Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
656/12.1 GFLLE.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: INTERESSE EM AGIR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O despacho judicial proferido no âmbito da instrução que não conheceu da pretensão formulada pelo arguido e dela, mais tarde, veio conhecer não é passível de ser atacado por via de recurso, por falta de interesse em agir por banda do arguido- art.º 401.º, n.º 2, do CPP.

2. A não audição do arguido quanto a pedido formulado para a realização de vídeo conferência viola o princípio do contraditório, para lá de ofender o principio do processo equitativo consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da C.R.P. e constitui irregularidade processual do n.º 2, do art.º 123.º, do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos Autos de Processo Comum Singular, com o n.º 656/12.1 GFLLE, a correrem termos pela Comarca de Faro - Juízo Criminal de Loulé – J1, foi o arguido Pronunciado:

HMSM……..;

Pela prática de:

- Um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, conjugado com os artigos 29.º, n.º 1 e 146.º, alínea i), do Código da Estrada (em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a do Código Penal);

- Dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal;

- Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal.

O Hospital de Faro, EPE, deduziu Pedido de Indemnização Civil, com os fundamentos constantes de fls. 195 a 196, cujo teor se dá por reproduzido, contra o arguido/demandado HMSM, pelos tratamentos hospitalares que prestou a TAMN, no montante de 147,00€ (cento e quarenta e sete euros) e juntou uma factura (cfr. fls. 198).

O demandante TAMN deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do arguido/demandado no pagamento da quantia de 3.000,00€ (três mil euros), acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais, alegando, em suma, que devido à conduta do mesmo sofreu dores e sentiu-se atingido na sua honra e consideração.

O arguido HMSM apresentou Contestação à Pronúncia, ao Pedido de Indemnização Civil formulado pelo Hospital de Faro e ao Pedido de Indemnização formulado pelo demandante TN.

Invoca a nulidade do Inquérito, a verificação de causa prejudicial e a conexão de processos, bem como a falsidade dos documentos elaborados pelos militares da GNR, que deram origem aos presentes autos (e outros), pugnando, por último, pela não verificação dos tipos legais de crime imputados ao arguido, conforme fls. 898 e ss., cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Quanto aos pedidos de indemnização civil, pugna pela sua improcedência, nos termos e com os fundamentos de fls. 916 a 920, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

O Tribunal recorrido veio apreciar as preditas questões pelo arguido suscitadas, como segue:

Das nulidades e questões prévias suscitadas em sede de Contestação à Pronúncia

Quanto à alegada nulidade por insuficiência de Inquérito, conforme decorre do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, a mesma apenas se verifica no caso de “não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”.

A lei processual não impõe quaisquer actos típicos de investigação.

A titularidade e direcção do inquérito pertencem ao Ministério Público (arts. 262.º e 263.º do CPP), sendo este livre de promover as diligências que entender necessárias ou convenientes para fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com excepção dos actos de prática obrigatória no decurso do inquérito (arts. 53.º e 267.º do CPP).

Pelo que, a omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos do inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público, salvaguardados os actos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, em levar a cano ou promover as diligências que entender necessárias (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição e Ac. TC 395/04 de 02.06.2004, DR I Série, de 09.10.04).

No caso concreto, não foi omitida a prática de qualquer acto legalmente obrigatório e verifica-se que o Ministério Público, a quem compete a direcção do inquérito, orientou o mesmo e carreou para os auto os elementos que julgou essenciais para a descoberta dos factos imputados ao arguido.

Pelo que, improcede a invocada nulidade por insuficiência do inquérito.

Quanto às demais questões suscitadas, relativamente à conexão processual entre este autos e o processo 1027/12.5TALLE, que corre termos na Instância Central Criminal de Faro e verificação de causa prejudicial entre aqueles autos e os presentes, sobre as mesmas já este Tribunal se pronunciou encontrando-se esgotado o seu poder jurisdicional quanto a tal matéria – artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC aplicável ex vi artigo 4.º do CPP - (sendo que relativamente à primeira questão já houve decisão transitada em julgado e relativamente à segunda encontra-se tal decisão pendente de recurso).

Procedeu-se à realização da audiência com observância do legal formalismo, vindo-se, no seu seguimento, prolatar pertinente Sentença, onde se Decidiu:

A) Absolver o arguido HMSM, da prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal;

B) Condenar o arguido HMSM, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa;

C) Condenar o arguido HMSM, pela prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º e 184.º, do Código Penal, contra a pessoa de TN, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;

D) Condenar o arguido HMSM, pela prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelo artigo 181.º e 184.º, do Código Penal, contra a pessoa de DG, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;

E) Em cúmulo jurídico das penas referidas em B), C) e D), condenar o arguido HMSM, na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de 20,00€ (vinte euros), perfazendo o montante global de 4.200,00€ (quatro mil e duzentos euros);

F) Condenar o arguido HMSM, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, de toda e qualquer categoria, pelo período de 5 (cinco) meses;

G) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante TAMN, parcialmente procedente e condenar o arguido/demandado HMSM, a pagar ao demandante a quantia de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde esta decisão até efectivo e integral pagamento, absolvendo do demais peticionado;

H) Julgar o pedido de indemnização civil formulado por Hospital de Faro, EPE, totalmente procedente e condenar o arguido/demandado a pagar a quantia de 147,00€ (cento e quarenta e sete euros) acrescida de juros desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento;

I) Deverá o arguido entregar a respectiva carta de condução, documento equivalente ou guia de substituição, no Tribunal ou em qualquer posto policial no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de não o fazendo, ser determinada a apreensão daquela carta, conforme disposto no artigo 500.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, e de incorrer na prática de um crime de desobediência (artigo 348º, n.º 1, alínea b, do Código Penal).

J) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais criminais, que se fixam em 4 (quatro) Unidades de Conta (artigos 513.º e 514.º, do CPP e artigo 8.º, n.º 9, do RCP, por referência à Tabela III anexa a esse Regulamento);

K) Condenar o arguido/demandado HMSM e o demandante TAMN no pagamento das custas processuais inerentes ao pedido de indemnização civil formulado por este, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, do CPC aplicável ex vi artigo 523.º, do CPP).

Inconformado com o assim decidido traz o arguido HMSM pertinente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

I Este Recurso tem por objeto a Sentença proferida nos presentes Autos, pela Ilustre Juíza Doutora MC, que presidiu às sessões de Julgamento, em condições de "reafectação" adiante postas em crise.

II Nos termos do número 3 do artigo 407º CPP, deverão subir com o presente Recurso, com as consequências processuais e substantivas respetivas, todos os Recursos antes interpostos nestes Autos e ainda pendentes: já admitidos mas diferidos quanto ao momento da subida; já subidos mas pendentes de apreciação; retidos e com Reclamação pendente.

III O Recurso, dirigido igualmente ao mérito das decisões em recurso, dirige-se também às seguintes questões processuais: a) a relação de prejudicialidade dos "Autos de Faro" (processo 1027/12.STALLE), pendentes de Recurso na Relação de Évora, com estes Autos; b) a violação do princípio do Juiz Natural; c) a questão do princípio da imediação da prova; d) a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz na fase de Julgamento; tudo decorrente da descontinuidade na titularidade efetiva dos atos processuais da fase de Julgamento, da tomada de depoimentos por videoconferência e da recusa da acareação requerida nos Autos, em violação de normas formal ou materialmente constitucionais.

IV O Recurso dirige-se às seguintes questões de mérito, sobre questões de facto e de direito:

a) lnimputabilidade acidental e transitória do arguido e recorrente (número 1 do artigo 20º CP);

b) Condenação do arguido e recorrente pela prática de dois crimes de injúria agravada (artigos 1810 e 1840 CP) sem que se verifiquem nem os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo criminal, nem as condições de imputabilidade dos mesmos ao arguido e recorrente;

c) Prazo excessivamente longo de inibição de condução como sanção acessória de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º CP);

d) Obrigação de indemnização cível ao Hospital de Faro por não haver prova da imputação dos danos ao arguido;

e) Obrigação de indemnização cível a Guarda da GNR por não existir ofensa à honra (em relação com o crime de injúria ou injúria agravada);

V Valem ainda para a definição do objeto e do âmbito deste Recurso os demais Recursos em subida conjunta.

VI O âmbito do Recurso integra a prova documental nos Autos, incluindo os documentos falseados ideologicamente por Guardas da GNR (auto de notícia, auto de detenção, auto de identificação e auto de ocorrência) e a sua relevância para a livre apreciação dos depoimentos prestados por videoconferência e sem acareação possível por Testemunhas e Declarantes indicados pelo MP.

VII O âmbito deste Recurso não inclui diretamente a parte da sentença relativa a crime associado ao consumo de álcool - por coerência com quanto o arguido disse nos Autos ¬ mas a questão da escolha entre os tipos incriminadores dos artigos 291º CP e 292º CP pode ter de ser reapreciada por causa de Recurso ainda pendente, apresentado em 2013 sob o processo agora apenso a estes Autos.

VIII É de ter como incólume tudo quanto na Sentença recorrida seja favorável ao recorrente.

IX Vale para o presente Recurso, para os demais Recursos e mesmo para eventual repetição do Julgamento a proibição da "reformatio in pejus" (número 1 do artigo 409º CPP, Acórdão TC 236/2007, de 30-3-2007, anotação no Comentário CPP de Paulo Pinto de Albuquerque, Acórdão TRC de 29-2-2012).

X Do mero acidente de 1-9-2012 resultaram pelo menos: "Autos de Faro" (1027/12.5TALLE), ainda em recurso no TRE; "Autos de Évora" (106/12.3TREVR), já extintos com absolvição de Procuradora de MP, confirmada no STJ; Processo 135/16.8YREVR, relativos a conflito negativo de competências entre "Autos de Faro" e "Autos de Loulé";

XI O presente Recurso inventaria e convoca todos os Recurso pendentes.

XII O Acórdão do TRE (no processo 135/16.8YREVR) que resolveu o conflito negativo de competência relativo a estes Autos também ordenou que deveria "operar-se a devolução do processo 656/12.1 GFLLE e respetivo apenso, à Senhora Juíza a quem foi distribuído".

XIII Nos presentes Autos, além de ter sido proposta em abril de 2016 a sua apensação aos "Autos de Faro", o que gerou o mencionado conflito negativo de competências, foram dirigidas a tais Autos sucessivos pedidos de informação sobre o seu andamento, o último dos quais em 4-7-2017: ou seja, o Tribunal "a quo" quis desconhecer formalmente a questão da relação de prejudicialidade dos "Autos de Faro", mas agiu no seu pressuposto.

XIV Os presentes Autos não poderiam ter chegado às sessões de audiência sem Sentença transitada em julgado no âmbito dos "Autos de Faro".

XV Quando o Tribunal "a quo" tentou a apensação destes Autos aos "Autos de Faro" disse: "cotejando os factos imputados ao arguido nos presentes Autos ... com aqueles que são imputados ... no Proc. 102.7/12.5 TALLE, somos levados a concluir no mesmo sentido que o Ministério Público, ou seja, uns são causa ou efeito dos outros".

XVI A improcedibilidade da apensação não tem de afetar a apreciação substantiva da prejudicialidade dos "Autos de Faro" em relação a estes "Autos de Loulé".

XVII Estes Autos deveriam ter aguardado a conclusão dos "Autos de Faro", deixando-se claro que o Recorrente nunca requereu qualquer diligência dilatória nestes ou nos outros Autos onde foi ou é assistente.

XVIII A desconsideração da prejudicialidade afetou a defesa do Recorrente e o que se decidiu nestes Autos e está sob Recurso.

XIX O Tribunal a quo" não avaliou a "falsidade ideológica" dos diversos documentos já mencionados e não tirou consequências de tal falsidade para a apreciação dos factos nos Autos e dos depoimentos dos Guardas da GNR.

XX Os diferentes Despachos sob Recursos autónomos que agora também subirão, violaram, em condições formal e materialmente inconstitucionais, o princípio da imediação (artigos 318º CPP, 328º CPP e 355º CPP), a regra da plenitude da assistência do Juiz (artigo 328°-A CPP, e artigo 605° CPC, por força do artigo 3° do CPP) e a regra constitucional do Juiz Natural (número 9 do artigo 32° CRP) e o próprio Acórdão da TRE sobre a competência do Tribunal “a quo" e sobre a reatribuição dos mesmos à Meritíssima Juíza a quem tinham sido distribuídos.

