Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO BRUNO POVOAS CORVACHO | ||
Descritores: | FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO CUMPLICIDADE ESCUTAS TELEFÓNICAS PROVA NULIDADE COMPETÊNCIA CONEXÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Por conhecimento fortuito deverá entender-se a informação sobre a existência de determinado crime ou a identidade dos seus agentes, obtida no decurso da realização de uma escuta telefónica, que foi autorizada tendo em vista o apuramento de um outro crime, de idêntica ou de diferente natureza, praticado pelo mesmo ou por outro agente, desde que não recaia no âmbito dos chamados «conhecimentos de investigação». II – A doutrina e a jurisprudência têm distinguido dos conhecimentos fortuitos a figura dos «conhecimentos de investigação», a qual engloba os casos em que da operação de escuta resultam informações sobre um crime diverso daquele que justificou a autorização da diligência, mas que mantém com este uma certa relação de afinidade. III – Tem-se entendido que a valoração probatória dos conhecimentos de investigação é livre, não estando condicionada à verificação dos mesmos requisitos que a dos conhecimentos fortuitos, mormente, reportar-se a crime do «catálogo». IV – Como tal, uma vez verificado que o crime por cuja prática, enquanto cúmplice, a recorrente foi condenada não integra o «catálogo» estabelecido pelo artigo 187/1 do Código de Processo Penal, a prova obtida através das escutas telefónicas só poderá ser valorada para demonstração dos factos integradores dessa comparticipação, na hipótese de poder ser reconduzida à figura dos conhecimentos de investigação. V – Existe uma diferença qualitativa entre as causas de conexão enumeradas no artigo 24/1 do Código de Processo Penal e a situação a que se refere o artigo 25º do mesmo Código. Na primeira das disposições legais mencionadas, o legislador procurou assegurar que, sempre que possível, o mesmo acontecimento de vida real ou um processo histórico definido em função de um elemento relevante de unificação fosse julgado num único procedimento, evitando, por essa via, uma indesejável fragmentação dessa realidade, que poderia resultar de uma aplicação incondicional do paradigma «um crime – um processo – um arguido», que, até certo ponto, continua subjacente à vigente tramitação do processo penal. Trata-se de uma preocupação que tem por finalidade última garantir uma busca tão exaustiva quanto possível da verdade material e uma decisão substancialmente justa da causa. VI – Diferentemente sucede com a disposição do art. 25º do Código de Processo Penal. Neste último caso, a conexão de processos não tem na sua base qualquer afinidade genética entre os diferentes crimes conexos, mas obedece somente a imperativos de mera economia processual, mais precisamente evitar a pendência simultânea de mais do que um processo contra o mesmo arguido na mesma comarca. VII – Dito por outras palavras, a conexão do art. 25º é estritamente processual, enquanto a do nº 1 do art. 24º antes de ser processual é sobretudo substantiva. VIII – Nesta ordem de ideias, teremos de concluir o simples facto de um arguido ter cometido uma pluralidade de crimes na área de competência territorial de Tribunais sediados na mesma comarca não é suficiente, na falta de mais relevantes elementos de conexão, para estabelecer entre os vários crimes o laço de afinidade necessário a que possam ser considerados «conhecimentos de investigação», no contexto da efectivação de uma escuta telefónica | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório Por acórdão proferido em 14/5/10, no Processo Comum nº 13/05.6GBSTB, que correu termos na Vara de Competência Mista de Setúbal, a arguida A foi condenada pela prática, como cúmplice de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, al. b) do C.P., na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída, ao abrigo do disposto no art. 43º, nº 1 do CP, pela pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 8 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros), com base nos seguintes factos, que então se deram como provados (omite-se os factos relativos à situação pessoal de outros arguidos): a) Quanto à culpabilidade: III – ( arguidos T e P - lenocínio): 18) Em 26 de Março de 2006 o arguido P pediu ao arguido T que C pudesse praticar “alterne” e exercer prostituição nos estabelecimentos deste; 19) O T aceitou e, em consequência, a C passou a exercer tal actividade de “alterne” e de prostituição a partir de 01 de Abril de 2006 e durante cerca de um mês, na “Q da B” e no “C Bar”; 20) Parte do dinheiro que de tal actividade recebeu passou a entregar ao T e ao P; 21-A) Agiram os arguidos T e P com o propósito de lograrem obter proventos económicos com a actividade sexual remunerada praticada por mulheres; 21-B) O arguido P sabia ser a sua conduta proibida por lei; (…) XVIII – (arguidos J, T, A, L, F, C - falsificação de documento): 105) Em Fevereiro de 2006 o arguido J soube que um seu conhecido, o arguido C, havia sido condenado no Tribunal de Estremoz no cumprimento de uma pena efectiva de prisão por condução sem carta; 106) Contactou, então, o arguido T e elaboraram os dois um plano para, aproveitando-se da aflição do arguido B, enganarem-no e levarem-no a entregar-lhes uma quantia em dinheiro; 107) Na concretização desse plano e actuando de modo previamente concertado e em comunhão de esforços, o arguido J contactou o B e disse-lhe que conhecia um advogado cuja filha era juiz e que, por seu turno, conhecia um juiz de Évora e conseguiria fazer com que aquele não cumprisse a pena de prisão, o que tudo sabiam o T e o J não corresponder à verdade. 108) Entretanto, o arguido T falou com a sua filha, a arguida A, advogada, a quem explicou a situação processual do B e pediu que elaborasse um requerimento em ordem a que o mesmo não cumprisse a pena de prisão efectiva em que fora condenado; 109) Em momento posterior a arguida A disse ao arguido T, para pedir ao B um comprovativo da inscrição numa escola de condução de onde resultasse que tal inscrição fora anterior à decisão que o condenara em pena de prisão efectiva; 110) Depois, o arguido T, apresentando-se ao B como sendo advogado e reafirmando-lhe o que o arguido J lhe dissera, designadamente que conseguiria que ele não fosse preso, o arguido T exigiu-lhe, para o efeito, o pagamento da quantia de € 1500 e instruiu-o para se inscrever numa escola de condução e aí pedir um comprovativo para juntar a um requerimento que iria elaborar e apresentar no processo, comprovativo esse que tinha de ter a data de inscrição anterior à condenação; 111) Em seguida, o arguido B, aceitando as instruções do T, dirigiu-se à Escola de Condução (…), acompanhado e orientado pelo arguido J; 112) Aí os arguidos J e B pediram ao director da Escola, o arguido L, para lhes passar o referido documento comprovativo da inscrição, com uma data anterior; 113) O arguido L, pretendendo obter um benefício patrimonial inerente ao valor da inscrição na ocasião pago pelo B, acedeu ao seu pedido e elaborou o documento de fls. 2849 dos autos, que aqui se dá por reproduzido, onde fez constar a data de inscrição como sendo 19 de Dezembro de 2005; 114) Em seguida, o arguido B contactou, de novo, o arguido T entregando-lhe o documento referido; 115) O B, porque acreditou no que os arguidos, falsamente, lhe haviam dito, especialmente que o T era advogado, tinha uma filha juiz e que esta conhecia uma juiz que teria influência na decisão, entregou, então, ao T a quantia de € 1500; 116) Depois, o arguido T deu ao arguido Júlio € 600,00, ficando com o restante para si; 117) O requerimento pedindo a substituição da pena de prisão que lhe havia sido imposta foi entregue no processo sumário 08/05.0GTPTG, do Tribunal de Estremoz e foi indeferido, tanto mais que a decisão havia já transitado em julgado; 118) Viu o arguido B, por esse modo, o seu património diminuído sem ter evitado o cumprimento da pena de prisão; XIX - (dolo): (…) 126) Do mesmo modo, relativamente a CB, actuaram os arguidos T e J no propósito comum que lograram alcançar de o enganarem quanto à possibilidade de não cumprir a pena em que fora condenado e de, desse modo, obterem benefícios pecuniários à sua custa; 127) Os arguidos T, J, L e C, pretenderam e lograram fabricar um documento contendo uma data de inscrição que não correspondia à verdade, por forma a fazerem crer a quem o visse, designadamente ao tribunal, que o arguido C se inscrevera numa escola de condução em data diferente da verdadeira; 128) A arguida A conhecia a situação processual do arguido CB e ao dar instruções ao arguido T para pedir ao B um comprovativo da inscrição numa escola de condução de onde resultasse que tal inscrição fora anterior à decisão que o condenara em pena de prisão efectiva, bem como ao elaborar o requerimento em ordem a que o mesmo não cumprisse a pena de prisão efectiva em que fora condenado, sabia que prestava ajuda ao arguido T e facilitava o plano por este delineado; 129) Pretenderam, desse modo, os arguidos T, J, L e A obter benefícios pecuniários e o arguido C obter benefícios pessoais que sabiam não lhes serem devidos; 130) A arguida A agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, apesar de saber ser proibida a sua conduta; (…) b) Quanto à determinação da sanção: (…) 185) A arguida A é Advogada e licenciada em direito; 186) Lecciona duas cadeiras de direito na Universidade (…); 187) É solteira e vive com a sua mãe; 188) Aufere pelo menos € 700,00 mensais nas duas actividades referidas; 189) Não tem antecedentes criminais registados; Quanto a factos não provados, o mesmo acórdão julgou: Não se logrou provar todos os factos não compagináveis com os acima descritos.
