Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
41/04.9TARMZ-B.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens e sustada, quanto a eles, a execução em que a penhora tiver sido posterior, o exequente pode reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, neste fazendo valer a preferência que lhe advém da penhora;
II - A tal reclamação não obsta a prolação de sentença, no processo da penhora mais antiga, que reconheceu e graduou créditos do exequente (na execução sustada), enquanto credor hipotecário dos bens penhorados, desde que a reclamação, para além de tempestiva, tenha por objecto acessórios do crédito não abrangidos pela hipoteca.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Proc. nº 41/04.9TARMZ-B.E1
Reguengos de Monsaraz


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. Nos autos de verificação e graduação de créditos que corre por apenso ao processo de execução por custas em que é exequente o Ministério Público e executado (…), depois de proferida sentença que julgou e graduou os créditos reclamados, veio o Banco (…), S.A., reclamar créditos no montante de € 64.859,56, acrescido de juros, contados desde 23/9/2015.

2. Requerimento que mereceu o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 613.° do Código de Processo Civil, que consagra o princípio da intangibilidade das decisões judiciais, "proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa".

Assim, havendo nos autos, já, sentença de verificação e graduação de créditos, não pode o Tribunal, simplesmente, proferir "nova sentença", como requerido a fls. 100.

Mostrando-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa, e não configurando nem o requerimento de fls. 58, nem o requerimento que antecede, um recurso, nada há a determinar.»

3. Recurso.
Deste despacho recorre o credor reclamante Banco (…), S.A, formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1. Por escritura pública outorgada em 29.01.2001, no Segundo Cartório Notarial de Setúbal, e competente documento complementar que a integra, o Banco concedeu a (…) e (…), um financiamento no valor de € 54.867,77, o qual tomou a respectiva escrita sob o n.º (…), tendo o empréstimo sido integralmente utilizado pelo Executado e (…), que assim se tornou devedor das quantias mutuadas.

2. Em segurança das obrigações pecuniárias emergentes dos empréstimos a que nos vimos reportando, o referido Executado e (…) constituíram a favor do Banco, hipoteca sobre o prédio urbano sito na Rua de (…), freguesia e concelho de Reguengos de Monsaraz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz sob o nº (…), inscrito na matriz sob o artº (…), encontrando-se a mesma registada sob a inscrição a Ap. (…) de 2001/01/08.

3. Face ao incumprimento do referido empréstimo, o ora Reclamante fez distribuir acção de execução para pagamento de quantia certa contra o Executado e (…), que se encontra a correr termos com o n.º 205/09.9TBRMZ na Comarca de Évora – Montemor-o-Novo – Inst. Central – Sec. Execução – J1, para cobrança da quantia de € 42.224,82, a que acrescem juros vencidos e vincendos às taxas contratuais, até integral e efectivo pagamento e respectivo Imposto de Selo, e na qual foi penhorado o imóvel supra mencionado – Ap. (…) de 2014/09/23.

4. Face à existência de penhora registada nos presentes autos (Ap. … de 2010/05/06), a acção executiva identificada supra foi sustada.

5. O Ora Credor/Recorrente foi citado, em 27/09/2013, para reclamar os seus créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 865º do C.P.C. (actual art. 788º do C.P.C.), atenta a existência de garantia hipotecária registada sobre o imóvel penhorado nos presentes autos, tendo apresentado a competente reclamação de créditos em 11/10/2013, com o com o propósito de ver o seu crédito garantido no que concerne ao capital e os três anos de juros, ou seja, com vista a garantir seu direito de garantia real (Ap. … de 2001/01/08).

6. Na sequência da reclamação de créditos apresentada em 11/10/2013, o Douto Tribunal "a quo" proferiu, em 07/09/2015, sentença de graduação de créditos, tendo o crédito reclamado pelo ora Credor Reclamante/Recorrente sido reconhecido e devidamente graduado.

7. Sucede que, o ora Credor Reclamante, para além da hipoteca registada a seu favor (Ap. … de 2001/01/08), tem igualmente registada penhora sobre o imóvel (Ap. … de 2014/09/23), no âmbito da acção executiva que corre termos com o n.º 205/09.9TBRMZ, na Comarca de Évora – Montemor-o-Novo – Inst. Central – Sec. Execução – J1.

