Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
321/08.4TASLV.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – A suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto uma pena de substituição.
II – Enquanto pena autónoma, de substituição, e tendo em conta que a arguida foi condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, a uma instituição de solidariedade social a quantia de € 5.000,00, está sujeita ao prazo de prescrição de 4 anos prevista no artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do CP.
III – Prazo que se iniciou a 14.06.2012 – data do trânsito em julgado da sentença condenatória, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 122.º -, para se suspender na mesma data, nos termos do art.º 125.º, n.º 1, al.ª a), do Cód. Pen., a prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que por força da lei, a execução não puder ter lugar.
IV – Por isso, entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão ali concedida, em 07-07-2017, por incumprimento pela requerente da condição imposta, se não possa iniciar o prazo de prescrição, mantendo-se o mesmo suspenso; voltando a correr a partir da data em que terminou o prazo da suspensão.
V – O despacho que revogue a suspensão da execução da pena tem de ser precedido da audição presencial do arguido.
VI – As causas de revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.
VII – Não obstante terem decorrido vários anos desde que ocorreu a condenação da arguida nos autos, e ela não tenha pago o que quer que seja da quantia monetária em que foi condenada, não deve haver lugar à revogação da suspensão da pena de prisão por se constatar ter a arguida sido condenada no âmbito de vários processos-crime, tendo-lhe aí sido imposto o pagamento de várias quantias monetárias condicionadoras da suspensão da execução das respectivas penas de prisão, sendo que, embora sem a regularidade exigida, vem pagando algumas dessas quantias.
VIII – Em tal situação, deve, tendo em conta o disposto no art.º 55.º, al.ª d), do Cód. Pen., ser prorrogado o prazo de suspensão da pena, mantendo o dever decretado.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 321/08.4TASLV.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos Autos de Processo Comum Colectivo, com o n.º 321/08.4TASLV, a correrem termos pela Comarca de Faro - Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, foi, por despacho judicial datado de 7 de Julho de 2017, revogada a suspensão da execução da pena de prisão – pena única de dois anos – imposta à arguida/condenada BB, de acordo com o disposto no art.º 56.º, n.º 1, al.ª a), do Cód. Pen.

Inconformada com o assim decidido traz a arguida BB o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões (sic):
Da prescrição da pena no processo 321/0S.4TASLV:
1) Que aquando da prolação do despacho recorrido, a revogar a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, a pena já se encontrava prescrita,
2)Transitou em julgado em 14.06.2012 e o despacho foi proferido em 07.07.2017,
3) De acordo com o disposto no art. 50º, n.º 5, do Código Penal, a execução da pena suspensa e o respetivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, em 14-06-2012.
7) Nessa data já tinha decorrido o prazo de prescrição (mais de quatro anos) da pena de substituição, contado desde o trânsito em julgado da sentença condenatória (14-06¬2012), art. 122.º, n.º 2, do Código Penal,
8) Inexistem causas que interrompam estabelecidas nos subsequentes Art.ºs 125.º e 126.º, do mesmo Código, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
9) Pelo que em nosso entender, deve ficar prejudicado o conhecimento das restantes questões.
10) Pelo que se requer seja declarada a prescrição dos presentes autos, não podendo eventual decisão condenatória proferida no processo cuja conclusão se aguardava nos termos do art 57º, n.º 2, do CP produzir qualquer efeito relativamente a ela. Vidé Ac. Relação de Évora de 26-10-10, no âmbito dos autos 912/07.1
Assim não se entendendo, caso assim não se considere, e á cautela, não prescindindo...
11) O despacho recorrido - que revogou a pena de substituição e determinou o cumprimento da pena de prisão - foi proferido sem precedência da audição pessoal, de arguido, tendo sido por isso preterido o princípio do contraditório, é ilegal, uma vez que foi violado o disposto nos artigos 32.º da CRP, 61.º do C.P., 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º 2 do C.P.P.
12) Cumpre assegurar à pena a consideração que merece, no processo (prático) de decisão do caso. Assim, decorre literalmente dos arts 498.º, n.º 3 e 495.º, n.ºs 2 do Código de Processo Penal que o juiz não deve mexer na pena proferida em sentença sem antes para tanto ouvir presencialmente o arguido.
13) A arguida não foi pessoalmente ouvida quanto á decisão de revogação da pena de substituição por pena de prisão, o que gera violação gera nulidade, de conhecimento oficioso nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP.
14) Uma vez que está em causa um ato que o afeta num dos direitos fundamentais ¬direito à liberdade - Uma prisão efetiva ia afetar a sua reintegração na sociedade,
15) Assim e sendo certo que não existirá decisão judicial suscetível de a afetar mais gravemente do que aquela de que se recorre, que a priva da sua liberdade (constitui esta decisão recorrida e censurável, nulidade insanável cominada na alínea c) do art. 119.º do CPP).
16) Com a prisão efetiva a arguida irá perder o seu contacto com família, amigos e com o seu trabalho e salve-se melhor opinião a arguida nada fez de gravoso para merecer tamanha pena maior - nomeadamente, pena de prisão,
17) Ao longo de mais de 3 (três) anos o processo arrastou-se no tribunal ad quo, ignorando todos os pedidos da arguida que se subsumem - alteração da medida de substituição, nomeadamente, a substituição do trabalho a favor da comunidade, requerido,
18) Em 30.05.2013, a Arguida e aqui recorrente, juntou inúmeros documentos e protestou juntar outros naquele requerimento de fls. 943 e ss, -Documentos esses que como refere na decisão recorrido, que a A não juntou e que constam para visualização do tribunal ad quo, na plataforma CITIUS os seguintes documentos, juntos no ano de 2013, muito antes da prolação da decisão recorrida: Declaração de IRS; Saldos bancários de contas conjuntas; Descrição e inscrição do registo predial da residência; Registos de duas viaturas e respetivas dividas sobre os mesmos; Empréstimos bancários da sofinloc e Santander e cetelem; Declaração da CAPSA; Despesas escolares e de saúde da A. e do agregado familiar; etc.
19) Ouvida em 14.7.2014, (fls. 943), veio a arguida, a (fls. 943), a A. respondeu que ainda não procedeu ao pagamento da quantia que lhe cobram atenta às condições financeiras de que goza e diretamente relacionadas á realidade económica financeira do país; que ainda não procedeu ao pagamento despesas que se lhe deparam e das faltas de pagamento das obrigações por parte dos clientes advindos da carteira de clientes da advocacia e que sofria de insuficiência económica.
20) Impugnou ainda, por escrito a alegada conta bancária bem como os extratos respetivos juntos pelo M.P, confrontada durante a audição pessoal de arguido, dizendo para tanto que tal conta é conjunta com o esposo e procedeu à impugnação direta na audiência desse mesmo despacho, que foi ignorada pelo tribunal, mas que insistiu e não coibiu na decisão recorrida, dizer que a A tinha provisão na conta- enfim... que dizer!'!
21) O tribunal não atendeu, quer à audiência prévia de arguido - ao contraditório e ao investigatório - facto é que a arguida requereu, indicou e juntou provou e requereu que o tribunal oficiasse os tribunais de comarca de Faro e Portimão, para aí averiguar os processos de que fala a decisão recorrida e bem assim, se as obrigações neles impostas estavam cumpridas.