Do referido acórdão a arguida A veio interpor recurso devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões: A) Vem o presente recurso interposto do Acórdão que condenou a arguida pela prática, como cúmplice, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº. 256º, nº 1, alínea b) do CP, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros); B) Porquanto, a arguida terá dito ao arguido T para pedir ao arguido B, um comprovativo de inscrição numa escola de condução de onde resultasse que tal inscrição fora anterior à decisão que o condenara em pena efectiva de prisão, no processo sumário nº 08/05.0GTPTG, que correu termos no Tribunal de Estremoz; C) E que, por sua vez, terá elaborado o requerimento onde se anexou o documento acima descrito e que deu entrada no Tribunal de Estremoz; D) Sendo certo que, era do conhecimento da arguida o plano delineado pelo arguido T e pelo arguido J de se aproveitarem da aflição do arguido B por ter sido condenado numa pena efectiva de prisão e assim o enganarem para, desse modo, obterem benefícios pecuniários à sua custa; E) A arguida, prestou assim auxílio material e moral à prática do crime de falsificação de documento. F) Julgada a causa, recorreu a arguida para este Venerando Tribunal e por Acórdão com o nº de processo interno 2480/08-1, 1ª secção, datado de 30/09/2009, foi o Acórdão do Tribunal a quo declarado nulo, na parte que disse respeito à ora Arguida, nos termos do disposto no artº.379º, nº1 alínea a), em conjugação com o artº.374º, nº2 ambos do CPP, não apreciando as demais questões suscitadas; G) Assim, foi proferido novo Acórdão pelo Tribunal a quo, em 14 de Maio de 2010, condenando a Arguida pelos mesmos factos e com os mesmos fundamentos. H) O tribunal a quo, para fundamentar a condenação da arguida procedeu à valoração, exclusiva, das escutas telefónicas das conversações 2127, 2148 e 2264 do alvo 1H194M, mais concretamente, da conversação, em off, 2148 do mesmo alvo, apenso II, 2º volume; I) De tais escutas foi arguida nulidade, em sede de Instrução, com fundamento do seu conteúdo se tratar de conhecimentos fortuitos, J) Nesta instância, foi tal pretensão indeferida com fundamento de que os factos apurados na intercepção telefónica não preenchem o conceito de conhecimentos fortuitos, mas sim, o conceito de conhecimentos de investigação por se tratarem de factos que se apresentam em conexão subjectiva (por parte de um dos comparticipantes, António Matos) com o crime de catálogo que determinou a conexão; K) A arguida, não se conformando com tal despacho, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora (Processo interno nº 954/07-1, 1ª secção), que não se pronunciou relativamente ao conteúdo das escutas, fundamentando que, a questão em apreço não deveria ter sido colocada em fase de instrução, mas sim na fase de julgamento, na medida em que a escuta seja valorada como meio de prova para condenar a arguida (…); L) O que, efectivamente, veio a acontecer. M) Entende-se por Conhecimentos Fortuitos os factos obtidos de forma lateral e sem relacionamento com a investigação em curso, ou seja, serão todos os conhecimentos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada e que não se reportem, quer ao crime cuja investigação determinou a realização daquela, quer a qualquer outro ilícito que esteja baseado na mesma situação histórica de vida daquele; N) Por outro lado, entende-se como Conhecimentos de Investigação os conhecimentos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada, que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou a realização daquela ou a um outro delito (pertencendo ou não ao catalogo legal) que esteja baseado na mesma situação histórica daquele (Francisco Aguilar in Dos Documentos Fortuitos Obtidos através de Escutas Telefónicas, pág.17); O) Assim, os denominados conhecimentos de investigação versam única e exclusivamente sobre o âmbito dos conhecimentos da investigação do delito que legitimou a escuta telefónica (…), (Francisco Aguilar in Dos Documentos Fortuitos Obtidos através de Escutas Telefónicas, pág.24), ou seja, são Conhecimentos de Investigação todos os factos que integram o processo histórico que, a seu tempo, fundamentou a ordem legitima e necessária para a escuta telefónica; P) No âmbito da valorização da prova, quando se trate de Conhecimentos fortuitos ou de Conhecimentos de Investigação, entende a doutrina e a jurisprudência que, os conhecimentos assim obtidos só serão válidos se, atendendo ao Acórdão do STJ de 23 de Outubro de 2002, (www.dgsi.pt): As escutas de que provêm os conhecimentos fortuitos tiverem obedecido aos respectivos requisitos legais contidos no artº.187º do CPP (…) O crime ou crimes em investigação e para cujo processo se transportam os conhecimentos fortuitos constituírem também crimes de catalogo O aproveitamento desses conhecimentos tiver igualmente interesse para a descoberta da verdade ou para a prova no processo para onde são transportados O Arguido tiver tido a possibilidade de controlar e contradizer os resultados obtidos por essa via Q) Sob pena de se violarem os preceitos constitucionais previstos no artº.18º, nº2, 32º, nº8, 34º, nº4 da CRP e artº.126º, nº3 do CPP; R) Pois, caso contrário, estaria encontrada a forma de contornar o estabelecido no artº.187º do CPP e usar como prova toda e qualquer intercepção telefónica, independentemente do catálogo taxativamente enunciado neste normativo, bastando que se estivesse perante os mesmos agentes; S) Assim, os conhecimentos fortuitos ficam de fora do âmbito do artº.187º e seg. do CPP, caso não pertençam ao delito que, em concreto, legitimou a escuta, nem com ele apresentem uma conexão relevante do ponto de vista processual. T) No caso concreto, trata-se de uma intercepção telefónica onde a arguida não tem qualquer participação directa, pois a chamada telefónica ocorre entre o arguido T e o arguido J, sendo, alegadamente, a arguida uma terceira pessoa que se encontrava ao lado do arguido T, no momento da celebração da referida intercepção; U) A chamada telefónica acima descrita relaciona-se com um documento que foi anexado ao requerimento, supostamente, elaborado pela ora arguida e, consequentemente, junto aos autos correspondentes ao nº08/05.0GTPOGT, que correu termos no Tribunal Judicial de Estremoz; V) Nos presentes autos, o despacho que desencadeou e ordenou as intercepções telefónicas recaiu no crime de lenocínio, p. e p. no artº.170º do CP; W) Acontece porém que, os factos apurados à margem daqueles que legitimaram as escutas telefónicas, desencadeadas pela suspeita de crime de lenocínio, consubstanciam um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº.256º, nº1 do CP e que, é imputado à arguida sob a forma de cumplicidade; X) Sendo factos obtidos de forma lateral e sem qualquer relacionamento com a investigação que decorreu nos presentes autos, nem qualquer conexão com os mesmos; Y) São factos que se integram no conceito de Conhecimentos Fortuitos e não no conceito de Conhecimentos de Investigação, porquanto, pois trata-se de que factos não preenchem o pedaço de vida que se pretendia levar a juízo através de uma acusação, ou seja, factos relacionados com o crime de lenocínio; Z) Os factos apurados não se encontram, (…) numa relação de concurso ideal ou aparente, ou numa relação de comprovação alternativa dos factos, ou ainda numa relação de comprovação ampla que engloba não só os diversos casos de comparticipação criminal mas também formas como o favorecimento pessoal, o auxilio material ou a recepção (…), relacionados com o âmago da investigação que decorreu; AA) Assim sendo, nunca poderão ser válidas como prova as escutas telefónicas objecto do presente recurso, ou seja, das conversações 2127, 2148 e 2264 do alvo 1H194M, pelo que deverão as mesmas ser declaradas nulas; BB) Caso se entenda que as escutas telefónicas são válidas, nunca a arguida poderia ser condenada pela prática do crime de falsificação, CC) Pois, tal condenação, no que concretamente à arguida diz respeito, na qualidade de cúmplice da prática de um crime de falsificação de documento, assenta apenas em dois factos provados (Cfr. pág.4 a 6, ponto 108 e 109, do acórdão recorrido); DD) Sendo que, a título de dolo, conclui o Tribunal a quo, a partir desses mesmos factos, que a arguida Ana Sofia conhecia a situação processual do arguido CB e ao dar instruções ao arguido T, bem como elaborar o requerimento em ordem a que o mesmo não cumprisse a pena de prisão efectiva em que fora condenado, sabia que prestava ajuda ao arguido T e facilitava o plano por este delineado (pág.6, ponto 129 e 130, do acórdão recorrido); EE) Da motivação da matéria de facto retira-se que, os factos considerados provados e a matéria imputada a título de dolo à ora arguida assentam, exclusivamente nas escutas telefónicas, que correspondem às conversações 2127 de 17/02/06, 2148 de 17/02/06 e 2264 de 19/02/06 do alvo 1H194M; FF) Das declarações dos restantes arguidos, nomeadamente dos arguidos T, L e J em nada contribuíram para a condenação da arguida, pois nada disseram relativamente à prática pela arguida de qualquer ilícito criminal; GG) Pese embora o Arguido T tenha referido que, quanto a estes factos concretos, nada se recordar, é lógico que sempre conseguirá identificar a voz da sua filha, a arguida A, seja em que circunstância for; HH) Não teve, o tribunal a quo, em atenção que, na escuta concreta onde supostamente e em off, a ora arguida diz ao arguido T para pedir ao arguido B um comprovativo de uma escola de condução de onde resultasse que tal inscrição fora anterior à condenação (conversação 2148 de 17/02/2006 do alvo 1H194M), a voz da mesma não foi reconhecida pelo arguido T; II) Tendo o mesmo, afirmado em sede de declarações que, nesta escuta em concreto não se encontrava a falar com a arguida A e tem como hábito usar a expressão filha, frequentemente, para se dirigir a outras pessoas de sexo feminino (CD nº2 – Track 2 a CD nº 3 – Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 21/05/2007; CD nº1- Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007 e pág. 13 do Acórdão recorrido); JJ) Tal situação não é de todo despicienda, pois no âmbito da concretização do crime aqui em causa, foram efectuados telefonemas fictícios entre o arguido T e uma terceira pessoa, de sexo feminino, que não a arguida, numa tentativa de ludibriar quem quer que fosse que tivesse a ouvir (conversações 2329 e 2331 de 20/2/06, pág.12 do acórdão recorrido); KK) Tal pessoa foi identificada como sendo a arguida E que também foi condenada, por acórdão proferido nestes mesmos autos datado de 13/12/2007, fls.6300 e 6301, já transitado em julgado, por ter participado noutros esquemas engendrados pelo arguido T; LL) Pelo que, em nada surpreende, que o arguido simulasse que estivesse perante a filha, advogada, na conversação 2148 de 17/02/2006, para ganhar a confiança da pessoa com quem com quem estivesse naquele momento a falar ao telefone, no caso com o arguido J; MM) Sendo certo que, a conversação 2264 de 19/02/06, alvo 1H194M, não possui quaisquer elementos identificativos da terceira