Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO SENTENÇA NÃO CONDENATÓRIA TÍTULO EXECUTIVO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – A ação de fixação judicial de prazo tem como objeto único, a fixação de um prazo, adequado e razoável, para o cumprimento de uma obrigação; torna-se necessária tal definição, quer porque as partes o não fizeram quer porque credor e devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto. II – O fim ulterior visado, uma vez fixado o prazo, será o de permitir ao requerente poder contar com uma data limite para o cumprimento da obrigação, indispensável, desde logo, para a determinação da mora. III – A sentença proferida em ação de fixação judicial de prazo não pode servir de base à execução por não se tratar de uma sentença condenatória nos termos do art. 703º, nº 1, al. a), do CPC. IV – Tendo a executada/embargante impugnado nos embargos a exigibilidade da obrigação exequenda, resultante da falta de título executivo [art. 733º, nº 1, al. c), do CPC], o que se afigura de todo verosímil, impunha-se que o tribunal a quo tivesse decretado a suspensão da execução, sem prestação de caução, até à decisão a proferir em sede de embargos de executado. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Por apenso à execução comum que AA move a Dart Developments, Sociedade de Construção e Administração de Empreendimentos Turísticos, Lda., veio a executada deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, pedindo, além do mais, a suspensão da execução sem prestação de caução, alegando que a sentença dada à execução não constitui título executivo por não se tratar de uma sentença condenatória, o que determina a inexigibilidade da dívida exequenda. Em sede de contestação aos embargos, o embargado/exequente pronunciou-se acerca da requerida suspensão da execução sem prestação de caução, alegando que a sentença dada à execução constitui título executivo válido, carecendo de fundamento legal o pedido de suspensão da execução e das diligencias de venda executiva sem prestação de caução, o qual por isso deve ser indeferido. Foi proferida decisão na qual se considerou não estarem reunidos os pressupostos legais de que depende a suspensão da execução sem prestação de caução e, consequentemente, indeferiu-se a requerida suspensão. Inconformada, a embargante/executada apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «1 - A presente apelação deve ser admitida como autónoma, ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, pois que, a ser decidida apenas a final, se vai perder toda a sua utilidade, em vista de que a Senhora Agente de Execução já penhorou imóvel nos autos e notificou as partes para se pronunciarem sobre a modalidade da venda, além de que é elevada a possibilidade de vir a ser decidido que a sentença exequenda não reveste a qualidade de título executivo. 2 - A sentença judicial dada à execução não reveste a qualidade de título executivo, por ter sido proferida em ação especial para fixação judicial de prazo, não contendo nem na sua fundamentação nem segmento decisório qualquer condenação no pagamento das quantias exequendas, antes sublinhando que tal condenação extravasa o objeto dessa ação especial. 3 - Ao considerar improcedente o pedido de fixação de prazo para cumprimento da obrigação de pagamento pela embargante da quantia de 84.896,50 euros, não condenando a embargante a restituir tal quantia, a sentença dada à execução não é título executivo para cobrança coerciva de tal valor. 4 - Ao fixar 120 dias de prazo para que a embargante possa cumprir a obrigação de pagar a quantia de 65.411,36 euros, a sentença dada à execução não condena a embargante a pagar à embargada tal quantia, tendo ainda em conta que na mesma vem escrito que extravasa o objeto da ação apreciar e declarar a existência e validade e exigibilidade da obrigação. 5 - Atenta a natureza técnico-jurídica da ação especial para fixação e prazo, a sentença dada à execução não é definitiva sobre a identificação do obrigado. 6 - O tribunal “a quo”, ao invés de designar data para audiência prévia, deveria ter absolvido de imediato a embargante da execução, por inexistência de título executivo, e não o fazendo, violou, desde logo, a alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC. 7 - Nestas circunstâncias, tendo a embargante invocado que a sentença dada à execução foi proferida em ação especial para fixação de prazo, e que, por isso, não é título executivo, e invocado que esta circunstância torna a quantia exequenda inexigível, e tendo pedido a suspensão da execução sem prestação de caução, era da mais elementar justiça que o tribunal “a quo”, não a absolvendo logo da execução, declarasse procedente tal pedido de suspensão da execução sem prestação de caução. 