo 340.º do CPP, que consagra os princípios gerais da produção de prova em processo penal, e especificamente do seu n.º 1, que o tribunal “ordena oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

Deste dispositivo decorre claramente que o princípio da investigação ou da verdade material não está limitado pelo acervo probatório definido na acusação e na contestação. Indícios seguros nesse sentido são dados pelos artigos 323.º, 327.º e pelo já citado artigo 340.º, todos do CPP. O princípio da procura da verdade material pelo tribunal permite a junção ao processo de qualquer meio de prova até ao encerramento da audiência de julgamento, ou seja, até à leitura da sentença. O único limite processual imposto à aceitação de meios de prova até ao encerramento do julgamento é o da necessidade de ser respeitado, em relação a eles, o princípio do contraditório.

Já sob o ponto de vista substancial, tal como como é aceite pela generalidade da jurisprudência (8), a junção do novo meio de prova terá que ter em conta a sua legalidade, adequação e viabilidade, bem como a necessidade do mesmo para a descoberta da verdade material que o tribunal pretende alcançar.

O respeito pelo princípio da investigação oficiosa do tribunal, observados os limites formais e substanciais referidos, permite, no dizer de Germano Marques da Silva (9), um equilíbrio entre o objeto do processo definido pela acusação e a busca da verdade material que deve sempre, e em todo o caso, ser prosseguido pelo julgador.

Também Paulo Pinto de Albuquerque defende nada obstar à admissão de meios de prova ordenada pelo juiz até ao momento da leitura da decisão do tribunal de 1.ª instância, sustentando que a omissão de prova estritamente indispensável constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP (10).

Contudo, tal nulidade, a existir, não será uma nulidade da sentença, resultando antes da omissão de um ato imposto ao Tribunal, pelo que, tendo sido cometida em momento anterior à prolação da decisão final, deverá sempre ser suscitada atempadamente. Efetivamente, a nulidade por "omissão posterior de diligências que puderem reputar-se essenciais à descoberta da verdade" prevista no artigo 120.°, n.º 1, alínea d) do CPP, não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não está sujeita ao regime das nulidades da sentença previsto no artigo 379.°, mas sim ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral decorrente dos artigos 120.º e 121.º do CPP, que estabelece que a mesma tem que ser invocada no prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º 1 do CPP), se outra coisa não resultar do n.º 3 do mesmo artigo 120.º.

Sucede que, no caso dos autos, no que tange à não inquirição do agente MM, nos termos alegados no recurso do arguido DD, a consulta do processo permite verificar que o tribunal recorrido se pronunciou sobre tal pretensão das defesas nos despachos de 13.09.2022 e de 19.01.2023 (este proferido na 12º sessão de julgamento), tendo fundamentado o seu indeferimento com base na prova de obtenção impossível – por extravasar o âmbito da jurisdição nacional (uma vez que este elemento não teve intervenção no território nacional, com exceção do encontro ocorrido a 4.2.2021, com JJ, verificando-se, todavia, que este encontro foi esclarecido aquando da inquirição do agente LL) – e na circunstância de a junção de documentos ou produção de prova além do relato final da AE ser legalmente inadmissível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 340º, nºs 3 e 4 al. c) do CPP e 4º, nº 1 da Lei nº 101/2001 de 25.8.

Verificamos assim que, mais do que a omissão de diligências – que, dependendo da sua eventual essencialidade, poderia consubstanciar uma nulidade, arguível nos termos gerais após o seu conhecimento nos termos sobreditos – existem dois despachos de indeferimento dos respetivos requerimentos, despachos que, por não terem sido postos em causa pelos arguidos – uma vez que dos mesmos não foi interposto recurso no prazo legal – transitaram em julgado e assumiram caráter definitivo, não podendo, obviamente, ser sindicados nesta instância recursiva, que tem por objeto exclusivamente a impugnação do acórdão. Daqui decorre que a não reação contra os despachos que indeferiram a produção de prova testemunhal, concretamente do agente MM, fez precludir a possibilidade de arguição da violação das garantias de defesa nos termos em que o arguido a apresenta no recurso.

No sentido em que agora decidimos, se pronunciou, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 07.11.2017, relatado pelo Desembargador António João Latas, no proc. nº275/12.2GCMMN.E1, nos seguintes termos:

“I - O meio processual próprio de reagir contra o indeferimento de diligência probatória requerida em audiência (prestação de esclarecimento em audiência por perito), nos termos do art. 340º nº4 a) do CPP, é o recurso do despacho judicial respetivo e não a arguição de nulidade, pois de acordo com postulado antigo que, no essencial, se mantem válido, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.

II - Na verdade, constituindo o recurso o meio normal de impugnação das decisões judiciais, através do qual se pretende obter decisão sobre a legalidade de decisão judicial por um órgão judicial diferente do que proferiu a decisão que, em regra, lhe é hierarquicamente superior, mantem-se atual a afirmação de A. Reis de que «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente».

III - Só assim não será no caso de a decisão judicial não admitir recurso, pois nessas hipóteses a arguição de nulidade será o único meio de o requerente ou a parte contrária suscitarem decisão expressa sobre os argumentos que pretendam fazer valer contra o despacho proferido e, simultaneamente, sujeitar a decisão que os desatenda a apreciação por um tribunal superior.”. O entendimento que acabámos de expor vale igualmente para a apreciação da alegação do recorrente Tiago Semedo – no sentido de que, não tendo o tribunal, em sede de audiência de discussão e julgamento, apreciado a sua pretensão de reconstituição do momento da detenção e de inspeção judicial ao local, e sendo o acórdão omisso a tal respeito, padece este último de vício de nulidade, por omissão de pronúncia – pois que tal nulidade, a existir, nunca seria uma nulidade do acórdão, mas sim uma nulidade do procedimento prevista no artigo 120.°, n.º 1, alínea d) do CPP, pelo que não estaria sujeita ao regime das nulidades da sentença previsto no artigo 379.°, mas sim ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral decorrente dos artigos 120.º e 121.º do CPP, que estabelece que a mesma tem que ser invocada no prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º 1 do CPP), se outra coisa não resultar do n.º 3 do mesmo artigo 120.º.

Ora, não tendo tal nulidade sido suscitada atempadamente, a existir, sempre a mesma se encontraria sanada. Por outro lado, e reforçando materialmente a falta de razão do recorrente GG a este propósito, subscrevemos inteiramente o entendimento exposto pelo Ministério Público na sua resposta a tal recurso, no segmento que passamos a transcrever: “(…) o julgamento iniciou-se a 22.3.2022, tendo sido conhecida no dia anterior a existência da ação encoberta …, conforme informação do D.C.I.A.P., cujo relato final veio a ser junto aos autos em férias judiciais (18-7-2022), determinando a produção de novas provas, concretamente, a reinquirição da testemunha responsável pelas ações encobertas, NN, a inquirição do agente encoberto LL e a inquirição do agente encoberto SS. As provas requeridas e produzidas nesta fase processual devem, para além da sua admissibilidade e legalidade e para além de terem relação com o objeto do processo, representar novidade que possa influir na decisão da causa. O julgador tem que harmonizar, por um lado, os princípios da investigação ou da verdade material, do contraditório e das garantias de defesa com os princípios da economia e celeridade processuais. No caso dos autos, já depois de haverem sido realizadas várias sessões de julgamento, na sequência da junção do relato final da ação encoberta foram inquiridas as testemunhas supra indicadas, afigurando-se que a reconstituição de facto e a inspeção ao local deixaram de revestir interesse e relevância para a descoberta da verdade material, não tendo ocorrido qualquer violação do disposto no artigo 340º do C.P.P. (…)”. Não se verifica, pois, ao contrário do que propugnam os recorrentes, qualquer nulidade de procedimento prevista no 120.º n.º 2 al. d) do CPP ou qualquer nulidade do acórdão por falta de fundamentação prevista no 379 nº 1 alínea c) 1ª parte do CPP, improcedendo totalmente os vícios alegadamente decorrentes de não terem sido realizadas diligências de prova solicitadas pelas defesas invocadas nos recursos apresentados pelos recorrentes DD e GG.

*** B) Do invocado vício de erro notório na apreciação da prova consagrado na alínea c) do no nº 2 do artigo 410º do CP.

(recursos dos arguidos DD e GG)

Invocam os recorrentes DD e GG, nas suas motivações de recurso e nas conclusões que da mesma extraíram, a existência de um dos vícios consagrados no nº 2 do artigo 410º do CPP.

Importa ter presente que a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita, não se confunde com a invocação de um erro de julgamento, ou seja, com a impugnação da matéria de facto em sentido amplo com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do mesmo Código. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida e a sua verificação pelo tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida e atém-se à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. (11)

Analisemos, então, o vício da decisão, consubstanciado no erro notório na apreciação da prova, invocado pelos recorrentes.