8. Face à existência de penhora registada nos presentes autos, a acção executiva identificada supra foi sustada, motivo pelo qual o ora Recorrente apresentou, em 23/09/2015, reclamação de créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 794º do C.P.C., visando garantir o pagamento do crédito do ora Credor Reclamante para além dos três anos de juros graduados face às Hipotecas, ou seja, visa garantir o seu crédito no que à penhora diz respeito (Ap. … de 2014/09/23).

9. Nos presentes autos foram apresentadas duas reclamações de créditos pelo mesmo credor Reclamante, ora Recorrente.

10. Enquanto credor com garantia real (Hipoteca), o ora Recorrente deverá ver reconhecido, como foi, o valor do capital acrescido de 3 anos de juros, nos termos do disposto no Artigo 693.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. – Ap. … de 2001/01/08).

11. Por sua vez, os juros vencidos e vincendos para com o ora Recorrente, posteriores ao prazo do Artigo 693.º do Código Civil (isto é, para além dos 3 anos), ficaram garantidos pela mencionada penhora efectuada nos autos supra mencionados – Ap. … 856 de 2014/09/23.

12. Por despacho proferido nos presentes autos em 02/10/2015, o douto Tribunal "a quo" notificou o ora Recorrente por forma a esclarecer o motivo pelo qual foram apresentadas duas reclamações de créditos, tendo sido apresentado a juízo em 16/10/2015 requerimento com o respectivo esclarecimento.

13. Face à nova reclamação de créditos apresentada bem como o esclarecimento do teor de ambas as reclamações de créditos apresentadas pelo ora Recorrente, em 26/10/2015 foi proferido despacho o qual decidiu: “Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 613.º do código de Processo Civil, que consagra o princípio da intangibilidade das decisões judiciais, "proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa". Assim, havendo nos autos, já, sentença de verificação e graduação de créditos, não pode o Tribunal, simplesmente, proferir "nova sentença", como requerido a fls. 100. Mostrando-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, e não configurando nem o requerimento de fls. 58, nem o requerimento que antecede, um recurso, nada há a determinar. Custas do incidente anómalo pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo civil e n.º 8 do artigo 7.º do Regulamento das custas Processuais)".

14. A douta decisão recorrida debruçou-se a considerar as reclamações de créditos apresentadas como sendo idênticas e que se a reclamação de créditos apresentada a 23/09/2015 se trata de uma duplicação da reclamação de créditos apresentada a 11/10/2013, bem como que se encontra esgotado o poder jurisdicional atento que já se encontra proferida nos autos sentença de verificação e graduação de créditos.

15. Ora, salvo o devido respeito, com esta decisão incorreu o Meritíssimo Juiz “a quo” numa nulidade por manifesta contradição entre a decisão e a Lei.

16. Na verdade, não estamos perante um caso julgado, o qual pressupõe a repetição de uma causa, sendo que, analisadas correctamente as reclamações de crédito apresentadas, pode-se verificar que resulta claro das mesmas que os efeitos jurídicos são distintos.

17. Assim, não obstante ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos nos presentes autos, facilmente se constata a existência de outro crédito (apesar de assentar no mesmo título - Escritura Pública), motivo pelo qual, nos termos do disposto no n.º 2 do Art. 794.º do C.P.C., importa que seja proferida nova sentença de graduação de onde se inclua o crédito agora reclamado.

18. Conforme dispõe o Art.º 712.º, do Código Civil, a hipoteca voluntária é aquela que nasce de contrato ou de declaração unilateral, constituindo uma das garantias especiais das obrigações previstas na lei, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art.º 686.º, n.º 1, do Código Civil).

19. A hipoteca assegura ainda os acessórios do crédito que constem do registo, sendo que, relativamente aos juros, existe o limite temporal máximo de três anos (art.º 693.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil).

20. Sucede que, o crédito reclamado pelo ora Recorrente também se encontra garantido por penhora, com registo posterior ao da dita hipoteca voluntária constituída a favor do próprio Recorrente e também ulterior à data de inscrição no registo da penhora ordenada à ordem do processo principal executivo.