pessoa em causa. NN) Por outro lado, vem o arguido J relatar, em sede de declarações, que o Toni lhe comunicou que foi a sua filha, a arguida A, a elaborar o requerimento de fls. 2794 a 2796, designadamente o requerimento que posteriormente foi assinado pelo B, (pág.10 do Acórdão recorrido); OO) Tal depoimento, nesta parte, traduz-se num depoimento indirecto que não poderá servir como meio de prova, nos termos do nº 1 do artº.129º do CPP, uma vez que o arguido T não foi confrontado nem questionado com tais factos (CD nº1- Track 2 da sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007; CD nº2 – Track 2 a CD nº 3 – Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 21/05/2007; CD nº1- Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007 e pág.8 e 13 do acórdão recorrido); PP) Além de que, o arguido J não teve conhecimento pessoal e directo destes factos em concreto, nem identificou a arguida A como sendo a pessoa envolvida nesta factualidade; QQ) Sendo certo que, contudo, não estamos perante o caso do art. 345º, nº4 do C.P.P., dado que o co-arguido prestou declarações, respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas; RR) Mas entendemos que as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico; SS) Ou seja, as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações; TT) O que não se verifica no caso concreto. UU) Por outro lado, vem o Tribunal a quo, em sede de dolo, imputar à arguida o conhecimento de que, ao elaborar o requerimento em ordem a que o arguido B não cumprisse a pena de prisão efectiva em que fora condenado, sabia que prestava ajuda ao arguido T e facilitava o plano por este delineado; VV) Ora as conversações da, suposta elaboração do requerimento, bem como, da elaboração de um documento de inscrição na escola de condução com uma data que não corresponderia à realidade, ocorrem em 17/2/2006, pelas 8h40 e pelas 11h56, conforme conversações 2127 e 2148 (pág.11 do acórdão recorrido); WW) E o plano dos arguidos T e J só é delineado em 19/2/2006, pelas 11h17 (conforme conversação 2271, pág.12 do acórdão recorrido), ou seja, só nesta data os arguidos T e J combinam entre ambos que o arguido B vai levantar o papel à escola de condução, que na escola têm de fazer uma inscrição com a data que eles entenderem e por fim acordam os dois arguidos no preço de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a suportar pelo arguido B (conversação 2271, pág.12 do acórdão recorrido); XX) Ora, como é que a Arguida tinha conhecimento em 17/2/2006 (hipoteticamente considerando que terá sido ela a autora do requerimento e a terceira pessoa que se ouve na conversação 2148), ao elaborar um requerimento e ao dar instruções para a colocação de uma data em determinado documento que não correspondia à realidade, estava a facilitar um plano que ainda não estava delineado?; YY) Sendo certo que, após esta conversação não mais existe qualquer contacto com a arguida A; ZZ) O conhecimento por parte da arguida de um plano ilícito com fim de prejudicar outrem e obter benefício económico, trata-se uma conclusão que deve ser retirada de factos concretos e apurados em sede de audiência de julgamento; AAA) O que, não se verifica pelos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, nem pelo raciocínio lógico, cronológico e temporal das próprias escutas; BBB) Estes factos só por si, não são suficientes para sedimentar a conclusão de que a arguida tinha conhecimento de que estava a contribuir, a auxiliar, um plano já delineado pelos arguidos T e J a fim de prejudicar o arguido B e com isso obter um prejuízo económico; CCC) Por outro lado e pese embora não resulte da matéria de facto provado que a arguida tenha obtido qualquer beneficio económico, vem o tribunal a quo afirmar na pág.15 do Acórdão recorrido que a arguida terá obtido € 50,00 (cinquenta euros) de beneficio sob as vestes de honorários; DDD) Não é esta a conclusão que se retira do contexto da escuta em causa – conversação 2264 - quanto muito, da conversação em causa, retira-se que os €50,00 consistem no pagamento da realização de um documento lícito, pelo que este benefício, a existir, seria sempre despido de qualquer ilicitude; EEE) Sempre seria um benefício lícito; FFF) Sendo certo que, nesta matéria, apenas se apurou que o arguido B entregou ao arguido Ta quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); GGG) Quantia que foi repartida, apenas, entre este e o arguido J, sendo que este último recebeu o valor de € 600,00 (seiscentos euros), (pág.6, ponto 110, 115 e 116 do acórdão recorrido); HHH) Mais se provou que, foi precisamente estes €1.500,00 (mil e quinhentos), acordados entre os arguidos T e J, pagos pelo arguido B, recebidos pelo Arguido T e divididos entre este e o arguido J, que provocou o prejuízo no património do arguido Be que beneficiou economicamente ambos os arguidos Te J (pág.6, ponto 110, 115, 116 e 118 do acórdão recorrido); III) Por outro lado, aplica o Tribunal a quo as regras da experiência comum, da lógica e das máximas da vida, que a arguida A, não podia deixar de saber que o seu pai (o arguido T), com este esquema, pretendia obter algum tipo de beneficio que não tinha direito (pág.15 do acórdão recorrido); JJJ) Ora, as regras da experiência comum, da lógica e das máximas da vida aplicam-se a factos concretos, apurados e dados como provados no âmbito da audiência de discussão e julgamento; KKK) O que, da escassa matéria factual apurada não é possível retirar que a arguida tivesse conhecimento de qualquer plano existente e engendrado pelo arguido T, nem podia, pois face às provas descritas pelo Tribunal a quo, respectiva sequência lógica e temporal, tal acordo, no momento das, supostas, conversações entre o arguido T e a arguida A, nem sequer existia; LLL) Por outro lado e considerando hipoteticamente que se trata da arguida, estamos no âmbito de uma relação pai / filha, onde os laços de parentesco acentuam o nível de confiança entre ambos; MMM) Sendo impensável a uma filha que o seu próprio pai, beneficiando da profissão daquela, do trabalho desenvolvido pela mesma, se vai aproveitar de modo a engendrar qualquer tipo de esquema ou plano, de forma a prejudicar terceiro e obter, para si, benefícios; NNN) Aplicando as regras da experiencia comum, da lógica e máximas da vida, principalmente as máximas da vida em família, a este caso concreto, sempre seria de concluir que é normal que um pai tendo uma filha advogada, quando é contactado por alguém que tem alguma questão jurídica por resolver, o encaminhe para a sua própria filha; OOO) Sendo de todo despiciendo, que uma filha, perante a conduta do pai que a contacta dizendo que tem um serviço para ela do Tribunal da Relação de Évora de uma pessoa que foi condenada pela relação em “um ano de cana”, pedindo-lhe para estudar o assunto (conversação 2127, pág.11 do acórdão recorrido); PPP) Conclua ou tenha o dever de concluir que o seu próprio pai a está a contactar porque engendrou um plano, um esquema para prejudicar outrem e obter para ele algum tipo de benefício, ou que, vá usar o trabalho desenvolvido pela sua filha como “moeda de troca” de qualquer benefício ilícito que pretenda obter em prejuízo de outrem; QQQ) Não só é impensável, como vai de encontro a qualquer regra de experiencia comum, da lógica e máximas da vida, principalmente das máximas da vida familiar. RRR) Neste caso concreto, não foi apurado quem terá realizado o requerimento de fls. 2794 a 2798, apenas se apurou que o supra referido documento deu entrada no tribunal competente (ponto 117, pág.6, do acórdão recorrido) e que foi o arguido B que o subscreveu (Cfr. fls. 2794 a 2798); SSS) Não se apurou, concreta e efectivamente, que foi a arguida que redigiu o supra referido documento; TTT) Pelo que sempre se terá de concluir que se encontra em falta o elemento objectivo do crime de falsificação, quanto à ora Arguida nos termos do 256º do CP; UUU) Também, in casu, apenas se apurou que o prejuízo causado foi no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), e que tal valor foi, efectivamente, pago pelo arguido B e recebido pelo arguido T que, por sua vez, o partilhou, o dividiu, apenas, com o arguido J; VVV) Assim, não se apurou que a ora arguida terá, efectivamente, recebido qualquer quantia e, consequentemente, terá causado qualquer prejuízo ao arguido B; WWW) Tal como não foi feita prova de que a arguida tinha conhecimento do plano delineado, em conjunto, pelos arguidos T e J, plano esse que apenas foi acordado dias depois das, supostas, conversações entre o arguido T e a arguida A (conforme datas das conversações 2127, 2148 e 2271, pág.11 e 12 do acórdão recorrido); XXX) Pelo que, o elemento subjectivo constitutivo do crime de falsificação é precisamente a (…) intenção de causar prejuízo a outra pessoa (…) de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo (…) e encontra-se, também, em falta. YYY) Pelo exposto, inexistem, os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, nos termos do artº. 256º do CP. ZZZ) O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, violou o estabelecido nos artº.18º, nº2, 32º, nº8 e 34º, nº4 da CRP, nº1 do artº.122º, artº.126º, nº1 e 3, artº.187º e artº.189º do CPP; AAAA) Já que, nunca poderão ser validadas como prova as escutas telefónicas objecto do presente recurso, ou seja, as conversações 2127, 2148 e 2264 do alvo 1H194M, mais concretamente, da conversação, em off, 2148 do mesmo alvo, por se tratarem de conhecimentos fortuitos e se encontrarem feridas de nulidade; BBBB) Mesmo que assim não se entenda, deverão, então, ser atendidas as declarações prestadas, em sede de julgamento, pelo arguido T onde o mesmo refere, em sede de declarações que, na escuta em concreto não se encontrava a falar com a arguida A e tem como hábito usar a expressão filha, frequentemente, para se dirigir a outras pessoas de sexo feminino (CD nº2 – Track 2 a CD nº 3 – Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 21/05/2007; CD nº1- Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007); CCCC) E mediante a análise da prova gravada (CD nº1- Track 2 da sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007; CD nº2 – Track 2 a CD nº 3 – Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 21/05/2007; CD nº1- Track 1 – sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007), bem como do próprio Acórdão, não valorar como prova o depoimento indirecto do arguido J, nos termos do nº 1 do artº.129º do CPP; DDDD) Da mesma análise da prova realizada, deverá o Tribunal ad quem, decretar a falta dos elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, nos termos do artº. 256º do CP, pelo que nunca a arguida poderá ser condenada com tal fundamento; EEEE) Concluindo assim, pela insuficiência de matéria de facto provada para a decisão condenatória, nos termos da alínea a) do nº2 do artº.410º do CP. FFFF) Por tudo o exposto, deverá ao presente recurso ser dado provimento e, em consequência, ser a arguida absolvida.