8 - Não sendo, de todo, líquido, de modo objetivo, que a sentença dada à execução constitua título executivo, e sendo o despacho recorrido praticamente lacónico quanto à fundamentação da decisão contrária, de que constitui título executivo, por respeito aos princípios da justiça e da proporcionalidade, deveria o tribunal “a quo”, no mínimo, ter considerado que se justificava a suspensão da execução sem prestação de caução, pelo que foram violados tais princípios, bem como o artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do CPC. Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, deverá a presente apelação ser considerada provada e procedente e ser revogado o despacho recorrido, e ser a embargante absolvida de execução, por carecer esta de título executivo; se assim se não entender, deverá ser considerado procedente o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.» Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se a execução deve ser suspensa sem prestação de caução, ao abrigo do disposto no art. 733º, nº 1, al. c) do CPC, por a sentença dada à execução não ter natureza condenatória. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que resultam do relatório que antecede, havendo ainda a considerar o seguinte: - O exequente/embargado instaurou ação com processo especial para fixação judicial de prazo contra a executada/embargante, pedindo a fixação de «prazo não superior a 120 dias para vencimento da obrigação de pagamento do empréstimo que o A. concedeu à Ré». - Em 21.03.2021 foi proferida sentença, transitada em julgado, com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, fixo em 120 dias o prazo para a Ré cumprir a sua obrigação de pagamento ao autor dos mútuos referidos em facto 7-i-7, 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 22; todas as alíneas do facto 7- ii; facto 7-iii-A, B, C, D, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R S e T; e facto 7-iv-a., b., c., d., e., f., h., i. e j, absolvendo a Ré do demais peticionado pelo autor.». O DIREITO Dispõe o art. 703º do CPC - na parte que aqui releva: «1 - À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias (…)». Este preceito deve ser interpretado no sentido de que a sentença condenatória que constitui título executivo é qualquer decisão judicial proferida no decurso de processo que contenha, no seu dispositivo, pelo menos um segmento de condenação. Referem a este propósito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa[1]: «Numa primeira leitura, a expressão “sentenças condenatórias” apenas abarcaria as decisões de mérito, total ou parcialmente favoráveis ao autor (ou ao reconvinte), proferidas no âmbito de ações declarativas de condenação definidas pelo art. 10º, n°3, al. b). Todavia, uma análise mais profunda do preceito, também na sua vertente histórica e racional, permite a inclusão de quaisquer outras decisões que tenham um carácter injuntivo ou das quais resulte alguma imposição a que o réu (ou reconvindo) fique adstrito. Aliás, raramente as ações declarativas se apresentam com um figurino exclusivamente condenatório, tendo frequentemente associadas outras pretensões, em acumulação real ou aparente (…). Também se inserem no mesmo segmento normativo as decisões que, independentemente da natureza da ação e do verdadeiro objeto do processo, imponham ao destinatário uma obrigação (em geral de natureza pecuniária), o mesmo sucedendo com os despachos judiciais e as decisões arbitrais, conforme estabelece o art. 705° (…). A doutrina e a jurisprudência maioritárias vêm assumindo a exequibilidade das sentenças constitutivas de que resulte implicitamente a imposição de uma obrigação. Assim o defendiam Alberto dos Reis (CPC anot., vol. I, p. 152 e Processo de Execução, vol. I, p. 128) e Anselmo de Castro, para quem a sentença podia constituir título suficiente para iniciar o processo executivo para entrega de coisa certa, desde que desde que contivesse implícita tal obrigação, nomeadamente nos casos de ação de preferência ou de ação de divisão de coisa comum (Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pp. 112 e 113 e Ação Executiva, p. 16). No mesmo sentido Lopes Cardoso, defendendo que bastava que ficasse declarada ou constituída a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução (Manual da Ação Executiva, p. 43). Também Teixeira de Sousa defende a exequibilidade das sentenças constitutivas que “contenham de forma implícita um dever de cumprimento”, o que, em seu entender, se verifica quando o pedido de condenação, “se tivesse sido cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente”, por se referir à mesma realidade económica (Ação Executiva Singular, p. 73). Outrossim Abrantes Geraldes, em “Títulos executivos”, Themis nº 7, pp. 56-60. O mesmo caminho vem trilhando a jurisprudência: cf. STJ 18-3-97, CJ, t I, p. 160, segundo o qual "a sentença proferida em ação de preferência, apesar de constitutiva, constitui titulo executivo para obter a entrega de coisa certa"; no mesmo sentido STJ 8-1-15, I17-B/1999, STJ 27-5-99 99B269, RG 11-2-21, 26/18 e RP 13-5-99, CJ, t. I11, p. 187.» Foi nesta base, aliás, que no acórdão do STJ de 13.05.2021[2], se decidiu atribuir força executiva a sentença proferida em ação de impugnação pauliana, e no recente acórdão desta Relação de 11.05.2023[3] e no acórdão da Relação do Porto de 10.03.2022[4], a sentença homologatória da partilha em processo de inventário. Assim também se decidiu no acórdão da Relação de Guimarães de 30.03.2023[5], em cujo sumário se consignou: «I - O preceito contido na alínea a) do 703º do C.P.Civil de 2013 (“sentenças condenatórias”) deve ser interpretado no sentido de que a sentença condenatória que constitui título executivo é qualquer decisão judicial proferida no decurso de processo que contenha, no decisório, pelo menos um segmento de condenação. II – Por isso, constituem título executivo as decisões que, independentemente da natureza e do objeto da acção, imponham ao destinatário visado o cumprimento de uma obrigação.» Mas será que a sentença dada à execução, ainda que de forma implícita, tem natureza condenatória? A ação especial de fixação judicial de prazo encontra-se legalmente prevista no art. 1026º do Código do Processo Civil [CPC]: «Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado.» Os termos posteriores são os previstos no artigo seguinte (1027º): a parte contrária é citada para responder; se não o fizer, é fixado o prazo proposto pelo requerente ou o julgado razoável pelo juiz; se houver resposta, o juiz decide, após as diligências probatórias tidas como necessárias. Estes dois preceitos relacionam-se com o art. 777º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe “Determinação do Prazo” estatui: «1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela. 2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.» Ou seja, a ação de fixação judicial de prazo tem como objeto único, a fixação de um prazo, adequado e razoável, para o cumprimento de uma obrigação; torna-se necessária tal definição, quer porque as partes o não fizeram quer porque credor e devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto. O fim ulterior visado, uma vez fixado o prazo, será o de permitir ao requerente poder contar com uma data limite para o cumprimento da obrigação, indispensável, desde logo, para a determinação da mora. Em termos processuais, trata-se de um processo de jurisdição voluntária com uma tramitação simples e expedita, como decorre do disposto nos arts. 292º e ss. e 986º e ss do CPC, em que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, «devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna» - art. 987º do CPC. Importa também sublinhar que neste processo não se discutem questões substantivas relativas ao negócio cujo prazo se pretende fixar, quais sejam vícios como o de inexistência, nulidade ou prescrição da obrigação ou quaisquer outros, por se incluírem nos temas a resolver no âmbito da ação comum que, possivelmente, se seguirá[6]. No caso em apreço, a sentença dada à execução não tem, quer na sua fundamentação, quer no dispositivo, qualquer condenação no pagamento das quantias exequendas, antes sublinhando, que «[n]este processo apenas se julga da adequação do prazo ao direito ou dever, supondo a existência deste». Com efeito, como se deixou dito, não cabe neste tipo de processos qualquer indagação para além da que respeitar ao prazo, já que a ação esgota a sua função jurisdicional no momento em que for fixado o prazo. Ademais, não pode equiparar-se a fixação de prazo à interpelação, nem atribuir-lhe os efeitos desta, designadamente, a constituição em mora [art. 805º do CC]. Pode, é a fixação de prazo impor-se como prévia à interpelação, mas tal poderá acontecer se não for questionada a existência da obrigação, o que não é o caso, considerando que a recorrente põe em causa essa existência nos embargos[7]. Assim, considerando que a executada/embargante impugnou nos embargos a exigibilidade da obrigação exequenda, resultante da falta de título executivo [art. 733º, nº 1, al. c), do CPC], o que se afigura de todo verosímil, impunha-se que o tribunal a quo tivesse decretado a suspensão da execução, sem prestação de caução, até à decisão a proferir em sede de embargos de executado. O recurso merece, pois, provimento. Vencido no recurso, suportará o exequente/embargado as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando-se a suspensão da execução, sem prestação de caução, até à decisão a proferir nos embargos de executado. Custas da apelação pelo exequente/recorrido. * Évora, 28 de junho de 2023 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado Florbela Moreira Lança Albertina Pedroso __________________________________________________ [1] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020 - Reimpressão, pp. 16-18. [2] Proc. 2215/16.0T8OER-A.L1.S3, in www.dgsi.pt. [3] Proc. 47/20.0T8NIS.E1, in www.dgsi.pt. [4] Proc. 2637/04.0TBVCD-U.P2, in www.dgsi.pt. [5] Proc. 2927/18.4T8VCT-A.G1, in www.dgsi.pt. [6] Cfr., inter alia, recenseando toda a jurisprudência atinente sempre no mesmo sentido, o acórdão desta Relação de 25.01.2018, proc. 238/16.9T8ELV.E1, in www.dgsi.pt. [7] Cfr. acórdão do STJ de 06.05.2003, proc. 03A230, in www.dgsi.pt. |