22) Em 15.06.2015, a fls. 1155 e ss, vem alegar o pagamento da quantia em causa e que ficou subordinada a suspensão da execução da pena não se encontra pago, atentas as condições financeiras de que goza e diretamente associadas a realidade económica financeira do país;
23) Ouvida a fls. 1058, veio a A a alegar que não procedeu ao pagamento do montante a que se encontrava condicionada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada em virtude de ter que suportar outros encargos conexos com a sua vida familiar e também profissional e sofrer de insuficiência económica,
24) Em 23.02.2016, respondeu a (fls. 1172), que o pagamento da quantia em causa e que ficou subordinada a suspensão da execução da pena não se encontra pago, atentas as condições financeiras de que goza e diretamente associadas a realidade económica financeira do país e ainda por sofrer de insuficiência económica e mais uma vez requereu o trabalho a favor da comunidade e relatório social;
25) A (fls, 1958 e ss), veio a arguida declarar, que não procedeu ao pagamento do montante a que se encontrava condicionada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada em virtude de ter que suportar outros encargos conexos com a sua vida familiar e também profissional; que o agregado familiar da Arguida durante o ano 2014 tece como rendimentos a quantia de 11.980,12 e que é composto por um agregado de 4 pessoas, incluindo a arguida.
26) Neste momento e com o agravamento da situação financeira a normal subsistência da Arguida e seu agregado (alterações essenciais na vida da arguida) impunha-se a substituição da pena, por trabalho a favor da comunidade com relatório social completo, uma vez que a sua subsistência só se mantem com ajudas prestadas pela mãe da Arguida e sogro da mesma, circunstância superveniente que alterou a situação da A, por sofrer também de insuficiência económica.
27) Aqui quando ouvida, verificaram-se que foram alteradas as circunstâncias pessoais (familiares) e económicas da arguida, o relatório requerido, era imprescindível, necessário útil e essencial á determinação da medida da sanção, é de uma consequência superveniente.
28) Requereu em alternativa a imposição de novos deveres ou regras de conduta como condição de suspensão., ou seja, requereu ainda a prorrogação de prazo para cumprir a obrigação.
29) A Arguida tem vindo a assegurar a sua subsistência com o recurso a apoio de familiares e com muito esforço cumpre as duas obrigações imposta judicialmente.
30) No âmbito do processo …/07TAPTM; …/08.7TAFAR, foi a A condenada na condição de pagamento de cumprimento de obrigações patrimoniais respetivamente, 3.800,00; e 5,000,00,
31) Quanto aos autos …/07.0TAPTM a Arguida recebeu despacho que a pena já havia prescrito em 10.05.2017, doc. 6.
32) Nos autos de processo n" …/08.9TAABF, e o processo n° …/11.2TAABF a A também já cumpriu com as obrigações neles impostas antes da decisão recorrida.
33) A mudança de comportamento da A. comunicada ao Tribunal de que se agravou a situação financeira da arguida, era motivo para lhe ser ordenado relatório social ao abrigo do art. 370°, do C.P.P- tal facto, é consequência superveniente.
34) A mudança de comportamento da A, comunicada ao Tribunal de que está tem vontade e tem disponibilidade para submeter-se a trabalho a favor da comunidade, não pode deixar de configurar uma verdadeira vontade de cumprir um plano é uma consequência superveniente.
35) Aqui quando ouvida, verificaram-se que foram alteradas as circunstâncias pessoais (familiares) e económicas da arguida, o relatório requerido, era imprescindível, necessário útil e essencial á determinação da medida da sanção, é de uma consequência superveniente.
36) Actualmente a A. já cumpriu na íntegra, com grande esforço, todas as obrigações nos processos indicados na decisão recorrida, preparando-se assim para proceder ao pagamento nos autos em apreço,
37) Com efeito, estamos face o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois que a facticidade assente não ancora de forma bastante a medida da penas aplicada á recorrente.
38) Pois só perante um relatório social e a impossibilidade de audição presencial do arguido poderia ter avançado para a decisão sobre a revogação da quer da pena aplicada em sentença quer da requerida prestação de trabalho a favor da comunidade e relatório social, sem prévia audição da defesa, pessoal no processo, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 20/11.0PASJM-A. PI, Relator: Neto de Moura, de: 30-04¬2014.) "A audição deve ser pessoal e presencial".
39) Esta audição é, hoje, necessariamente presencial, uma vez que o condenado tem de ser ouvido na presença do técnico, outra interpretação não sendo possível desde 2007, data em que foi aditado à versão anterior (pela Lei n" 48/2007 de 29/08) o segmento "na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão".
40) O tribunal limitou-se a repetir sempre a mesma diligência, (ouvir a arguida por escrito) não avançando para outras diligências que no caso se perspetivavam pelo arguido; designando data para audição presencial do arguido, procurando notificá-lo dessa data e ao defensor; fazendo uso dos meios previstos no art. 116.º, n.º 2, se verificada a previsão deste preceito; ordenar a presença de um técnico serviços reinserção para a realização de relatório social e prevenir pelo trabalho a favor da comunidade.
41) A única averiguação que o tribunal ad quo fez, foi apenas e tão só pedir informação junto do antigo Tribunal de Albufeira, acerca do cúmulo jurídico no âmbito do processo …/11.5 TBABF, facto que foi informada que a sua não realização não se deve a nenhum facto imputável a arguida - foi esta informação que o tribunal ad quo diligenciou no âmbito dos autos de que se recorre. E o tribunal ad quo, nada mais fez.
42) Na determinação da pena - assim, TRP 18/11/2009 (Olga Maurício) sic "Ocorre omissão de diligência essencial a configurar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não cuidou de providenciar para obter os elementos relativos à situação pessoal e económica do arguido"; TRP 02/1212010 (Carmo Dias) "Do vício enferma a sentença que condenou o arguido numa pena (no caso, pena de prisão) sem que o tribunal tivesse investigado factos susceptíveis de revelarem, v.g., a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e situação económica e profissional, o seu posicionamento em relação ao crime cometido ou o seu comportamento posterior"; TRE 01-07-2010 (António Latas) "Não tendo o tribunal diligenciado pelo apuramento de factos relativos à personalidade, condições pessoais e económicas do arguido, ocorre insuficiência de factos para uma cabal e fundamentada decisão sobre a escolha e determinação da pena, que impõe o reenvio parcial para novo julgamento" (bold e itálico nosso).
43) Ao encerrar a audição de arguido, sem curar de se dotar de tais elementos ou aguardar que o tribunal da secção criminal de Albufeira lhe enviasse a documentação, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art. 120º, nº2, aI. d), do Código de Processo Penal;
44) Ao proferir decisão a revogar a pena suspensa na sua execução, com omissão de factos relevantes, essenciais, necessários e úteis para a aplicação, lavrou despacho ferido do vício de insuficiência da matéria de facto provada do art.º 410º, nº2, aI. a), do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no art.º 426º, n.º 1, do Código de Processo Penal e violou o principio de audiência de arguido.
45) Verifica-se, existir insuficiência da matéria de facto para decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão com fundamento no incumprimento grosseiro do pagamento de € 5.000 a que a arguida estava obrigada.