O MP respondeu à motivação do recurso, tendo formulado, por seu turno, as seguintes conclusões: 1-Dispõe o artº 412º, nº1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia specificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. 2- As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão, sendo que o Tribunal superior, tal qual 1ª instância só pode conhecer das questões submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a apreciação de questões de conhecimento oficioso. 3-Ora, no caso dos autos e como bem se comprova das conclusões constantes da motivação em apreço, sob as letras A a FFFF, a recorrente não as elaborou, da forma a que se encontrava obrigada, com extensas exposições de cada uma alegações, não seguindo a sequência da motivação, sendo que também não faz referência às normas jurídicas violadas, pelo que deve, por isso, ser considerado improcedente o recurso. 4-Quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto e para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à utilização do mesmo apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, é necessário que, 5-se proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar (artº 412º, nº3 alíneas a), b) e c) do C.P.P). 6-No caso em apreço, e, cotejando a presente motivação, a mesma não contém elementos onde se mostrem individualizados os factos que o recorrente tem por indevidamente julgados, já que limitou-se a recorrente a enunciar tão só os CDs onde se mostram gravadas as declarações do seu pai, o arguido T, em que a recorrente funda a impugnação da matéria de facto e referindo tão só 7-“Tendo o mesmo (arguido T) afirmado em sede de declarações que, nesta escuta (a 2148) em concreto não se encontrava a falar com a arguida A e tem como hábito usar a expressão filha, frequentemente, para se dirigir a outras pessoas de sexo feminino (CD nº2 – Track 2 a CD nº3 – Track1 – sessão de julgamento ocorrida em 21/05/2007; CD nº1 – Track 1 - sessão de julgamento ocorrida em 24/05/2007(…)” 8–Assim, não estando individualizados os factos que a recorrente têm por incorrectamente julgados, nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e, desta forma inexistindo as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artº 412º do C.P.P, deverá, nesta parte, o recurso ser considerado improcedente. 9–A não ser assim entendido, impõe-se referir, contudo, que contrariamente ao alegado pela recorrente esta, logo a 19/02/2006, e como se resulta da sessão 2148 do alvo 29062, entre os arguidos A, J e a recorrente esta tomou conhecimento que ao dar instruções ao arguido T para pedir ao arguido B um comprovativo da inscrição numa escola de condução de onde resultasse que tal inscrição fora anterior à decisão que o condenara em pena de prisão efectiva (bem como ao elaborar o requerimento), estava a prestar auxílio ao primeiro arguido e facilitava o plano delineado por este. 10-Também não resulta dos autos existirem quaisquer outros intervenientes, a quem o arguido chamasse “filha” e que pudesse dar “orientações”, na emissão de uma declaração por uma escola de condução donde constasse uma data de Janeiro, que se sabia ser falsa, com vista a ser entregue, como o foi, no processo sumário 8/05.0GTPTG, acompanhando um requerimento, e, visando evitar a pena de prisão efectiva em que o arguido CB ali havia sido condenado, 11-a não ser que tais factos fossem praticados por pessoa licenciada em direito, caso da sua filha A, advogada de profissão à data. 12- As escutas telefónicas das conversações, cujas sessões têm os nºs 2127, 2148 e 2264 constituem meios de prova válidos, já que que foram autorizadas por um juiz de instrução, no âmbito de um processo em que estava a ser investigado o crime de lenocínio, crime esse punido com pena de prisão superior a 3 anos, encontrando-se preenchidos os requisitos de admissibilidade a que alude o artigo 187º do Código de Processo Penal. 13- Foi no âmbito dessa escuta autorizada ao telefone do arguido AM que foram interceptadas as escutas que incriminaram aquele arguido e a ora arguida recorrente, pelo crime de falsificação. 14- Porque se tratou de uma investigação que prosseguiu em conjunto com a que já decorria, num único processo, não há que falar em conhecimentos fortuitos, mas em conhecimentos de investigação. 15 -Consideram-se conhecimentos de investigação para além daqueles que foram obtidos por via de uma escuta telefónica legalmente realizada que se reportam ao crime cuja investigação legitimou a realização daquela ou a outro delito pertencente ou não ao catálogo legal que esteja baseada na mesma situação histórica de vida daquele e se apresentem, assim numa relação de conexão, aferida através dos critérios do artigo 24º do Código Processo Penal. 16- O crime imputado à recorrente, pese embora não possa enquadrar-se num dos crimes de catálogo previstos no artº. 187º do Código Processo Penal, apresenta-se, assim, em conexão subjectiva, por parte de um dos comparticipantes - o seu pai AM, com o crime de catálogo que determinou a conexão, não resultando assim de conhecimentos fortuitos, mas de conhecimentos de investigação, cuja valoração é admitida, mesmo que não integrem qualquer dos tipos de crime previsto no artigo 187º do Código de Processo Penal. 17-E mesmo que assim não se entendesse, a partir do momento em que as conversações telefónicas foram transcritas, essa transcrição passou a constituir prova documental, passando o documento que contém a transcrição a ser um meio de prova, sujeita a livre apreciação do Tribunal, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal. 18-A condenação da recorrente não se mostra baseada só nas intercepções telefónicas constantes das sessões 2127, 2148 e 2264 do alvo 1H194M, mas ainda nas intercepções telefónicas das sessões 2271 do alvo 29062 e 1148 do alvo 1H194, bem como toda a prova recolhida nos autos e apreciada em julgamento, consubstanciadas nas declarações dos co-arguidos António Matos, Luís Ramos e Júlio Calha prestadas na audiência de julgamento 2ª sessão de 24/05 ( cd nº 1 , Track 1 e 2) e 4ªsessão de 5 de Junho (cd nº 1 - Track 1), bem como da prova documental apreendida no Rancho dos Morangos, prova que foi apreciada e valorada segundo as regras da experiência comum e da lógica, não padecendo a decisão de qualquer violação de tais normas, e, feita ainda uma devida análise crítica da prova produzida em completa e estrita observância ao princípio da livre convicção do julgador, previsto no artº 127º do C.P.P., 19–Na verdade, as declarações dos co-arguidos, na parte em que incriminam a arguida podem ser livremente apreciados pelo Tribunal nos termos do artigo 127º do Cód. Proc. Penal, dado que as declarações dos co-arguidos não constituem prova proibida e podem ser admitida tal prova, conforme resulta dos arts. 125 º e 126º do Código de Processo Penal. 20-Todos os elementos probatórios que levaram à convicção do julgador para que tivesse considerado como provados os factos que integram a conduta da recorrente no crime de falsificação, foram consubstanciados nos documentos e depoimentos das testemunhas, no seu todo um conjunto, sendo que a matéria de facto dada como provada no acórdão “ a quo” é coerente e plausível, existindo um suporte suficiente para a subsunção jurídica efectuada, estando, nessa forma, isenta do vício, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada contido no nº2, alínea a) do artº 410º do Código de Processo Penal. 21- Desta forma, permitindo a condenação da recorrente como cúmplice do crime de falsificação de documento p. e p. no artigo 256º nº 1 als a) e b) do Código Penal (e, já que foi a recorrente Ana Sofia quem deu instruções ao arguido T para pedir ao B um documento comprovativo da inscrição com data anterior à decisão, bem como elaborou o requerimento em ordem a que o mesmo não cumprisse a prisão). Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso.
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. No parecer que emitiu acerca do recurso em presença, a Digno Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação sustentou que o mesmo não é merecedor de provimento. O parecer emitido foi notificado à recorrente, para se pronunciar, querendo, sem que ela tenha exercido o seu direito de resposta. Pelo Desembargador relator foi proferido despacho que conheceu da questão prévia suscitada pelo MP junto da primeira instância, na sua resposta à motivação do recorrente, em que pôs em causa a admissibilidade do recurso, tendo concluído que este reúne a condições necessárias para ser admitido. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. Procurando, porém, resumir as efectivamente muito extensas conclusões da arguida recorrente A, diremos que a pretensão recursiva por ela deduzida assenta, fundamentalmente, nos seguintes eixos: a) Arguição da nulidade da prova obtida através da realização de escutas telefónicas, na parte que serviu à demonstração dos factos constitutivos da responsabilidade criminal da recorrente, com a desconsideração desses elementos na formação da convicção do Tribunal e o consequente reflexo no juízo probatório; b) Independentemente da impugnação da validade das escutas telefónicas, os elementos de prova em que se fundamentou a demonstração dos factos geradores da responsabilidade criminal da recorrente não permitiam tal conclusão, à luz da valoração probatória que entende ser a correcta; c) Numa ou noutra hipótese, os factos integradores do crime por cuja prática, a título de cumplicidade, a recorrente foi condenada deverão ser dados como não provados, com a sua consequente absolvição. Passaremos, então, a conhecer das questões suscitadas pela recorrente, pela ordem lógica de prioridade da respectiva apreciação, começando por aquelas que se prendem com a validade de da prova obtida através das escutas telefónicas. A arguição da nulidade da prova obtida através de escutas, na parte que relevou para a condenação que sofreu, baseia-se em ter sido autorizada judicialmente intercepção telefónica com fundamento no seu interesse para a prova dos factos integradores da prática de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 170º nº 1 do CP, nomeadamente, por parte do arguido Paulo Matos (dito, Toni), tendo a recorrente sido condenada como cúmplice de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº 1 do CP. Por isso, entende a recorrente que a aquisição probatória obtida através de escutas telefónicas, relativamente à conduta por que foi condenada, releva dos chamados «conhecimentos fortuitos», o que, aliado ao facto de o crime de falsificação de documento, na modalidade «simples» prevista pelo nº 1 do art. 256º do CP, pela qual a arguida foi punida, não ser integrante do «catálogo» definido pelo nº 1 do art. 187º do CPP, obsta ao aproveitamento daqueles elementos para o aludido efeito. Cumpre ajuizar da procedência de tal argumento. O art. 34º da CRP consagra o direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, à qual são equiparadas outras formas de comunicação privada, como a telefónica, proibindo o nº 4 qualquer interferência das autoridades nas telecomunicações, «salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal». O nº 1 do art. 187º do CPP define os pressupostos de admissibilidade das operações de escuta telefónica, as quais só poderão ser autorizadas, por despacho judicial, quando houver razões para crer que são indispensáveis á descoberta da verdade ou que a prova que poderiam proporcionar seria, por outra via, impossível ou muito difícil de obter, relativamente aos crimes do «catálogo», enunciado nas alíneas do normativo em referência, no qual não se encontra incluído o crime simples de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº 1 do CP por que a arguida foi condenada. A questão da licitude do aproveitamento probatório dos chamados «conhecimentos fortuitos», em sede de escutas telefónicas, tem sido debatida pela doutrina e pela jurisprudência. Por conhecimento fortuito deverá entender-se a informação sobre a existência de determinado crime ou a identidade dos seus agentes, obtida no decurso da realização de uma escuta telefónica, que foi autorizada tendo em vista o apuramento de um outro crime, de idêntica ou de diferente natureza, praticado pelo mesmo ou por outro agente, desde que não recaia no âmbito dos chamados «conhecimentos de investigação». Acerca desta matéria, seguiremos de perto o ensino de Manuel da Costa Andrade («Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra, 1992, págs. 304 a 312), que tem obtido, tanto quanto julgamos saber, acolhimento jurisprudencial maioritário e segundo o qual a valoração probatória dos conhecimentos fortuitos é admissível, desde que tenham por objecto crime integrante do «catálogo» e que se verifique em relação a este um «estado de necessidade investigatório», susceptível de justificar o desencadeamento da operação de escuta telefónica nos termos definidos no proémio do nº 1 do art. 187º do CPP, ou seja, quando a diligência se revelar indispensável à descoberta da verdade ou a obtenção da prova por outra via se mostrar impossível ou muito difícil. Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido dos conhecimentos fortuitos a figura dos «conhecimentos de investigação», a qual engloba os casos em que da operação de escuta resultam informações sobre um crime diverso daquele que justificou a autorização da diligência, mas que mantém com este uma certa relação de afinidade. Tem-se entendido que a valoração probatória dos conhecimentos de investigação é livre, não estando condicionada à verificação dos mesmos requisitos que a dos conhecimentos fortuitos, mormente, reportar-se a crime do «catálogo». Como tal, uma vez verificado que o crime por cuja prática, enquanto cúmplice, a recorrente foi condenada não integra o «catálogo» estabelecido pelo nº 1 do art. 187º do CPP, a prova obtida através das escutas telefónicas só poderá ser valorada para demonstração dos factos integradores dessa comparticipação, na hipótese de poder ser reconduzida à figura dos conhecimentos de investigação. A propósito da distinção entre as duas categorias de conhecimentos em referência, socorremo-nos também do ensino de Costa Andrade que sobre a mesma expende (op.cit., págs. 305 e 306): «No estado actual das questões, não se afigura viável adiantar um critério conceitual susceptível de demarcar e contrapor em termos esgotantes e exclusivos as duas áreas em confronto. Mais prudente será, por isso, acompanhar WOLTER na tentativa de identificar algumas constelações típicas cuja pertinência aos conhecimentos de investigação aparece como mais óbvia, continuando a adscrever aos conhecimentos fortuitos um alcance preferencialmente residual. Nesta linha, devem, desde logo, ter-se por pertinentes aos conhecimentos de investigação os factos que estejam numa relação de concurso ideal e aparente com o crime que motivou e legitimou a investigação por meio da escuta telefónica, o mesmo valendo para os delitos alternativos que com ele estejam numa relação de comprovação alternativa de factos. Consensual parece ser ainda, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o mesmo terá de ser o entendimento quanto aos crimes que, no momento em que é decidida a escuta em relação a uma associação criminosa, aparecem como constituindo a sua finalidade ou actividade. Também aqui, assinala RIESS, “o processo histórico que fundamenta a decisão de escuta compreende à partida os crimes posteriormente descobertos e submetidos a julgamento. Não se trata de modo algum de conhecimentos fortuitos, mas antes de conhecimentos que integram o processo histórico que a seu tempo ofereceu o motivo para uma ordem legítima de escuta”. À figura e ao regime dos conhecimentos da investigação deverão levar-se as diferentes formas de comparticipação (autoria e cumplicidade), bem como as diferentes formas de favorecimento pessoal, auxílio material ou receptação» (itálicos no original). Paralelamente à posição expressa pelo ilustre Professor, que acabámos de citar, alguma jurisprudência tem vindo a adoptar como critério, meramente indicativo e de modo nenhum exaustivo, de distinção dos conhecimentos de investigação a existência, entre o crime justificativo da autorização da escuta telefónica e aquele que é descoberto por via da execução desta, de alguma das relações que, nos termos da lei, podem dar origem à conexão de processos, designadamente as enumeradas nas alíneas do nº 1 do art. 24º do CPP: a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão; b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação; d) Vários agentes tiverem cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar. Sobre os fundamentos da conexão dispõe ainda o art. 25º do CPP: Para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes. Com vista a dirimir a questão, que agora nos ocupa, importará ter presentes alguns aspectos do processado, tal como resultam dos autos: a) A efectivação da operação de escuta telefónica foi autorizada por despacho proferido pelo Exmº Juiz de Instrução, em 12/12/05, com fundamento na sua necessidade para prova dos factos integradores de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 170º do CP, praticado, designadamente, pelo arguido AM, autorização essa que foi prorrogada sucessivamente em 10/1/06 e 9/3/06 (fls. 60/1, 133 e 309); b) Os factos integradores do crime de lenocínio pelo arguido AM foram objecto de conhecimento judicial no acórdão da primeira instância depositado em 14/1/08, que condenou o referido arguido, pelo cometimento daquele ilícito criminal, numa pena parcelar de 3 anos de prisão; c) Tal condenação foi confirmada em sede de recurso pelo acórdão desta Relação proferido em 29/9/09, o qual, porém, agravou para 4 anos de prisão a pena parcelar aplicada ao arguido AM pela prática do crime de lenocínio; d) O crime de lenocínio por que o arguido AM foi condenado concretizou-se, em síntese, em ter ele, no período compreendido entre Novembro de 2004 e 2/5/06, explorado a actividade desenvolvida por diversas pessoas do sexo feminino, em três estabelecimentos comerciais por si geridos, que ali mantinham relações sexuais com clientes, a troco de retribuição. Tanto quanto pode vislumbrar-se, não existe entre os factos integradores do crime de falsificação de documento por cuja prática, a título de cumplicidade, a recorrente foi condenada e os que preencheram o crime que legitimou a autorização da escuta telefónica qualquer dos laços de afinidade sugeridos por Costa Andrade como relevantes para a integração da figura dos conhecimentos de investigação. Não se verifica entre os dois delitos em referência qualquer relação de concurso ideal, o qual, como é sabido, tem lugar quando um agente, através de uma única conduta naturalística, preenche uma pluralidade de tipos de crime. Tão pouco subsiste entre os mesmos dois crimes qualquer relação de comprovação alternativa de factos, já que a factualidade que integrou o crime, que esteve na origem da autorização da escuta telefónica, resultou provada em julgamento. No presente processo, não foi imputado a qualquer dos arguidos a prática do crime de associação criminosa e a conduta por que a recorrente nele reponde não se reconduz a qualquer dos tipos de crime (favorecimento pessoal, auxílio material ao criminoso e receptação) cuja verificação implica necessariamente a existência «a montante» de um outro delito ou, pelo menos, de um facto ilícito típico. É certo que o crime de falsificação de documento de que a recorrente foi comparticipe foi, por assim dizer, instrumental do cometimento de um crime de burla simples p. e p. pelo art. 217º nº 1 do CP, por que foram pronunciados os arguidos AM, J e F e de que foi vítima o também arguido CB. Conforme pode verificar-se a fls. 4932, o ofendido CB veio declarar desistir da queixa apresentada pelos factos integradores do crime de burla simples, declaração essa que foi julgada relevante por despacho do Exmº Juiz presidente, em termos de implicar a extinção do procedimento criminal na parte correspondente. De todo o modo, o crime de burla simples do art. 217º nº 1 do CP é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e não integra o «catálogo» de ilícitos criminais estabelecido pelo nº 1 do art. 187º do CPP, pelo que nunca seria susceptível, por si mesmo, de legitimar a autorização