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. De acordo com o disposto no artigo 410.º, nº 2, alínea c) do CPP, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito e desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o recurso pode ter como fundamento o erro notório na apreciação da prova. Trata-se de um vício da decisão em si mesma, que assenta numa deficiência no apuramento da matéria de facto e a sua verificação demanda a presença dos seguintes requisitos: a notoriedade do erro e que este resulte do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Notório, significa ostensivo, patente, percetível e identificável pela generalidade das pessoas e ocorre: - Quando as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida;

- Em virtude de o sentido firmado na decisão recorrida ser logicamente impossível;

- Por se ter incluído ou excluído da matéria de facto provada algum facto essencial; - Ou quando determinado facto provado se mostra incompatível com outro também provado.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a caracterizar de forma convergente o vício em análise, no sentido que vimos de expor.(12). Assim, para conhecimento do vício convocado pelos recorrentes, importa atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto à inclusão nos factos provados e não provados da matéria factual posta em causa no recurso. Ora, no que tange à motivação da convicção probatória, ajuizou o acórdão recorrido nos termos acima transcritos, que aqui se convocam, e a análise de tal texto impõe a constatação de que o juízo probatório, realizado de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º CPP, não indicia o alegado erro.

Efetivamente, confrontando a decisão recorrida, nela não se descortina qualquer contradição lógica entre os factos provados (13), nem entre aqueles e a motivação da sua convicção probatória. Dito de outra forma, a conexão entre a factualidade que o tribunal recorrido julgou provada e não provada, os meios de prova em que se baseou e a criteriosa valoração que fez dos mesmos, não se apresenta como logicamente inaceitável, nem manifestamente errada.

Acresce que, conforme resulta da motivação acima transcrita, não corresponde à verdade a alegação no sentido de que “(…) 9. Destarte, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento é contrária ao afirmado no acórdão condenatório, constituindo assim, um vicio de erro notório na apreciação da prova do artigo 410º nº2 al. c) do CPP.” invocada pelo recorrente DD para sustentar o vício de erro notório na apreciação da prova. Ao invés, a convicção do tribunal arrimou-se na conjugação de vários elementos probatórios, entre os quais se incluem vários depoimentos que suportaram o sentido da decisão, tendo o tribunal tido o cuidado de explicitar as razões pelas quais entendeu que alguns depoimentos, ou partes deles, se revelaram credíveis e isentos e outros não. Resulta manifestamente da motivação da convicção probatória que ao tribunal recorrido não restaram dúvidas sobre os factos que teve por provados e por não provados, pelo que inexiste qualquer violação do princípio in dubio pro reo também invocada pelo recorrente GG, sendo certo que apenas a subsistência da dúvida legitimaria a convocação de tal princípio, o que “in casu”, não sucede.

Nesta conformidade, não decorrendo das situações concretamente invocadas pelos recorrentes a sustentação de qualquer vício, mais não haverá do que concluir não se verificar o apontado erro notório na apreciação da prova a que se reporta o artigo 410.º, nº 2.º, alínea c) do CPP.

***

C) Do invocado erro na apreciação da prova, a apreciar nos termos do disposto no artigo 412º do CPP. (recursos dos arguidos AA e DD) Sabendo-se que os recursos mais não são do que remédios jurídicos de natureza processual, que se encontram vocacionados para verificar e corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”. Na situação dos autos, para além da alegação do vício previsto na alíneas c) do artigo 410º do CPP, a que acima nos reportámos, os recursos apresentados pelos recorrentes DD e AA colocam-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada no âmbito do disposto no artigo 412.º do CPP. (14) Conforme decorre de tal norma legal, o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Porém, para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. E o que dizer das impugnações da matéria de facto realizadas nos recursos dos arguidos DD e AA, no que ao cumprimento dos referidos requisitos diz respeito? Concordamos com a leitura que a este propósito foi efetuada pelo Ministério Público nas suas respostas aos recursos, afigurando-se-nos cumpridos tais requisitos no recurso apresentado pelo arguido DD, mas não se encontrando cumpridos os mesmos por banda do recorrente AA. Com efeito, se a leitura das motivações e das conclusões de tais recursos nos permite constatar que o recorrente DD assinalou os factos que, em concreto, considerou erradamente julgados, apresentou as provas concretas em que sustentou o seu entendimento – quer transcrevendo parte dos depoimentos que entendeu relevantes, quer indicando as passagens da gravação que registam tais depoimentos – o mesmo já não sucedeu no que tange ao recurso do arguido AA, que, pese embora tenha indicado os pontos da matéria de facto que considerou incorretamente julgados – pontos 1.16, 1.17 e 1.18 da matéria de facto provada – não cuidou de indicar as provas que, no seu entendimento, imporiam decisão diversa, não tendo indicado os concretos documentos, a específica prova pericial e as concretas passagens das declarações e dos depoimentos, por referência ao início e termo das mesmas na respetiva gravação, que sustentariam o seu entendimento. O que se verifica, de outra sorte, é que o recorrente AA, na sua extensa e repetitiva alegação, se limitou a afirmar que, escrutinados todos os depoimentos e declarações prestados em audiência de julgamento e analisada toda a documentação existente nos autos, se constata, a seu ver, que nenhum dos factos com relevância criminal que lhe foram imputados resultou demonstrado. Solicita, pois, o recorrente, a este tribunal que proceda à reapreciação da prova produzida que considera erradamente valorada. Fê-lo, porém, sem dar cabal cumprimento ao regime processual estabelecido pelo artigo 412º do CPP, uma vez que – a mais de confundir o erro de julgamento a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP com o vício insuficiência da matéria de facto para decisão previsto no artigo 410º, nº 2 alínea a) do CPP, tendo-os invocado indistintamente (ainda que, quanto a este último, o tenha feito explicitamente), nos termos a que a seguir nos reportaremos – questiona a valoração da prova, mas não cuidou de indicar os segmentos do suporte técnico, por referência ao registo da gravação áudio, em que se encontram os depoimentos que, alegadamente, imporiam decisão diversa da recorrida, não tendo igualmente explicitado com clareza o raciocínio lógico no qual fez assentar o seu juízo de incorreta apreciação da prova, nem tendo apontado o que, na sua perspetiva, foi mal julgado e porquê, oferecendo uma proposta de correção que pudesse ser avaliada pelo tribunal de recurso. Ora, como é sabido, e conforma acima já referimos, o recurso da matéria de facto não visa a reapreciação de toda a prova produzida nos autos, como se de um segundo julgamento se tratasse, mas apenas a deteção e correção de erros de julgamento, que incidirão sobre pontos determinados da matéria de facto e que o recorrente deverá indicar claramente na motivação e nas conclusões do seu recurso. Em suma, o que se verifica verdadeiramente, quanto à impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente AA, é que na motivação e nas conclusões do recurso mais não se consignou do que o entendimento segundo o qual a sua conduta deveria ter sido dada como não provada, em termos que apenas espelham a mera discordância, insustentada, relativamente à convicção dos julgadores. Ora, como se antevê, tal tipo de argumentação está condenada ao insucesso. Sequencialmente à invocação de erro de julgamento, veio o recorrente AA invocar o que denominou de insuficiência da prova produzida em julgamento para a decisão da matéria de facto, tendo alegado em tal ponto da motivação que a prova produzida em julgamento não permite dar como provada a factualidade constante dos pontos 1.5, 1.39, 1.45, 1.46, 1.50, 1.51, 1.52. Afirma concretamente inexistir nos autos qualquer prova que permita concluir, para além da dúvida razoável, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos referidos pontos do acórdão recorrido, o recorrente negociou, intermediou, adquiriu, planeou transportar ou transacionou qualquer produto estupefaciente, designadamente cocaína, com o objetivo de obter quaisquer proveitos económicos ou de outra natureza nem que, para tal fim, colaborou ou teve a colaboração de alguém. Ora, pese embora tal ponto da motivação se encontre autonomizado, não se nos afigura que a pretensão do recorrente tenha sido a de invocar o vício a que alude o artigo 410º, nº 2 al. a) do CPP – o que, aliás, não fez – conquanto, como sabemos, e conforme já acima explanámos acerca do vício de erro notório na apreciação da prova, os vícios previstos na citada norma legal deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, não admitindo o recurso à prova produzida nos autos. Parece-nos, assim, que o que o recorrente pretende neste segmento do recurso é mais uma vez impugnar a matéria de facto, pelo que, não tendo dado cumprimento ao estatuído no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, nos termos acima explicitados, a sua pretensão improcederá necessariamente também nesta parte, reiterando-se que, ao contrário do propugnado pelo recorrente, a convicção probatória se encontra abundante e adequadamente fundamentada, da mesma ressaltando que ao tribunal não restaram quaisquer dúvidas quanto à prova dos factos que considerou provados, não se encontrando, pois, de forma alguma, vulnerados os princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência, também invocados nesta parte do recurso apresentado pelo arguido AA. Um última nota para dizer que não se descortina qualquer inconstitucionalidade – que igualmente se encontra arguida no recurso apresentado pelo arguido AA – da norma constante do artigo 127.º do CPP na dimensão normativa com que foi aplicada pelo tribunal recorrido (15), pois que, contrariamente ao que afirma o recorrente, não corresponde, de todo à verdade que o tribunal tenha formado convicção e tenha decidido, “sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes”. A leitura da motivação da convicção probatória que acima transcrevemos desmente amplamente tal alegação, demonstrando, ao invés, que o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º CPP foi absolutamente respeitado, numa dimensão totalmente conforme às normas e aos princípios constitucionais, conforme melhor explanaremos de seguida.