46) Assim, no caso em apreço, e uma vez que o tribunal ad quo furtou-se na exigência obrigatória da audição da arguida, quanto á aplicação de pena de prisão, integrará tal decisão recorrida, a nulidade do art.º 119.º, aI.ª c), por estarmos perante a preterição das diligências imprescindíveis a garantir a presença da arguida na audição a que se refere o art.º 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - que implica a presença do Ministério Público, do arguido, do defensor e do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
47) No entender do tribunal ad quo, está em causa violação grosseira culposa, e/ou repetida das regras de conduta impostas ao arguido no acórdão condenatório e foi com base na atuação grosseira da condenada, os termos do art. 59.º, n.º 2, do C. Penal - o tribunal ad quo, revogou a pena de substituição e ordenou automaticamente o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença.
48) O tribunal ad quo, não averiguou se a A incumpriu, se a A. teve culpa nesse incumprimento e, em caso afirmativo, saber se a A. violou os deveres ou regras de conduta impostos, de forma "grosseira ou repetida".
49) A arguida com a sua atuação que não lhe é particularmente censurável, esta não violou de forma "grosseira ou repetida", pagou os restantes processos e requereu o relatório social para aferir as suas condições económicas, e ainda mostrou-se disponível para o trabalho a favor da comunidade no processo de que aqui se discute.
50) A revogação da suspensão da execução da pena deve ser declarado nulo, uma vez que não se encontra verificada a culpa grosseira da arguida, no incumprimento da condição, e muito menos o tribunal ad quo justificou na decisão recorrida essa "culpa grosseira", o que configura a violação do disposto no art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal.
51) Haverá que esclarecer, por outro lado, de que forma o condenado fez face às suas despesas pessoais com os tão exíguos rendimentos que declarou e quais os rendimentos do seu agregado familiar, pois só o apuramento desses factos poderá levar a concluir, com segurança, se o incumprimento da obrigação em causa é, ou não, culposo, haverá que apurar o motivo por que tal não sucedeu. Esse motivo poderá ser, ou não, compatível com uma atuação culposa.
52) Nestas circunstâncias e por não ter averiguado ou se socorrido de elementos que conduzissem á revogação da pena de substituição, a decisão de revogação enferma do vício a que se refere a al. a) do n.º 2 do art. 410° do CPP;
53) O critério geral de substituição da pena é o de que o tribunal deve preferir à pena de prisão uma pena de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, portanto, desde que a pena de substituição dê adequada e suficiente realização às finalidades de prevenção, geral e especial (cfr. art. 40°, n° 1 do C. Penal).
54) Diga-se ainda, que se mostrava legalmente possível proceder em último caso, á necessária prorrogação do prazo de suspensão, a abrigo do disposto no artigo 55.º, al.ª d) do Código Processo Penal, por forma a alterar a condição imposta conforme pretendido pela Arguida, de prorrogação para poder cumprir a obrigação imposta.
55) O mesmo se diga quanto á requerida realização de relatório social, atento que não foi apreciada a situação da arguida desde a fixação da condição da suspensão da execução da pena de prisão por acórdão transitado em julgado.
56) Nos termos do referido artigo 56.º, importava não proceder à revogação da suspensão da pena a violação culposa, grosseira ou reiterada do regime de prova, sem socorrer-se dos outros elementos do art.º 55.º, do C.P.
57) E não justificando o tribunal ad quo de todo, o quadro traçado e o ponderar de maior necessidade daquela revogação, e mantendo as exigências de prevenção geral em alta, não ponderou todos os parâmetros no despacho ora posto em crise, considera-se existir vício da insuficiência da factualidade provada para a decisão proferida pelo despacho recorrido (artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal).
58) Tal decisão recorrida equivale ainda a prisão por dívidas, e como se sabe, tal decisão é ILEGAL e INSCONSTITUCIONAL, sendo certo que no sistema jurídico deixou de existir a prisão por dívidas, uma vez que aqui não entronca num fundamento penal inerente ao mal do crime, cuja reparação se pretende.
59) Afigura-se, assim, que nesta medida assiste razão a arguida ao invocar a violação quer do artigo 495.º, n.º 2, ex vi artigo 498.º, n.º 3, do CPP, quer da norma constitucional do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, verificando-se, consequentemente, a nulidade, prevista na alínea c) do artigo 119.º do CPP e art.º 55.º, alínea d), do C.P.
60) A A. não vem demonstrando desprezo pelas condenações que vem sofrendo.
61) Antes vem demonstrando vontade e disponibilidade para cumprir as obrigações Processo …/08.7TAFAR) foi prorrogado o prazo em duas prestações: 2.500,00 + 2.500,00= 5,000.00 Euros, a arguida já procedeu ao pagamento na totalidade; no processo …/08.9TAABF), a A, pagou 80 euros multa em 10 prestações" a A, pagou 80 euros multa em 10 prestações; no proc. …/11.2TAABF), já cumpriu a obrigação imposta; que no processo …/09.8TASLV, já pagou na íntegra a condição imposta, pelo que a pena foi declarada extinta; que no processo n.º …/07.0TAPTM, foi declarada extinta a pena aplicada à arguida.
62) O recorrente nunca recusou à prestação de trabalho comunitário, antes pelo contrário a recorrente manifestou o propósito de efetuar em qualquer instituição ou entidade a indicar pelo D.G.R.S., a prestação de trabalho comunitário.
64) O tribunal ad quo ao optar por pena mais gravosa, e ao determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de forma automática, fora dos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, violou para além dos preceitos já assinalados nestas conclusões, este preceito, pelo que não se deve determinar o respetivo cumprimento da pena única de 2 anos de prisão.
65) Podemos, assim, dizer que se verifica uma insuficiência da factualidade provada para a decisão proferida pelo douto despacho recorrido (artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal).
66) Não ponderando, na sua significação concreta, as questões de facto e de direito alegadas pelo arguido, o despacho recorrido omitiu por completo o dever de fundamentação legal e factual cfr. "a falta de fundamentação de despachos tem como efeito a irregularidade se a lei não a cominar de forma diferente" (cfr., V.g., Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal-Notas e Comentários, 2.ª ed., Coimbra, 2011, pág. 277 e jurisprudência ali mencionada).
68) Por isso, sucede que a decisão que decretou a revogação, peca por falta de fundamentação, o que constitui nulidade, cominando assim de forma diferente (artigos 379.º n.º 1, alínea a) e 194.º, n.º 5),
69) O que constitui nulidade, cominando assim de forma diferente (artigos 379.º, n.º 1, alínea a) e 194.º, n.º 5),
70) Ora, não se antolha como poderá ser tido em conta, como pode um comportamento sobre a insuficiência económica da arguida ser revelador de um claro desaproveitamento de uma oportunidade concedida.
71) Pois por ter sofrido de insuficiência económica, nessa condição, não entendemos como pode levar, a arguida a ter um comportamento descuidado ou sequer leviano.
72) Salvo melhor opinião, entende o aqui recorrente que os diminutos rendimentos declarados, mais não são do que desculpantes da sua conduta e não agravantes, no incumprimento da pena que lhe foi aplicada e que levou à suspensão da mesma.
73) Tudo ponderado, verifica-se que, inexistiram quaisquer incumprimentos em que a arguida incorreu ou tenha incorrido, subsistem ainda fundadas expectativas da sua ressocialização em liberdade, não se tendo frustrado, por ora, o vaticínio em que se fundou a adoção da medida decretada nestes autos, por acreditarmos que a ameaça da pena de prisão basta. Deve o recurso aqui proceder também.
74) Porém, tendo a arguida alegado factos novos uma vez que se alteraram as circunstancias, (ajuda do sogro e mãe da arguida) que, segundo ele, implicam a reapreciação da situação processual em que se encontra, o despacho só estaria fundamentado se tomar posição específica sobre as razões invocadas.
75) Qualquer homem médio sabe que o simples incumprimento objetivo da obrigação em causa não pode conduzir à automática revogação da suspensão da pena de prisão em apreço. Tal seria contrário ao princípio da culpa e poderia até refletir alguma forma de prisão por dívidas.
76) Só o apuramento desses factos poderá levar a concluir, com segurança, se o incumprimento da obrigação em causa é, ou não, culposo.
77) A conduta da arguida não revela manifestamente um elevado e especial grau de culpa no não cumprimento da condição da suspensão da pena, que, no entender do Recorrente, não foi tomado em consideração pelo Tribunal a quo.
78) Os factos apurados e constantes da decisão aqui posta em crise, são vagos e insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - e no caso concreto na revogação da suspensão na sua execução ¬ circunstância, esta, relevante que leva à insuficiência da matéria de facto.
79) Conduta esta que também não pode deixar de ser valorada. Daí que se nos afigure fundamento de censura constante a decisão recorrida,
80) Sem qualquer informação elaborada pelos Serviços de Reintegração Social e sem qualquer relatório social, não pode o tribunal ad quo decidir, ou mesmo revogar a pena, sem se fazer reunir dos elementos de prova necessários e essenciais, designadamente relatório social.
81) Quando a suspensão da execução da pena não foi acompanhada de mais regime de prova e este dependia do cumprimento do plano, para cuja elaboração era indispensável que o tribunal ad quo a ordenasse, o que no caso em apreço não fez.
83) Ao revogar a pena de substituição da prisão na sua execução á Arguida, e agir desta forma, o tribunal ad quo, violou ainda os Artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º 2, e art 56.º, do C. P, na redação em vigor na data da decisão condenatória.
84) Foram efetivamente violadas as disposições conjugadas dos artigos 32.º da CRP, 61.º do C.P., 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º 2, ambos do C.P.P. pelo que a revogação da pena de substituição tem de ser precedida da audição presencial do condenado.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se assim, a admissão do presente, cfr. ordenado por V.Exas, mantendo-se interesse na prossecução do recurso apresentado e na integralidade do seu teor.
a) Seja declarada a prescrição dos presentes autos, não podendo eventual decisão condenatória proferida no processo cuja conclusão se aguardava nos termos do art 57.º, n.º 2, do C.P produzir qualquer efeito relativamente a ela. Vidé Ac. Relação de Évora de 26-10-10, no âmbito dos autos 912/07.1
Assim não se entendendo, e á cautela
b) Que o despacho ora recorrido, seja substituído por outro, que determine a violação, do princípio de audiência de arguido e princípio do contraditório. E se determine e nulidade insanável da decisão nos termos da lei
c) Seja ordenado a realização de relatório social á arguida e se oficie os processos mencionados onde já foram cumpridas as obrigações decorrentes da suspensão da pena.
d) Falta de fundamentação legal e fatual do despacho recorrido na menção da falta "culposo ou grosseiro", da arguida e prática reiterada de incumprimentos de obrigações impostas - que não se alcança de onde foram retiradas estas "certezas valorativas" acerca da A.
e) Em última análise, seja o despacho substituído por das condições da suspensão ou se decida pelo cumprimento da obrigação imposta - condição da suspensão.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, Dizendo:
1. A pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 04 (quatro) anos, desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta, nos termos do artigo 57º, nºs 1 e 2 do Código Penal.
2. No caso dos autos, o prazo de prescrição da suspensão da pena de prisão (pena substitutiva) ainda não decorreu, pois o período de suspensão completou-se no dia 14 de Junho de 2014, não tendo ainda decorrido 04 (quatro) anos desde essa data.
3. O Tribunal “a quo” procedeu à audição presencial da arguida, a fim de conscientemente e com conhecimento da sua situação atual, confirmar ou infirmar a carência económica da mesma, não tendo preterido o direito à audiência previsto no artigo 495º, nº2 do Código Processo Penal.
4. O princípio do contraditório contemplado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, foi assegurado, quer através da audição presencial da recorrente, quer da pronúncia por escrito.
5. Não foi violado o princípio de investigatório, pois, ao contrário do alegado pela recorrente, foram realizadas múltiplas diligências visando apurar a situação económica da arguida.
6. O despacho recorrido não enferma da nulidade insanável a que alude o artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, nem da nulidade prevista no artigo 120º, nº2, alínea d), do mesmo diploma legal.
7. O processo decisório que se vislumbra na fundamentação e motivação elaborada pela Mmª Juiz “a quo”, e que consta do despacho recorrido, não enferma de qualquer vício.
8. O despacho recorrido está bem fundamentado, com suficiência e rigor de critério, fáctica e juridicamente.
9. Andou bem a Mmª Juiz “a quo”, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão que foi imposta à recorrente, nos termos do disposto no artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, determinando o respetivo cumprimento da pena única de 02 (dois) anos de prisão.
10. O despacho recorrido não violou qualquer disposição legal, nem merece qualquer censura.

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Nesta Instância o Sr. Procurador Geral-Ajunto emitiu entendimento no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Por decisão transitada em julgado em 14.06.2012, foi a Arguida BB condenada pela prática de:
- dois crimes de agravado de Injúrias, previstos e punidos pelos artigos 181º, 182º, 183º, nº 1, al. b) e 184º, com referência à al. l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão cada um
- um crime agravado de Coacção, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, nº 1 e 2 e 155º, nº 1, al. c), com referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º e aos artigos 22º e 23º, todos do Código Penal, na ena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi a Arguida condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, ao “CC – Ajuda a Toxicodependentes, a quantia de € 5.000,00.

Notificada para o efeito, veio a Arguida, em 29.04.2013, responder, em síntese, o seguinte (fls. 943 e ss.):
- ainda não procedeu ao pagamento da quantia que lhe cobram atentas as condições financeiras de que goza e directamente associadas à realidade económico financeira do país;
- não disponibilizou qualquer quantia para o cumprimento da condição em apreciação, por mais reduzida que fosse, porque realmente não tinha como pagar, atentas as despesas que se lhe deparam e das faltas de pagamento das obrigações por parte dos clientes advindos da carteira de clientes da advocacia; e
- no âmbito dos autos …/07.0TAPTM, foi de igual modo condenada em pena de prisão suspensa na condição de entregar a quantia de € 10.000,00 ao “Movimento DD”.
Mais indicou rendimentos e despesas. Não juntou os documentos que protestou juntar.

Ouvida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495º do Código de Processo Penal, veio a Arguida declarar, no essencial, que (fls. 1058 e ss.):
- não procedeu ao pagamento do montante a que se encontrava condicionada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada em virtude de ter que suportar outros encargos conexos com a sua vida familiar e também profissional;
- os valores revelados pelos saldos bancários reportam-se a contas conjuntas;
- continua a não ser viável o pagamento da quantia de € 5.000,00, revelando ter disponibilidade para prestar trabalho a favor da comunidade.

Em 15.06.2015, vem novamente alegar que (fls. 1155 e ss.):
- o pagamento da quantia em causa e que foi condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena não se encontra pago, atentas as condições financeiras de que goza e directamente associadas à realidade económico financeira do nosso país;
- a Arguida não disponibilizou qualquer quantia para o cumprimento da condição em apreciação, por mais reduzida que fosse, porque realmente não tinha como pagar, atentas as despesas que se lhe depararam e das faltas de pagamento das obrigações por parte dos cliente advindos da carteira de clientes da advocacia;
- a Arguida só tem vindo a assegurar a sua subsistência com o recurso ao apoio de familiares;
- no âmbito dos autos …/07.0TAPTM, foi de igual modo condenada em pena de prisão suspensa na condição de entregar a quantia de € 10.000,00 ao “Movimento DD”;
- no âmbito do Processo nº …/08.7TAFAR, foi condenada em pena de prisão suspensa na condição de entregar a quantia de € 5.000,00 ao aí Demandante;
- no Processo nº …/08.9TAABF, foi condenada na pena de multa de € 800,00 que irá pagar em 5 prestações;
- encontra-se ainda a pagar as custas resultantes do Processo nº …/11.2TAABF, em prestações no montante de € 80,00;
- no Processo nº …/11.5TBABF foi condenada na pena de multa de € 2.450,00, tendo sido requerido a substituição por trabalho a favor da comunidade.
Indicou rendimentos e despesas.

Foram feitas diligências com vista a apurar as condições económicas da condenada (fls. 977 e ss., 985 e ss., 1022 e ss.).

Em 23.02.2016, respondeu, em síntese, o seguinte (fls. 1172):
- a quantia em causa e que foi condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena não se encontra pago atentas as condições financeiras de que goza e directamente associadas à realidade económico financeira do país;
- não disponibilizou qualquer quantia para o cumprimento da condição em apreciação, por mais reduzida que fosse, porque realmente não tinha como pagar, atentas as despesas que se lhe deparam e das faltas de pagamento das obrigações por parte dos clientes advindos da carteira de clientes da advocacia;
- o agregado familiar da Arguida, durante o ano de 2014, tece como rendimentos, a quantia de € 11.980,12;
- neste momento e com o agravamento da situação financeira a normal subsistência da Arguida e seu agregado só se mantém com as ajudas prestadas pela mãe da Arguida e sogro da mesma;
- as filhas estão a ser sujeitas a tratamento de ortodontia, porque necessário; e
- o cônjuge da Arguida, no Processo nº ….9TAFAR, foi condenado em multa de € 1.200,00.
Requer, em alternativa, a imposição de novos deveres ou regras de conduta como condição de suspensão.
Juntou documentos.

Ouvida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495º do Código de Processo Penal, veio a Arguida declarar, no essencial, que (fls. 1958 e ss.):
- não procedeu ao pagamento do montante a que se encontrava condicionada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada em virtude de ter que suportar outros encargos conexos com a sua vida familiar e também profissional;
- os valores revelados pelos saldos bancários reportam-se a contas conjuntas;
- continua a não ser viável o pagamento da quantia de € 5.000,00, revelando ter disponibilidade para prestar trabalho a favor da comunidade.

O Ministério Público promove a revogação da suspensão da pena de prisão (fls. 2250 a 2252).
Notificada, a Arguida pronunciou-se conforme consta de fls. 2256, pugnado, em suma, que:
- reitera o teor dos seus requerimentos de fls. 1155, 1174 a 2210, bem como as declarações prestadas a fls. 1058;
- no âmbito dos processos nºs …/07.0TAPTM, /07.0TAPTM e /08.7TAFAR foi a Arguida condenada em pena de prisão, na condição de pagamento, de cumprimento de obrigações patrimoniais, respectivamente, € 3.800,00; € 10.000,00 e € 5.000,00, o que perfaz um total de € 18.800,00;
- outrossim, no Processo nº …/07.0TAPTM, a Arguida aguarda trânsito do despacho que permitiu o pagamento faseado da condição imposta, para assim poder cumprir o mesmo;
- nos autos …/07.0TAPTM, a Arguida recebeu despacho que, de igual modo, também aguarda trânsito;
- nos autos de Processo nº …/08.7TAFAR, encontra-se a cumprir, por despacho já transitado, a obrigação que foi imposta, tendo já efectuado o pagamento de uma prestação no valor de € 2.500,00;
- por outro lado, a pena dos presentes autos encontra-se em cúmulo jurídico no âmbito do Processo nº …/11.5TBABF e sua não realização não se deve a nenhum facto imputável à Arguida;
- a Arguida encontra-se em insuficiência económica para assim poder cumprir a obrigação imposta, tendo inclusive requerido a substituição por outras regras de conduta, o que se mantém;
- em alternativa, requer a prorrogação do período da suspensão da pena de 2 anos por mais 1 ano contados a partir do trânsito da decisão que vier a recair sobre este pedido, sob condição da Arguida, através de depósito autónomo associado aos presentes autos, proceder ao pagamento total da obrigação, mas de forma faseada.
Requer ainda que se oficie aos Processos nºs …/08.7TAFAR e …/07.0TAPTM no sentido de vir juntar aos autos os consequentes despachos que determinaram o cumprimento da condição imposta através de plano de pagamento e que se ordene a elaboração do relatório social à Arguida.

Nos termos do artigo 56º, nº 1, do Código Penal
“A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Nos presentes autos, a Arguida foi condenada, por acórdão transitado em julgado em 14.06.2012 na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, ao “CC - Ajuda a Toxicodependentes, a quantia de € 5.000,00.
Decorrido, não só o prazo fixado para cumprimento de tal condição, como dois anos sobre o término do período de suspensão (num total de 4 anos), não se mostra pago qualquer valor. ~
Quanto à falta de cumprimento das condições da suspensão, prevê o artigo 55º do Código Penal que:
«Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º»
No caso sub judice, tendo sido ouvida por duas vezes e tendo-se pronunciado por quatro vezes quanto ao não cumprimento da obrigação imposta, a Arguida não fez qualquer esforço no sentido de corrigir a sua conduta, pelo que se revela despicienda qualquer solene advertência ou a exigência de garantias de cumprimento da obrigação que condiciona a suspensão.
De resto e tendo já decorrido o prazo da suspensão, não se mostra, de qualquer modo, legalmente possível, proceder à alteração da condição imposta, a qual implicaria necessariamente a prorrogação do prazo de suspensão, cabendo apenas, apreciar a eventual revogação da suspensão da pena de prisão aplicada à Arguida (cfr. artigo 55º, al. d) do Código de Processo Penal).
Assim e pese embora as alegadas dificuldades financeiras e pessoais da Arguida, o certo é que, até à presente data, a mesma não demonstrou um verdadeiro esforço no sentido de cumprir os deveres que lhe foram impostos ou qualquer sinal de boa vontade.
Não podemos, pois, olvidar que a Arguida é advogada de profissão e não qualquer indigente ou, sequer, insolvente, de todo impossibilitada do cumprimento (se não no todo, pelo menos, em parte) de qualquer obrigação financeira.