XXI A recusa da acareação requerida nos Autos (artigo 146º CPP), violou expressamente o direito fundamental de defesa em processo penal (artigo 32º CRP).

XXII A reafectação destes Autos à Meritíssima Juíza que apenas presidiu às sessões de Julgamento, não terá respeitado o princípio do Juiz Natural, tendo em conta que os critérios adotados (dias livres e critérios análogos) iludem a aleatoriedade da distribuição e da afetação dos processos (entre outros Acórdão STJ de 11-11-2010, e pedido de declaração de inconstitucionalidade do Provedor de Justiça Q-4100/15, de 18-3-2016).

XXIII A Sentença a quo" não considerou ou considerou mal muita da prova documental nos Autos e não apreciou nem teve em conta a falsidade ideológica de vários documentos.

XXIV Documentos falseados ideologicamente devem ser tidos como imprestáveis no seu todo (anotação de Helena Moniz ao artigo 256.º CP no Comentário Conimbricense do CP, Tomo 2, 1999) ·

XXV Impõe-se assinalar a circunstância de que a acusação só apresentou Testemunhas fardadas (Guardas da GNR e seguranças privados) e nenhuma testemunha estranha aos estranhos desenvolvimentos do caso, mesmo assim não superando as contradições dos depoimentos.

XXVI Faltou na Sentença sob recurso a óbvia e devida constatação de que o arguido ia já bem e extensamente identificado nas requisições para o IML de 1-9-2012 às 10h 06m, isso demonstrando adicionalmente a falsificação ideológica de vários dos documentos da GNR.

XXVII A Sentença a quo" ignorou o deplorável estado físico do arguido e Recorrente na hora e local do acidente, que o levou a ser mais tarde admitido com pulseira amarela no Hospital de Faro.

XXVIII A Sentença sob recurso é em si contraditória sobre efeitos do álcool e imputabilidade.

XXIX Contra legem, a Sentença sob Recurso admite presumir de expressões rudes, dadas como proferidas, a própria verificação dos elementos subjetivos (intelectual e evolutivo) que são condição do tipo incriminador da injúria.

XXX A presunção excecional de que o elemento volitivo se pode presumir nos casos de condução perigosa ou de condução de veículo em estado de embriaguez não consente analogia nem extensão aos tipos dos artigos 181º CP e 184º CP.

XXXI Tal impossível presunção não tem cabimento, nem no escopo da responsabilidade meramente civil.

XXXII À falta evidente dos elementos subjetivos (intelectual e volitivo) que são pressuposto essencial dos tipos incriminadores em causa, junta-se que, no caso em concreto, se deveria ter verificado e reconhecido uma situação de inimputabilidade acidental e transitória.

XXXIII A imputabilidade é o primeiro patamar da culpa: a capacidade do agente para, tino momento da prática do facto ti, "avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação" (número 1 do artigo 20º CP).

XXXIV Se o agente se encontrar impedido de, no momento específico da prática do facto, avaliar a ilicitude da sua conduta ou, mesmo percebendo que ela possa ser vista como ilícita, não tiver capacidade para determinar o seu comportamento de forma fiel ao direito, não podemos afirmar e menos ainda presumir a existência da culpa.

XXXV “A anomalia psíquica pode ser acidental e transitória", resultando, por exemplo, como o próprio diz expressamente, de uma psicose exógena, derivada de uma intoxicação por álcool (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, 2008, página 108).

XXXVI O "juízo de imputabilidade carece de um duplo juízo em concreto" (José de Faria Costa, Lições, 2015), já que o mesmo deve ser efetuado sobre um específico agente, no momento em que aquele atuou, e relativamente a cada um dos crimes pelos quais vem acusado.

XXXVIIÉ possível, em limite, que um agente possa ser condenado pela prática de um dado crime, e que, ao mesmo tempo, na mesma e idêntica sede de Julgamento, deva o mesmo agente ser tido e declarado como inimputável para a prática de um outro facto, ainda que praticado nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar (José de Faria Costa, ibidem).

XXXVIII A dicotomia analítica a fazer tem óbvio lugar entre crimes praticados ao mesmo tempo e, mais obviamente ainda, tem lugar entre crimes em que um é a circunstância do outro.

XXXIX Do que está nos Autos e ficou nas Alegações de Recurso sobre a perturbação e estado temporário e transitório do arguido resulta a conclusão de que a factualidade dada como injuriosa não comportava, nem tinha condições para comportar, qualquer intenção dolosa.

XL O que vem em vários passos da Sentença "a quo" exorbita o que possa ser a livre apreciação dos factos, misturando mesmo conceitos essencialmente jurídicos com factos.

XLI Não pode ser dada como facto uma qualquer presunção, nem uma presunção pode ter valor penal fora de norma legal, prévia, específica, estrita e excecional, assim se tendo de ver retirada tal temerária presunção do poder e do escopo do poder de livre apreciação da prova previsto no artigo 127º CPP, confiado (e não dado) ao Tribunal.

XLII O arguido levou aos Autos importante relatório médico do Professor Doutor DN, Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, cujo valor probatório o Tribunal desconsiderou indevidamente e em termos escusáveis.

XLIII O diagnóstico em causa, documentado nos Autos e sob sigilo externo, é válido para a data e para as circunstâncias do acidente e das circunstâncias posteriores.

XLIV Quaisquer dúvidas sobre o valor científico do diagnóstico ou sobre o horizonte temporal da doença ou das suas manifestações deveriam ter sido esclarecidas nos termos dos artigos 350.º CPP e 351.º CPP, e dos preceitos idênticos do (PC aplicáveis por remissão, fazendo apreciar a veracidade e a natureza do diagnóstico, a compleição científica da declaração, o horizonte temporal da afeção e do diagnóstico e até, a própria atitude processual do arguido e Recorrente e de quem por ele fala.

XLV Quaisquer expressões rudes que tenham sido proferidas só podem ser apreciadas no contexto de comprovada exaltação, influência do álcool e da patologia a este associada, o que obviamente lhes retira qualquer dolo ou intenção, ou sequer qualquer potencialidade, para ofender a honra de terceiros.

XLVI "O significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado" (José de Faria Costa, Comentário Conimbricense CP, V1, 2012).

XLVII É impróprio e impossível presumir a partir das próprias expressões o seu contexto situacional, ou uma qualquer intenção de quem as profira, ou mesmo a sua adequação para ferir a honra de alguém (em sentido semelhante, Acórdãos da TRE de 7-2-2017 e de 13-7-2017.

XLVIII Não há nos Autos sustento para manter a condenação do Recorrente pela prática dos crimes de injúria ou de injúria agravada, antes se justificando a sua absolvição.

XLIX Todas as sanções decorrentes do juízo incriminador assente nos crimes dos artigos 181.º CP e 184.º CP deverão ser dadas sem efeito, nelas incluindo as sanções a título de responsabilidade civil.

D - Requerimento para realização de audiência de Julgamento

Requer-se expressa e excecionalmente que, nos termos do número 5 do artigo 411º CPP, e face à especial complexidade do caso e do universo processual em Recurso, V. Excelências possam aceitar a realização de audiência de julgamento em que o arguido possa:

- Apresentar quer o universo processual do caso quer o complexo universo dos Recursos a subir conjuntamente;

- Evidenciar a questão da prejudicialidade substantiva dos ditos "Autos de Faro", pendentes em fase de recurso nessa Veneranda Relação, face a estes "Autos de Loulé", e as questões de natureza processual que os afectaram nuclearmente;

- Alegar especificamente sobre as circunstâncias que no caso devem fazer ter a prestação de depoimentos por videoconferência como violação intensa do princípio da imediação e das melhores regras de valoração de testemunhos e demais provas;

- Alegar sobre os documentos nos Autos que não foram considerados sequer na douta Sentença “a quo”;

- Alegar sobre as circunstâncias de facto e as razões de direito relativas à invocada inimputabilídade acidental e transitória, também à luz do relatório médico do Professor DN, já nos Autos e sujeito a sigilo externo;

- Alegar sobre os pressupostos de facto e as razões de direito que deveriam ter conduzido à absolvição do arguido dos crimes de injúria ou da injúria agravada;

Por tudo entende respeitosamente o arguido e recorrente que V. Excelências deverão apreciar o presente Recurso e todos os demais Recursos pendentes que com este agora subirão, de forma a, pelo menos:

A - Considerar verificada, por razões de facto e de direito, a inimputabilidade acidental e transitória do arguido e recorrente, também prevista sob o âmbito do número 1 do artigo 20º CP, pelo menos relativamente aos crimes de injúria;

B - Fazer absolver o arguido relativamente à prática dos alegados crimes de injúria;

C - Fazer reduzir o horizonte da sanção acessória de inibição de condução automóvel;

D - Fazer reduzir a indemnização cível arbitrada a favor do Guarda da GNR que apresentou PIC nos Autos, tendo em conta a requerida absolvição do arguido relativamente aos crimes de injúria;

E - Apreciar as questões processuais dirimentes e os seus efeitos nestes Autos, todas objeto de recursos pendentes a subir conjuntamente.

Assim fazendo justiça e dizendo superiormente o direito do caso como é timbre dessa Veneranda Relação.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, Dizendo:

1. A eventual existência de urna questão prejudicial foi apreciada por despacho transitado em julgado, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto a essa questão.

2. A "falsificação ideológica" de documentos é objecto de um outro processo.

3. Não tem relevância para os presentes autos nem invalida a prova produzida na audiência de discussão e julgamento.

4. A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica da prova testemunhal, e de acordo com as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

5. Tendo em consideração os termos da Deliberação do Conselho Superior da Magistratura, não se vislumbra em que possa ter sido beliscado o "princípio do Juiz Natural".

6. O Tribunal apreciou toda a prova com relevância para a decisão, tendo em consideração os factos imputados ao arguido, delimitados no despacho de pronúncia.

7. Durante a audiência de julgamento nenhuma circunstância levou a ponderar a necessidade de ser efectuada perícia psiquiátrica ao arguido com vista a apurar da sua imputabilidade, nem o arguido requereu a realização dessa perícia.

8. Por tudo o exposto/deve a sentença recorrida ser confirmada e/em consequência, negar-se provimento ao recurso.

• Também interlocutoriamente recorre o arguido o arguido HMSM do indeferimento liminar da apensação destes Autos, com os Autos com o número 1027/12.5TALLE, aos Autos com o número 106/12.3TREVR (que correm na Relação de Évora, já em fase de instrução, em que é arguida Magistrada do MP de Vila Real de Santo António, pela alegada autoria moral de crimes de prevaricação e de falsificação de documentos, de que, afinal, terão sido autores materiais, autores únicos ou a outro qualquer título comparticipantes, os Guardas da GNR que foram constituídos arguidos sob os mencionados Autos com o número 1027/12-5TALLE);

Formulando as seguintes conclusões:

I. O indeferimento liminar do pedido de apensação a estes Autos dos Autos com o número 1027/12.5TALLE (que correm também e Loulé, mas estão estacionados nos serviços do MP, contra Guardas da GNR por alegada autoria material de crimes de prevaricação e falsificação do conteúdo de documentos oficiais, relacionados com a alegada factualidade destes presentes Autos) limitará o âmbito e as condições de apreciação da invocada nulidade da Acusação, que o recorrente alegou no requerimento de abertura de instrução e foi relegada para o debate instrutório.

II. Tal indeferimento preliminar poderá também limitar os direitos de defesa do Recorrente se assim se quiser consentir que venham a estes Autos documentos cujo conteúdo foi alegadamente falsificado por aqueles Guardas ou se pretender vê-los como testemunhas nestes autos, contra o impedimento previsto na alínea a) do número 1 do artigo 133º do CPP.

III. Efectivamente, se não se puder debater em fase de Instrução quer a própria questão da conexão objectiva dos processos, quer as questões apuradas ou mesmo confessadas nos demais processos, quer as consequências processuais relativas aos documentos viciados pelos crimes que se julgam nos outros Autos, quer ainda o próprio impedimento para deporem como testemunhas dos Arguidos nos outros Autos (alínea a) do número 1 do artigo 133º do CPP), ficarão injustificadamente limitados os direitos do Arguido e Recorrente a um processo penal justo e equitativo.