* Analisemos então o vício do erro de julgamento da matéria de facto invocado pelo recorrente DD. Em breve nota sobre o princípio da livre apreciação da prova, que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP e cujo respeito se revela essencial para a apreciação da impugnação da matéria de facto, diremos que a prova deverá ser apreciada atendendo às regras da experiência e segundo a livre convicção da entidade competente. Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável. (16)

Afirmando não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes ao crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado, o recorrente DD, pretende impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo. Para tanto, observou as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, pois que:

- Indicou os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos constantes dos pontos 1.53, 1.54, 1.55, 1.57, 1.68 e 1.71 dos factos provados;

- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu parcialmente nas suas motivações de recurso;

- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tais provas levariam a decisão diversa da recorrida.

Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na decisão recorrida, cremos que não lhes assiste razão, pois que a prova produzida nos autos permite, a nosso ver, confirmar os termos da fixação factológica daquela constante. Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento, para o que se revela essencial atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados, que acima transcrevemos, e que aqui novamente convocamos.

Na motivação transcrita, após anunciar que “(…) A convicção do Tribunal fundou-se na totalidade da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum, da livre convicção e do valor científico da prova pericial (…)”, os julgadores deram conta de que, para formação da sua convicção probatória, atenderam a todos os meios de prova disponíveis – prova pericial, documental, declarações e depoimentos – tendo nos parágrafos subsequentes cuidado de definir o valor probatório conferido a cada um deles, quer em termos absolutos, quer articuladamente na sua relação como os demais. E fizeram-no, de forma clara, completa, com exposição dos raciocínios subjacentes ao seu processo de convencimento, em termos absolutamente percetíveis e que não nos merecem reparo.

Efetivamente, analisado o conjunto da prova produzida nos autos, criámos convicção segura de que os factos impugnados deverão manter-se nos factos provados em virtude de se encontrarem suportados por prova bastante. Começamos por registar que a motivação transcrita reflete, de forma fidedigna, o que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes processuais que aí foram ouvidos. Nenhum dos arguidos assumiu a responsabilidade pela prática dos factos que lhes vêm imputados e que foram tidos por provados, pretendendo os mesmos atribuir relevância à alegada instigação realizada no âmbito da ação encoberta e afirmando, concomitantemente, que se não encontram provados os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos do tipo penal das condenações. Sucede, porém, que a análise atenta da prova produzida permite-nos constatar encontrar-se demonstrada a responsabilidade que os arguidos insistem em rejeitar, sufragando-se totalmente a convicção probatória a tal propósito exposta na motivação do acórdão recorrido.

As questões colocadas pelo recorrente reportam-se à alegada inexistência de prova suficiente para se formar convicção probatória, total ou parcial, quanto aos factos constantes dos seguintes pontos dos factos provados:

- “1.53 Em Janeiro de 2020 a DEA comunicou à PJ que dois clientes portugueses de JJ- DD e VV – seriam os destinatários de sete pacotes de cocaína, equivalentes a 7 kgs.

1.54 No dia 18/1/2021, o agente LL encontrou-se com os arguidos DD e GG (irmão de VV) junto à estação de Caminhos de Ferro da CP de …, para a entrega pelo agente LL de sete pacotes de cocaína equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína;

1.55 A entrega não se concretizou porque os arguidos não tinham o dinheiro para o pagamento, e porque o estupefaciente ainda não se encontrava em Portugal, facto que os arguidos desconheciam;

(…)

1.57 Nessa reunião os arguidos DD e GG ainda não dispunham do dinheiro para o pagamento, pelo que comunicaram ao agente LL que a entrega dos sete pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína, só teria lugar no dia 20 de Abril de 2021, na Rua …., no parque de estacionamento do "…", em …, mediante o pagamento da quantia de €79.900,00, sendo o pagamento restante a efectuar posteriormente;

(…)

1.68 O arguido DD tinha também na sua posse 1(um) telemóvel marca …, modelo … de cor azul com IMEI1 …e IMEI2 …, com bateria, com bloqueio facial de ecrã, 1 (um) telemóvel marca …, modelo …, com cartão da operadora … no interior, bateria e IMEIs… e …, que se encontrava numa bolsa de tiracolo, e 60,00€ (sessenta euros) em três notas do BCE de valor facial de 20,00€ (vinte euros) na mesma bolsa.

(…)

1.71 Os arguidos DD e GG bem conheciam a natureza e características estupefacientes do produto - cocaína - que detinham, e bem assim que, atenta a quantidade envolvida, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.

O recorrente sustenta a invocação de erro de julgamento da matéria de facto na pretensa inexistência de prova demonstrativa da aludida factualidade ou na alegada existência de prova que a contraria, colocando essencialmente em causa a convicção do Tribunal a quo relativamente à determinação da autoria dos factos dados como provados, expressando o seu entendimento no sentido de que a prova produzida demonstra que o arguido agiu como mero segurança da transação ilícita. Mas não têm razão.

A leitura do acórdão permite-nos apreender o que levou o tribunal a decidir no sentido da existência de prova bastante dos referidos factos, encontrando-se exposto o raciocínio racional e lógico-dedutivo subjacente a tal decisão. Aí se encontra explicado por que razão o tribunal recorrido, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, entendeu que o resultado das vigilâncias, o conteúdo das interceções telefónicas validadas nos autos e o teor da prova pericial e documental, concatenados com o teor das declarações dos arguidos e dos depoimentos das várias testemunhas ouvidas em julgamento, constituiu suporte adequado e suficiente para assentar no elenco factual agora posto em causa.

Ademais, não corresponde à verdade que “(…) as diligencias policiais carreadas para os autos em prova documental, de vigilâncias, e de interceções telefónicas, não foi capaz de descortinar (pela positiva) a existência de um negócio de venda de droga a terceiros. Pelo contrário, e (pela negativa) dizemos nós que o recorrente nunca foi destinatário do estupefaciente apreendido naquele veículo, pelo que não seria possível carrear prova naquele sentido, porquanto essa não era a verdade material dos factos.(…)”, conforme o recorrente afirma nas suas alegações. Ao invés, e conforme se expõe no exame crítico da prova, (…) a versão do arguido DD, de que foi apanhado numa operação de tráfico de estupefacientes, onde iria receber 1.500 euros só para fazer segurança, não se sabe a quem, e de que contaria com a proteção da Polícia Judiciária, – arguido que só se dispôs a prestar declarações a final da audiência de julgamento, e se recusou a ver confrontada a sua versão com a versão do co-arguido GG, direito que lhe assiste, mas, que todavia, impossibilitou de forma irremediável a descoberta de qualquer laivo de lógica ou fundo de verdade, que conferisse a mínima credibilidade que fosse à versão que apresentou – é, além, de insustentável, amplamente desmentida quer pelas percepções dos inspectores da Polícia Judiciária, que procederam à investigação, quer pelo teor das mensagens que o arguido DD (com o endereço electrónico …) trocou com o seu interlocutor (com o endereço …) nos dias que antecederam a detenção – 16/4/2021, 18/4/2021, 19/04/2021 e 20/04/202 – mensagens que foram recuperadas do telefone … apreendido ao arguido DD, e constam da pen a fls. 67 do apenso 1 da perícia efectuada e se encontram transcritas a fls. 2329, fls. 2357 a 2386 vº destes autos - mensagens nas quais, claramente, aqueles dois interlocutores falam da necessidade de providenciarem um meio de transporte para uma transação de produto estupefaciente, e das dificuldades de conseguir um veículo adequado às necessidades, mas sem gerar suspeitas, e dos riscos inerentes às várias soluções, dos preços de mercado de estupefaciente praticados nas zonas de actuação do arguido DD e do seu interlocutor, e da necessidade do convencimento do fornecedor sobre a sua capacidade financeira de procederem ao pagamento do preço acordado depois da entrega do estupefaciente, sendo, aliás, explícitas nessas conversações as referências aos riscos indesejáveis de operações mal-sucedidas, designadamente, a de uma descarga de canábis na praia, publicitada na comunicação social.(…)”

Subscrevemos integralmente a linha argumentativa exposta no excerto do acórdão contendo a motivação do juízo probatório, que acima transcrevemos – quer no que diz respeito à credibilidade dos depoimentos aí identificados, quer no que tange à inverosimilhança da versão do recorrente, mormente atendendo às explicações que a contrariam assinaladas na decisão – para formar convicção probatória segura relativamente à veracidade dos factos tidos por provados e que se encontram impugnados. Na verdade, não resulta do conjunto da prova produzida qualquer dúvida razoável que legitime a convocação do princípio do “in dubio pro reo” relativamente à factualidade atinente à detenção da cocaína pelo recorrente DD e muito menos existe prova cabal da versão alternativa que o mesmo veiculou, versão que se apresenta como absolutamente inverosímil. Ficou claro, de outra sorte, que os arguidos DD e GG bem sabiam que a cocaína que detinham, atendendo à quantidade envolvida, que igualmente conheciam, se destinava a ser disseminada e consumida por milhares de pessoas e que quiseram praticar os factos ilícitos que lhe vêm imputados para deles retirarem benefícios económicos. (pontos 1.71 e 1.72 dos factos provados).