21. Ora, a penhora constitui uma causa legal de preferência que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 822.º do Código Civil, confere ao exequente que beneficie de tal garantia o “direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”.

22. Dada a função que lhe é própria, a penhora envolve a constituição de um direito real de garantia a favor do exequente. Como tal, tem este direito o atributo da preferência: o exequente fica com o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.

23. A anterioridade desta garantia conferida pela penhora será determinada ou reportar-se-á à data do respetivo registo em relação às outras ou eventuais outras inscrições registrais (art.º 6.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

24. Nestes termos, é a própria lei que estabelece as diferenças: a reclamação de créditos apresentada nos termos do Art. 865.º do Código de Processo Civil na redação anterior (Art. 788.º do Código de Processo Civil na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) diz respeito às hipotecas e juros até três anos (Ap. … de 2001/01/08), e, a apresentada nos termos do Art. 794.º do Código de Processo Civil respeita à penhora registada e juros após os três anos (cobertos pela hipoteca) – Ap. … de 2014/09/23.

25. Incorreu portanto em nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, agora em clara ofensa ao estabelecido na alínea c) do n.º 1 do Art. 615.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

26. Advém que, atendendo ao teor da douta sentença proferida nos autos em 07/09/2015 resulta que os juros referidos na graduação do crédito do ora Recorrente Banco (…), S.A., deverão atender à limitação temporal referida no n.º 2 do Art. 693.º do Código Civil.

27. Entende ainda o Recorrente que, não obstante a apresentação de duas reclamações de créditos, o efeito jurídico de cada reclamação é distinto.

28. O Recorrente foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 864.º e art. 865.º, ambos do Código de Processo Civil, na redacção anterior, para reclamar o crédito com garantia real sobre o imóvel penhorado nos presentes autos, reclamação de créditos apresentada em 11/10/2013, visando garantir os créditos reclamados enquanto credor hipotecário – Ap. … de 2001/01/08.

29. Conforme decorre no disposto dos Art. 686.º e 693.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, assegurando a hipoteca os acessórios do crédito que constem do registo, mas tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, mais de os relativos a três anos.

30. Por sua vez, a reclamação de créditos apresentada em 23/09/2015, nos termos do disposto no Art. 794.º do Código de Processo Civil é feita não enquanto credor hipotecário, mas sim pela penhora que tem registada, visando garantir os juros vencidos e vincendos para com o credor Reclamante, ora Recorrente, após os três anos garantidos por hipoteca – Ap. … de 2014/09/23.

31. Resulta claro que, não obstante o Banco ter reclamado um crédito que tem por base o mesmo título executivo, em dois momentos distintos da presente execução, tal não significa que se trate de uma duplicação de reclamação de créditos, porquanto a qualidade em que apresenta a reclamação de créditos nos termos do Art. 794.º do Código de Processo Civil (face a penhora registada) não é a mesma que aquando da apresentação da reclamação de créditos nos termos do Art. 865.º do mesmo diploma (hipoteca), logo, o efeito jurídico de cada reclamação é distinto.

32. Em suma, a reclamação de créditos apresentada em 11/10/2013 nos termos do Art. 865.º do Código de Processo Civil diz respeito à hipoteca e juros até três anos, e, a apresentada em 23/09/2015 nos termos do Art. 794.º do Código de Processo Civil respeita à penhora registada e juros após os três anos – Ap. … de 2001/01/08 e Ap. … de 2014/09/23, respectivamente.

33. Nestes termos, o douto despacho recorrido ao não admitir a reclamação apresentada é omissa quanto ao crédito reclamado nos termos do disposto no Art. 794.º do Código de Processo Civil, consubstanciando, deste modo, uma nulidade, prevista no Art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

34. E é contrário ao disposto no n.º 2 do Art. 794º do C.P.C., o qual dispõe: "(...) a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante."