de uma escuta telefónica, cuja aquisição probatória pudesse ser extensiva ao crime de falsificação de documento, que foi instrumental da sua prática. Finalmente, a única comparticipação criminosa de que a arguida recorrente é sujeito activo, em causa no presente processo, diz respeito ao crime de falsificação de documento por que ela foi condenada. Relativamente às hipóteses de conexão previstas nas alíneas do nº 1 do art. 24º do CPP, diremos, desde logo, que as situações tipificadas nas als. a), b) e e) desse normativo são manifestamente alheias ao caso em apreço. Quanto à hipótese prevista na al. c), é certo que a recorrente pratica um crime em comparticipação com outros arguidos, na modalidade de cumplicidade, mas apenas, como acabámos de dizer, o ilícito que motivou a sua condenação. No que se refere ao caso tipificado na al. e), verifica-se que a arguida recorrente foi condenada como cúmplice de um crime de falsificação em que foi comparticipante, nomeadamente, o arguido António Matos. Tal crime de falsificação foi instrumental da prática de um eventual crime de burla simples p. e p. pelo art. 217º nº 1 do CP, por que haviam sido pronunciados os arguidos AM, J e F e cujo procedimento foi declarado extinto por desistência de queixa. Atenta tal relação de instrumentalidade, poderá dizer-se que o crime de falsificação de documento «deu origem» ao eventual crime de burla simples. No entanto, tal conexão resulta irrelevante, para o efeito que agora nos ocupa, pois, conforme já se referiu, estão em causa duas infracções de fora do catálogo do nº 1 do art. 187º do CPP. Aqui chegados, teremos de constatar que o único laço de conexão entre o crime, que legitimou a autorização da escuta telefónica, e aquele por cuja prática, enquanto cúmplice, a recorrente foi condenada, residiu no facto de terem sido praticados por um mesmo agente (o arguido AM), na área de competência territorial de Tribunais sediados na mesma comarca, pelo que o seu julgamento conjunto num mesmo processo teve lugar ao abrigo do disposto no art. 25º do CPP. A questão que então se coloca é a de saber se a causa de conexão de processos prevista no art. 25º do CPP é susceptível, por si só, de impor a recondução à figura dos conhecimentos de investigação das informações obtidas no decurso de uma operação de escuta telefónica sobre um crime diverso daquele que justificou a autorização da diligência. Pensamos que a resposta a tal questão, em tese geral e no caso concreto, deve ser negativa. Com efeito, existe uma diferença qualitativa entre as causas de conexão enumeradas no nº 1 do art. 24º do CPP e a situação a que se refere o art. 25º do mesmo Código. Na primeira das disposições legais mencionadas, o legislador procurou assegurar que, sempre que possível, o mesmo acontecimento de vida real ou um processo histórico definido em função de um elemento relevante de unificação fosse julgado num único procedimento, evitando, por essa via, uma indesejável fragmentação dessa realidade, que poderia resultar de uma aplicação incondicional do paradigma «um crime – um processo – um arguido», que, até certo ponto, continua subjacente à vigente tramitação do processo penal. Trata-se de uma preocupação que tem por finalidade última garantir uma busca tão exaustiva quanto possível da verdade material e uma decisão substancialmente justa da causa. Diferentemente sucede com a disposição do art. 25º do CPP. Neste último caso, a conexão de processos não tem na sua base qualquer afinidade genética entre os diferentes crimes conexos, mas obedece somente a imperativos de mera economia processual, mais precisamente evitar a pendência simultânea de mais do que um processo contra o mesmo arguido na mesma comarca. Dito por outras palavras, a conexão do art. 25º é estritamente processual, enquanto a do nº 1 do art. 24º antes de ser processual é sobretudo substantiva. Nesta ordem de ideias, teremos de concluir o simples facto de um arguido ter cometido uma pluralidade de crimes na área de competência territorial de Tribunais sediados na mesma comarca não é suficiente, na falta de mais relevantes elementos de conexão, para estabelecer entre os vários crimes o laço de afinidade necessário a que possam ser considerados «conhecimentos de investigação», no contexto da efectivação de uma escuta telefónica. Por conseguinte, tendo presente a evocada natureza residual da figura dos conhecimentos fortuitos, teremos de reconduzir a esta os elementos, obtidos por meio de escuta telefónica, de prova dos factos integradores da comparticipação da arguida Ana Matos no crime de falsificação de documento por cuja prática, a título de cumplicidade, ela foi condenada em primeira instância. Dado que, como já se disse, o crime por que a recorrente foi condenada, não integra o catálogo definido pelo nº 1 do art. 187º do CPP, a valoração probatória dos referidos elementos não é permitida. Sob a epígrafe «Meios proibidos de prova», o nº 3 do art. 126º do CPP dispõe: Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. A norma legal agora transcrita estabelece uma verdadeira proibição de valoração, que se impõe a todo o tempo ao julgador, independentemente do regime de cognição das nulidades e irregularidades processuais propriamente ditas, consagrado pelos arts. 118º a 123º do CPP. Neste contexto, a efectivação de uma operação de escuta telefónica fora dos requisitos de admissibilidade exigidos pelo nº 1 do art. 187º do CPP, mormente a sua legitimação por crime do «catálogo» é de molde fazer recair a diligência no âmbito das interferências abusivas nas telecomunicações, sendo, como tal, proibida a valoração pelo julgador da aquisição probatória dela emergente. Seguidamente, iremos averiguar as consequências da posição agora tomada ao nível da decisão sobre a matéria de facto, na parte impugnada pela recorrente. Para tal efeito, importará ter presente o que se expende no acórdão recorrido, para fundamentação o juízo probatório que recaiu sobre os factos constitutivos da responsabilidade criminal da recorrente (transcrição com diferente tipo de letra):
3. Motivação: a) De facto: Face ao teor do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, impõe-se a motivação de facto relativamente à arguida A. Considerou o Tribunal que não está devidamente explicitado o processo de convicção do tribunal, essencialmente no que concerne a dois pontos: - quais as razões, qual o processo lógico seguido pelo Tribunal no sentido de concluir que a arguida A, advogada, tinha conhecimento do plano delineado pelo T, do projecto criminoso deste e em consequência que ao praticar os actos que lhe são imputados sabia que prestava ajuda ao T e facilitava o plano por este delineado; - explicar como é que pela sua actuação visava obter benefícios pecuniários tendo em conta que, como resulta da conversação telefónica n.º 2264 do alvo 29062 combinou com o seu pai T o preço que ia levar por este serviço, que era de € 50,00 e que a quantia entregue pelo B foi repartida pelo T e pelo C. Aquando do primeiro Acórdão proferido sobre esta matéria, escreveu-se: 3.16. Factos 105º a 118º, 127º a 130º, 297º a 301º e 309º e 310º: Declarações do arguido AM: Confrontado com os factos 111º a 125º da pronúncia, bem como com as escutas relativas a esta matéria, limitou-se a dizer que não se lembrava de nada, apesar de não dar qualquer justificação válida para a circunstância de não se lembrar. Declarações do arguido L: No fundo, confessou os factos objectivos que lhe eram imputados na pronúncia. Resumidamente, esclareceu: No dia 17 ou 18 de Fevereiro o arguido CB deslocou-se à sua escola de condução e pediu-lhe para passar uma declaração de que estava inscrito na escola. Respondeu-lhe que não o podia fazer porque não tinha atestado médico, tendo o C aparecido mais tarde com um atestado médico. Logo de seguida, o CB pagou a inscrição, ao que lhe permitiu a inscrição na escola de condução. Mais tarde, o CB apareceu com o arguido J que lhe disse que estava “em representação de um colega seu, advogado, pai de uma Juíza”, tendo o J, na presença do C, pedido uma declaração de inscrição na escola de condução com a data de 19 de Dezembro, embora estivessem no mês de Fevereiro. Nessa altura, o J pegou no telefone, começou a falar com uma pessoa que dizia ser seu colega, tendo depois comunicado ao CBque “o colega já tinha falado com a filha que era Juíza e que lhe tinha dito que não havia problema”. Perante esta afirmação, passou a declaração com a inscrição de 19 de Dezembro e entregou-a ao B ou ao J, não se lembrando a qual especificamente. Referiu ainda que o CB não frequentou nenhuma aula na sua escola de condução e que nunca mais o viu, além do dia em causa (17 ou 18.2.) Confirmou a sua assinatura no doc. de fls. 2849 e que foi essa a declaração que emitiu. Declarações do arguido J: Confessou quase integralmente a sua apurada conduta. Sustentou, no entanto, que nunca se fez passar por advogado. Quanto aos factos relatou que foi com o CB à escola de condução de L e, assim que entraram, o L perguntou ao B “se vinham tratar daquilo que falamos e se trazia o dinheiro”. O L perguntou ao B que data queria no documento/declaração, tendo o ora arguido transmitido ao B que lhe fazia falta uma declaração cuja data fosse anterior ao do recurso (“sabia que a data a constar da declaração tinha que ser anterior ao recurso”). O arguido AM recebeu uma quantia do B por causa deste negócio (assistiu ao B a dar dinheiro ao T), sendo que o ora arguido recebeu € 500 ou € 600 do AM. Mais esclareceu que foi quem apresentou a situação do B ao AM (perigo de o B ir cumprir pena de prisão), o T levou o B ao Tribunal de Estremoz juntamente com o ora arguido, combinou com o T o preço que ia ser levado pelo “serviço” (€ 1.500,00). Esclareceu ainda que disse ao B que tinha uma pessoa amiga que a filha era Juíza e que foi o B que assinou o requerimento que foi entregue no Tribunal de Estremoz. Por fim, relatou ainda que o T lhe comunicou que foi a sua filha, a arguida A, a elaborar o requerimento de fls. 2794 a 2796, designadamente o requerimento que posteriormente foi assinado pelo B. - Inscrição do arguido CB na Escola de Condução (…), para efeitos de obter a habilitação de condução, sendo o registo de inscrição de 20.2.06; - original da declaração médica pela qual se atesta que CB tem aptidão física e mental para a condução de veículos ligeiros (declaração emitida pela Clínica Médica …, em 20.2.06); - certidão do processo sumário n.º 8/05.0GTPTG do Tribunal Judicial de Estremoz – fls. 2707 a 2760 e 2764 a 2850 (pela sentença proferida a 25.1.05 o arguido CB foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano de prisão; houve recurso do arguido para o Tribunal da Relação de Évora, o qual subiu a 14.3.05; pela decisão de 31.1.06, o Tribunal da R.E. rejeitou o recurso e confirmou a sentença da 1ª instância; após o processo ter baixado à 1ª instância o arguido CB, em 20.2.06, apresentou requerimento – requerimento que terá sido elaborado pela arguida A (v. requerimento fls. 2794 a 2798) - em que pede a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando, para tanto, que se encontra inscrito numa escola de condução; para prova desta frequência, junta aos autos uma declaração da Escola de Condução … alegadamente emitida em 19.12.05 e subscrita pelo arguido L (v. original a fls. 2849); a pretensão do arguido foi indeferida por despacho de 24.3.06; novo recurso do arguido de 24.4.06; recurso novamente rejeitado pelo Tribunal da Relação de Évora; após baixa dos autos à 1ª instância, determinou-se, por despacho de 4.10.06, a emissão de mandados de detenção contra o arguido); - cópias de algum deste expediente encontrado no “Rancho…”, designadamente o despacho de Tribunal de Estremoz que indefere a substituição da pena de prisão pela de prestação de trabalho a favor da comunidade, do requerimento “supra” referido e da declaração emitida pelo arguido L; Escutas telefónicas: - conversações 2081, 2126, 2127, 2148, 2264, 2271, 2329, 2331 e 4267 do alvo 29062 e 1111 e 1148 do alvo 1H194M, salientando-se: - 2081, de 15.2.06, entre os arguidos AM e J: J comunica ao T que um seu amigo foi “agarrado seis vezes a conduzir sem carta” e que já cumpriu pena de prisão por algumas das outras condenações; refere ainda ao T que o seu conhecido recorreu da condenação para o Trib. da Relação de Évora e que este o “mandou levar no cu com o recurso”; por fim, pergunta ao T se vê “alguma saída nisto”, ao que este o informa que precisa de se inteirar dos documentos e combina com o J um encontro com o mesmo e com o seu colega que foi condenado em pena de prisão. - 2126, de 17.2.06, pelas 1.42 H, entre os arguidos AM e J: na sequência da anterior conversação, o T comunica ao J que “isto vai-se aqui fazer uma manobra” e que vai haver um “telefonema para Évora para meter a manobra”, comunicando ainda ao J que “pronto é para agente os dois”, combinando ainda um encontro na Quinta… para o dia seguinte para falarem pessoalmente sobre o assunto. - 2127, de 17.2.06, pelas 8.40 H, entre os arguidos AM e sua filha, a arguida A: o arguido AM comunica à A que tem um serviço para ela do Tribunal da Relação de Évora de uma pessoa que foi condenada pela relação em “um ano de cana”, pedindo-lhe para estudar o assunto, ao que a A dá a sua concordância. - 2148, de 17.2.06, pelas 11.56 H, entre os arguidos AM, A e o J: T comunica ao J que “isto tem que andar mais depressa que o vento, porque isto é o ultimo dia é segunda feira para a tanga que se está aqui a montar, que na segunda feira você ou eu temos que tar no Tribunal a entregar o que se vai fazer e o homem tem que ir imediatamente ai à zona dele, a uma escola de condução, para lhe passarem um papel em como ele já lá está inscrito para tirar a carta”. Na sequência, em “off” o arguido T pergunta à sua filha que se encontra a seu lado que datas devem ser postas, ao que ela responde “princípio de Janeiro”, o T diz-lhe “tipo Dezembro do ano passado”, ao que a A responde “muito não, põe em Janeiro, põe em Janeiro”. Logo de seguida, após esta conversação “off” com a sua filha, o T dá então instruções ao J relativamente à forma como deve actuar o indivíduo que foi condenado, designadamente: “o homem vai aí a uma escola e inscreve-se aí numa escola e ver se lhe fazem o favor de meterem uma data qualquer do mês de Janeiro”, ao que responde o J “e que já estava inscrito nessa altura”, o que é confirmado pelo arguido T, dizendo ainda ao J que “ele que traga esse papelinho, porque o resto vai tudo feito daqui, depois eu tenho que ir aí consigo na segunda feira que o homem depois tem que assinar”. Na sequência, também em “off”, o arguido dirige-se à sua filha A, dizendo-lhe “a procuração né, am ou atão faz ele o requerimento”, ao que esta informa o arguido T que “não faço eu em nome dele e ele assina”. - 2264, de 19.2.06, pelas 9.58 H, entre os arguidos AM e sua filha A: a A dá indicações ao seu pai dos procedimentos a adoptar para a entrega da documentação em Tribunal e em que parte o terceiro indivíduo deve assinar o documento/requerimento, o número de fotocópias necessárias (duplicados), combinando ainda com o seu pai o preço que vai levar por este serviço, acordando no montante de € 50,00. - 2271, de 19.2.06, pelas 11.17 H, entre os arguidos AM e J: combinam os dois os procedimentos a adoptar pelo terceiro indivíduo que foi condenado em pena de prisão, designadamente “levantar o papel lá na escola, eles tem que fazer uma inscrição, embora ponham lá a data que a gente quer, um atestado médico, sem isso não se pode inscrever”. Por outro lado, os mesmos arguidos combinam o preço a pagar por esse terceiro indivíduo (T diz: “mas você ainda não lhe deu com o guito”; J responde “não eu dou-lhe com o guito às nove da manhã”; responde o T “veja lá se quiser prepare e dou-lhe eu, assim dou-lhe com a marreta quando aí chegar”). Logo de seguida, falando ambos sobre aquilo que iria ser pago à A, apesar de ter combinado com a mesma a entrega de € 50,00, acaba por comunicar ao J que “é pá eu tava a pensar, é pá pronto dar uma prenda à miúda, compro-lhe no caminho uma merda qualquer, a miúda liga mais a isso do que eu tar a dar dinheiro, é pá é que eu posso comprar para ela uma coisa aí de cinco ou seis ou sete ou dez contos mais nada né”, acabando por comunicar que J que “e o resto é para a gente olha o caralho, e nesse caso vou-lhe dizer logo setecentos e cinquenta euros”, ao que o J diz “a não você vai-lhe dar mais, você vai-lhe dar com mil e depois, depois quando isto vier tudo despachadinho e arranjadinho tem que arranjar mais quinhentos”. Acabam por acordar os dois o preço de € 1500,00. - 2329, de 20.2.06, pelas 14.35H, entre os arguidos A e E: T combina com a E um telefonema fictício a efectuar pela mesma, como se estivessem a ligar do Tribunal de Montemor; - 2331, de 20.2.06, pelas 14.57 H, entre arguidos A e E: ligação da E fazendo de conta que estava a ligar do Tribunal de Montemor e dando a entender que estava tudo preparado para as 16.00 horas da tarde. - 1111, de 29.3.06, pelas 11.53 H, entre os arguidos A e CB: C (pessoa que tinha sido condenada em pena de prisão efectiva por condução sem carta) queixa-se ao T que recebeu a carta e que foi tudo indeferido, referindo-lhe que “já tô é fodido”; - 1148, de 30.3.06, pelas 10.58 H, entre os arguidos AM e C: este queixa-se outra vez ao AM, dizendo-lhe “o meu amigo é que se devia preocupar mais não era eu paguei-lhe foi a si não acha, mas pronto não sei como é que você quer resolver isso, resolver é que eu devo tar fodido né, fodido já eu tô né, mas pronto”, referindo-lhe ainda “foi recusado pronto, tá a perceber”, ao que o A diz “pá mas essa merda teve quase teve aquase”, ao que o CB retorquiu “mas faltou o quase né, faltou o quase, pois teve mas não passou, grande fodão”.
Concretizando e explicando o raciocínio lógico: O arguido AM relativamente às escutas, quanto à 2081 admitiu que falava com o arguido J e que nas escutas 2127 e 2264 estava a falar com a sua filha. Negou que na escuta n.º 2148 estivesse a falar com a filha (A). O arguido J relatou que o T lhe comunicou que foi a sua filha, a arguida A, a elaborar o requerimento de fls. 2794 a 2796, designadamente o requerimento que posteriormente foi assinado pelo B. Quanto ao “iter processual” relacionado: - certidão do processo sumário n.º 8/05.0GTPTG do Tribunal Judicial de Estremoz – fls. 2707 a 2760 e 2764 a 2850 (pela sentença proferida a 25.1.05 o arguido CB foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano de prisão; houve recurso do arguido para o Tribunal da Relação de Évora, o qual subiu a 14.3.05; pela decisão de 31.1.06, o Tribunal da R.E. rejeitou o recurso e confirmou a sentença da 1ª instância; - após o processo ter baixado à 1ª instância o arguido CB, em 20.2.06, apresentou requerimento – requerimento que foi elaborado pela arguida A (v. requerimento fls. 2794 a 2798) - em que pede a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando, para tanto, que se encontra inscrito numa escola de condução; para prova desta frequência, junta aos autos uma declaração da Escola de Condução …, alegadamente emitida em 19.12.05 e subscrita pelo arguido L (v. original a fls. 2849); De referir, agora, as escutas telefónicas: - 2127, de 17.2.06, pelas 8.40 H, entre os arguidos AM e sua filha, a arguida A: o arguido AM comunica à A que tem um serviço para ela do Tribunal da Relação de Évora de uma pessoa que foi condenada pela relação em “um ano de cana”, pedindo-lhe para estudar o assunto, ao que a A dá a sua concordância. Até aqui tudo certo, está-se numa relação pai/filha, esta, Advogada, em que o pai lhe pede para estudar um assunto jurídico. - 2148, de 17.2.06, pelas 11.56 H, entre os arguidos AM, A e o J: T comunica ao J que “isto tem que andar mais depressa que o vento, porque isto é o ultimo dia é segunda feira para a tanga que se está aqui a montar, que na segunda feira você ou eu temos que tar no Tribunal a entregar o que se vai fazer e o homem tem que ir imediatamente ai à zona dele, a uma escola de condução, para lhe passarem um papel em como ele já lá está inscrito para tirar a carta”. A arguida, que estava a ouvir esta conversação, porque se encontrava ao lado do seu pai, ouviu o seu pai a dizer “para a tanga que se está aqui a montar”. “Tanga”, nestas circunstâncias, não pode deixar de significar um esquema, algo que não é normal… Aliás, a arguida ouve mesmo o arguido T, seu pai, a referir “o homem tem que ir imediatamente aí à zona dele, a uma escola de condução, para lhe passarem um papel em como ele já lá está inscrito para tirar a carta. Ou seja, em data anterior à data da conversação (17.2.06) não estava inscrito o que a arguida A, porque estava a ouvir a conversa, não podia deixar de saber. Aliás, na sequência, em “off” o arguido T pergunta à sua filha que se encontra a seu lado que datas devem ser postas, ao que ela responde “princípio de Janeiro”, o T diz-lhe “tipo Dezembro do ano passado”, ao que a A responde “muito não, põe em Janeiro, põe em Janeiro”. Tal significa que apesar de a arguida saber que ele em Janeiro não estava inscrito em qualquer escola de condução, dá orientações ao seu pai para este transmitir ao J que a declaração a ser emitida pela escola de condução a ser entregue no tribunal deveria conter a data de Janeiro, i.e., não podia ter consciência que as orientações que dava era para a emissão de um documento cujo conteúdo não correspondia à verdade. Logo de seguida, após esta conversação “off” com a sua filha, o T dá então instruções ao J relativamente à forma como deve actuar o indivíduo que foi condenado, designadamente: “o homem vai aí a uma escola e inscreve-se aí numa escola e ver se lhe fazem o favor de meterem uma data qualquer do mês de Janeiro” (a confirmação de que acata as orientações da sua filha Ana Sofia no que concerne à data que deve constar da declaração falsa), ao que responde o Júlio “e que já estava inscrito nessa altura”, o que é confirmado pelo arguido T, dizendo ainda ao Júlio que “ele que traga esse papelinho, porque o resto vai tudo feito daqui, depois eu tenho que ir aí consigo na segunda feira que o homem depois tem que assinar”. Na sequência, também em “off”, o arguido dirige-se à sua filha A, dizendo-lhe “a procuração né, am ou atão faz ele o requerimento”, ao que esta informa o arguido T que “não faço eu em nome dele e ele assina” (a própria arguida assume que faria o requerimento, cabendo ao arguido CB simplesmente assiná-lo). Daqui resulta, inequivocamente: Que a arguida conhecia o projecto delineado pelo seu pai que passava por um esquema de entrega, em Tribunal, de uma declaração falsa, em ordem a tentar evitar a pena de prisão efectiva em que havia sido condenado o arguido CB. Note-se que a mesma é Advogada, dá orientações ao seu pai, elabora o requerimento, tinha conhecimento da declaração falsa obtida, dá mesmo orientações relativamente à data que deve ser colocada. Ninguém trata de um esquema desta natureza de uma forma filantrópica. Portanto, para um esquema ilícito, há sempre contrapartidas. Por isso, face às regras da experiência comum, da lógica e das máximas da vida a arguida A não podia, igualmente, deixar de saber que o seu pai com este esquema pretendia obter algum tipo de benefício a que, no fundo, não tinha direito. Benefício económico, ainda que residual e sob a veste dos “honorários” seria extensível à própria A. Vejamos esta escuta: - 2264, de 19.2.06, pelas 9.58 H, entre os arguidos AM e sua filha A: a A dá indicações ao seu pai dos procedimentos a adoptar para a entrega da documentação em Tribunal e em que parte o terceiro indivíduo deve assinar o documento/requerimento, o número de fotocópias necessárias (duplicados), combinando ainda com o seu pai o preço que vai levar por este serviço, acordando no montante de € 50,00. A A, como vimos, conhecia o esquema ilícito que se estava a montar, inclusive, deu orientações mesmo ao seu pai relativamente à forma de actuação para que fosse alcançado tal desiderato. Não obstante ter conhecimento deste esquema ilícito que culminaria com a entrega, em Tribunal, de uma declaração falsa emitida pela Escola de Condução – ou seja, um esquema no qual, como Advogada, não devia participar – disponibilizou-se, mesmo assim, a receber uma quantia residual do seu pai, quantia a que, no fundo, não tinha direito e, não obstante, se disponibilizou a aceitar e, porque assim, a querer, também, um benefício em dinheiro a que sabia, igualmente, não ter direito. Do trecho do acórdão recorrido acabado de transcrever torna-se patente que as conversas telefónicas interceptadas e gravadas nos autos, mais precisamente as sessões nºs 2127, 2148 e 2264 do alvo 29062, desempenharam um papel determinante na formação da convicção do Tribunal «a quo» quanto aos factos integradores da comparticipação da arguida A no crime de falsificação de documento por cuja prática foi condenada. Conforme pode verificar-se, as referidas conversas telefónicas são o único elemento que permite ligar especificamente a arguida ora recorrente à factualidade probanda, para além de uma referência indirecta que lhe é feita nas declarações do co-arguido J. É evidente que, uma vez vedada, pelas razões que se deixaram expressas supra, a possibilidade de valorar as conversas telefónicas em causa para prova dos factos constitutivos da responsabilidade criminal da arguida, todo raciocínio lógico em que se baseou o juízo probatório afirmativo, que recaiu sobre essa factualidade, fica irremediavelmente posto em cheque. Resta assim como único elemento de prova a associar a arguida A aos factos em que baseou a condenação por ela sofrida, o «depoimento indirecto» do arguido J, que, nas declarações que prestou, afirmou que o arguido AM lhe comunicou que fora a filha dele, a arguida A, quem elaborou o requerimento de fls. 2794 a 2796, que posteriormente foi assinado por B, Acerca dos limites do valor probatório do depoimento indirecto o nº 1 do art. 129º do CPP estatui: Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. A disposição legal agora transcrita reporta-se expressamente à produção de prova testemunhal «strictu sensu», mas admitimos sem dificuldade que o seu conteúdo normativo, quanto mais não seja por maioria de razão, seja considerado extensivo a outros meios de prova pessoal, designadamente, as declarações de arguidos, assistentes e partes civis. A lei processual penal não proíbe que o Tribunal, no processo de formação da sua livre convicção se sirva de um depoimento indirecto como elemento coadjuvante, conforme sucedeu em relação às declarações do arguido J, na passagem a que fizemos alusão, no acórdão agora sob recurso. O que o nº 1 do art. 129º do CPP não permite é que o Tribunal dê como provado o facto reportado pela testemunha, ou pelo declarante, a partir daquilo que lhe foi dito por outrem, com fundamento exclusivo nesse depoimento ou declaração, fora do caso excepcional previsto na parte final desse dispositivo legal, consagrando uma limitação expressa, ainda que não absoluta, ao princípio da livre apreciação da prova, a que se refere o art. 127º do CPP. Nesta ordem de ideias, as declarações prestadas pelo arguido J, desacompanhadas de outro elemento probatório não são idóneas a fundamentar um juízo probatório afirmativo sobre o facto que o declarante disse ter-lhe sido transmitido pelo arguido AM. Mesmo que não estivessem sujeitas à limitações inerentes ao depoimento indirecto, as declarações em referência, pelo seu conteúdo, apenas poderiam servir para prova do simples facto de a arguida recorrente ter elaborado o requerimento que veio a ser assinado por CB e não da intervenção dela no processo de obtenção da declaração emitida pela escola de condução, que viria a «instruir» tal petitório, sendo certo que é nessa intervenção, e não na elaboração do requerimento em si mesmo, que se concretizou a comparticipação da arguida no crime de falsificação de documento. Pode colocar-se a questão de saber se se justifica uma nova descida dos autos à primeira instância com vista a tomar novas declarações a arguido AM, em termos de confirmar ou infirmar o facto que o arguido J disse ter-lhe sido comunicado por ele. Tal diligência afigura-se-nos desprovida de sentido útil, a dois títulos. Por um lado, atento o laço familiar que une o arguido AM à arguida A não é razoável esperar que o primeiro preste declarações no sentido de fazer prova de factos desfavoráveis à sua filha, para mais quando o estatuto processual de que está investido lhe permite faltar à verdade sem ser por isso responsabilizado ou remeter-se, pura e simplesmente, ao silêncio. Por outro, lado, como se verificou, a eventual confirmação pelo arguido AM do que foi afirmado elo arguido J não seria de molde, ainda assim, a comprovar os factos essenciais integradores da comparticipação da arguida A no crime por que foi condenada. Cumpre, portanto, conhecer da impugnação da matéria de facto, com desconsideração dos elementos obtidos por meio de escuta telefónica e sem realizar outras diligências de produção de prova. Assim sendo, determina-se a alteração da matéria de facto assente, nos termos seguintes: - Os pontos 108, 109, 128 e 130 da factualidade provada passarão a integrar a matéria de facto não provada; - Alteração da redacção do ponto 129 da matéria provada, em termos de dela excluir a referência à arguida A; - Aditamento à matéria de facto não provada de mais um ponto, com a seguinte redacção: «A arguida A pretendeu obter benefícios pecuniários». A arguida recorrente foi condenada em primeira instância pela prática, como cúmplice de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 als. a) e b) do CP. O nº 1 do art. 256º do CP, na redacção anterior à Lei nº 59/07 de 4/9, em vigor à data dos factos incriminados (Fevereiro de 2006) tipificava assim o crime de falsificação de documento, nas suas diferentes modalidades de acção: Quem, com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Os pressupostos da figura da cumplicidade são definidos pelo nº 1 do art. 26º do CP, como segue: É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso. O acórdão recorrido considerou preenchida a comparticipação da arguida A no crime por que foi condenada pela conduta objectiva descrita nos pontos 108 e 109 da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal «a quo», mais a respectiva componente subjectiva referenciada nos pontos 118 a 120 dessa enumeração factual. Uma vez relegada tal factualidade para matéria não provada, necessário será concluir que os factos apurados não se mostram caracterizados em termos de integrar o cometimento de ilícito criminal pela arguida recorrente. Consequentemente, impõe concluir pela sua absolvição.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar conceder provimento ao recurso interposto pela arguida A e revogar a decisão recorrida nos termos seguintes: a) Determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada, conforme preconizado a fls. 52 do presente acórdão; b) Em consequência dessa alteração, absolver a recorrente do crime falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº1 als. a) e b) do CP, por que foi condenada em primeira instância. Sem custas. Notifique. Évora, 27 de Setembro de 2011 (Sérgio Bruno Povoas Corvacho - João Manuel Monteiro Amaro) |