É, quanto a nós, manifesta a prova de tais factos, pelas razões claramente expostas no acórdão. E nem se diga, como afirma o recorrente para obstar a tal juízo probatório, que as transcrições das conversações realizadas por “apps” não são suficientes para criar a convicção relativamente à detenção da droga (17) pelo recorrente e ao propósito visado com tal detenção. Como bem sabe o recorrente, a prova dos factos impugnados não se baseou apenas nas transcrições das conversações. Desde logo, os vários inspetores ouvidos em julgamento, para além de terem podido atestar, nos seus depoimentos, o que visualizaram nas vigilâncias e nas ações em que participaram, puderam, obviamente, relatar a forma como os procedimentos se desenrolaram, a estratégia seguida e a articulação que estabeleceram entre si para que a mesma tivesse tido sucesso. A verdade é que, integrados que estavam na equipa que realizou as diligências investigatórias, os depoimentos de tais testemunhas, na perspetiva assim delineada, poderiam e deveriam ter sido valorados, como foram, para enquadrar e credibilizar os resultados contidos quer nos relatórios das vigilâncias e respetivos fotogramas, quer nos conteúdos das transcrições das comunicações telefónicas validados nos autos.

Manifestamente irrelevante para efeitos de sustentação da convicção probatória do tribunal se nos afigura, naturalmente, a alegação do recorrente no sentido de que “(…)o arguido DD é um cidadão sem antecedentes criminais, segurança de profissão, praticante da arte marcial ju-jitsu, tendo sido fuzileiro na Marinha Portuguesa, empregado na empresa .. à data dos factos, em vivência em união de facto cuja companheira estava desempregada mas a beneficiar de subsidio de desemprego, e que vivia em condições modestas, aliás como a maior percentagem da população Portuguesa, e que se deslocava habitualmente de transportes públicos e de bicicleta.(…)”!

Consideramos, pois, que, ao contrário do entende o recorrente, o tribunal a quo valorou, correta e cuidadosamente, os depoimentos das testemunhas identificadas no acórdão que, aliás, corroboraram a factualidade que já resultara fortemente indiciada pelos resultados das vigilâncias e pelo conteúdo das interceções telefónicas validadas nos autos. Ou seja, o tribunal sustentou o seu juízo probatório relativo ao facto de os recorrentes desenvolverem a atividade de tráfico de estupefacientes no âmbito da organização de dimensão internacional descrita nos autos, na conjugação dos resultados das vigilâncias e das interceções telefónicas e dos depoimentos das várias testemunhas ouvidas em julgamento que aportaram a tal propósito diferentes contributos. Com efeito, da conjugação de tais meios de prova, resultaram apurados vários comportamentos dos recorrentes dos quais, compreensivelmente, e por recurso às regras da experiência comum, o tribunal fez decorrer a convicção de que desenvolviam a atividade de tráfico de estupefacientes através da forma descrita dos factos provados, atividade da qual visavam retirar benefício económico. Acresce que nenhuma argumentação válida é apresentada pelo recorrente para contrariar o completo juízo probatório consignado na sentença recorrida. Alega que os factos que impugna deveriam ser considerados não provados com base nas suas declarações e nos depoimentos das testemunhas, mas não explica porquê. Ao contrário do que afirma o recorrente, o tribunal deixou claro na motivação da sua convicção probatória o que o levou a decidir no sentido da existência de prova bastante dos factos em causa, não correspondendo à verdade que não tenha tido em conta as declarações do o recorrente. Simplesmente não lhes conferiu credibilidade. E explicou muito bem porquê. Mas o que acima de tudo releva é o princípio da livre apreciação das provas, com o qual se superou o paradigma da prova legal ou tarifada, não podendo esquecer-se, ademais, que o ato de julgar é exclusivo do tribunal. E no caso dos autos, não temos dúvida de que tal princípio foi respeitado. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, tendo o tribunal feito, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova. Parece-nos evidente ter sido o recorrente quem, fazendo uma leitura sincopada dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, tentou branquear as razões que descredibilizaram a versão que ele próprio trouxe nas suas declarações e que se encontram expostas na sentença, tendo optado por não aludir a tais razões. Essa sim se nos afigura ser uma apreciação discricionária da prova por oposição à análise objetiva e contextualizada da mesma revelada na decisão recorrida.

Comungamos, pois, da convicção exposta no acórdão recorrido no sentido de se entender que a prova documental, pericial e testemunhal produzida nos autos se revelou idónea e suficiente para sustentar a prova de todos os factos tidos por provados, restando concluir que as circunstâncias de facto reveladas por tal prova existente no processo e enunciadas na decisão permitem estabelecer que os recorrentes foram os autores das atuações ilícitas ali descritas, improcedendo totalmente a tese propugnada no recurso.

São tais as razões que justificam que os factos constantes dos pontos 1.53, 1.54, 1.55, 1.57, 1.68 e 1.71 impugnados pelo recorrente DD sejam mantidos nos factos provados, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito.

*** D) Do erro de julgamento da matéria de direito

a) Relativamente à violação do bem jurídico, à existência de domínio do facto pelos recorrentes e ao consequente preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo pela de tráfico de estupefacientes. (todos os recursos apresentados pelos arguidos) Atentando na factualidade apurada nos autos, resulta, a nosso ver, evidente que a construção jurídica exposta na decisão recorrida é a correta, não podendo deixar de conduzir à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, nos termos ali explicitados.