35. In casu, tendo em conta as preferências de que goza o Recorrente, bem como a ordem de prioridade conferida pelo art.º 6.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, salvo melhor opinião, não pode o Recorrente deixar de discordar com o douto despacho, porquanto é necessário proceder à

a) Inclusão na graduação do Crédito do Banco (…), S.A. reclamado nos termos do 794.º do Código de Processo Civil (o qual tem por base a penhora - Ap. … de 2014/09/23);

b) Proceder à nova verificação e graduação dos créditos reclamados, nos seguintes termos:

1º O crédito reclamado referente ao montante de IMI e respectivos juros;

2º O crédito reclamado pelo Banco (…), S.A., garantido por Hipoteca (capital e três anos de juros) – Ap. … de 2001/01/08;

3º O crédito exequendo;

4º O crédito reclamado pelo Banco (…), S.A., garantido por penhora (para além dos três anos de juro) – Ap. … de 2014/09/23.

Nestes termos,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra em conformidade, pois assim impõem o Direito e a JUSTIÇA!”

Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Objecto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se a reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente deve ser admitida.

II. Fundamentação.
1. Para a apreciação do recurso relevam as seguintes ocorrências:

1. Pela AP (…) de 6/5/2010 foi penhorado o prédio urbano, sito na Rua de (…), em Reguengos de Monsaraz, inscrito na matriz sob o nº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz na ficha nº …/19991213, cuja aquisição por compra se encontra registada a favor de (…), para garantia do pagamento da quantia exequenda nos autos principais.

2. Pela AP (…) de 8/1/2001 mostra-se registada, a favor do Banco recorrente, hipoteca voluntária sobre o mesmo prédio para garantia do pagamento de montante máximo de esc. 14.845.270$00, proveniente de um empréstimo e juros.

3. Pela AP (…) de 23/9/2014 mostra-se registada, a favor do Banco recorrente, penhora sobre o mesmo prédio, para garantia do pagamento da quantia de € 46.447,30, em execução no processo 205/09.9TBRMZ.

4. Por carta registada de 27/9/2013, o Recorrente foi citado para reclamar créditos.

5. Em 11/10/2013 o Recorrente, invocando a sua qualidade de credor hipotecário, apresentou reclamação de créditos peticionando o reconhecimento e graduação da quantia de € 57.656,10, acrescida de juros.

6. Em 22/8/2015 foi proferida sentença que reconheceu e graduou assim os créditos reclamados para serem pagos pelo produto da venda do prédio supra referido em 1:

“1.º O crédito reclamado referente ao montante de IMI e respectivos juros,

2.° O crédito reclamado pelo Banco (…), S.A.,

3.° O crédito exequendo,

As custas saem precípuas do produto dos bens penhorados.”

7. Por carta de 9/9/2015, o Recorrente foi notificado da seguinte decisão do Sr. agente de execução proferida no processo 205/09.9TBRMZ:

“(…) decidiu, nos termos do artº 794 do CPC, pela sustação da presente execução, quanto ao bem imóvel penhorado, em virtude de se verificar existir no mesmo penhora anteriormente registada.

A primeira penhora, cujo processo ainda se encontra em curso, foi registada, pela AP (…) de 2010/05/06 no processo de execução nº 41/04.9TARMZ-A.”

8. Em 25/9/2015 o Recorrente reclamou nos autos o crédito em execução no processo referido em 7.

2. Direito.
2.1. Lei processual aplicável.
O procedimento da reclamação de créditos teve início após a entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26/6, sendo-lhe aplicável o Código de Processo Civil vigente (cfr. artºs 6º, nº 4 e 8º da referida Lei e fls. 2 dos autos).

2.2. Se a reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente deve ser admitida.
Notificado do despacho que, por pendência de mais de uma execução sobre o bem penhorado nos autos, sustou a execução que corre termos com o nº 41/04.9TARMZ-A, o Recorrente, ali exequente, veio aos autos reclamar o crédito em pagamento coercivo na execução sustada.

A decisão recorrida declinou a pretensão do Recorrente na consideração que «(…) havendo nos autos, já, sentença de verificação e graduação de créditos, não pode o Tribunal, simplesmente, proferir "nova sentença", (…)» por se mostrar “(…) esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa (…)”.

De facto, a prolação da sentença esgota o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, disciplina aplicável com as necessárias adaptações aos despachos (artº 613º, nºs 1 e 3, do CPC).