Por outro lado, não se vê que tenha ocorrido qualquer alteração da situação da Arguida (que não tenha, então, sido apreciada) desde da fixação da condição da suspensão da execução da pena de prisão, por acórdão transitado em julgado (nestes autos, como, certamente, nos outros em que tal ocorreu).
Veja-se que, apesar de invocar como uma das causas da impossibilidade de pagar a condição aqui imposta a circunstância de também lhe terem sido impostas condições de pagamentos noutros processos, a Arguida também não cumpriu com a obrigação fixada no Processo nº /07.0TAPTM (vide fls. 2246 e ss.), o que bem reflecte o menosprezo a que vota as decisões condenatórias.
E, do último requerimento que apresenta, decorre que tal incumprimento se verificou também nos demais processos em que foi igualmente condenada em penas de prisão suspensas na sua execução sob condições de proceder a pagamentos fixados, tendo, apenas agora e alegadamente procedido ao pagamento de uma prestação no valor de € 2.500,00 no âmbito do Processo nº …/08.7TAFAR.
Deste modo e independentemente das decisões que a este respeito tenham sido proferidas nos autos …/08.7TAFAR e …/07.0TAPTM (das quais a Arguida podia ter junto cópia), não está este Tribunal, por um lado, vinculado às mesmas e, por outro, como já acima referido, não se mostra legalmente possível proceder à necessária prorrogação do prazo de suspensão, ao abrigo do disposto no artigo 55º, al. d) do Código de Processo Penal, por forma a alterar a condição imposta conforme pretendido pela Arguida.
O mesmo se diga quanto à requerida realização de relatório social, uma que vez que não é alegado, sequer, qualquer alteração da situação da Arguida que já não tenha sido apreciada desde da fixação da condição da suspensão da execução da pena de prisão, por acórdão transitado em julgado.
Motivo porque não se determina as diligências requeridas, por se traduzirem em actos inúteis.
Não poderemos olvidar, de igual forma, que de fls. 1022 e ss resulta que a Arguida manteve saldo positivo em conta bancária sem que tenha procedido ao pagamento de qualquer que valor por conta da condição aqui imposta.
Ora, nos termos do referido artigo 56º, importará para a revogação da suspensão da execução da pena a violação culposa, grosseira ou reiterada do regime de prova ou o cometimento de crimes durante o período de suspensão.
Sendo certo que a suspensão da execução da pena não é automaticamente revogada, a Arguida tem vindo a incumprir totalmente a condição a que ficou sujeita a referida suspensão, mostrando total indiferença pela condenação a que foi sujeita.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.10.2014, proferido no Processo Comum Singular nº 1179/01.0TAPTM, do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Portimão:
«Não se trata aqui de comprovar o incumprimento de uma obrigação de pagamento, sim de constatar a violação de deveres gravemente culposos do arguido e de defesa do ordenamento jurídico.
De facto, a violação de deveres e, consequentemente, existência de um agir culposo do arguido (factos mais que demonstrados nos autos), constitui um “mais” inaceitável para a defesa do ordenamento jurídico, um acréscimo de culpa, um mais que – nos autos – apenas se pode entender como um agir doloso ou com negligência grave.
A questão, prima facie, passava, pois, pela resposta à pergunta: o arguido “infringiu grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”?
Temos, portanto, dois requisitos alternativos em apreciação, ambos assentes na culpa grave do arguido: a infracção grosseira ou a infracção repetida dos deveres impostos que poderão conduzir o tribunal à revogação do regime de suspensão da pena.
O arguido violou ambos os requisitos.
Mas a estes dois requisitos haverá que acrescentar o pressuposto comum a ambas as alíneas do nº 1 do artigo 56º do Código Penal: o “revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
É que, sendo os requisitos para a revogação alternativos, a condição da parte final da alínea b) é comum a ambos os requisitos.
(…)
Aqui impõe-se esclarecer que os “factos” invocados pelo arguido em sede de recurso são irrelevantes pois que a sua mera alegação não demonstra a sua conformidade à realidade.
(…)
De facto, nada nos autos demonstra que a conduta do arguido se deve à impossibilidade de cumprimento, tudo apontando para que tenha havido uma decisão de “não cumprimento”.
É isso que indicia o seu pedido, em 2011, de revogação da condição imposta, que se concretiza na pretensão de alteração da decisão judicial transitada. É isso que confirma a circunstância de não haver o mínimo de cumprimento da condição imposta, sequer 1 euro.
Ou seja, verifica-se o pressuposto essencial do incumprimento dos deveres impostos, a culpa grave do arguido.
Ora, no caso dos autos o incumprimento dos deveres penais impostos na sentença penal foi doloso ou gravemente culposo. (…)
No caso em apreço e face ao que ficou dito já não é possível formular um juízo de prognose favorável.
Resta acrescentar que a condição imposta na sentença condenatória não está em revisão na presente decisão.»
Retomando ao caso sub judice, também aqui se conclui que, apesar dos requerimentos e argumentos expendidos pela Arguida, o certo é que a mesma vem demonstrando desprezo pelas condenações que vem sofrendo, mormente, nos presentes autos, revelando, com isso, que as expectativas que motivaram a suspensão da pena de prisão aplicada não se mostram cumpridas e que quaisquer outras providências serão ineficazes.
Por todo o exposto, não tendo a Arguida cumprido, por qualquer forma, a condição a que ficou sujeita a referida suspensão, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta à mesma, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. a) do Código Penal, determinando o respectivo cumprimento da pena única de 2 anos de prisão.
Notifique e, após trânsito, passe mandados de detenção e de condução ao Estabelecimento Prisional a fim de a Arguida cumprir a pena de prisão em que foi condenada.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Como decorre das longas conclusões pela aqui impetrante formuladas, vemos que várias são as questões por si trazidas à apreciação deste Tribunal de recurso.
Desde logo, a que se prende em saber se ocorreu, ou não, a prescrição da pena em que a aqui impetrante foi condenada.
Previamente, e de forma a dar resposta a essa questão, importa definir qual o prazo de suspensão da pena.[1]
Importa reter que a aqui recorrente foi condenada, por decisão transitada em julgado em 14.06.2012, pela prática de:
- Dois crimes de agravado de Injúrias, p. e p. pelos art.ºs 181.º, 182.º, 183.º, n.º 1, al. b) e 184.º, com referência à al.ª l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, cada um;
- Um crime agravado de Coacção, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 154.º, n.ºs 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al.ª c), com referência à al.ª l), do n.º 2, do artigo 132.º e aos art.ºs 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na ena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, ao “CC Ajuda a Toxicodependentes, a quantia de € 5.000,00.
No entendimento da aqui impetrante o predito prazo de suspensão de execução da pena já há muito que se verificou.
Para se descortinar se ocorreu, ou não, in casu, a invocada prescrição da pena, importa trazer a terreiro o que se dispõe no n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal.
Inciso normativo onde se refere que o período de suspensão tem a duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».
Tendo em linha de conta a pena aplicada à aqui condenada – pena de prisão suspensa na sua execução – importa reter, na linha do ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, que a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição.[2]
E que enquanto pena autónoma, de substituição, ser a mesma distinta da pena principal de prisão, pelo que o prazo de prescrição seja o previsto na alínea d), do n.º 1, do art. 122.º do Cód. Pen., e não o previsto em qualquer das demais alíneas do mesmo inciso normativo. Pelo que o prazo de prescrição da pena seja o de 4 anos.