Escusamo-nos neste ponto do juízo decisório a analisar com maior detalhe os elementos do tipo legal imputados aos arguidos, não só atendendo à circunstância de o acórdão recorrido conter uma ampla explanação teórica sobre o mesmo – pelo que se revelaria redundante e fastidioso repeti-la – mas também, e principalmente, porquanto a improcedência das impugnações da matéria de facto e dos vícios apontados ao acórdão fez soçobrar a tese do não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo defendida pelos arguidos nos recursos, conquanto a mesma assentava, em boa medida, na alteração factual que não mereceu acolhimento. Fundamentou o tribunal “a quo” quanto à subsunção dos factos ao direito nos termos que passamos a transcrever: “(…) O arguido AA, e os arguidos DD e GG, encontram-se, respectivamente, o primeiro acusado e os demais pronunciados, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela 1-B anexa ao mesmo diploma, Sendo os arguidos DD e GG em co-autoria, E o arguido AA na forma agravada do art. 24º alíneas c), f) e j), do mesmo diploma, e, vindo este arguido também acusado pelo crime de associações criminosas, previsto e punido pelo artigo 28º nº 2 do DL 15/93 de 22 de Janeiro. Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes Na parte relevante Sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas” dispõe o art. 21º/1 do DL 15/93, que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos” (sendo que a cocaína é substância constante da tabela I-B, tabelas anexas ao diploma, e o art. 40º respeita ao consumo de estupefacientes). “o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” – vd. Lourenço Martins, Droga e direito, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122. Na dogmática penal atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela actuação do agente, o crime de tráfico de estupefacientes apresenta-se como um crime de perigo comum abstracto, uma vez que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos pessoais que se reconduzem à saúde pública, e, o perigo não é elemento do tipo, constituindo apenas o motivo da proibição, neste sentido se podendo afirmar que “é indiferente a prova que se faça no sentido de mostrar que, no caso concreto, o bem jurídico não foi - ou mesmo, não podia concretamente ter sido – posto em perigo – vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral tomo I, Coimbra Editora, 2004, pag. 293. Por outro lado, no caso do crime de tráfico de estupefacientes, as várias condutas descritas no art. 21º sob apreciação, são todas elas aptas a constituírem um perigo para a vida, a saúde, individual e pública, a tranquilidade e a coesão das famílias e da sociedade, pelo que, a prática de qualquer uma delas já integra por si só o tipo penal, sendo a multiplicidade das condutas descrita de forma progressiva, desde a fase inicial do cultivo, passando pela produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias, até à distribuição no mercado consumidor, – nisso consistindo a chamada teoria das condutas alternativas, de tal maneira que “…para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito, ainda que se realizem as diversas acções descritas. Esta solução sai reforçada com o entendimento de que a pluralidade atomística em que se desenvolve a actividade do traficante tem subjacente um único desígnio de vontade formulado em relação à globalidade dos factos” – vd. Ac do STJ de 1/6/2011, relator Sr. Cº Santos Cabral, proc. 2/06.3PJLRS, acessível em www.dgsi.pt, No mesmo sentido, É também este tipo de crime descrito como um crime exaurido ou de empreendimento, em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa, em que até a mera detenção da droga já é punida como crime consumado, dada a sua vocação para ser transacionada, assim se verificando “… uma equiparação típica entre tentativa e consumação, em que, por conseguinte, a tentativa de cometimento do facto é equiparada à consumação e é como tal juridico-penalmente tratada” – vd. J Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, 2004, fls. 292 e 297 Sobre a constitucionalidade desta antecipação da tutela penal, também se tendo pronunciado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001, de 30 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001. Deste modo, Impõe-se pois concluir perante a factualidade que ficou provada respeitante a cada um dos arguidos, que se mostram preenchidos relativamente a todos, na modalidade da detenção, todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do art. 21º do DL 15/93 de 22/01 – em co-autoria, relativamente aos arguidos DD e GG. E, à luz da dogmática exposta supra, entendendo-se insustentável defender que, porque o transporte da droga passou a ser controlado pela DEA e, a partir do momento em que entrou em Portugal, pela PJ, com isso ficou anulado o elemento “perigo” do tipo de ilícito “tráfico de estupefacientes” uma vez que, como se disse supra, o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição, e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico, e, também, porque, por ser um crime de empreendimento, a tentativa do cometimento do facto é equiparada à consumação e como tal jurídico-penalmente tratada. Como, insustentável é também, defender-se que os arguidos não tiveram o domínio do facto, uma vez que ao praticarem os factos que os levaram à detenção, cada um dos arguidos, assumiu ainda que, parcialmente, uma função de carácter essencial na actividade do tráfico de estupefaciente, contribuindo nessa medida para a realização do facto – vd. neste sentido, o Ac. do STJ de 27/5/2009, relatado pelo Sr. Consº Henriques Gaspar, disponível em www.dgsi.pt, proc. 58/07.1PRLSB.S1, citando o Sr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, tomo I, 2ª ed. 789-800, perfilhando uma teoria do domínio do facto final-objectiva. * A fundamentação transcrita afigura-se-nos manifestamente adequada e suficiente para atestar a bondade da decisão quanto à subsunção dos factos ao tipo penal pelo qual os recorrentes foram condenados, nada de relevante se nos oferecendo acrescentar-lhe. Realça-se apenas – por se tratar de matéria jurídica que os recorrentes autonomizaram para porem em causa a subsunção dos factos ao crime das condenações – que sufragamos em absoluto a construção explicitada no acórdão, e reiterada pelo Ministério Público nas suas respostas aos recursos, atinente quer à violação do bem jurídico protegido pela incriminação, quer ao domínio do facto pelos recorrentes. A este respeito, em síntese conclusiva, diremos, pois, que tendo os factos ilícitos sido praticados por um conjunto de pessoas – no qual se incluem os recorrentes e o agente infiltrado – que atuaram coordenadamente, conjugando as suas tarefas, com as quais contribuíram para alcançarem o resultado ilícito a que se propunham, todos eles agiram sob a égide da coautoria, pois que esta pressupõe uma execução conjunta, codecisiva, em que o contributo de cada um seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto, não sendo, porém imprescindível que o coautor realize todos os elementos do tipo (18). Ora, tendo agido como coautores, e contrariamente ao que propugnam, não perderam nunca os recorrentes o domínio funcional do facto. Como já vimos, no caso dos autos, não só havia uma intenção criminosa pré-existente, como a execução do crime já tinha sido iniciada pelos membros da organização internacional, tendo o agente infiltrado atuado com os propósitos de evitar que a droga chegasse ao seu destino e de permitir a recolha de provas sobre a organização e os seus colaboradores, assim viabilizando a ação penal contra os responsáveis. É, porém, indubitável que da intervenção da PJ e do seu agente infiltrado não resultou a perda do domínio funcional do facto por parte dos arguidos, na medida das suas parcelas de atividade. Como se afirma no Acórdão do STJ de 11.07.2013, relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, “os atos praticados em coautoria pelo agente infiltrado, como se de um membro do grupo criminoso se tratasse, levam a estender aos coautores o domínio funcional do facto.” A diferença na valoração das condutas dos arguidos recorrentes e do agente infiltrado resulta, como sabemos, da aplicação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, nos termos do qual a contribuição do agente infiltrado não é punível. Quanto à alegação de inexistência de violação do bem jurídico protegido pela incriminação, por não se ter verificado o perigo de a droga vir a ser utilizada em prejuízo da saúde pública, em virtude de ter estado sob controlo da PJ, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, carece a mesma de qualquer sustentação, pois que, sendo o crime de tráfico de droga um crime de perigo abstrato – na medida em que não exige a verificação de um dano-violação, próprio dos crimes de resultado, nem tão pouco um perigo-violação, próprio dos crimes de perigo concreto – para o seu preenchimento basta que a ação seja adequada a gerar esse perigo (19). Ora, conhecida a construção legal do tipo penal de tráfico de estupefacientes como crime exaurido ou de empreendimento, de trato sucessivo e de tutela antecipada – pois o tipo legal fica preenchido com a realização de qualquer um dos atos previstos no artigo 21º do DL 15/93, de 22 de janeiro – dúvidas não poderão restar de que, tendo os recorrentes praticado atos qualificados como tráfico e, portanto, atos que consubstanciam o perigo típico com o qual se basta o crime em causa, se constituíram, respetivamente, como autor e como coautores do mesmo, em nada interferindo na verificação de tal perigo, e no consequente preenchimento do tipo, a intervenção do agente infiltrado no âmbito da ação encoberta, sendo certo que durante todas as operações o perigo típico esteve sempre latente. (20)

Pelas razões expostas, a alegação dos recorrentes, visando a sua absolvição pela negação da sua comparticipação nos factos, a título de autoria e de coautoria, por falta de domínio funcional do facto ou pela inexistência do perigo típico, é manifestamente improcedente.

*** b) Quanto às medidas das penas Subsidiariamente, os recorrentes põem em causa as medidas concretas das penas de prisão que lhes foram aplicadas pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p.e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, que considera desadequadas por excessivas, o que vale por dizer que, no seu entender, uma boa aplicação do direito ao caso determinaria a aplicação de penas menos gravosas.

Analisemos então se lhe assiste razão. Conforme é amplamente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores, o sistema de recursos no processo penal português tem como escopo a correção dos erros ocorridos na primeira apreciação judicial dos factos e na sua subsunção ao direito. Daqui resulta que no caso dos recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria. E tão somente isso. Ou seja, o tribunal de recurso só deve intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato de pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada. Estabelecida a margem de atuação deste tribunal da Relação, será importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º e 40.º do CP, se os crimes forem puníveis alternativamente com pena de prisão ou com pena de multa – o que no caso dos autos não sucede, uma vez que o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos foram condenados é punido apenas com pena de prisão – o tribunal deve dar preferência à pena de multa, desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial. Assim, dentro da moldura abstrata da pena deverá encontrar-se a medida da culpa, que fixará o seu limite máximo. Após o que, entre o mínimo legal e o limite máximo dado pela medida da culpa se formará a “moldura da prevenção geral de integração” – em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos – dentro da qual a medida da pena será concretizada em função das exigências de prevenção especial: prevenção positiva ou de socialização e, excecionalmente, prevenção negativa de intimidação ou de segurança individuais (21).