IV. Nos termos dos preceitos aplicáveis do código de processo penal, e em condições de igualdade processual com os demais intervenientes nos mesmos factos (números 1 e 4 do artigo 20º CRP), e nos demais preceitos e termos legais aplicáveis, o presente Recurso tem por objecto a parte do mencionado Despacho que, não tendo em conta a sua necessária interdependência, relegou para a fase de instrução o conhecimento da alegada nulidade do Inquérito mas se pronunciou logo pela improcedência da apensação dos processos que fora simultaneamente requerida, sem curar da questão da conexão objectiva dos processos (que não carecem da respectiva apensação) nem da mitigação dos direitos do recorrente que tal decisão preliminar implicaria.

V. Efectivamente existe uma necessária interdependência entre a manifesta nulidade da Acusação e a circunstância de o MP ter ignorado nestes Autos o que ele próprio levou aos dois outros Autos mencionados, e a circunstância adicional de o MP ter conduzido os presentes Autos e os Autos com o número 1027/12.5TALLE, sem razão bastante ou sequer aparente, para evitar, como há que presumir do silêncio da própria Acusação, a respectiva apensação.

VI. Se a questão de o Ministério Público não ter exercido o seu poder/dever de promover a apensação de processos não puder ser sindicada judicialmente em fase de Instrução, pelo menos no que tem a ver com as consequências de tal omissão para o Arguido e Recorrente, ficará limitada a apreciação da invocada nulidade da própria Acusação.

VII. Justifica-se por isso que, se não puder ser determinada agora a apensação a estes Autos dos Autos “estacionados” no MP de Loulé com o número 1027/12.5TALLE; que o MP deveria ter promovido, se possa determinar – dizendo o direito - que, mesmo que não possa ser sindicada a tão discutível discricionariedade do MP, se dêem como objectivamente verificados entre estes e aqueles Autos os pressupostos objectivos de conexão, com as mesmas consequências processuais que resultariam da apensação, incluindo nessas consequências:

a) O impedimento necessário de os Guardas arguidos nos Autos com o número 1027/12.5TALLE poderem depor como testemunhas no debate instrutório ou em qualquer outra fase destes Autos e

b) A impossibilidade de conhecer (ou ter em conta) nestes presentes Autos documentos cujo conteúdo tenha sido falsificado pelos Arguidos naqueles Autos.

Termos em que, com o douto suprimento da Veneranda Relação de Évora, o douto Despacho a quo deverá ser substituído por outro que determine a apensação a estes Autos dos Autos com o número 1027/12.5TALLE ou que, pelo menos, se a apensação se não vir agora possível, reconheça estarem verificados entre os dois Autos os pressupostos objectivos de conexão previstos sob o artigo 24º do CPP, isso bastando para, nomeadamente, se ter por verificado o impedimento dos Guardas que são arguidos nos Autos com o número 1027/2012.5.TALLE deporem como testemunhas nos presentes Autos.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público dizendo que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e manter-se a douta decisão recorrida.

• Como interlocutoriamente recorre o arguido HMSM do despacho judicial que não se pronunciou quanto à questão de não poder subsistir a acusação relativamente ao crime de condução perigosa, tipificado na alínea b), do n.º 1, do art.º 291.º, do Cód. Pen., por ter ocorrido, entretanto, depois da acusação, a desistência da queixa que fora única causa e sustento processual destes autos (n.º 1210/12.3TALLE), e que foi expressamente exposta e fundamentada no pedido de abertura de instrução;

Formulando as seguintes conclusões:

I. O douto Despacho a quo não menciona sequer a que título foi proferido, sendo de admitir que só o pedido de abertura de instrução formulado pelo Arguido e Recorrente lhe deu oportunidade.

II. O douto Despacho a quo apenas decide pela apensação destes Autos a outros que correm no mesmo Juízo de Instrução, sem mencionar qualquer outra questão e sem se pronunciar sobre as questões formuladas pelo Arguido e Recorrente no seu pedido de abertura de Instrução, sendo que o douto despacho a quo, afinal, só decidiu sobre matéria para a qual nem havia pedido (a apensação…).

III. O douto Despacho a quo deixou por isso sem pronúncia - – não respondendo, nem sequer adiando - a questão de direito, necessariamente prévia e prejudicial, e que fora explicitamente formulada, de não poder subsistir qualquer acusação quanto ao alegado e único crime de “condução perigosa” (tipificado na alínea b) do número 1 do artigo 291º CP).

IV. A homologação da desistência da queixa do passageiro do outro veículo, não deveria ter apenas feito extinguir a acusação relativa ao crime de ofensa à integridade física, mas deveria ter também implicado o arquivamento dos próprios Autos por ter deixado de existir no mundo do direito e do processo o pressuposto essencial do tipo incriminador da condução perigosa de veículo do artigo 291º (o perigo efectivo para a integridade física de outrem).

V. O douto Despacho também ignorou, sem responder nem sequer adiar, a questão do impedimento dos Guardas da GNR indicados como testemunhas na acusação, por serem eles próprios arguidos em processo sobre a mesma factualidade, diligentemente estacionado no MP de Loulé.

Termos em que, com o douto suprimento da Veneranda Relação de Évora, o douto Despacho a quo, deverá ser substituído por outro que determine o arquivamento imediatamente destes Autos, por faltar um pressuposto essencial do tipo incriminador mencionado na Acusação, sendo essa uma questão prévia e prejudicial de direito e não sequer uma questão de facto.

Se porventura, fundamentadamente, não puder ser proferida de imediato a decisão de arquivamento, ter-se-á de pelo menos decidir e fundamentar diferentemente quer a questão da apensação (tendo em conta a existência de outros Autos associáveis, todos mencionados no mesmo pedido de abertura de instrução) quer a questão do impedimento das testemunhas que são guardas da GNR e a esse título indicadas na Acusação.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público dizendo que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e manter-se a douta decisão recorrida.

• Mais uma vez recorre, interlocutoriamente, o arguido HMSM, ora, do despacho judicial prolatado a 4 de Maio de 2017 que indeferiu o requerimento do arguido que entrou nos autos em 24-4-2017, sobre as questões da pendência de um recurso nos autos 1027/12.5TALLE de Faro e da audição de testemunhas e declarantes por videoconferência; b) reconheceu a irregularidade de o arguido não ter sequer sido notificado, nem dos pedidos (dos "próprios") nem dos Despachos que aceitaram a prestação de testemunho e de declarações por videoconferência à quase totalidade das pessoas arroladas pelo Ministério Público, todas guardas da GNR, mas deu tal irregularidade como sanada por ter sido entretanto suscitada pelo arguido, e deu assim por resolvida a questão da falta do contraditório sobre a questão; c) manteve a decisão de ouvir por videoconferência, quatro das seis testemunhas ou declarantes arrolados pelo Ministério Público, todos guardas da Guarda Nacional Republicana, que na altura dos alegados factos serviam (todos) no posto desta em Almancil;

Formulando as seguintes conclusões:

I O douto Despacho do Tribunal "a quo" incidiu sobre requerimento do arguido em que este suscitou, no prazo relâmpago de 3 dias, a) questão da eventual prejudicialidade da pendência no venerando Tribunal da Relação de Évora de um recurso sobre douto Acórdão do Tribunal de Faro (Instância Central, em formação coletiva) sobre matéria conexa com a matéria destes Autos, e onde se deu como provada matéria não sujeita a recurso, e também pertinente para ser apreciada nestes e em que, sobretudo, b) este suscitou a questão da manifesta ilegalidade - do procedimento e da decisão - que levou a que, sem qualquer notificação ao arguido para se pronunciar, tivesse sido decidida a audição por videoconferência de todos os guardas da GNR arrolados pelo MP como testemunhas ou declarantes.

II O douto Despacho “a quo" reconheceu como irregularidade a invalidade suscitada como nulidade pelo arguido, por não ter sido notificado dos pedidos e dos Despachos que aceitaram a prestação de testemunho e de declarações por videoconferência, mas, no entanto, quis dar por sanada tal irregularidade pelo facto de o arguido a ter vindo suscitar nos Autos e ter tomado conhecimento dos mesmos.

III O arguido veio requerer ser notificado e poder pronunciar-se sobre o uso da videoconferência nestes Autos, já que no prazo curto de 3 dias previsto no número 1 do artigo 123.º do CPP em que antecipou a sua posição contrária, não poderia sequer exercer o seu direito ao contraditório em igualdade de armas.

IV Ao manter a decisão de prosseguir a audição de testemunhas e de declarante por videoconferência, o douto Despacho "a quo" continuou a violar a regra inaugural do direito ao contraditório, por não dar ao arguido prazo próprio para se pronunciar, e violou os preceitos processuais e constitucionais relativos à imediação do julgamento e da prova, princípio da verdade material, ao princípio substancial do contraditório, e a todos os preceitos imperativos relativos ao uso excecional da videoconferência.

V Como resultava das peças processuais que levou a estes Autos, e que este iam introdutoriamente o seu direito constitucional a uma defesa plena, vários documentos escritos, por mão própria, que são elementos de prova levados aos Autos, são da autoria de várias das testemunhas que quiseram ser ouvidas por videoconferência, tendo o arguido e recorrente o direito de as poder fazer confrontar, em direto e ao vivo, com tais provas, e mesmo de poder propor que as mesmas sejam acareadas entre si.

VI Não estão verificadas nos Autos as condições cumulativas do número 1 do artigo 318.º do CPP e, designadamente, não pode ser tida como verificada a condição nuclear da alínea b).

VII Aliás, não foi nem poderia ser delimitada nos Autos sem a intervenção do arguido, o âmbito em que poderiam ser ouvidas por videoconferência tais testemunhas ou declarantes, requerida pelo número 3 do mesmo artigo 318.º do CPP.

VIII Resulta diretamente do mesmo número 3 do artigo 318.º do CPP que só os sujeitos processuais “qua tale" poderão ter a iniciativa processual de requerer depoimentos por videoconferência, porque só eles podem cumprir o ónus de fundamentar os pedidos e de fazer enunciar e propor os alegados factos ou as alegadas circunstâncias que devam delimitar tais depoimentos, não podendo obviamente tal iniciativa surgir nos Autos pelos próprios declarantes ou testemunhas.

IX O douto Despacho ora sob recurso, que reconheceu a irregularidade do procedimento atacado pelo arguido, deveria ter concluído pela nulidade das decisões proferidas e dos atos subsequentes, de acordo com a segunda parte da alínea d) do número 1 do artigo 120.º do CPP.

X Ao não decidir pela nulidade das próprias decisões anteriores, o douto Despacho "a quo" está ferido de nulidade, por violar frontalmente o princípio do contraditório e o correspondente direito constitucional e processual do arguido, e por violar substantivamente os princípios da descoberta da verdade material e da imediação da prova.

XI Resulta do número 1 do artigo 318.º do CPP que é sempre excecional a tomada de declarações por videoconferência e que a mesma só é possível quando se verifiquem as condições cumulativas ali previstas e seja possível delimitar as declarações a proferir, o que não era nem pode ser o caso dos Autos.

XII Era e é evidente nos Autos que não estava verificada no caso a condição matriz do número 1 do artigo 318.º do CPP: "não haver razões para crer que a sua presença na audiência é essencial à descoberta da verdade",

XIII A prestação de depoimento pela testemunha ou de declarações pelo assistente, pelas partes civis, pelos peritos ou pelos consultores técnicos só excecionalmente pode ter lugar diante de juiz de outra comarca" (Paulo Pinto Albuquerque, atrás identificado no lugar próprio).

XIV A essencialidade para a descoberta da verdade não poderá ser sequer dada como verificada se, qualquer dos sujeitos processuais, alegar e demonstrar sumariamente que a presença de testemunhas ou declarantes no Tribunal de julgamento é essencial para o esclarecimento da verdade e para a apreciação das provas nos Autos.

XV A tomada de declarações sem que estejam verificadas as condições cumulativas do número 1 do artigo 318.º do CPP viola também o artigo 355.º do CPP sobre a imediação da prova.

XVI O recurso à videoconferência não satisfaz a regra fundamental da imediação do

julgamento e da prova, sendo por isso mesmo excecional e estando sujeito a condições cumulativas exigentes.

XVII Não há imediação televisiva nem por videoconferência.

XVIII O número 1 do artigo 355.º do CPP não condescende sequer com a hipótese de a videoconferência conviver com a regra da imediação da prova, quando esteja em causa matéria tida como essencial para qualquer dos sujeitos processuais, pois não está apenas em causa a produção de prova em audiência de julgamento, mas também o exame de provas na própria audiência.

XIX O arguido, quando isso interesse à sua defesa, tem de poder contra-interrogar “ao vivo" testemunhas ou declarantes.

XX O venerando Tribunal da Relação de Évora disse expressamente em acórdão de 3-2- 2015, nos Autos com o número 106/12.3, onde era arguida a Senhora Procuradora Adjunta do Ministério Público, em processo infelizmente relacionado com estes autos e também a propósito da audição destes e de outros guardas da GNR (pp. 17 e 21) que

- (No que tange aos factos dados como não provados, liminarmente importa dizer que assim foram considerados por não ter sido produzida e/ou examinada na audiência de julgamento prova minimamente conducente à sua demonstração, como infra se procurará evidenciar com mais detalhe.".

( ... )

- “É por demais sabido, que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia, os quais escapam à gravação ou ao registo magnético e por maioria de razão à escrita. "

- “Na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, só apreensiveis com a oralidade e imediação das provas. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação e oralidade das provas. Só esse contacto vivo permite avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações e depoimentos prestados. "

XXI O arguido e recorrente louva-se em tão explícitas considerações de tão douto Acórdão do venerando Tribunal da Relação de Évora.

XXII A questão em apreço, qual seja a da tomada de declarações aos declarantes e o modo como devem ser colhidas, não é procedimental nem meramente ordenadora do processo, sendo antes uma questão materialmente constitucional, por via das normas processuais, e também formalmente constitucional por estar em causa o artigo 32.º da CRP.

Por tudo, entende respeitosamente o arguido que se impõe que sejam dados sem efeito os atas processuais realizados a ter como prejudicados pelo

Despacho "a quo" e pelas decisões anteriores que consentiram neste caso a prestação de declarações por videoconferência, e que seja proferida decisão que a) possa considerar adequado que os presentes Autos tenham em conta para discussão em sessão de julgamento factos já dados como provados nos mencionados Autos de Faro e que considere poder existir uma forma específica de prejudicialidade entre o recurso pendente na veneranda Relação de Évora e os presentes Autos, e, sobretudo b) tenha por impossíveis as requeridas e atendidas prestações de depoimento por videoconferência, por não estarem verificadas as condições cumulativas legalmente previstas para a exceção consentida sob o número 1 do artigo 318.º do CPP, estando antes verificada uma flagrante violação dos artigos 318.º e 355.º do CPP, e dos princípios do contraditório e da imediação do julgamento e da prova.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público Dizendo:

1. Nos casos previstos no n.º 1 do art.º 318.º do Código de Processo Penal podem as testemunhas ser inquiridas por videoconferência no decurso da audiência de julgamento.

2. Tudo se passa como se a pessoa inquirida estivesse presente fisicamente na sala onde decorre a audiência.

3. Não foi posto em causa o principio do contraditório.

4. Não se vislumbra em que possa ter sido beliscado o art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

5. A tomada de declarações feita nos termos do n.º 5 do art.º 318.º, do Código de Processo Penal não põe em causa os princípios da verdade material e da imediação.

6. Se se mostrar necessário, o Tribunal pode sempre determinar a comparência na sala de audiências.

7. A omissão da comunicação a que alude o n.º 2 do art.º 318.º, do Código de Processo Penal não consubstancia qualquer nulidade.

8. A enumeração das nulidades insanáveis feita no art.º 119.º, do Código de Processo Penal é taxativa.

9. Entre o elenco de nulidades previstas nas alíneas a) a f) do mesmo preceito legal não se encontra a situação invocada pelo arguido.

10. Não se verifica a existência de qualquer nulidade dependente de arguição, nos termos do art.º 120.º, do Código de Processo Penal.

11. Ainda que assim não fosse não tendo sido arguida nos termos e nos prazos a que alude o n.º 3 do mesmo preceito legal, a existir, ficou sanada.

12. A omissão da comunicação prevista no referido n.º 2, do art. 318.º, do Código de Processo Penal poderia consubstanciar uma irregularidade, nos termos do n.º 2, do art.º 123.º, do mesmo diploma legal.

13. Não tendo sido arguida nos termos e no prazo previstos no n.º 1, do art.º 123.º, do Código de Processo Penal, ficou sanada pois não afecta o valor do acto praticado.

14. Por tudo o exposto, deve o despacho recorrido ser confirmado e, em consequência, negar-se provimento ao recurso.

• Mais uma vez recorre, interlocutoriamente, o arguido HMSM, ora, do despacho judicial prolatado a 7 de Julho de 2017 que indeferiu o requerimento do arguido feito verbalmente na própria audiência de julgamento (como foi depois mencionado na respetiva ata) no sentido de permitir a acareação entre as testemunhas ou declarantes:

- DDG (ouvido por videoconferência em 26-5-2017)

- TAMN (ouvido por videoconferência em 19-6-2017)

- DNNC (ouvida presencialmente em 7-7-2017);

Formulando as seguintes conclusões:

I o douto Despacho "a quo" indeferiu o requerimento do arguido feito verbalmente na própria audiência de julgamento (como foi depois mencionado na respetiva ata) no sentido de permitir a acareação entre as testemunhas ou declarantes:

- DDG (ouvido por videoconferência em 26-5-2017)

- TAMN (ouvido por videoconferência em 19-6-2017)

- DNNC (ouvida presencialmente em 7-7-2017)

Com o fundamento assim singelamente levado à ata de não existirem contradições entre os depoimentos em causa;

II Está pendente de decisão outro recurso anterior interposto pelo arguido, visando vir a ter como nulos os depoimentos prestados por videoconferência.

III Servem também para este recurso, fundamentadamente, o que o arguido disse e alegou nesse anterior recurso sobre a necessária abrangência da prova e dos seus meios.

IV Entende o arguido que a falta da requerida acareação potenciará a grave lesão dos seus direitos de defesa já resultante de os dois indicados depoimentos (DG e TN) terem sido feitos por videoconferência, tudo afetando, em cúmulo, o exercício do seu direito fundamental e fundante de defesa em processo penal.

V A contradição de que fala o artigo 146.º abrange necessariamente a circunstância de haver factos relatados num depoimento e omitidos em outros, ou as diferenças de referência aos tempos factuais, ou as diferentes descrições ou as diferentes sequências dos mesmos alegados factos.

VI o douto Despacho (“a quo" viola o princípio do contraditório, em sentido substantivo, e é também uma violação substantiva dos princípios da descoberta da verdade material e da imediação da prova.

VI A impossibilidade da acareação entre testemunhas subtrai novamente a possibilidade de, presencialmente, aferir, conjuntamente com as contradições e por causa delas, o comportamento recíproco das testemunhas ou declarantes em causa, uns em face de outros: a alteração do fácies, dos gestos, das posições corporais, da fala e do tom e dos olhares das testemunhas e dos declarantes entre si e perante o Tribunal.

VIII Apenas em acareação é possível suscitar o confronto das descrições feitas por uns e outros sobre objetos ou documentos.

IX O guarda TN, que formulou pedido cível nestes Autos e o guarda DG, que neles apareceu como testemunha, são elementos centrais - conjuntamente com o arguido nos Autos de Faro - da materialidade do que tenha acontecido em 1-9-2012.

X Os dois mencionados guardas são elementos centrais do que possa ter sido falsificado ideologicamente relativamente a documentos que estão nos Autos.

XI Os dois guardas terão de poder ser confrontados em conjunto e presencialmente, como testemunhas ou declarantes, sobre a eventual contradição do que disseram relativamente a documentos nos Autos, manuscritos por um deles, e do conhecimento de todos os guardas da GNR.

XII Foi o guarda DG que esteve no Hospital com o aqui arguido (e assistente em Faro) e que logo preencheu (Ide mão própria", ali mesmo no Hospital de Faro, requisições oficiais que identificavam plena e amplamente o aqui arguido, sendo isso contraditório com a afirmação de que o arguido não tinha documentos nem consigo nem no veículo e contraditório com a afirmação de que o arguido não estava nem tinha sido identificado logo de manhã.

XIII Há contradições entre as horas que foram "acomodadas" em vários documentos como hora do acidente, como hora da detenção, como hora da identificação.

XIV A testemunha DG disse por videoconferência que preencheu o documento, mas que não sabe quem lhe deu as informações. Mas,

XV O declarante TN, que era chefe da patrulha, que esteve no hospital, que foi dado por outras testemunhas como presente aquando do preenchimento das requisições mencionadas, escusa-se dizendo que não viu nem sabe quem preencheu, apenas admitindo que tenha sido o DG.

XVI No entanto, o Guarda TN veio dizer que terá trazido consigo os kits com fluido sanguíneo para fazer analisar no IML, mas não reparou que o arguido vinha neles integralmente identificado.

XVII A maior contradição com a realidade documental-· vem de um (DG) dizer que identificou o arguido na requisição das análises a fazer ao sangue do arguido, e que preencheu às 10h o6m como reconhece, ainda que dizendo que não sabe de onde lhe chegaram tais elementos, e de o outro guarda (TN) persistir em dizer que o arguido terá sido identificado às 12h.

XVIII A falsificação ideológica dos documentos, onde ia tudo o que se pretendeu apontar ao arguido, é questão essencial e intransponível destes Autos.

XIX É também contraditória a versão que dão um e outro dos guardas sobre o momento e sobre o motivo da detenção, e sobre o respetivo momento.

XX Há também óbvia contradição - a esclarecer - entre o alegado diálogo com o guarda TN, descrito pormenorizadamente e presencialmente pela testemunha DC, e o depoimento omissivo do mesmo guarda TN.

XXI O que o guarda TN disse quanto ao cartão de crédito da Repsol, quanto ao cartão-de-visita do arguido, que estavam um e outro na viatura e que depois estiveram um e outro na secretária do próprio guarda, ou quanto aos documentos da viatura, apenas para exemplo, é contraditório com o que disse explicitamente ao Tribunal a testemunha DC.

XXII O princípio da imediação e o seu regime valem quer para a prestação de depoimentos quer para a eventual acareação entre testemunhas ou declarantes.

XXIII O arguido, aqui recorrente, tem de poder ver acarear ao vivo as mencionadas testemunhas ou declarantes, verificando e permitindo ao próprio Tribunal que verifique o seu comportamento físico em direto e permitindo que, também em direto, as mesmas possam ser confrontadas conjuntamente com documentos dos Autos.

XXIV As transcrições juntas dos depoimentos prestados pelo declarante TN e pelas testemunhas DG e DC evidenciam melhor e mais diretamente o fundamento e a oportunidade das acareações requeridas.

XXV Sem tal acareação ficará irremediavelmente e de novo violado nos Autos o princípio da imediação do julgamento e da prova.

XXVI A questão da acareação volta a ter um relevo substantivo e essencial para a defesa do arguido, com a dimensão materialmente constitucional de todas as regras essenciais do Código de Processo Penal, e com a dimensão formal e substantivamente constitucional, e de aplicação direta, do artigo 32.º, da CRP.

Por tudo, entende respeitosamente o arguido que se impõe que sejam dados sem efeito os atas processuais realizados a ter como prejudicados pelo Despacho "a quo" e se substitua o douto Despacho lia quo" que recusou a acareação requerida, por decisão que considere que - se não ocorrer entretanto, como o arguido espera, a anulação de todos os depoimentos prestados por videoconferência - as testemunhas e declarante mencionadas no prólogo destas alegações deverão poder ser acareadas entre si.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, Dizendo:

1. Só é admissível acareação quando se verificar a existência de contradição entre as declarações prestadas pelas pessoas a quem se refere o art.º 146.º do Código de Processo Penal quando essa diligência se afigure útil à descoberta da verdade.

2. Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência de crime.

3. O objecto do processo foi fixado no despacho de pronúncia.

4. A testemunha DNNC não presenciou os factos que os militares DDG e TAMN presenciaram.

5. A acareação entre essa testemunha e os militares da GNR não se reveste de qualquer utilidade.

6. Do mesmo modo, não poderá verificar-se contradição entre os respectivos depoimentos.

7. Não se verifica a existência de contradição entre os depoimentos prestados pelos militares referidos.

8. Não se verifica a existência dos requisitos de que o art.º 146.º, do Código de Processo Penal faz depender a possibilidade de acareação.

9. Não foi posto em causa o princípio do contraditório.

10. Não se vislumbra em que possa ter sido beliscado o art.º 32°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

11. Não foi posto em causa o princípio da verdade material.

12. Por tudo o exposto, deve o despacho recorrido ser confirmado e, em consequência, negar-se provimento ao recurso.

Nesta Instância o Sr. Procurador Geral-Adjunto é de entendimento que o(s) recurso(s) é/são de improceder.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:

Factos Provados:

1.No dia 1 de Setembro de 2012, aproximadamente pelas 07h30, o arguido HMSM, exercia a condução do veículo de matrícula ……… marca……., na Estrada Municipal s/n, no sentido M396/Estrada de Vale Éguas.

2.O arguido exercia a condução do referido veículo com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de pelo menos 1,99 g/l, devido ao facto de, antes de a empreender, ter voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas.

3.Nas mesmas circunstâncias de tempo, circulava o veículo com a matrícula…………, marca ……………….., modelo……………., na Estrada Vale de Éguas, no sentido do Poço da Amoreira/Vale Éguas, conduzido por LFM, propriedade de MFSD.

4. Na viatura referida em 3., além do condutor, seguia como passageiro, fazendo-se transportar no banco do lado do condutor, MJAR.

5.No local existe um entroncamento entre estas duas estradas, ou seja, entre a Estrada de Vale de Éguas (que faz a ligação entre Sítio dos Quartos e Almancil) e a Estrada Municipal referida em 1.

6.Por sua vez, à entrada do referido entroncamento, do lado direito, para quem vem da Estrada Municipal já referida e pretende entrar na Estrada de Vale de Éguas, existe um sinal vertical, vermelho, com as letras “STOP”, obrigando desta forma, todos os condutores, que conduzam nessa estrada, a parar antes de entrar no entroncamento e a ceder a passagem a todos os veículos que circulem na Estrada de Vale de Éguas.

7.No local não existia qualquer sinal vertical a limitar a velocidade, sendo a velocidade máxima permitida de 50 Km/hora, pela existência do referido entroncamento.

8. O tempo estava seco e o asfalto em boas condições de conservação.

9. O arguido ao chegar ao entroncamento, porque exercia a condução com uma taxa de álcool de 1,99 gramas/litro, com as suas capacidades de atenção, concentração e reacção diminuídas, não parou à entrada do entroncamento, tendo entrado repentinamente na Estrada de Vale de Éguas.

10. E, ao entrar na referida via, conforme descrito em 9., virou à esquerda e invadiu a faixa de rodagem por onde circulava a viatura com a matrícula ……..

11. O condutor da viatura …………, apesar de se ter apercebido de tal facto e de circular a velocidade não superior a 50 Km/hora, não conseguiu accionar os mecanismos de travagem em virtude de o veículo do arguido ter invadido a referida faixa de rodagem repentinamente.

12. Devido ao referido em 11., o veículo ………..Foi embatido na parte lateral direita da sua viatura, pela parte frontal da viatura conduzida pelo arguido.

13. O embate descrito em 12. ocorreu a meio da faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha Poço da Amoreira/Vale Éguas.

14.Em razão do embate, MJR foi assistido no Centro de Saúde de Loulé e posteriormente no Hospital Distrital de Faro e, como consequência directa e necessária da referida colisão, MR sofreu traumatismo cervico-dorsal e do MSD com escoriações; inversão da lordose e fisiologia cervical com vértice em c4c5, tendo ficado com as seguintes sequelas: pescoço: dor à palpação do trapézio esquerdo. Limitação activa das rotações e inclinações cervicais por dor e contractura; -Membro superior direito: cicatriz cervical acastanhada na face posterior do braço com 9 cm. Cicatriz acastanhada na face externa do cotovelo com 2x1,5 cm; de que lhe resultaram 30 dias de doença, dos quais 8 com incapacidade para o trabalho e os mesmos com incapacidade profissional.

15. O veículo de matrícula…………., avaliado em 4.490,00€ (quatro mil, quatrocentos e noventa euros) sofreu perda total.

16. O arguido HM podia e devia ter parado à entrada do entroncamento, conforme previsto pelo sinal vertical, acima referido.

17. O acidente ficou a dever-se exclusivamente ao facto do mesmo, indiferente às regras de circulação rodoviária, ter circulado sob o efeito de bebidas alcoólicas e sem ter parado no referido entroncamento, em cumprimento do sinal vertical, o que era previsível

18. Não obstante saber que estava influenciado pelo álcool ingerido, que lhe determina uma taxa de alcoolemia superior a 1,20g/litro e que, nessas condições, não lhe era permitido conduzir na via pública, o arguido não se absteve de o fazer.

19. Sabia o arguido que estava obrigado a ter cuidado na condução de um veículo automóvel e em cumprimento das regras estradais.

20.Tinha o arguido conhecimento que, ao exercer a condução do veículo nos termos acima referidos, violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária, relativas à condução sob a influência do álcool e à obrigação de parar perante a existência de um sinal vertical, com as prescrições acima mencionadas.

21. Não ignorava o arguido que com tal conduta criava perigo para a integridade física e para a vida de outros condutores que circulassem nas referidas vias.

22. Não obstante, quis exercer a condução naquele estado, e por aquela forma, o que fez de forma deliberada, livre e consciente, conhecia a censurabilidade das suas condutas.

23. No local da colisão compareceu, naquela manhã, a patrulha da Guarda Nacional Republicana, constituída pelos militares TN e DG, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.

24. De imediato, assim que os ditos militares se dirigiram ao arguido, este, desagradado com a interpelação, dirigindo-se aos mesmos, gritou: “Vocês são uns cabrões!”; “Não sabem com quem estão a falar!”; “São uns cabrões!”, “Filhos da puta!”.

25. Perante tais factos, foi-lhe dada voz de detenção, ao que o mesmo, não a acatando, de molde a evitar a consumação daquela, desferiu um murro na face direita do militar TN, que o atingiu na zona do maxilar, ao mesmo tempo que, dirigindo-se-lhe, proferiu, em voz alta, as seguintes afirmações: “Seu filho da puta!”, “Vamos os dois para ali e já vais ver como é!”.

26. Das agressões descritas resultaram, directa e necessariamente, hematomas na face do militar TN e dores.

27. Ao proferir e dirigir as palavras acima mencionadas, o arguido sabia serem as mesmas objectivamente ofensivas da honra, brio, dignidade pessoal e profissional dos militares TN e DG e que, ao proferi-las, faltava ao respeito devido aos ofendidos enquanto pessoas, bem como, e em especial, enquanto agentes de uma autoridade pública no exercício das suas funções, sendo que agiu com a intenção de concretizar tal desiderato, o que logrou alcançar.

28. O arguido teve perfeito conhecimento de que o militar TN pertencia à Guarda Nacional Republicana e que agiu no âmbito das suas funções de membro das forças de segurança e, mesmo assim, actuou com o propósito de o impedir de exercer as funções que lhe competiam.

29. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

30. O arguido é o mais novo de uma fratria de dois elementos, viveu com os pais até aos 21 anos, na ……………….

31. O seu processo de crescimento e de socialização foi caracterizado pela integração num ambiente familiar de medianas condições socioeconómicas, caracterizadas pela estabilidade afectiva e económica.

32. O arguido é licenciado em Matemática e tem Mestrado em Ciências de Educação.

33. Exerceu as funções de docente, como professor de Matemática do Ensino Secundário, entre os anos de 1999 e 2009, tendo, em 2002, integrado o quadro de nomeação definitiva do Ministério da Educação, afecto à Escola ……………….

34. Desde o ano de 2009, tem sucessivamente exercido funções como eleito local, em regime de permanência e de exclusividade, na …………………...

35. Em 2015 assumiu a presidência da ……………….., na sequência das eleições legislativas daquele ano, na qual a anterior Presidente foi eleita deputada pelo círculo de Lisboa.

36. Vive maritalmente com a companheira, DC, e com uma filha do casal, com 4 anos de idade.

37. A companheira é Advogada, com inscrição suspensa na Ordem dos Advogados desde 2004, data em que integrou o quadro de pessoal da ……………….

38. O arguido e o respectivo agregado familiar residem em habitação própria, adquirida com recurso a mútuo bancário, pagando a prestação mensal de 500,00€ (quinhentos euros).

39. A filha frequenta o ensino pré-escolar, ascendendo a 400,00€ (quatrocentos euros) a mensalidade do estabelecimento de ensino.

40. No ano de 2016, em sede de declaração de IRS, relativa a rendimentos apenas auferidos pelo próprio, o arguido declarou o rendimento bruto anual de 62.137,71€ (sessenta e dois mil, cento e trinta e sete euros e setenta e um cêntimos).

41. O arguido consultou em 15 de Fevereiro de 2015 um especialista na área do alcoolismo.

42. É tido pelos amigos e pelos familiares como pessoa calma, íntegra e trabalhadora.

43 .Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

Quanto ao Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo Hospital de Faro, EPE

44. Na sequência do referido em 25., no âmbito da sua actividade assistencial, o Hospital de Faro prestou cuidados de saúde ao assistido TN no valor total que ascende a 147,00€ (cento e quarenta e sete euros).

Quanto ao Pedido de Indemnização Civil deduzido por TN (para além do provado em 23., 24., 25., 26., 27., 28. e 29.)

45. Os factos descritos ocorreram na presença de várias pessoas, cujo número não se logrou determinar.

46. Perante o comportamento do demandado o demandante sentiu-se afectado na sua honra e consideração.

47. Devido ao referido em 25. e 26., o demandante sofreu dores naquele dia e nos dias seguintes à agressão.

Factos não Provados:

Com relevo para a decisão da causa, não resultou provado que:

a) Para além das expressões provadas em 24. e 25., o arguido tenha proferido as expressões “Só me estão a lixar a vida”, “Não vou preso”, “Tás fodido”, “ Não sabes quem eu sou”.

No que diz respeito à Contestação à Pronúncia, relativamente às alegadas nulidades e questões prévias suscitadas, já o Tribunal tomou posição, conforme acima consignado, sendo que, no demais, trata-se de conclusões de facto e meros juízos e interpretações do Direito, matéria probatória ou são suscitadas questões que não assumem relevância para a decisão a proferir nos presentes autos atento o objecto processual dos mesmos.

Quanto às Contestações apresentadas aos pedidos de indemnização civil, as alegações nelas contidas trata-se de matéria de impugnação, conclusiva ou meramente probatória.

Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:

O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, devidamente apreciada nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Foram assim valoradas as declarações do arguido; o depoimento das testemunhas MJAR (que seguia como passageiro no veículo ………..); LFDM (condutor do veículo ………….; DDSJG e as declarações do demandante TAMN (militares da Guarda Nacional Republicana que constituíam a primeira patrulha que compareceu no local), em conjugação com a prova documental junta aos autos.

As testemunhas FLMC e RTP, ambos militares da GNR, referiram não ter presenciado os factos em causa nos autos, pelo que os seus depoimentos não puderam contribuir para a formação da convicção do Tribunal (artigo 128.º, nº1 do CPP).

De igual forma, as testemunhas arroladas pela defesa, SASF, DNC e ADNC, não presenciaram os factos que integram o objecto processual dos autos, não tendo qualquer conhecimento directo dos mesmos, pelo que os respectivos depoimentos também não assumiram relevância para a formação da convicção do Tribunal (artigo 128.º, n.º 1 do CPP).

A testemunha LMGC, prestou depoimento sobre a personalidade e carácter do arguido.

Concretizando.

O arguido prestou declarações. Referiu encontrar-se no Algarve a passar uns dias com familiares da companheira, que se encontrava grávida, e que na véspera da data dos factos terem todos estado a conviver, em casa, num jantar de família, sendo que o mesmo e o irmão da companheira acabaram por ficar a conversar pela madrugada adentro e ingerindo bebidas alcoólicas, designadamente, uísque e outras bebidas brancas, até cerca das 04h00/05h00. E que, mais ou menos por essa hora, deitou-se no sofá da sala, onde ficou a dormir.

