Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4956/14.8T8ENT-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL GALO TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- A integração do cliente bancário (e, bem assim, do fiador) no PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, pelo que a acção executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento.
II- Existe aqui uma falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias.

III- A não verificação desta condição não é sanável.

Decisão Texto Integral:





Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
O Banco AA interpôs recurso da decisão que julgou procedentes os embargos de executados deduzidos por BB, CC e DD.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as seguintes alegações:
a) Na realidade, o que o douto tribunal fez foi considerar que se verificou a existência de duas excepções dilatórias inominadas ou atípicas, por falta de pressuposto da instauração da acção, o que obstou ao conhecimento do mérito da causa e importou a absolvição dos executados embargantes da instância (art° 278, n.º 1, alínea e) do CPC).

b) Uma primeira, excepção dilatória, quanto ao embargante mutuário, por falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, o qual reunia os pressupostos para o efeito, constituindo-se tal situação, impedimento legal a que a instituição de crédito, intentasse acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.

c) Uma segunda excepção dilatória, relativa aos embargantes fiadores, por omissão da informação aos fiadores de que estes podiam solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício.

d) Não se colocando minimamente em causa que a ora embargada não procedeu em conformidade com o normativo do Decreto-Lei n° 227/2012 de 25 de Outubro, quer quanto à integração obrigatória do embargante mutuário, quer quanto à informação aos embargantes fiadores, o facto é que não se pode conformar com a omissão pelo douto tribunal "a quo" do conhecimento prévio e oficioso de tais excepções dilatórias e de o mesmo providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de tais pressupostos processuais (integração no PERSI e dever de informação) convidando a ora embargada a praticar os actos necessários à respectiva sanação.

e) Aquando da prolação do despacho saneador datado de 11/06/2015, o tribunal deveria ter conhecido oficiosamente de tais excepções dilatórias e convidado a embargada a suprir ou sanar as mesmas, concedendo-lhe prazo para desencadear o procedimento do PERSI quanto aos executados mutuários e fiadores.

f) Contudo, o despacho saneador considerou que não havia outras excepções dilatórias (além daquelas sobre as quais desde logo se pronunciou) de que cumprisse apreciar oficiosamente de imediato e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa.

g) Porém, a final veio a considerar a existência de duas excepções dilatórias com base nos quais veio a absolver os executados embargantes da instância executiva e a declarar totalmente extinta a execução, para além do mais decidido.

h) Ora, é precisamente a análise que o douto tribunal fez a final sobre a existência das referidas excepções dilatórias que a embargada considera que o mesmo deverias ter feito "a priori" aquando do despacho saneador, sendo que em vez de ter proferido sentença absolutória como fez, deveria antes ter convidado a embargada a sanar tais excepções.

i) A isso obriga a lei processual civil como melhor se retira das normas já citadas (art° 6, n° 2, art° 278, n° 2 e 3 e art° 595, n° 1, alínea a) do CPC), quadro legal esse que tem por objectivo a boa gestão processual, assente na economia processual e aproveitamento dos actos praticados, visando evitar a proliferação de execuções ou acções nos tribunais, de forma desnecessária quando as que já existem podem ser aproveitadas ou sanadas.

j) Aliás, a esse respeito é clarividente o disposto no art° 278, n° 2 e 3 do CPC quando determina que o juiz deverá conhecer do pedido quando a falta ou irregularidade tenha sido sanada (interpretação "a contrário" do n." 2) e quando determina que as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n. ° 2 do artigo 6° do CPC.

l) Assim, a presente sentença sob o recurso só poderia ter sido proferida nos termos em que o foi, se tendo o tribunal convidado a embargada a sanar as referidas duas excepções e assignando-lhe prazo necessário para o efeito, a mesma não o viesse a fazer, uma vez que tal sanação depende única e exclusivamente de acto a praticar por si (desencadear do PERSI quanto aos mutuários e fiadores).

m) Porém, a embargada não teve sequer tal hipótese, na medida em que o tribunal omitiu tal conhecimento oficioso no momento processual adequado (despacho saneador) e não agiu em conformidade com o determinado na lei processual civil (convite à sanação das excepções dilatórias).

n) "O regime regra das excepções dilatórias é pois o da sua sanação ou suprimento" - vide sff. Acórdão do TRP 3547/09.0TBMAI-A.Pl de 22/03/2011.