“A decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese. (...) A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão", isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.” (22)

A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção específica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico. Estabelecido o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de determinação da pena concreta realizado pelo tribunal a quo, na perspetiva da sindicância com a abrangência acima delineada. Pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, o acórdão recorrido optou pela aplicação das penas de 9 anos de prisão ao arguido AA e de 7 anos de prisão aos arguidos DD e GG – ou seja, todas situadas abaixo do meio das respetivas molduras abstratas, que, para o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos foram condenados, se situa entre 4 e 12 anos. Pensamos, porém, que, ao contrário do que sustentam os recorrentes, o fez com justificação bastante. Vejamos. Devemos em primeiro lugar atentar na factualidade provada – que acima transcrevemos e para a qual remetemos – na qual se descrevem as atuações dos arguidos, as consequências que as mesmas visavam conseguir, o contexto em que ocorreram e as suas motivações e, bem assim, os elementos relativos às condições pessoais daqueles. Dando aplicação aos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP, temos que, no que diz respeito à culpa, tal como nos explica Figueiredo Dias, a mesma se reporta à censura dirigida ao agente por referência à prática do facto ilícito, consistindo na desaprovação da sua atitude face às exigências do dever ser sociocomunitário. Os recorrentes pugnam pela aplicação de penas menos gravosas. Não lhes assiste, porém, a nosso ver, razão. Efetivamente, ao contrário do que pretendem fazer crer, todas as circunstâncias acima enunciadas, designadamente as atinentes às fortes exigências de prevenção geral e especial, foram tidas em conta o acórdão recorrido, conforme claramente se atesta pela leitura das considerações aí tecidas no que tange à determinação das medidas das penas e que – expurgadas da explanação teórica também aí consignada – passamos a transcrever: “(…) Não se vislumbra, além disso, relativamente a nenhum dos arguidos, qualquer circunstância justificativa da atenuação da pena, nem das elencadas no art. 72º do CP, nem devendo produzir esse efeito o facto da droga não ter chegado aos consumidores a que se destinava, o que apenas sucedeu por circunstâncias alheias e contrárias à actuação dos arguidos, nem se vendo que o engano em que agiram próprio da acção encoberta tenha esse efeito, já que foi a acção dos arguidos que justificou a existência do engano e não o contrário. Assim, No presente caso, há a ponderar as necessidades prementes de prevenção geral atenta a danosidade social deste tipo de crime, na saúde das pessoas, e na comunidade e, bem assim, na economia, pela introdução nela dos elevados proventos ilícitos gerados, - a ilicitude – é muito elevada, atenta a qualidade da substância estupefaciente traficada, cocaína, e as quantidades em causa, sendo especialmente elevada a quantidade detida pelo arguido AA, - a intensidade do dolo - na sua forma mais intensa, directo, relativamente a todos os arguidos, - a gravidade das consequências – que apenas não se produziram, mas por facto alheio e contrário à acção dos arguidos, sendo certo que se trata de um crime de perigo, - a conduta anterior e posterior – sendo que em Portugal não há relativamente a nenhum dos arguidos notícias de antecedentes criminais, mas que existem no estrangeiro relativamente ao arguido AA. Deste modo, face a todo o circunstancialismo descrito, ponderadas as exigências de prevenção assinaladas e os graus de culpa elevada dos arguidos DD e GG muito elevada a do arguido AA, mostram-se adequadas as penas de 7 anos de prisão para cada um dos arguidos DD e GG, e de 9 anos de prisão para o arguido AA. (…)” Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram acertadas e respeitadoras dos critérios legais. Assim, e ao contrário do que propugnam os recorrentes, a censurabilidade que nos merecem as suas condutas – a sua culpa, que funciona como limite máximo inultrapassável, que se revela elevada quanto aos arguidos GG e DD e muito elevada relativamente ao arguido AA – associada à intensidade dos dolos, à ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral e especial, também corretamente avaliadas pelo tribunal a quo, sustentam totalmente as penas de prisão aplicadas no acórdão sob recurso. Com efeito, sopesadas todas as circunstâncias enunciadas, entendemos mostrarem-se proporcionais as penas de 9 anos de prisão para o arguido AA e de 7 anos de prisão para os arguidos DD e GG, consignando-se o acerto do processo aplicativo desenvolvido na decisão, no qual avulta uma ponderação correta dos factos e uma adequada valoração dos mesmos à luz das regras e dos princípios que regem a determinação da medida concreta da pena acima enunciados.

*c) Quanto à agravação do crime relativamente à conduta do arguido AA e quanto à insuficiência da pena que lhe foi aplicada. Sustenta o Ministério Público no seu recurso que o arguido AA deveria ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24 º alíneas c ) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, alegando para tanto que as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas c) e j) do artigo 24 º se mostram preenchidas, considerando a matéria de facto dada como provada. Subsidiariamente, solicita que lhe seja aplicada uma pena mais elevada pela prática do crime da condenação, que quantifica em medida não inferior a 10 anos de prisão, alegando não terem sido levadas em linha de conta as elevadas exigências de prevenção especial, a ilicitude e a culpa do arguido.

A respeito do não preenchimento das agravantes previstas nas alíneas c) e j) do artigo 24 º do D.L. n.º 15/93, de 22.01 discorreu o acórdão condenatório da seguinte forma:

“(…) Quanto à agravação com relevo para a decisão a proferir relativamente ao arguido AA,

Sob a epígrafe “Agravação” dispõe, por sua vez, o art. 24º do mesmo diploma, que

Artigo 24.º

Agravação

As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;

f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional;

j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando;

o que se traduz no agravamento da moldura penal abstracta do art. 21º, de 4 a 12 anos de prisão, para 5 a 15 anos de prisão.

Sobre a agravação do art. 24º, pode ler-se no Ac. do STJ de 12/3/2008 no proc. 08P694, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Consº Simas Santos:

“O crime base, tipificado no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, está delineado para assumir uma função de defesa social ou protecção da comunidade perante a actividade de tráfico de mediana dimensão, utilizando recursos e propondo meios e objectivos que não apresentam grande traço de dissemelhança perante o perfil que apresenta, normalmente, a patologia criminal deste tipo”, supondo a agravação “pelo contrário, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base …. e, consequentemente, uma dimensão que, referenciada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base”

- e, noutro passo do mesmo Acórdão -

“Importa considerar que a descrição das referidas agravantes assume uma natureza ampla com um segmento de indeterminação que impõe ao intérprete uma actividade interpretativa em que se recorta a procura da teleologia do preceito.

As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, adensam a ilicitude revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar. A maior dimensão da ilicitude que a agravação traduz há-de ser essencial para a interpretação e integração da referida noção indeterminada, que, por integrar ainda por si um elemento do tipo agravado, requer a definição segundo o modelo de rigor que tem de ser próprio à definição dos elementos da tipicidade”.

Dito de outro modo, e para o que ao caso dos autos agora importa, a considerar para a agravação haverá que, em ordem ao apuramento da gravidade acrescida da ilicitude típica do art. 24º, averiguar se “face à imagem global do facto” a ilicitude do caso concreto é ou não reveladora de um incremento da ilicitude típica do art. 21º - vd. Ac. do STJ de 12/9/2007, proc. 06P2165, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Cº Soreto de Barros – exigência de ponderação que tem por consequência necessária a conclusão que o efeito das circunstâncias agravantes do art. 24º não é automático.

Assim,

Das relevantes para o caso concreto

Quanto à agravante da alínea c) do art 24º - O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória - Os tribunais superiores têm vindo a entender que o conceito de avultada compensação remuneratória pode não resultar directamente da prova do efectivo lucro conseguido ou a conseguir - vd., neste sentido, Ac. do STJ de 17/4/2013, relator Sr Cº Pires da Graça, proc. 138/09.9JELSB.L1.S2 acessível em www.dgsi.pt – e, deve ser preenchido na ponderação do caso concreto, através de factores objectivos - designadamente, a qualidade e quantidade dos estupefacientes, o volume das vendas, a duração da actividade e o nível da organização e de logística, o grau ou nível de participação do agente na actividade, as quantias envolvidas e/ou apreendidas, os valores das transações, o grau de inserção do agente na rede clandestina, “…Um correio não participa nos lucros da rede da mesma forma que os dirigentes.” - Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Pinto de Albuquerque, José Branco, II, p. 502, factores que, valorados globalmente, permitam concluir, ainda que indiciariamente, que a remuneração obtida ou tentada se mostre num patamar acima do tráfico de estupefacientes vulgar, revelando uma dimensão de ilicitude também invulgar, que justifique a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo – vd., neste sentido, Ac do STJ de 28/11/2018, relator Sr. Cº Vinício Ribeiro, no processo 36/16.0PEPDL.L1.S1 acessível em www.dgsi.pt.

Ora, no caso dos autos,

Pese embora se tenha provado que o arguido AA detinha 144 blocos de cocaína, equivalentes a cerca de 144 Kgs de cocaína, que se destinava a ser disseminada e consumida por milhares de pessoas, com a venda da qual os elementos da organização angariariam proventos monetários muito elevados,

E que, o arguido AA também esperava retirar benefícios económicos da sua conduta, mas não se tendo apurado o montante desses benefícios,

E, tendo presente, que a actuação deste arguido se situou na fase do transporte, não se tendo provado que o mesmo integrasse a organização criminosa dos donos da droga, entende-se não se poder concluir sobre qual seria o montante do beneficio económico do arguido AA – vd., neste sentido, Ac. do STJ de 21/6/2018, relatora Srª Cª Helena Moniz - processo 172/15.0JAPDL.L1.S2, acessível em www.dgsi.pt, pelo que, se impõe concluir por não verificada a agravante da alínea c) do art. 24º do DL 15/93.

Quanto à agravação da alínea f) - O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional – nesta parte, alem do trafico de estupefacientes, nenhuma outra actividade criminosa vindo imputada ao arguido, nem se tendo tornado conhecida, é quanto basta para se concluir por não verificada esta agravante.

Quanto à agravação da alínea j) - O agente actuar como membro de bando - destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando;

Como vem sendo entendido de forma pacífica na doutrina e na jurisprudência a actuação em bando é uma figura que se situa entre a comparticipação, designadamente a co-autoria, e a associação criminosa, num plano superior à primeira, mas, inferior à segunda, sendo que como resulta da literalidade da previsão legal exige-se pelo menos a intervenção de duas pessoas.

Ora, no caso dos autos, sendo certo que TT não foi pronunciado, não se encontrando outra qualquer intervenção além daquela do arguido AA, É, também, quanto basta, para, nesta parte, se concluir por não verificada a referida circunstância.

Será, pois, o arguido AA condenado, a final, apenas pela prática do crime-tipo do art. 21º do DL 15/93 de 22/1.(…)”.

Sufragamos totalmente o entendimento exposto no acórdão recorrido.

Quanto aos fundamentos invocados pelo Ministério Público, na parte em que não encontram resposta antecipada no excerto transcrito, sempre diremos que da factualidade provada não resulta que o arguido AA tivesse obtido ou procurasse obter com a prática do crime avultada compensação remuneratória, pelo que se não encontra preenchida a circunstância agravante prevista na alínea c) do artigo 24º. O que se apurou foi que, com a venda da elevada quantidade de cocaína que se encontrava na posse do arguido – cujo transporte o mesmo deveria assegurar e que se destinava a ser disseminada e consumida por milhares de pessoas – os elementos da organização à qual aquele se encontrava ligado, mas à qual se não apurou que pertencesse, angariariam proventos monetários muito elevados (factos 1.47 a 1.49). Quanto ao arguido AA, provou-se apenas que também esperava retirar benefícios económicos da sua conduta, não se tendo, porém, apurado o montante desses benefícios (facto 1.51).

É certo que, como refere o Ministério Público no recurso, “a avultada compensação remuneratória que se procura obter pode não resultar da prova do efectivo do lucro de cada agente, análise contabilística irrealizável pelas características clandestinas da actividade, mas dos factos provados na sua globalidade (quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias susceptíveis de ser geradas), reveladores de uma actividade em que a ilicitude assume uma dimensão invulgar, superior à subjacente ao tipo base, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo” (23).

Porém, tal entendimento encontra o seu campo de aplicação nos factos, apreciados na sua globalidade, mas reportados às condutas dos vários membros da organização, por serem eles os destinatários do produto da venda do estupefaciente traficado. É, aliás, o que resulta do acórdão do STJ de 28.11.2018, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro, que, defendendo também a apreciação dos factos na sua globalidade para efeitos de preenchimento do conceito de avultada compensação remuneratória, restringe tal doutrina aos membros da rede clandestina aos quais os proventos da venda da droga se destinavam, consignado que “A jurisprudência deste STJ, de há alguns anos a esta parte, tem-se pronunciado, quase unanimemente, no sentido do conceito de avultada compensação remuneratória dever ser preenchido através da ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da actividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina (24), factores que, valorados globalmente, são susceptíveis de fornecerem uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. De acordo com a alínea em causa [al. c)] não é necessário que o agente obtenha efectivamente um elevado lucro; basta que o tenha tentado obter.”

Ora, não sendo o arguido em causa membro da rede clandestina, tal entendimento não se adequa à sua situação.

No caso dos autos, atendendo à matéria de facto provada, não acompanhamos igualmente o argumento apresentado no recurso do Ministério Público no sentido de que o elevado grau de confiança depositada no arguido AA pelos dirigentes da rede clandestina, concretamente por JJ e KK, permitiria concluir que, correspondendo àquele um papel central, ao mesmo se destinaria igualmente uma “compensação remuneratória muito avultada que, pelo menos, fizesse jus à sua participação na operação criminosa”. Na verdade, reiteramos, não se provou que o arguido AA fizesse parte da organização à qual a cocaína pertencia, pelo que não se provou igualmente que as avultadas quantias que a sua venda proporcionaria se lhe destinassem. A sua expetativa ao nível dos proventos que aspiraria receber reportar-se-ia apenas à remuneração pelo transporte que aceitou realizar. Admitimos que esperasse receber uma compensação avultada pelos seus serviços, mas a matéria de facto considerada provada ficou aquém do apuramento de tal realidade. E, como sabemos, a condenação assenta em factos concretos e não em conjeturas ou em extrapolações que, para efeitos de subsunção, se revelam absolutamente ilegítimas.

Não se encontra, pois, preenchida a agravante prevista na al. c), do artigo 24.º, do D.L. 15/93.

Quanto à agravante prevista na al. j) artigo 24.º, do D.L. 15/93 – atendendo a que o conceito de “bando” exige pelo menos a intervenção de duas pessoas, situando-se a figura em causa num plano superior à comparticipação e inferior à associação criminosa – tal como bem se refere no acórdão, não tendo o arguido TT sido pronunciado e não se encontrando apurada qualquer outra intervenção além da do arguido AA, não vemos como se poderia concluir pela verificação da aludida circunstância.

É, aliás, o próprio recorrente quem, nas suas conclusões refere:

“(…)18. “O que conta, o que releva é ser membro de bando”, havendo, “portanto, não só que determinar a existência de um bando como há, outrossim, que estabelecer um nexo de imputação objetiva que demonstre que o agente pertence a um bando” e “que o facto tenha sido levado a cabo com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”. E tal colaboração deve traduzir-se em “qualquer tipo de ajuda que se sobreponha à própria cumplicidade, indo ao ponto de admitir também casos de coautoria” (Professor José de Faria Costa” in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pag. 85).(…)”

Ora, ao contrário do que propugna o recorrente, e ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, a nosso ver, da conjugação dos factos dados como provados não podemos extrair a conclusão de que o arguido AA atuava como membro de bando. Com efeito, ao contrário do que se alega no recurso, não resulta da factualidade concretamente dada como provada, nem a mesma permite inferir, que o identificado arguido “pertencia a um grupo, que os factos provados denominam de “organização”, liderada por JJ e KK, que se dedicava, de forma organizada, à venda de cocaína.” Reafirmando o que acima explicitámos, pese embora os factos provados se reportem à mencionada organização, em nenhum deles se afirma que o arguido AA dela fizesse parte, mas apenas que o mesmo aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa, serviço pelo qual receberia uma compensação económica de valor não concretamente apurado (factos 1.16 e 1.17). Mais se provou que na realização de tal serviço o arguido veio acompanhado pelo TT, não se tendo, porém, provado qualquer tipo de participação deste no plano criminoso. No que tange aos elementos subjetivos do tipo, apurou-se apenas que o arguido AA quis e conseguiu deter e transportar a cocaína em execução do plano traçado pela organização de JJ e KK (factos 1.45 e 1.50). E se dúvidas subsistissem relativamente à falta de factos para que pudéssemos concluir que o arguido AA atuou como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando, nos termos previstos na alínea j) do artigo 24º, as mesmas dissipar-se-iam no confronto dos factos tidos por não provados – que se cristalizaram face à sua não impugnação no recurso em análise – nos quais expressamente se consignou não ter resultado provado:

“2.2. Que o arguido AA integrava a acima referenciada "organização criminosa", juntamente com JJ e KK

2.3. O arguido AA ao actuar conforme descrito, nos factos provados supra agiu sempre com a consciência da sua integração no grupo e de que o cumprimento das respectivas tarefas era indispensável à prossecução dos objectivos do grupo a que aderiu, fazendo-os seus.

2.4. Assim, acrescentou à estrutura da organização os seus meios individuais, o que fez através de laços de disciplina e hierarquia definidos para melhor levar a cabo os seus intentos.

2.5. O arguido AA, bem como os demais indivíduos JJ, KK e outros não identificados, com quem actuavam concertadamente, juntaram-se em grupo e actuaram sempre, nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades, destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes em grande quantidade, com a finalidade comum de obterem grandes proventos económicos.

2.6. Para tanto, actuavam nos termos descritos de forma conjugada e concertada.

2.7. Actividade a que já se vinham dedicando desde data não apurada.”

Não se encontra, pois, também preenchida a agravante prevista na al. j), do artigo 24.º, do D.L. 15/93.