Acordou por volta das 07h00, hora que se levantou para ir ao supermercado, sito a cerca de 3 a 4 quilómetros de distância, com o intuito de ir comprar o pão para o pequeno-almoço e peixe, conforme era hábito, para depois irem para a praia, tendo então saído para efectuar as referidas compras.

Mais, descreveu, pormenorizadamente, o percurso que se propunha fazer, bem como o supermercado para onde se dirigia (supermercado ……….. sito em Almancil).

Sendo que, a partir de determinada altura, que não sabe precisar, mas já depois de ter encetado a condução do veículo automóvel em causa nos autos, deixou de ter memória do que aconteceu.

Reiterou não se recordar dos factos que lhe são imputados, admitindo, contudo, ter iniciado a condução do veículo após ingestão de bebidas alcoólicas e aceitando a taxa de álcool que acusou.

Apenas recuperou a consciência quando já se encontrava no Posto da GNR de Loulé, depois de ter vindo do Hospital, onde também não se recorda de ter estado.

Sendo que, e por não se rever nos comportamentos que lhe foram imputados, em 2015, após conversa com uma amiga que é médica e seguindo o aconselhamento da mesma, decidiu procurar um especialista na área do alcoolismo, vinculando, contudo, não ser alcoólico e que apenas ingere bebidas alcoólicas em contexto de convívio social.

Marcou, então, consulta com um especialista, tendo logo nessa primeira consulta sido diagnosticado “embriaguez patológica”, descrevendo que, devido a tal patologia, o álcool pode-lhe despertar uma mudança de comportamento e de personalidade, para a qual não existe cura. Sendo também associado a essa doença a falta e perda de memória. Desde essa primeira consulta começou a tomar medicação, sendo que, em virtude da mesma, caso “caia” (palavras do próprio) na tentação de ingerir álcool, tal causar-lhe-á dores insuportáveis.

Confirmou a data dos factos, a hora constante na pronúncia, a condução do veículo automóvel com a taxa de álcool no sangue, conforme ficou comprovado no exame toxicológico, e que, atento o percurso que ia fazer (cerca de 3 a 4 quilómetros), comprovou posteriormente que o embate terá ocorrido mais ou menos a meio do caminho, pois não se recorda do acidente nem dos demais factos que lhe são imputados.

Em sede de audiência de julgamento, o arguido juntou declaração médica com vista a comprovar o referido diagnóstico bem como facturas referentes às consultas médicas (fls. 1247 a 1260), com vista a comprovar a frequência das mesmas.

Assim, e na parte em que diz ter memória, precisou as circunstâncias de tempo e de espaço descritas na pronúncia, reconhecendo que conduzia o veículo automóvel identificado, no sentido de trânsito ali apontado, bem como admitiu também ter ingerido bebidas alcoólicas antes de efectuar a condução, sabendo que era legalmente vedada tal actuação no caso de ingestão de álcool em excesso, reconhecendo que se deveria ter abstido de o fazer.

Quanto ao demais, referiu não se recordar.

Foram estas as declarações do arguido.

Quanto à dinâmica do acidente o Tribunal ancorou-se no depoimento da testemunha LM, condutor do veículo….., igualmente interveniente no acidente de viação, o qual transpareceu inquestionável objectividade, com um discurso fluente e descomprometido, respondendo sempre de forma peremptória, simples, natural e sem vacilar. Descreveu as circunstâncias de tempo e de lugar, as condições atomosféricas, o veículo que conduzia, o veículo conduzido pelo arguido, as características das vias em que cada um dos veículos circulava, bem como a sinalização existente no local, a forma como se deu o embate, os danos causados em cada um dos veículos e as lesões físicas decorrentes, quer para o próprio quer para o passageiro que seguia consigo no veículo, a aqui também testemunha MA.

Por seu turno, a testemunha MA, pese embora ter prestado um discurso evasivo relativamente a determinadas questões (mais concretamente quanto ao comportamento do arguido), o seu depoimento, corroborou o depoimento da testemunha LM, tendo confirmado a necessidade de receber assistência hospitalar e os danos físicos que lhe advieram.

Foi, ainda, valorado o depoimento da testemunha DD e as declarações do demandante TN, militares da GNR que naquele dia se encontravam em serviço de patrulha, no turno das 00h00 às 08h00, e que foram chamados ao local para tomar conta da ocorrência, estando, como tal, devidamente uniformizados.

Pese embora não terem presenciado o embate, de forma concordante entre si, descreveram ao Tribunal o cenário com que se depararam quando chegaram ao local: características da via, condições atmosféricas, sinalização existente, veículos intervenientes no acidente e respectivos condutores, local onde se encontravam imobilizados, bem como os danos causados nas respectivas carroçarias.

Devidamente conjugados com as declarações e depoimentos anteriores, baseou-se o Tribunal nos documentos de fls. 179 e ss. (participação do acidente de viação, cujo teor foi corroborado pela prova testemunhal e pelas declarações acima referidas), reportagem fotográfica de fls. 99 e ss., relativa ao local do acidente (tendo a testemunha LM sido confrontada com tais fotografias e confirmado dizerem respeito ao local do embate), fichas de matrícula dos veículos envolvidos no acidente, de fls. 24 e 25.

Assim, e face ao exposto, da conjugação de todos aqueles elementos probatórios, o Tribunal formou convicção segura e firme, acima de qualquer dúvida razoável, quanto à dinâmica da colisão descrita na pronúncia, características da via, sinalização existente e condições atmosféricas.

Os danos causados no veículo resultaram, também, da conjugação do depoimento das testemunhas acima mencionadas e do relatório de peritagem elaborado pela seguradora, fls. 249 e ss. Apenso A.

As lesões sofridas pelo passageiro MA, além das declarações do próprio, resultaram do Relatório de perícia de avaliação do dano corporal (fls. 131 e ss. do Apenso A) e da documentação clínica de fls. 127 a 141.

Relativamente à TAS que o arguido apresentava, o Tribunal ancorou-se no relatório de exame toxicológico de fls. 109, segundo o qual o arguido, às 10:06 horas do dia do acidente, apresentava uma concentração de álcool no sangue de 1,99 gramas por litro. Tal relatório e as declarações do arguido (o qual, conforme acima referido, admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas – uísque e bebidas brancas-, nesse dia, pelo menos até às 04h00/05h00), foram devidamente conjugados com os dados e os estudos fornecidos pela ciência quanto a esta matéria.

Ora, dos elementos existentes nos autos, não resulta que o arguido tenha ingerido bebidas alcoólicas entre o momento do acidente e a hora da realização da colheita efectuada no hospital de Faro.

Por outro lado, entre um e outro de tais momentos mediaram cerca de 2 horas e 30 minutos, o que significa que já então o organismo daquele encontrava-se em fase de eliminação química do álcool (metabolismo), e não já numa fase de absorção, ou também de absorção do álcool. De facto, dependendo sobretudo da circunstância de o estômago e intestino conterem ou não comida sólida, assim demorará entre 30 a 90 minutos a fase de absorção do álcool, ou seja, aquela entre a ingestão da última bebida alcoólica e a total absorção do álcool contido naquela – cfr. O Álcool no Corpo Humano, págs. 10 e 11 (edição da Direcção-Geral de Viação); “Durante a absorção e distribuição aumenta a concentração de álcool segundo uma curva ascendente, cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a última ingestão. Atingida a concentração máxima inicia-se uma curva descendente, menos acentuada, que corresponde à metabolização e eliminação e que demora várias horas” – cfr. Apontamentos sobre Toxicologia Forense (ed. CEJ, Nov./2000).

Ora o arguido, no momento da colheita de sangue para efeitos da análise de alcoolemia, já não ingeria qualquer bebida alcoólica há pelo menos 2 horas e 30 minutos, do que decorre, segundo os apontados ensinamentos científicos retirados das referidas publicações, que o organismo daquele estava em plena e exclusiva fase de metabolismo (eliminação) do álcool, sendo por isso particularmente provável que no momento do acidente a TAS fosse superior, até porque, e socorrendo-nos do primeiro dos referidos estudos, a média com que o fígado metaboliza o álcool situa-se entre 0,15 e 0,25 gramas de álcool no sangue por cada hora.

Como bem se escreve no Ac. desta Relação de Évora de 02-12-2003 (relator Sénio Alves, in www.dgsi.pt), “durante a absorção e distribuição aumenta a concentração de álcool no sangue segundo uma curva ascendente cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 a 90 minutos após a última ingestão; após esses 45 minutos (ou, no máximo, 90 minutos) a TAS terá já começado a diminuir. (…) Submetido o arguido a teste quantitativo 1 hora e 14 minutos após ter sido surpreendido a conduzir veículo automóvel (…), tal facto só o beneficiou, sendo legítimo pensar que a TAS que apresentaria no momento da condução era superior à que veio a acusar”.

Em resumo: a TAS, medida cerca de 2 horas e 30 minutos após a condução, e sem que, entretanto, o arguido tenha ingerido bebidas alcoólicas, é, necessariamente, inferior à TAS verificada no momento da condução.

São ainda os dados da experiência científica que autorizam concluir pela influência - maior ou menor, mas sempre emergente - da existência de álcool no sangue em actividades como aquela da condução. Efectivamente, “O álcool é um sedativo do sistema nervoso central. Isto significa que ele abranda os processos que ocorrem nos centros nervosos superiores do cérebro, resultando em sintomas de intoxicação alcoólica, incluindo: Perda de equilíbrio; fraca coordenação dos olhos e dos membros; má audição; Perda de água no corpo. Os efeitos na visão são vários, incluindo: Diminuição do campo periférico (visão de túnel); Perda da visão da cor; Diminuição da tolerância à luz intensa; mais tempo para adaptação à alteração da luz; Perda da percepção da velocidade e da distância. O álcool também diminui a capacidade para se fazer uma auto-análise realista, levando o condutor embriagado a acreditar que está a conduzir melhor e com maior segurança do que o real desempenho” – cfr. publicação acima referenciada.

Ora tais dados, em conjugação com a inexistência de qualquer outra explicação para o acidente (já que o arguido referiu não ter memória do mesmo), não podem deixar de apontar os ‘efeitos sedativos’ do álcool como estando na origem do acidente.

Na verdade, o grau ou taxa de alcoolémia apresentada pelo arguido, cerca de quatro vezes acima limite mínimo de 0,5 g/l não punível por lei, propicia uma acentuada diminuição dos reflexos e descoordenação psicomotora.

Os ensinamentos médicos e doutrinários são pacíficos no entendimento dos nefastos efeitos que o álcool produz.

O portador de uma TAS superior a 0,5 g/l sofre de graves perturbações pisco-motoras, perturbações cérebro-labirínticas, dificuldades de ideação e de linguagem, surgindo o fenómeno da visão dupla de cada objecto, devido à descoordenação dos pequenos músculos que enfocam os dois olhos em cada objecto, e bem assim, uma forte diminuição do ângulo visual, com inerente perturbação da avaliação correcta das distâncias, para além de uma redução da capacidade de calcular o tempo necessário para travar, perante um perigo imprevisto - neste sentido Oliveira e Sá, in “Acidentes de Viação e Alcoolismo”, Coimbra, 1964, pág. 127 e Aires Gameiro, in “Alcoolismo na interacção sistemática”, Ed. da Revista Hospitalidade, Lisboa, 1981, pág. 40.

Assim sendo, e atenta a dinâmica do acidente e circunstâncias envolventes não resta dúvidas que foi o álcool que determinou a violação das regras da prioridade que, por sua vez, originou perigo.

Atento o supra exposto, deu-se como provado o vertido em 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18. e 23.

No que diz respeito à factualidade provada em 24., 25. e 26., a mesma assim resultou da conjugação dos depoimentos das testemunhas LM e DG e das declarações do demandante TN, que se revelaram unânimes e concordantes.

A testemunha LM descreveu ao Tribunal o estado de exaltação do arguido, ainda antes da chegada dos militares da GNR, sendo que foi esta testemunha quem solicitou a comparência daquela autoridade policial no local.

Com o mesmo rigor e isenção acima mencionado, LM referiu que o arguido se encontrava muito agressivo e exaltado, tendo inclusivamente dirigido ao mesmo, assim que aquele o abordou, logo após a colisão, para perguntar se precisava de ajuda, a expressão “Gordo da merda”, seguindo-se das expressões “filho da puta”, “cabrão”, “você não sabe com quem se meteu”, “vais ter montes de problemas”.

Mais referiu que esse estado de exaltação e agressividade se manteve com a chegada dos militares da GNR, designadamente quando aqueles o abordaram para realizar o exame de pesquisa de álcool no sangue. E, pese embora não lograr concretizar as expressões que o mesmo proferia e dirigia àqueles militares, confirmou ter presenciado o arguido a desferir um soco em direcção a um dos militares, apesar de não se recordar se o mesmo foi atingido, sendo que logo após e nessa sequência o arguido foi algemado.

Os militares envolvidos, descreveram com isenção, coerência e de forma objectiva, sem qualquer contradição, os comportamentos e reacções do arguido, tendo reproduzido as expressões por este proferidas e que lhes foram dirigidas por aquele.

Mais, descreveram a forma com o arguido atingiu, com um soco, o militar TN na face e o procedimento de imobilização do arguido adoptado e para o qual se encontravam legitimados na sequência dessas condutas.

No que diz respeito às lesões sofridas pelo militar TN, foi ainda valorado o relatório de exame de avaliação de dano corporal de fls. 41 e a ficha de episódio de urgência de fls.190 e 191, onde consta a data e hora de atendimento e lesões apresentadas.

Pelo que, e atento o supra exposto, a prova produzida, pela sua univocidade, permitiu ao Tribunal formar convicção segura quanto à factualidade objectiva constante no despacho de pronúncia e que foi dada como provada.

Vejamos agora quanto aos elementos internos e subjectivos.

Cumpre, neste momento, trazer à colação as declarações do arguido quanto ao alegado diagnóstico que lhe foi feito no sentido de o mesmo padecer de “embriaguez patológica”.

Com efeito, não tem o Tribunal conhecimentos técnicos para efectuar diagnósticos médicos. Contudo, atendendo às regras da experiência comum e aos conhecimentos do homem médio, não deixa de causar estranheza, o facto de, tal como foi relatado pelo arguido, tal diagnóstico lhe ter sido efectuado apenas com base nas declarações do próprio, numa primeira consulta, tendo o último episódio alcoólico ocorrido na data a que se reporta a pronúncia, e sem sujeição a qualquer exame médico prévio, tendo logo, nessa consulta, sido medicado.

Referiu ao Tribunal que os efeitos dessa doença são precisamente a perda de memória, a mudança de comportamentos e de personalidade quando sob o efeito do álcool.

Mais referiu não ter hábitos de consumo de álcool, apenas bebendo em contexto social.

Ora, vejamos.

Em primeiro lugar, o referido diagnóstico apenas terá sido efectuado em Fevereiro de 2015, portanto, cerca de dois anos e meio após os factos.

A declaração médica apresentada em causa é um documento particular, destituída de valor pericial. E, entendeu o Tribunal que tal meio de prova – perícia- também não se vislumbrava útil ou necessário (motivo pelo qual não o determinou).

Com efeito, refere-se nessa mesma declaração médica que “A embriaguez patológica é uma síndrome caracterizada por excitação extrema, com componentes agressivos e violentos e, frequentemente, ideias de perseguição, após o consumo de uma quantidade desproporcionalmente pequena de álcool.”, o que não terá sido o caso dos autos, - (sublinhado nosso).

O arguido referiu que desde a primeira consulta, em 2015, nunca mais ingeriu álcool, mas não referiu se o fez no período compreendido entre a data dos factos e a data dessa consulta e se tal lhe despoletou os alegados sintomas, sendo que, tratando-se de embriaguez patológica, mesmo ingerindo bebidas alcoólicas em contexto social e de forma moderada, tal verificar-se-ia.

Por outro lado, sendo esse o diagnóstico e não tendo o arguido problemas com o consumo excessivo de álcool, como o mesmo referiu e como também consta na dita declaração, também não compreende o Tribunal a necessidade de se sujeitar à referida medicação, pois, para evitar tais efeitos, bastar-lhe-ia, no domínio da sua vontade (que o mesmo não disse não ser capaz de controlar), não ingerir bebidas de teor alcoólico.

Coloca-se agora a questão da perda de memória que o mesmo diz ter tido.

Ora, conforma acima referido, o álcool tem um período de absorção, durante a qual a distribuição aumenta a concentração de álcool segundo uma curva ascendente, cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a última ingestão, e atingida a concentração máxima inicia-se uma curva descendente.

O arguido disse ter parado de ingerir bebidas alcoólicas, entre as 04h00 e as 05h00, pelo que, às 07h00, hora que o mesmo disse ter acordado e se ter levantado, a concentração de álcool no sangue estaria no seu pico máximo, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente a potenciação dos seus efeitos. E, a taxa de álcool que veio a apresentar evidencia que a quantidade de álcool ingerida não terá sido em pequena quantidade.

Contudo, o arguido conseguiu descrever ao Tribunal, pormenorizadamente, o facto de ter acordado no sofá, ter pensado “para consigo “(palavras do próprio) e ter decidido, seguindo a rotina habitual, ir ao supermercado habitual, comprar pão para o pequeno-almoço e peixe, para depois irem para a praia. Mais, referiu que iniciou a condução do veículo automóvel, o percurso que fez e pré-definiu quando saiu de casa. A sua memória apenas falhou quando se encontrava já a fazer esse percurso, apenas se recordando de acordar, mais tarde, no Posto da GNR.

Ou seja, o discernimento que o próprio arguido demonstrou ter tido, quando os efeitos do álcool se encontravam no pico máximo da escala ascendente, evidencia que este tinha lucidez, capacidade para avaliar as suas condutas, tomar decisões e determinar-se segundo as mesmas, como disse ter feito.

Ora, que o álcool tem efeitos nefastos no nosso organismo, é algo que é do conhecimento geral, tanto pode dar origem a estados de euforia e audácia, como a estados de agressividade e frustração, pelo que tem razão o arguido quando declara que o álcool pode alterar o seu comportamento (cfr. http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Conselhos/Documents/O%20%C3%81LCOOL%20E%20A%20CONDU%C3%87%C3%83O.pdf).

Ou seja, dado os seus comprovados efeitos nefastos, desde logo, é punido como crime de perigo abstracto, a condução em estado de embriaguez (artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal) e, inclusivamente, a lei prevê a punição de quem voluntariamente se coloca em estado alcoólico e assim pratica crimes - artigo 295.º do Código Penal.

O arguido, tal como resultou das declarações do próprio, ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, que, desde logo pela sua qualidade – uísque e bebidas brancas –, com elevado teor alcoólico, o mesmo não podia deixar de saber (desde logo resultando da factualidade provada que se trata de pessoa com formação superior e conhecimentos acima do homem médio), os efeitos daí decorrentes.

Não resulta que o arguido, à data dos factos, estivesse numa situação de dependência de álcool, facto que o mesmo, desde logo, afastou nas suas declarações.

Pelo que, face ao exposto, o Tribunal deu como provados os elementos internos e subjectivos, não podendo o arguido deixar de saber, mesmo à luz das regras da experiência comum, que havia bebido em demasia e as consequências gravosas que daí podiam resultar, ao nível do seu comportamento estradal, e mesmo assim não se absteve de conduzir.

E, quanto às expressões proferidas pelo arguido, trata-se, pois, de uma presunção natural que quem dirige a outrem tais expressões, em face do contexto da ocorrência dos factos e o teor das mesmas, o faz consciente de serem susceptíveis de ofender a honra e consideração dos visados.

De igual, forma, sabendo que sabia que estava a dirigir-se a agentes de autoridade, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, e mesmo assim, opôs-se, com recurso à violência, a que os mesmos praticassem os actos relativos àquelas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Os factos relativos à situação económico-financeira do arguido e condições pessoais, resultaram do teor do relatório social elaborado pela DGRSP e da Declaração de IRS relativa aos rendimentos do ano de 2016.

A ausência de antecedentes criminais assentou no teor do respectivo certificado de registo criminal actualizado.

Foi ainda valorado, quanto à personalidade e carácter do arguido, o depoimento prestado pelas testemunhas por si arroladas.

Quanto às despesas hospitalares referentes à prestação de cuidados de saúde, no Hospital de Faro, a TN, para prova das mesmas, teve-se em consideração a ficha de episódio de urgência de fl. 190, onde consta a data e hora, as lesões por aquele apresentadas e o número do episódio de urgência (12084122), coincidente com o que consta na declaração de fls. 14 e ao qual se reporta a factura cujo pagamento é peticionado e que se encontra junta a fls. 198, onde também é feita menção do referido número do episódio de urgência, não havendo dúvidas que diz respeito à assistência hospitalar prestada ao ofendido na sequência da agressão perpetrada pelo arguido/demandado.

Quanto aos factos atinentes ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante TN, para além do já acima explanado quanto às expressões e lesões físicas por este sofridas, o Tribunal valorou, para prova das dores e incómodos sofridos e repercussões que tais condutas tiveram na sua esfera pessoal, as declarações do próprio demandante, que se revelaram isentas e objectivas (apesar dessa sua qualidade processual), analisadas de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, sendo uma presunção natural que, qualquer pessoa que seja agredida e nessa sequência sofra as lesões referidas, tenha dores no próprio dia e dias subsequentes.

De igual forma, também se trata de uma presunção natural, atento o critério de qualquer homem médio, que uma pessoa a quem sejam dirigidas as expressões que o arguido dirigiu ao demandante, se sinta ofendida na sua honra e consideração.

Em sede de Contestação à pronúncia invocou a defesa que foram deliberadamente falseadas, em diversos dos seus elementos, as peças (documentos) usados para descrever o acidente e as suas alegadas circunstâncias, enumerando a hora do acidente, hora da detenção, hora da identificação e as horas dos contactos, tendo tudo sido preparado para dar pretexto à detenção do arguido e manutenção da mesma durante o período do fim de semana.

Na perspectiva da defesa, a falsificação ideológica de qualquer dos elementos dos autos da GNR torna-os necessária e globalmente imprestáveis para fazer prova do que quer que seja, nestes ou nos demais autos, na servindo para prova.

Com efeito, no que diz respeito à questão em apreço, a alegada falsificação dos documentos deu origem aos autos do já mencionado Processo n.º 1027/12.5TALLE, tendo aí sido proferido Acórdão absolutório que se encontra em fase de recurso, conforme certidão que foi junta aos presentes autos.

Em processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do CPP).

Seguindo de perto o entendimento do douto Ac. TRE de 28.01.2014, proc.467/13.7TBLGS, ao auto de notícia não é atribuído o valor probatório de documentos autênticos e autenticados, nos termos do artigo 169.º do CPP, pois tal entendimento seria impor uma forma tabelada de apreciação probatória, em violação do disposto no artigo 127.º do CPP. E, é ao abrigo deste normativo legal que o valor probatório do auto de notícia deverá ser apreciado.

Citando o douto Ac. TRP de 11.09.2013, proc. 597/11.0EAPRT, (disponível em www.dgsi.pt) “I. O auto de notícia, por si mesmo e desacompanhado de outras provas, não indicia (nem prova) a prática do crime.

II. A especial força probatória que a lei processual confere aos documentos autênticos (art. 169.º do CPP) circunscreve-se unicamente aos documentos extra-processuais.

III. O auto de notícia é um documento intra-processual sujeito à livre apreciação do julgador, que pode servir de auxiliar de memória para o autuante, mas não pode sobrepor-se ao seu depoimento.”.

E, em sede de audiência de julgamento foi inquirido (não na qualidade de testemunha porque, entretanto, adquiriu a posição processual de demandante) o respectivo agente autuante, o militar TN, cujas declarações foram valoradas nos termos acima explanados.

Pelo que, e independentemente das incorrecções que tais documentos possam conter, designadamente quanto à hora da detenção (o que aliás foi admitido pelos militares da GNR) ou hora de identificação do arguido, tal não assume relevo para os presentes autos atento o objecto processual dos mesmos nem invalida a prova produzida em audiência (artigo 355.º, a contrario, do CPP), tendo o Tribunal formado convicção com base na prova acima referida, pela sua conjugação e em obediência ao princípio do artigo 127.º do CPP.