o) "As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada e quando a falta ou irregularidade tenha sido sanada, o juiz deve abster-se de declarar a excepção dilatória e de absolver o réu da instância" - idem.

p) O juiz tem pois o dever de providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação e pela realização dos actos necessários à regularização da instância.

q) "Em regra, as excepções dilatórias só podem subsistir e serem declaradas pelo tribunal se não forem supridas oportunamente" - idem.

r) Sendo supríveis, a sentença absolutória proferida não podia ter lugar sem que previamente fosse dada à embargada a oportunidade de as suprir.

s) Assim sendo, não existe qualquer fundamento para a condenação em custas da embargada, bem como, para o pedido de extracção de certidão da sentença para instauração do competente procedimento contra-ordenacional junto do Banco de Portugal contra a embargada, o qual não deverá ter lugar por inutilidade superveniente do mesmo (sanação das irregularidades contra-ordenacionais "a posteriori".

t) Na medida em que se lhe for dada a oportunidade legal de sanar tais irregularidades, a embargada não deixará de o fazer nos prazos procedimentais estipulados para o PERSI, tomando-se inútil supervenientemente qualquer processo contra-ordenacional a instaurar contra a mesma.

Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença sob recurso e determinado que o tribunal da 1ª instância notifique a embargada, ora recorrente, para nos prazos estipulados no Decreto-Lei n° 272/2012 de 25 de Outubro, desencadear o procedimento de PERSI, quer quanto aos executados mutuários, quer quanto aos executados fiadores, sanando as excepções dilatórias e documentando a final nos autos tal procedimento, assim fazendo V. Exas. Senhores Desembargadores, o que é de inteira justiça.

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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto aos efeitos de uma excepção dilatória inominada, que deveria ter convidado o Banco AA a suprir a referida excepção e não ter absolvido os embargantes da instância.
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III – Dos factos apurados:

Do teor dos articulados, dos elementos constantes dos autos, e da prova produzida em audiência final, resultou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão da causa:

1. Em 11-11-2014, o Exequente Banco AA, S.A., deu entrada de requerimento executivo para pagamento de quantia certa, para além do mais, contra os Executados, ora Embargantes.

2. A quantia exequenda aposta no requerimento executivo é no valor de 194.929,89 € (Cento e Noventa e Quatro Mil Novecentos e Vinte e Nove Euros e Oitenta e Nove Cêntimos.

3. Como título executivo, juntou, com o referido requerimento executivo, escritura pública de compra e venda, mútuo, hipoteca e fiança, celebrada em 29/02/2008, no Cartório Notarial.

4. Nessa escritura, para além do mais, o Exequente declarou emprestar as quantias de € 165.000,00 e de €35.000,00 aos executados BB e mulher DD.

5. Nessa mesma escritura, para garantia do capital mutuado, juros e despesas, os executados, ora Embargantes CC e mulher DD declararam responsabilizar-se como FIADORES e PRINCIPAIS PAGADORES por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos referidos empréstimos, dando o seu acordo a eventuais modificações da taxa de juro, do prazo ou moratórias que Viessem a ser convencionados entre ambas as partes.

6. Em virtude do incumprimento dos empréstimos acima referidos, a Exequente enviou as seguintes cartas aos executados, informando-os de que iria recorrer à via judicial para cobrança dos seus créditos (nos termos referidos nos documentos presentes a fls. 52 a 56, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido)[1].

7. Por carta enviada, pelo executado BB à exequente, datada de 28/10/2013, e por esta recepcionada, a 31/10/2013, aquele executado veio a requerer o enquadramento da situação nos termos do Decreto-Lei nº22/2012, de 25 de Outubro (conforme documento de fls. 57, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido)[2].

8. O Exequente voltou a contactar o executado BB para o contacto fixo, tendo atendido o pai, o executado CC, que inicialmente se fez passar pelo filho e no final ficou de dar o recado ao mesmo.

9. Na ausência de contacto do executado BB, a exequente fez carta ao mesmo a solicitar que informasse quanto conseguia depositar mensalmente e que começasse a realizar as referidas entregas bem como enviasse ao AA, S.A. comprovativos da situação profissional e da declaração de IRS.

10. Em 09/01/2014, o cliente enviou somente a declaração de rendimento e em 24/01/2014 cópia do recibo de vencimento.

11. Nos autos de execução principal foi realizada a citação de CC na qualidade de executado nos presentes autos, na morada que consta no requerimento executivo em 22/12/2014 e a citação de BB na qualidade de executado nos presentes autos, na morada que consta no requerimento executivo em 29/12/2014;

12. (...) e a citação de DD na qualidade de executada nos presentes autos, na morada que consta no requerimento executivo em 29/12/2014.

13. Em ambos os empréstimos acima referidos, a primeira prestação não paga data de 29/12/2012.

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IV – Fundamentação:

O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40º do Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».

Em acréscimo, o artigo 2º, nº1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
Prosseguindo o enquadramento da questão, o citado Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que:
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior”.
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Feita a transcrição das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante, passemos à apreciação jurídica da decisão.
«A tarefa central a que o juiz se dedica é a determinação do direito que há-de valer no caso concreto. Para este fim deve levar a cabo três indagações:

1) Apurar que o direito existe.

2) Determinar o sentido desta norma.

3) Decidir se esta norma se aplica ao caso concreto.

Aplicação das leis envolve, por consequência uma tríplice investigação: sobre a existência da norma; sobre o seu significado e valor; e sobre a sua aplicabi­lidade»[3].

Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar se­gundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institu­cionais face aos movimentos de utilidade social»[4].

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil).
Na bem estruturada e fundamentada decisão pode ler-se que «o PERSI, consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:

i) uma fase inicial - na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora;

ii) uma fase de avaliação e proposta - na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis); e, finalmente,

iii) uma fase de negociação - no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.

Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora».

Em função da integração dos factos no direito, a douta decisão conclui que, relativamente aos mutuários, «a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.

Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. artº18, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012».

Quanto aos fiadores é dito que «não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento; com essa interpelação, nos termos do artº 21°, nº3 do Decreto-Lei nº227/2012, a instituição de crédito está obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artº 21°, nº2, do Decreto-Lei nº 227/2012).

Desta forma:

- a omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito; e

- a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito;

constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção».

Como se extraí das alegações de recurso, o recorrente AA admite claramente que omitiu o comportamento legalmente devido. Efectivamente, assinala, nomeadamente no ponto 38 das alegações, que «a ora embargada não procedeu em conformidade com o normativo do Decreto-Lei em causa que a ora embargada não procedeu em conformidade com o normativo do Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro, quer quanto à integração obrigatória do embargante mutuário, quer quanto à informação aos embargantes fiadores».

Ultrapassada a questão da violação por parte do banco do quadro legal aplicável, a matéria judicanda resume-se apenas a apurar se estamos perante uma excepção dilatória clássica e se a mesma poderia ser sanada em sede do presente processo judicial nos termos propostos.

Invoca a recorrente AA que o despacho saneador se destina a conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente [artigo 595º, nº1, al. a)].

Em concreto não lhe assiste razão, tanto na perspectiva processual, como na dimensão substantiva. Efectivamente, do ponto de vista dinâmico, face ao comportamento processual mantido pela própria embargada, a questão nunca poderia ser conhecida no alegado momento.

Na realidade, em sede de contestação aos embargos de executado, a AA afirma que «é completamente falso que a exequente não observou o cumprimento prévio da Gestão de Risco de Incumprimento e do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), conforme disposto nos artigos 9º e seguintes e 12º e seguintes do Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro» (artigo 1º da referida contestação).

E mais adiante invoca «é igualmente falso que a exequente não tenha cumprido com a notificação aos fiadores nos termos do artigo 21º do Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro» (artigo 11º desse articulado).

Esta alegação negatória determinou que se tivesse de produzir prova relativamente aos invocados factos e, por isso, ao cabo e ao resto, tal inviabilizaria sempre que a questão fosse apreciada em sede de despacho de condensação.

Ou seja, enquanto neste momento se reconhece que houve incumprimento das injunções legais inscritas no Decreto-Lei227/2012, de 25 de Outubro, previamente, aquando da apresentação da contestação aos embargos de executado, a atitude processual foi distinta. Das duas uma, ou a recorrente ficou vencida pela prova produzida – que, aliás, não coloca minimamente em causa – ou, inicialmente, tinha outra concepção ideológica relativamente ao cumprimento pontual das exigências legais. À luz dos dados actuais, essa espécie de venire contra factum proprium constituiria sempre uma impossibilidade de fazer accionar a disciplina inscrita nos artigos 6º, nº2, e 278º, nº3, do Código de Processo Civil.

Resolvida que está a questão do momento do suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, importa concluir que, tout court, não perante uma excepção dilatória comum mas antes confrontados com uma verdadeira falta de condição objectiva de procedibilidade que, na busca do lugar paralelo, é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respectivo resultado, a referida falta de condição objectiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa.

Em acréscimo, mesmo que assim não fosse e estivéssemos confrontados com uma mera excepção dilatória, o vício não seria sanável e apenas se pode apelar ao suprimento da falta de pressupostos processuais nos casos em que existe a hipótese de sanação. E esta resposta é clara, inequívoca e contundente na própria letra da lei, conforme é patente no artigo 18º do regime em análise.

Em estudo sobre o assunto, Francisco Almeida Garrett[5] opinou que «o Decreto-Lei nº227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma "renegociação forçada" e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI».

Da interligação entre as diversas normas contidas no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) ressalta claramente que, relativamente ao cliente bancário, a instituição de crédito está impedida de «intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito» (artigo 18º, nº1, al. b), do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro). E o mesmo obstáculo surge relativamente ao fiador ex vi do postulado normativo presente no artigo 21º do citado diploma.

O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. E isto porque existe igualmente um feixe de direito concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.

Desta sorte, através do recurso ao método integrativo da inferência lógica de regras imanentes, se existe um quadro de proibição de accionamento de «acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», é manifestamente inviável, na pendência da lide, suprir a irregularidade verificada.

Em adição, como já se disse anteriormente, a referida falta de condição objectiva procedimental apenas é adquirida em sede de elaboração de sentença. E, por último, ainda se estranha mais o comportamento da instituição bancária, porquanto, tal como resulta do juízo feito pela primeira instância, por exemplo, o executado BB solicitou, por escrito, em 28/10/2013, o enquadramento da sua situação no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento[6] [7].

Mesmo que a situação tivesse sido detectada em sede de despacho saneador, é o regime excepcional previsto no Decreto-Lei nº227/2012, de 25 de Outubro, que afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a acção e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma acção executiva (que não poderia ser proposta), se desenvolva um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento. Aliás, a própria designação (Procedimento Extrajudicial) é absolutamente esclarecedora da intenção do legislador e o intérprete deve presumir que este consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como proclama o artigo 9º, nº3, do Código Civil.

Está retratado no artigo 4º do Decreto-Lei nº227/2012, que surge como uma densificação dos princípios da boa-fé e da lealdade contratuais, que «no cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».

Estamos, assim, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade. Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das excepções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objectivos legais, o mesmo não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional. Porém, tal não obsta a que a entidade bancária venha a interpor nova acção executiva tendente à satisfação do seu crédito, uma vez cumpridas as exigências específicas contidas no diploma sub judice.

Desta sorte, aderindo integralmente aos fundamentos expressos na decisão recorrida, julga-se improcedente o recurso apresentado.

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V – Decisão:

Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto.

Custas a cargo da apelante.

Notifique.

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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).

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Évora, 6 de Outubro de 2016

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] A resposta contém um ficheiro de imagem que copia integralmente a correspondência em apreço. No entanto, razões técnicas impedem a respectiva transcrição nos termos contidos na sentença.

[2] Idem (ver nota de rodapé anterior).

[3] Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Ed. Arménio Amado, Coimbra 1987, pág. 113.

[4] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 120.

[5] "PARI, PERSI & AFINS - Breve Nota Sobre o Novo Regime", in JusJornal, N." 1676, 23 de Abril de 2013, e também disponível na internet em http://www.abbc.pt/xms/files/Noticias - Imprensa/PARI PERSI AFINS - Breve Nota Sobre o Novo Regime.pdr)

[6] A partir dessa data incumbia ao banco exequente cumprir as obrigações que para si decorrem da aplicação do presente diploma. Estas obrigações não nascem apenas com a específica solicitação do devedor, prevista no nº2 do artigo 14º, na medida em que está ressalvada no nº1 a propósito a integração obrigatória do devedor no PERSI.

[7] A integração automática também é consagrada no nº1 do artigo 39º do diploma.