Prazo que se iniciou a 14.06.2012 – data do trânsito em julgado da sentença condenatória, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 122.º -, para se suspender na mesma data, nos termos do art.º 125.º, n.º 1, al.ª a), do Cód. Pen., a prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que por força da lei, a execução não puder ter lugar.
Donde, entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão ali concedida, por incumprimento pela requerente da condição imposta, se não possa iniciar o prazo de a prescrição, mantendo-se o mesmo suspenso; voltando a correr a partir da data em que terminou o prazo da suspensão.[3]
Como se deu nota no Acórdão do S.T.J., de 9.10.2013, no Processo n.º 263/07.0PTALM-A.S1 5.ª Secção, o não cumprimento da pena de prisão, invocando a prescrição, pressupõe obviamente a prescrição da pena de prisão, e não de qualquer outra. Ora, a pena de prisão que começou por ser determinada, na sentença condenatória, tem um prazo de prescrição que se encontraria necessariamente suspenso, pelo facto de o arguido estar a cumprir outra pena. No caso, a pena de substituição, de suspensão de execução da pena de prisão. E só quando a pena de substituição deixou de estar a ser cumprida, devido à sua revogação, é que cessou a suspensão do prazo da prescrição da pena de prisão.
Como é bom de ver, o prazo prescricional inicia-se com o trânsito em julgado da decisão que revogar a pena de substituição e determinar a execução da pena principal, de acordo com o que se dispões nos arts. 56.º e 57.º, ambos do Cód. Pen.
Tudo, por a extinção da pena não ser automática, necessitando de ser declarada, como se alcança do n.º 1, do art.º 57.º, do Cód. Pen., para lá de tal declaração só ser possível findo o período da suspensão e não hajam motivos que possam conduzir à sua revogação, cfr., ainda n.º 2, do mesmo preceito legal.
No caso em apreço sabe-se que a aqui recorrente foi condenada, por decisão transitada em julgado em 14.06.2012, numa pena única de 2 anos de prisão, com execução suspensa por 2 anos, subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, ao “CC Ajuda a Toxicodependentes, a quantia de € 5.000,00.
Por despacho de 07.07.2017, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida/condenada, por falta de cumprimento da condição imposta e determinado que o mesmo cumprisse a pena única de 2 anos de prisão.
Sendo deste despacho que a arguida/condenada traz o presente recurso.
O bastante, sem curar de outras delongas ou considerandos, para que se venha concluir pela não ocorrência da prescrição da pena, como almejado.

Depois importa decidir se o despacho em presença se mostra, ou não, fundamentado, de acordo com as exigências legais.
Para dilucidar tal questão importa reter o que se estatui no art.º 97.º, do Cód. Proc. Pen., sobre a epígrafe de actos decisórios, onde se refere no seu n.º 5 que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Preceito que se apresenta em conformidade com a exigência constitucional vertida no art.º 205.º, n.º 1, da C.R.P.
Na lição do Prof. Gomes Canotilho, a necessidade de fundamentação dos actos decisórios decorre de três razões fundamentais, a saber:
- Controlo da administração da justiça;
- Exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes.
- Melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[4]
Ou como refere o Prof. Germano Marques da Silva, a fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.[5]
Ora, basta atentar no teor do despacho revidendo – e sem curar de outros considerandos - para se ter de concluir que o mesmo se mostra fundamentado, como exigido por lei.
Questão diversa da acabada de analisar é a alegada pela aqui impetrante, entre o mais, na sua conclusão 66) e que se prende com o mérito do decidido.

Mais entende ter sido cometida a nulidade insanável – art.º 119.º, al.ª c), do Cód. Proc. Pen., - consistente na violação do princípio de audiência de arguido e princípio do contraditório.
Para dilucidar a questão em aberto, importa chamara a terreiro o disposto no art.º 495.º, do Cód. Proc. Pen, sob a epígrafe de falta de cumprimento das condições de suspensão, onde se diz no seu n.º 1 que quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
E no seu n.º 2 que o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.
Inciso normativo a ler em conexão com o disposto no art.º 61.º, do mesmo diploma adjectivo que versa sobre os direitos e deveres processuais do arguido, onde se refere no seu n.º 1, al.ª b) que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;
Cominando o art.º 119.º, al.ª c), do Cód. Proc. Pen., com nulidade insanável a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.
Pelo que se tem de concluir do cotejo dos incisos normativos citados que o despacho que revogue a suspensão da execução da pena tem de ser precedido da audição do arguido.
Audição, para além do mais, que tem de ser presencial, até por poder estar em causa decisão que o pode vir afectar nos seus direitos, mormente no seu direito à liberdade.
De idêntico entendimento vemos, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 29 de Março de 2017, no Processo n.º 9/09.9GAMCN.P2, onde se deu nota de que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é precedido de audição presencial do arguido.
Como vemos o Acórdão da Relação de Guimarães, de 20 de Março de 2017, no Processo n.º 333/10.8GTBRG.G1, onde se entendeu que qualquer decisão que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a da revogação da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, aplicada em substituição da pena de prisão – deve ser precedida da sua audição prévia e a preterição dessa formalidade tem sido enquadrada como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado.
Como decorre dos autos, a aqui impetrante foi ouvida presencialmente, a 14 de Julho de 2014, conforme decorre de fls 231 dos autos, em obediência ao que se dispõe no art.º 495.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen.

E terá sido violado o princípio do contraditório, conforme alega a recorrente?
Como consabido, o princípio do contraditório traduz-se no dever de o juiz ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão.
Sendo que a audição do arguido se apresenta como garantia da sua defesa – na manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, como decorre quer do art.º 32.º, n.º 5, da CRP, quer do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH.
Do compulso dos autos vemos que a qui recorrente, no seguimento da sua audição – art.º 495.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., - veio tomar posição nos autos, como decorre de fls233, como apresentar documentos explicativos da sua razão em não ter cumprido com os deveres que lhe foram fixados e fundamentadores da suspensão da execução da pena, cfr fls 262 a 295 dos autos.
Razões são, e sem curar de outras delongas ou considerandos, para que se conclua pela sem razão do invocado, a respeito, pela arguida/recorrente.
Por fim, saber se se deve, ou não, manter a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, entretanto decretada.
Como dos autos resulta, a arguida e aqui recorrente BB foi condenada, por decisão transitada em julgado em 14.06.2012, pela prática de:
- Dois crimes de agravado de Injúrias, p. e p. pelos art.ºs 181.º, 182.º, 183.º, n.º 1, al. b) e 184.º, com referência à al.ª l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, cada um;
- Um crime agravado de Coacção, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 154.º, n.ºs 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al.ª c), com referência à al.ª l), do n.º 2, do artigo 132.º e aos art.ºs 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na ena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo a suspensão subordinada ao dever de entregar, no prazo de 6 meses, ao “CC Ajuda a Toxicodependentes, a quantia de € 5.000,00.
Decorrido tal prazo não se mostra cumprida a condição de que se fez depender a suspensão da execução da pena.
Para dilucidar tal questão importa ter em conta o disposto no art.º 56.º, n.º 1, do Cód. Pen., onde se diz que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
Desde logo, importa notar que desde o Dec. Lei, n.º 48/95, de 15 de Março, a revogação da execução da pena deixou de ser de funcionamento automático.
Deixando a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão de provocar automaticamente a revogação da suspensão), contrariamente á solução tradicional, tanto na vigência do Código Penal de 1986 como na versão originária do Código Penal de 1982.
Tudo dependendo agora tão só do condicionamento estabelecido no n.º 1, o qual se aplica a todas as modalidades da suspensão da execução da pena de prisão[6].
Daí que a revogação da suspensão da execução da pena não seja um acto meramente formal, sendo ainda necessária a demonstração de que as finalidades da punição não puderam ser realizadas.
Finalidades da punição que não são mais do que a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente na sociedade - cfr. Art.º 40.º, n.º 1, do Cód. Pen.
Donde não baste que o arguido, a quem foi decretada a suspensão da execução da pena, viole tais deveres ou regras de conduta ou cometa durante o período da suspensão crime pelo qual venha a ser condenado, mas também que se faça um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente.[7]
E que só a rebeldia intolerável do arguido e a inultrapassável obstinação em manter-se no crime, bem como o fracasso da esperada emenda cívica resultante da suspensão, justifiquem a revogação da suspensão da execução da pena.
Pelo que as causas de revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.[8]
No caso em apreço está em causa o incumprimento por parte da arguida/condenada dos deveres impostos e determinantes da suspensão da execução da pena, nos termos dos arts. 50.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, al.ª a), ambos do Cód. Pen.
Como se vem entendendo, qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres impostos na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação. Sendo que em caso de revogação, a culpa há de ser grosseira, como tudo bem decorre do estatuído nos arts. 55.º e 56.º, do Cód. Pen. Domina, pois, em tais situações o princípio da culpa.
Pelo que, e como sobredito, o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional.
Pois, como referem Simas Santos e Leal Henriques, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências referidas no art.º 55.º, do Cód. Pen.[9]
Está em causa a alínea a), do n.º 1, do art.º 56.º, do Cód. Pen., - Infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos.
Trata-se, como se vê, de situações limite, pois que o legislador fala em infracção grosseira e repetida, a denunciar nitidamente que o condenado teve aí uma actuação significativamente culposa, que põe por terra a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projecto tinha aderido[10].
Ou como referem Victor de Sá Pereira e Alexandre de Lafayette, a alínea a), do n.º 1, conexiona-se de perto com a situação de incumprimento à qual se refere o artigo anterior. Digamos mesmo que aqui se trata de um mais, em relação a tal situação. Dum mais, todavia, que justifica a reacção qualitativamente diversa. A conduta do condenado mostra que, a respeito, sem retorno, se não cumpriram as respectivas expectativas motivantes da suspensão da execução da pena de prisão. O condenado revelou-se, de todo, não merecedor da confiança nele depositada. E a revogação, apurando-se que houve infracção grosseira ou repetida de deveres ou regras de conduta ou do plano individual de readaptação social, surge, imediata ou obrigatória, como reacção proporcional à infracção por aquele cometida[11].
Com base nestes ensinamentos, vejamos o caso em apreço, importando ter em conta vários trâmites processuais.
Entendeu o despacho sindicado não ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação à arguida, porquanto apesar dos requerimentos e argumentos expendidos pela Arguida, o certo é que a mesma vem demonstrando desprezo pelas condenações que vem sofrendo, mormente, nos presentes autos, revelando, com isso, que as expectativas que motivaram a suspensão da pena de prisão aplicada não se mostram cumpridas e que quaisquer outras providências serão ineficazes.
Razão pela qual procedeu à revogação da suspensão da execução da pena e, consequentemente, se ordenou a passagem de mandados de detenção e de condução ao estabelecimento prisional a fim de a arguida cumprir a pena de prisão em que foi condenada.
O que cabe descortinar é se a aqui impetrante violou de forma grosseira os deveres a que estava sujeita e condicionadores da suspensão da execução da pena.
Que ocorreu a violação dos deveres a que estava sujeita é questão pacífica no caso vertente.
Porém, tudo indica existirem razões que, de alguma maneira, podem explicar e até fundamentar o comportamento relapso da aqui impetrante.
Não se desconhece que a arguida, volvidos vários anos desde que ocorreu a sua condenação nestes autos, não tenha pago o que quer que seja da quantia monetária em que foi condenada. O que indica, prima facie, total desrespeito pela decisão judicial.
Daí o Tribunal ter entendido que nada nos autos demonstra que a conduta do arguido se deve à impossibilidade de cumprimento, tudo apontando para que tenha havido uma decisão de “não cumprimento”.
Porém, se bem atentarmos nos autos, vemos que, como supra-mencionado, razões existem e que de alguma boa forma explicam o comportamento relapso da arguida nestes autos.
Importa reter que a arguida foi condenada no âmbito de vários processos-crime, tendo-lhe aí sido imposto o pagamento de várias quantias monetárias condicionadoras da suspensão da execução das respectivas penas de prisão; aliás, como disso dá bem nota o despacho sindicado.
Sendo que a arguida, embora sem a regularidade exigida, vem pagando algumas dessas quantias, como resulta de fls 53 a 60 dos autos.
Sendo certo que estes pagamentos eram desconhecidos por parte do Tribunal recorrido a aquando da prolação do despacho – já que posteriores - e deles só se dando conhecimento nestes autos com a interposição do recurso.
Documentos que, pela sua superveniência – art.ºs 651.º, n.º 1, 423.º e 425.º do Cód. Proc. Civ., aplicável ex vi do art.º 4.º, do Cód. Proc. Pen.-, e bem assim por interessarem á boa decisão da causa- art.º 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen., - a eles se não poderá deixar de atender.
O que afasta, de alguma boa maneira, o juízo de tenha havido uma decisão de não cumprimento, como refere o despacho revidendo.
Pelo que, neste particular, tem de proceder o recurso trazido pela arguida, devendo o despacho revidendo ser revogado e substituído por outro que leve em conta o disposto no art.º 55.º, al.ª d), do Cód. Pen., e prorrogue o prazo de suspensão da pena, mantendo o dever decretado.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso, nos termos mencionados, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que que leve em conta o disposto no art.º 55.º, al.ª d), do Cód. Pen., e prorrogue o prazo de suspensão da pena, mantendo o dever decretado.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 8 de Maio de 2018
José Proença da Costa (relator)
António Clemente Lima

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[1] Seguiremos, aqui e a respeito, o por nós relatado no Recurso n.º 1179/01.0 TAPTM.
[2] Ver, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 339.
[3] Ver Acórdão desta Relação de 11.09.2012, no Processo n.º 145/03.5GGSTB.E1.
[4] Ver, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 583.
[5] Ver, Curso de Processo Penal, Vol. III, págs. 294.
[6] Ver, Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, págs. 205.
[7] Cfr, Ac. desta Relação, de 8-7-2003, na C. J.., ano XXVII, Tomo IV, pags.253.
[8] Ac, Relação de Lisboa, de 9-2-2006,no Processo n.º10654/05, 9.ª, secção.
[9] Ver, Noções Elementares de Direito Penal, págs. 207 e Código Penal Anotado, Vol. I, págs. 711.
[10] Ver, Simas Santos e Leal Henriques, Obs. Cits., págs 208 e 712, respectivamente.
[11] Ver, Código Penal, Anotado e Comentado, págs. 189