As testemunhas LM e DG e o próprio demandante TN reproduziram diversas expressões, para além das constantes na pronúncia, proferidas pelo arguido e com carga pejorativa e injuriosa, mas não as referidas em a). Pelo que, e na ausência de prova que o arguido tenha proferido aquelas concretas expressões, deram-se as mesmas como não provadas.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.

Como flui dos autos o arguido HMSM insatisfeito com o decidido ao longo dos autos recorre quer da Sentença condenatória, quer de despachos judiciais prévios à prolação daquela.

Por da procedência de algum ou alguns dos recursos interlocutórios tornar inútil o conhecimento dos demais recursos, iniciaremos a nossa apreciação pelos recursos interlocutórios trazidos a pretório.

• Desde logo, vemos que o arguido recorre do indeferimento liminar da apensação destes autos, com os autos com o número 1027/12.5TALLE, aos autos com o número 106/12.3TREVR.

Como flui dos autos, a predita questão voltou a ser objecto de apreciação em sede de Decisão Instrutória, por solicitação do arguido.

Tendo-se desatendido à pretensão do arguido em ver deferido o seu pedido de apensação aos presentes autos dos autos n.º 1027/12.3TALLE.

Porquanto (…) a eventual irregularidade decorrente das regras de conexão de processos na fase de inquérito, a existir, essa conexão, teria de ser arguida nos três dias seguintes a contar daquele em que o arguido ou o seu defensor foram notificados da acusação deduzida, seja no processo 1210/12.3TALLE, seja no processo 656/12.1GFLLE (cfr. art.º 123.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen).

Mas assim não foi o caso, dado que, em cada um dos processos ora apensados a questão foi arguida pela defesa muito para além desses três dias.

Fundamentos bastantes para que improceda o vício assim invocado pela defesa.

Ficando, desta feita, consolidada a questão atinente à apensação requerida pelo aqui impetrante, veja-se, a respeito, o disposto nos art.ºs 309.º e 310.º, ambos do Cód. Proc. Pen.

Pelo que inútil se mostra qualquer outro pronunciamento sobre a questão trazida no recurso em análise.

• No que tange ao recurso interlocutório em que se ataca o despacho judicial que se não pronunciou sobre a questão de não poder subsistir acusação relativamente ao crime de condução perigosa, tipificado na alínea b), do n.º 1, do art.º 291.º, do Cód. Pen., por ter ocorrido, entretanto, depois da acusação, a desistência da queixa que fora única causa e sustento processual dos autos n.º 1210/12.3TALLE.

Importa reter que o arguido havia suscitado tal questão, para lá de outras, através do requerimento que enviou aos autos e que deles consta de fls 364 a 366.

O predito requerimento deu entrada em juízo quando decorria a fase de instrução.

De facto, o despacho revidendo – constante de fls 372 a 373 dos autos - nada disse sobre o requerido pelo arguido.

Sendo certo que todas estas questões devem ser decididas em sede própria, a Decisão Instrutória, como decorre do teor dos art.ºs 307.º e 308.º, ambos do Cód. Proc. Pen.

E da compulsa dos autos decorre que todas as invocadas questões por banda do arguido e aqui recorrente foram, nessa sede, analisadas e decididas.

O que nos traz à colação a questão de saber se o arguido tinha, ou não, interesse em agir ao vir intentar o presente recurso.

Diz-nos o art.º 401.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Como refere Maia Gonçalves a norma do n.º 2 significa que, para poder recorrer, além dos requisitos da legitimidade, deve ainda o recorrente ter necessidade de, no caso concreto, para realizar o seu direito usar de meio processual que é o recurso.

Assim, ressalvado o Ministério Público, só terá interesse em agir, para efeito de interposição de recurso, quem tiver necessidade de usar o recurso para sustentar o seu direito .

Como ensina o Dr. José Gonçalves da Costa, o interesse em agir é definido, tendo em vista o processo civil, como a necessidade do processo para o demandante, por estar carecido de tutela judicial o seu direito (Andrade, cit. 79); como o interesse do demandante, não já no objecto do recurso (legitimidade), mas no próprio processo em si, por dele necessitar para tutela do seu direito (Castro Mendes, cit. 267). Tem interesse em agir para efeitos de recurso (designadamente em processo penal, ressalvada a posição do ministério público quando actua no exclusivo interesse da defesa) quem tiver necessidade deste de impugnação para defender um seu direito.

Daí que, como bem o põe em destaque o Dr. Cunha Rodrigues, o novo Código alarga os casos de legitimidade subjectiva e adopta um conceito aberto de legitimidade objectiva: o de interesse em agir.

Sobre tal temática escreve o Prof.º Germano Marques da Silva, referindo que relativamente ao arguido importa sublinhar que o seu interesse no recurso se afere apenas por visar uma decisão que lhe seja mais favorável, independentemente das posições que tenha assumido no decurso do processo.

Decisão proferida contra o arguido não é, pois, a que é contrária à sua posição que defendeu no decurso do processo, mas qualquer decisão que lhe seja objectivamente desfavorável, mesmo que coincidente com a posição processual que defendeu anteriormente.

Basta, pois, que através do recurso o arguido vise obter uma decisão concretamente mais vantajosa que aquela de que recorre para que o seu interesse deva ser considerado como subsistente.

O interesse em agir é o interesse em recorrer ao processo porque o direito do recorrente está necessitado de tutela.

Ou como se escreveu no Ac. S.T.J., de 1-04-2001, no Processo n.º 01P2751, o interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos Tribunais para acautelamento de um direito ameaçado e necessitado de tutela, radicando, assim, na utilidade e imprescindibilidade de recurso aos meios judiciários para assegurar tal direito quando em perigo, pelo que se trata de uma posição objectiva perante o processo, a ser ajuizada "à posterior".

Do supra-transcrito não descortinamos qual o direito do arguido ou de outro qualquer sujeito processual que se mostre violado pela prolação do despacho revidendo, nem o aqui recorrente, concretamente, o refere.

Assim sendo, não se lobriga qual a necessidade de se deitar mão da via recursiva, o que vale de dizer-se que o aqui impetrante não tem interesse em agir.

Pelo que, a respeito, se tem de concluir pela rejeição deste recurso, por inadmissível - cfr. arts. 401.º, n.º 2, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Pen.

• Quanto ao recurso interlocutório trazido pelo arguido do despacho judicial que não atendeu ao requerido pelo arguido quanto à invocada nulidade – ou mesmo irregularidade – por não ter sido notificado para se pronunciar quanto ao pedido de videoconferência apresentado pelas testemunhas e pelo demandante; entre outras questões.

Como o próprio despacho revidendo reconhece, não ouviu a defesa quanto aos pedidos de videoconferências, por se ter entendido que (…) a solicitação a que se refere o nº 2 devidamente interpretada e conjugada com o nº 1[ambos do art.º 318.º, do Cód. Proc. Pen.], diz respeito a solicitação feita pelo tribunal ao juiz de outra comarca. Daqui decorre que o despacho que indefere ou defere o pedido de videoconferência não está sujeito a contraditório prévio, mas a comunicação aos sujeitos processuais após ser proferido, nos termos do artigo 111° nº1 aI. c) do Código de Processo Penal.

Não se acompanha o entendimento vertido no despacho sindicado, bastando atentar no que se diz no n.º 2, do art.º 327.º, do Cód. Proc. Pen., em conjugação com o art.º 318.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Quer pela obrigatoriedade de audição dos intervenientes processuais sobre a admissibilidade, ou não, do requerido meio de prova, tendo em linha de conta, entre o mais, a fase processual em que tal sucedeu.

Para lá da excepcionalidade de um tal meio de prova em que o exercício do contraditório assume particular relevo, dada a diminuição do princípio da imediação derivado da admissão de um tal meio de prova, com clara repercussão na produção de prova, mormente ao nível dos direitos de defesa.

Sem esquecer, no caso vertente, a importância que a defesa atribuiu ao longo dos autos aos preditos depoimentos objecto de videoconferência, assumindo a sua presença em julgamento importância acrescida para se poder desenvolver a sua defesa.

Importa reter que a audição do arguido em situações como a dos autos constitui, na realidade, uma garantia de defesa do arguido e do essencial contraditório, na sua manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, que aqui se manifesta na sua radicação constitucional e legal – cfr. art.ºs 32.º, n.º 5, da Constituição da República, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 61.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Proc. Pen.

Pois, como consabido, o princípio do contraditório traduz-se no dever de o juiz ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, e a omissão de notificação da resposta da assistente, bem como a falta de concessão de um prazo para sobre ela se pronunciarem, constituem preterição de formalidades legais essenciais e violação do direito do contraditório e das garantias de defesa em processo criminal, reconhecido aos arguidos, impedindo-os de cabalmente se defenderem.

Sendo que o respeito pelo princípio do contraditório impõe que se confira ao interessado a oportunidade, efectiva e eficaz, de intervir no debate e de se pronunciar sobre toda e qualquer decisão que o possa afectar juridicamente, o que, em última instância, postula que lhe seja atempadamente dado conhecimento do temo, do lugar e objecto do debate, bem assim a real possibilidade de se preparar para a intervenção e a efectiva possibilidade de realizar tal intervenção.

A entender-se, como o fez o Tribunal recorrido, até pelo peso dessas audições para a defesa do arguido [como bem tal assinala ao longo dos autos, repete-se] não poderá deixar-se de concluir estar-se perante a violação das mais elementares garantias de defesa que o processo deve assegurar, em clara violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.

Porquanto se deve englobar nessas garantias de defesa todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação.

Ou como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional, acerca do conteúdo do direito de defesa (e do princípio do contraditório), cada interveniente processual deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o Tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras.

Para lá de uma clara violação do princípio da igualdade de armas ao nem notificar o aqui recorrente do diferimento da diligência, como bem resulta do despacho recorrido. E só tomando conhecimento da sua realização por ter consultado o processo; o mesmo não sucedendo com a acusação.

Pois, como consabido, com o predito princípio visa-se que os sujeitos processuais devam, no processo, estar em paridade de condições.

Colocando-se, desta feita, no processo, os sujeitos processuais em perfeita paridade de condições, desfrutando de idênticas possibilidades de obter justiça que lhes seja devida, impedindo-se, quanto possível, que a igualdade seja frustrada em consequência de uma grave desigualdade de factos; o que não implica uma identidade formal absoluta de meios.

Devendo ser garantidas aos sujeitos processuais iguais meios de defesa, de preposição de prova, etc., que as ponha numa situação idêntica durante todo o processo.

Assumindo-se a igualdade de armas como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, ganhando conteúdo a ideia de que a igualdade de armas significa a atribuição á acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tomar efectivos aqueles direitos.

Como se afigura que a maneira de ver e de agir por parte do Tribunal recorrido ofende o principio do processo equitativo consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da C.R.P., onde se diz que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Garantindo-se a todos, no citado art.º 20.º, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legí¬timos (n.º 1), e que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4).

Processo equitativo a envolver como aspectos fundamentadores a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento.

Que como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a Jurisprudência e a Doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material.

Face à postura, omissiva, por parte do tribunal recorrido, como sobredito, importa concluir estar-se perante o cometimento de uma irregularidade do n.º 2, do art.º 123.º, do Cód. Proc. Pen.

Porquanto tal omissão tem de se reputar como essencial para a descoberta da verdade material, face a tudo o que se vem de dizer.

O que implica que se tenham de anular todos os actos subsequentes à formulação dos pedidos de realização de videoconferência, neles se incluindo o julgamento e respectiva Sentença.

Tornando-se, desta feita, inútil o conhecer do demais recurso interlocutório e recurso trazido da Sentença.

Termos são em que Acordam em:

1. Considerar prejudicado, por inútil, o conhecimento da questão recursiva atinente ao indeferimento liminar da apensação;

2. Rejeitar o recurso interlocutório relativo ao despacho judicial que se não pronunciou sobre a questão de não poder subsistir acusação relativamente ao crime de condução perigosa, por falta de interesse em agir por banda do recorrente;

3. Conceder provimento ao restante recurso interlocutório e, em consequência, anular todos os actos subsequentes à formulação dos pedidos de realização de videoconferência, neles se incluindo o julgamento e respectiva Sentença.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 4 de Fevereiro de 2020

_____________________

(José Proença da Costa)

_____________________

(Alberto Borges)