*

No que tange à medida da pena concretamente aplicada ao arguido AA, nada mais se nos oferece dizer para além do que deixámos já explanado no item referente à determinação das medidas das penas de todos os arguidos, aqui se reiterando o acerto do processo aplicativo desenvolvido no acórdão condenatório relativamente à determinação da pena concreta aplicada ao identificado arguido. Com efeito, a decisão recorrida revela uma ponderação correta dos factos e uma adequada valoração dos mesmos à luz das regras e dos princípios que regem a determinação da medida concreta da pena acima enunciados, na mesma se descortinando a valoração do dolo, da ilicitude e da culpa e, bem assim, as necessidades de prevenção geral e especial, fatores que, relativamente ao arguido AA, foram considerados muito elevados e cuja ponderação justifica o juízo de adequação e de proporcionalidade da pena de 9 anos de prisão que àquele foi aplicada e que, por isso, se manterá.

Improcede, pois, totalmente, o recurso interposto pelo Ministério Público.

***

Nesta conformidade, considerando que o juízo realizado pelo tribunal a quo é, no seu todo, bem fundado e não merece reparo, impõe-se julgar os recursos apresentados totalmente improcedentes, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

***

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos, decidindo, consequentemente, manter integralmente o acórdão recorrido.

*

Sem custas no que tange ao recurso interposto pelo Ministério Público (artigo 522º, nº 1 do CPP). Custas dos reatentes recursos pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigos 513.º, n.º 1 e 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 23 de janeiro de 2024.

Maria Clara Figueiredo

Artur Vargues

António Condesso

João Amaro

..............................................................................................................

1 Registamos que tais conclusões se encontram deficientemente apresentadas, não cumprindo de forma cabal a função para a qual se encontram previstas, porquanto, a mais de constituírem praticamente uma reprodução integral da motivação do recurso – situação que, na verdade, se verifica relativamente às conclusões constantes dos três recursos apresentados pelos arguidos – padecem de absoluta falta de sistematização, à semelhança, aliás, do que sucede com a própria motivação, o que dificulta sobremaneira a sua análise. Atendendo, porém, à natureza urgente dos autos e, bem assim, à previsível inutilidade que decorreria da formulação de convites ao aperfeiçoamento das conclusões, optámos por avançar no conhecimento das pretensões recursórias.

2 Cfr. a este propósito, entre outros, o Acórdão do STJ proferido no proc. nº 733/17.2JAPRT.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.

3 Optando-se por se não transcreverem nesta parte do juízo decisório as considerações sobre as nulidades das provas – que o tribunal recorrido entendeu incluir sistematicamente na motivação da convicção probatória – conquanto analisaremos autonomamente tal matéria no item seguinte, conforme acima enunciado.

4 Pese embora no recurso interposto pelo arguido AA tal impugnação tenha sido feita sem respeito dos requisitos legalmente previstos, conforme infra apreciaremos.

5 Mormente quando refere: “Julgava-se que este ensinamento pacífico na nossa jurisprudência e que está nos antípodas dos mais elementares princípios da valoração probatória em processo penal estivesse já perfeitamente adquirido na praxe do foro, contudo, para o Tribunal Recorrido assim não é, clamando por isso a necessária intervenção do Tribunal ad quem.”

6 Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.12.2000, relatado pelo Conselheiro Virgílio Oliveira, de 20.02.2003, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, 27.06.2012, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral; da Relação de Évora de 14.02.2010, relatado pelo Desembargador Gilberto Cunha; da Relação de Guimarães de 13.01.20020, relatado pela Desembargadora Teresa Coimbra; da Relação do Porto de 07.05.2014, relatado pela Desembargadora Lígia Figueiredo, de 26.05.2015, relatado pela Desembargadora Maria dos Prazeres Silva e da Relação de Lisboa de 22.03.2011, relatado pelo Desembargador Nuno Gomes da Silva e de 21.09.2022, relatado pela Desembargadora Ana Paula Grandvaux, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No plano doutrinário, vários são os estudos realizados sobre a temática que nos ocupa, entre os quais destacamos: Prof. Germano Marques da Silva, “Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos”, Direito e Justiça, F.D.U. Católica, Volume VIII, 1994; Armando Dias Ramos, “O agente encoberto digital. Meios especiais e técnicos de investigação criminal, Almedina, 2022”; Fernandes Gonçalves, Manuel João Alves e Manuel Monteiro Guedes Valente, “O Novo Regime Jurídico do Agente Infiltrado. Anotado e Comentado-Legislação Complementar, Almedina, 2001” (também citados pelo Ministério Público nas suas respostas aos recursos) e ainda as dissertações de Mestrados de Iolanda Alexandrina Fernandes Mesquita “O Agente Infiltrado, Análise Jurisprudencial”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016 e de Sara Daniela Quintas Couto Rego “Do Agente Encoberto ao Agente Provocador”, maio de 2016, disponíveis on line.

7 Em 19.07.2022 foi junto aos autos o relatório final da ação encoberta.

8 Neste sentido veja-se o acórdão da RE de 9.6.2009, proferido no processo 2721/07-1, relatado por Gilberto Cunha e disponível para consulta em www.dgsi.pt.

9 Germano Marques da Silva – “Direito Processual Penal Português: Noções e Princípios Gerais: Sujeitos Processuais: Responsabilidade Civil conexa com a Criminal: Objeto do Processo”. Universidade Católica Editora. Lisboa: 2019. P. 91 e 92.

10 Paulo Pinto de Albuquerque – “Comentário do Código Processo Penal”. 4.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. página 881 a 883.

11 Registamos que a invocação do erro na apreciação da prova no recurso interposto pelo arguido DD demonstra uma manifesta confusão de conceitos e de institutos, alegando indistintamente o referido vício e o erro na apreciação da prova como se aquele fosse uma espécie do mesmo género deste, conforme claramente resulta das seguintes conclusões“7. A prova produzida na audiência e discussão de julgamento, nomeadamente a prova testemunhal dos depoimentos de NN, Agente LL e OO, todos e em uníssono, relataram que o recorrente era um mero INTERMEDIÁRIO.

8. Tais depoimentos foram suportados pela informação prestada pela congénere Americana da PJ, a DEA a fls. 145 dos autos, e depois confirmada pelo Agente LL e também pelo NN, coordenador da Acção Encoberta, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento nos dias 18 de Janeiro de 2023 e 23 de Fevereiro de 2023, cujas passagens estão transcritas na Motivação de Recurso.

9. Destarte, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento é contrária ao afirmado no acórdão condenatório, constituindo assim, um vicio de erro notório na apreciação da prova do artigo 410º nº2 al. c) do CPP.”

12 Entre outros, citamos o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 21/5/2019, relatado pelo Desembargador Proença da Costa no proc. 61/15.8EAEVR.E1, no qual podemos ler relativamente ao erro notório na apreciação da prova, que o mesmo ocorre quando «… as provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou. Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis..»

13 Designadamente a contradição invocada pelo recorrente GG na conclusão 25. do seu recurso – “E resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal. O qual resulta claramente do texto da decisão ora recorrida, como se refere o facto assente n.º 70 entra em manifesta contradição com a decisão de que os arguidos (em conjunto) se iam apropriar do produto estupefaciente. (recurso do recorrente GG)” – não se descortinando, de todo, no cotejo dos factos provados a invocada contradição.

14 Preceitua o art.º 412.º, nº 3 e 4 do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso que:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

15 Nem o recorrente invoca, concretamente, qual o preceito constitucional que entende haver sido desrespeitado!

16 Como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, 204 e ss., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros.

17 Pese embora o recorrente insista em afirmar e reafirmar no seu recurso que “não pode resultar da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido a conclusão de que toda ou sequer parte da droga apreendida no veiculo … fosse propriedade do DD”, a verdade é que em nenhum dos factos impugnados se faz referência a tal propriedade, mas sim à detenção da cocaína para venda a terceiros.

18 É o que resulta do artigo 26.º do CP, que consagrando a teoria do domínio funcional do facto, preceitua que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo, ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros…”

19 Neste preciso sentido, Faria Costa, “O Perigo em Direito Penal”, 1992, p. 567 e ss.

20 É a este propósito elucidativo o texto do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001 de 30 de Maio de 2001 proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção e publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001, que, reportando-se ao artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, refere que o mesmo “(…)define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efetiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime. Ora, a esta conceção subjaz o cariz particularmente perigoso das atividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo. Na verdade, o tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras (...) que justificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias atividades relacionadas com a atuação no mercado onde a droga se transaciona (…)”

21 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 3.ª ed., pp. 96 e Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 114 e segs.

22 Fernanda Palma, in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pág. 35.

23 Citando os dois acórdãos do STJ de 09.11.2016 e de 17.09.2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt

24 Negrito acrescentado.