E embora esta regra comporte alguns desvios, permitindo-se ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos casos e observados os procedimentos previstos na lei (artº 613º, nº 2 e 614º a 617º, todos do CPC), ou mesmo a modificabilidade das decisões que fixem alimentos (artº 619º, nº 2, do CPC), a situação posta nos autos não se insere em nenhum destes desvios expressamente admitidos pela lei.

Ainda assim, não se duvidará, que casos existem em que os efeitos da sentença de graduação de créditos se suspendem para dar lugar a uma outra.

1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante” – artº 794º, do CPC.

Permitindo a lei ao exequente cuja execução haja sido sustada, por pendência de penhora anterior sobre o mesmo bem, reclamar o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga e expressamente prevendo a possibilidade desta reclamação (caso atendida) provocar nova sentença de graduação de créditos não se poderá negar o direito à reclamação, com o argumento que se esgotou o poder jurisdicional do juiz, precisamente porque a lei prevê e impõe ao juiz a prolação desta nova sentença de graduação de créditos, assim, mantendo incólume o seu poder jurisdicional.

A unidade do sistema jurídico, enquanto critério de orientação interpretativa, permitirá, a nosso ver, considerar que a reclamação de créditos, originada com a sustação da execução da penhora mais recente, constitui uma permitida alteração da matéria da causa, relativamente à qual não se esgotou o poder jurisdicional por não se inserir no núcleo de matérias objecto de pronúncia da sentença de graduação já fixada.

Seja como for, em tese, não se poderá negar ao exequente, que vê sustada a execução contra o devedor, com fundamento na pendência de penhora mais antiga sobre o bem, o direito de reclamar o seu crédito no processo em que esta penhora ocorreu, por tal direito lhe ser conferido pelo artº 794º, nº 2, do CPC e havendo a decisão recorrida percorrido caminho oposto não se poderá manter.

A tal não obsta, a nosso ver, a circunstância – implícita na decisão recorrida, cremos - do crédito da Recorrente, garantido por hipoteca sobre o bem penhorado, já se mostrar reconhecido e graduado, uma vez que os juros, incursos nesta graduação, têm como limite o período de três anos, porque são estes os acessórios do crédito que constam do registo (artº 693º, nº 2, do Cód. Civil) e os juros que agora pretende ver graduados, na alegação da Reclamante/recorrente, contratualmente devidos e em pagamento coercivo na execução sustada, reportam-se a um hiato temporal que excede os falados três anos; ou seja, o crédito que a Recorrente pretende ver graduado por efeito da penhora do imóvel na execução sustada não se inclui no crédito já graduado.

Adquirindo o exequente pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artº 822º, nº 1, do CC), o exequente não deixa de beneficiar, quanto aos juros com mais de três anos, da preferência decorrente da penhora, não obstante a inexistência de registo de nova hipoteca que os garanta.

À Recorrente assiste, pois, o direito a que se arroga e embora se admita alguma imprecisão – a justificar correcção, se como tal vier a ser entendida, na concreta pretensão que formulou, peticionando o reconhecimento e graduação do crédito proveniente do capital em dívida e juros, sem nestes discriminar os que se reportam ao período de três anos e os que vão para além deste período temporal não distinguindo, assim, como lhe incumbe, os juros que beneficiam da preferência da hipoteca dos juros que beneficiam da preferência da penhora, agora objecto da sua pretensão - tal imprecisão não justificará a inadmissibilidade da reclamação de créditos, nem a decisão recorrida a configurou como tal.

Pelo exposto, impõe-se a revogação da decisão proferida e o prosseguimento dos autos, tendo em vista a apreciação – reconhecimento e graduação - do crédito do Recorrente, sem prejuízo de ser conhecida qualquer outra questão que a tal obste e não tenha, ainda, sido objecto de apreciação na decisão sob recurso.

III. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, em revogar a decisão recorrida, determinando-se a prossecução dos autos tendo em vista o reconhecimento e graduação do crédito do Recorrente, sem prejuízo de ser conhecida qualquer outra questão que a tal obste e não tenha, ainda, sido objecto de apreciação na decisão sob recurso.

Custas pelo vencido a final.
Évora, 26/1/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho