Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1975/21.1T8STB.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não resultando do respetivo conteúdo do Plano lacunas evidentes que ponham em causa aquilo a que a lei obriga a respeitar, não deve o tribunal imiscuir-se na vontade da maioria dos credores aos quais a lei atribui a primazia de negociarem com a devedora o Plano de Recuperação desta.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1975/21.1T8STB.E1 (2ª Secção Cível)
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



(…) Futebol Clube - SAD, instaurou processo especial com vista à sua revitalização, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e seguintes do CIRE.
Tramitados os autos, veio a ser proferida sentença pela qual se homologou o plano de recuperação votado nos autos.
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Inconformada com a sentença, veio a credora (…) – Gestão Imobiliária, SA, interpor recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 18-08-2021, que decidiu homologar o plano de recuperação apresentado pela Devedora. E é o presente recurso interposto pois que tanto o histórico da Devedora e dos seus sucessivos PER´s, como o próprio conteúdo do plano de recuperação ora homologado, deveriam, face ao regime jurídico aplicável, ter determinado decisão diferente, como se demonstrará infra à saciedade na medida em que o presente PER mais não constitui do que um expediente (apenas mais um) utilizado pela Devedora para manter o incumprimento generalizado das suas obrigações, com a utilização sucessiva e abusiva de um instrumento legal, como o próprio conteúdo do plano apresentado não respeita as normas imperativas aplicáveis.
II - Iniciando análise pela sequência de processos especiais de revitalização a que a Devedora se apresentou (o que implica recuarmos vários anos no tempo, sublinhe-se desde já), importa começar por sublinhar que o presente PER constitui o quarto PER a que a Devedora se apresentou desde 2013, o que implica, desde logo, que parte dos credores da Devedora com créditos vencidos antes de 2014 não aufiram qualquer pagamento desde tal data, já que, de PER em PER, de carência em carência, vai-se a Devedora escapando às suas obrigações, facto que demonstra, de forma cabal, a impossibilidade objectiva da recuperação da Devedora
III - Entendeu o tribunal a quo, quanto a tal factualidade (alegada pela ora Recorrente mas também por outros credores, em sede de pedido de não homologação do plano de recuperação apresentado), pela admissibilidade individual do presente PER, ainda que mencionando ter tido conhecimento do último PER antes do presente, referindo, por um lado, que a admissibilidade do PER face às alterações ocorridas desde a homologação do último PER, e, por outro, que tal decisão já foi apreciada aquando da nomeação no administrador judicial provisório.
IV - Não se questiona a admissibilidade individual do presente PER. O que se questiona, o que não pode deixar de se questionar, é a utilização totalmente abusiva do processo feita pela Devedora que, como mencionado, não liquida qualquer valor aos seus credores desde 2014, e sempre ao abrigo de sucessivos processos especiais de revitalização, continuando a Devedora, nesse espaço de tempo, a contrair créditos, que novamente não liquida, assim avolumando passivo.
V - Não é jurídica nem moralmente aceitável admitir que a Devedora recorra pura e simplesmente a um novo PER, logrando obter um novo período de carência, obstando a que os seus credores avancem judicialmente no sentido da efetiva cobrança dos seus créditos, permitindo-se que continue a exercer a sua atividade, contraindo créditos, contratando jugadores, sabendo antecipadamente não ter condições para cumprir as suas obrigações – conhecimento e incapacidade que resultam, de resto, claras, do plano de recuperação apresentado, como veremos melhor infra.
VI - É que se o PER está previsto na lei, está também prevista a figura do abuso de direito, ao abrigo da qual deverá ser revogada a decisão de homologação do plano de recuperação apresentado, poiso recurso ao PER há-de ser analisado à luz do crivo da boa -fé e do critério do fim económico e social do direito invocado, a fim de evitar situações abusivas como a presente, que, para além de violadoras dos legítimos interesses dos credores, apenas descredibilizam socialmente o instrumento em causa, lançando um estigma pesado para as empresas que legitimamente pretendem recorrer ao mesmo.
Sem prescindir.
VI - De acordo com a proposta apresentada, os créditos laborais (créditos privilegiados) serão liquidados em 138 prestações mensais, iguais e sucessivas.
VII - Já relativamente aos créditos comuns, encontra-se previsto um período de carência de 36 meses, findo o qual 50% do valor do crédito será liquidado em 120 prestações mensais e o remanescente a final – e aqui importa ressalvar ter o tribunal a quo laborado num erro, já que consta da sentença a referência a um perdão de 50% do capital devido aos credores comuns, perdão esse que não está previsto no plano.
VIII - Encontrando-se prevista uma condição que, a verificar-se, determinará alteração da forma (no que ao tempo diz respeito) de pagamento dos créditos comuns.
IX - Assim, se a Devedora subir à 1.ª Liga do Futebol Profissional no mencionado período temporal de 36 meses, o pagamento dos créditos comuns iniciar-se-á no último dia do mês seguinte àquele em que se efetivar tal subida.
X - Sucede que tal condição apenas se encontra prevista para os créditos comuns e não já para os privilegiados, pelo que é possível que, a ser procedente a intenção da Devedora de ver revogada a decisão que a afastou do campeonato nacional da primeira divisão (Liga Nos) os créditos comuns sejam integralmente liquidados antes dos créditos laborais (privilegiados).
XI - Cenário que é manifestamente violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 194.º do CIRE (princípio basilar do CIRE) pois que “a razão objetiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que esta está assumida no artigo 47.º do CIRE.”
XII - O pagamento dos créditos comuns antes dos créditos privilegiados é manifestamente violador do princípio da igualdade, não tendo, de resto, sido apresentada qualquer razão objetiva para tal tratamento diferenciado.
XIII - E, com o devido respeito, não podem ser confirmadas as justificações apresentadas pelo tribunal a quo para considerar improcedente a alegada violação do princípio da igualdade.
XIV – Quanto a tais razões, pode ler-se, desde logo, na sentença recorrida, não estar previsto qualquer período de carência para os créditos laborais. Esquece-se é o tribunal a quo, com o devido respeito, que, a verificar-se a condição supra mencionada, deixará de existir qualquer período de carência para os créditos comuns, podendo estes, de resto, vir a ser liquidados antes dos créditos privilegiados - liquidação que, como bem se percebe, viola de forma frontal e grave o princípio da igualdade.
XV- Pode ainda ler-se na sentença que “o início dos pagamentos antes de terminado o período de carência está condicionado por uma decisão futura e incerta que não depende da devedora”. Mais uma vez não consegue a Recorrente aferir de que forma tal facto implica a conformidade do plano ao princípio da igualdade. A decisão é futura e incerta, é verdade. Mas, para além de expectável (a acreditar no conteúdo do plano de recuperação), a verdade é que se a mesma se verificar – e pode verificar-se – os créditos comuns poderão estar integralmente liquidados antes dos créditos privilegiados, com a consequente violação do princípio da igualdade.
XVI - Por último, labora o tribunal a quo num erro ao referir a existência de um perdão de 50% do capital em dívida relativamente aos credores comuns, perdão que não está previsto no plano de recuperação apresentado.
XVII - Relativamente ao princípio da igualdade, importa ainda ter presente que, ainda que se admitisse a possibilidade de tratamento mais benéfico aos credores comuns quando comparados com os credores laborais, sempre teria tal tratamento não só que ser justificado por razões objetivas, mas teriam ainda tais razões que constar do plano de recuperação – o que não se verificou in casu.
Mas, no que à violação não negligenciável de normas relativas ao conteúdo diz respeito, não ficamos por aqui.
XVIII – De facto, estatui ainda o artigo 195.º do CIRE que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência, devendo ainda indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, contendo todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente, a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor e o impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano.
XIX - Ainda que duma leitura mais superficial do plano possa parecer que tais exigências foram devidamente cumpridas, pois que os diferentes pontos constam do plano e foram percorridos pela Devedora, a verdade é que, lidos os diferentes pontos do plano, facilmente se constata que a Devedora se limitou a tentar lançar areia para os olhos dos credores, e do tribunal, enunciando, de forma genérica, as medidas que qualquer bom gestor sabe serem necessárias para recuperar uma qualquer instituição em dificuldades financeiras, sem contudo especificar qualquer medida concreta passível de permitir aos credores, ou ao tribunal, acreditar na sua recuperação.
XX - Ficando os credores sem saber, além do mais, de que forma têm vindo a ser controlados os custos, que custos são esses, qual a redução de custos já conseguida e qual a redução que se pretende atingir.
XXI - E o mesmo sucede relativamente ao “expectável” aumento de receitas, desconhecendo-se quais os concretos donativos conseguidos junto da Câmara Municipal de Setúbal ou sequer se existe algum compromisso por parte de tal entidade para o futuro.
XXII - Desconhece-se qual o aumento expectável de receitas por via dos sponsors publicitários habituais, até porque o mesmo estará dependente da verificação de uma condição (subida de divisão).
XXIII - Está prevista uma nova loja de vendas e das vendas online. Para quando? De que forma? Qual o impacto desta medida nas contas globais da Devedora. Não sabemos.
XXIV - A Devedora pretende continuar a apostar na melhoria continua do trabalho que iniciou nesta área. Mas qual o trabalho já feito? E como se pretende continuá-lo? Não sabemos. E parece-nos que a Devedora também não sabe.
XXV - Ora, tendo presente que o artigo 195.º pretende “facultar aos credores a exata perceção da situação, para poderem atuar esclarecidamente, a que acresce a avaliação do tribunal acerca da verificação dos requisitos que legitimam a homologação da decisão”, facilmente se percebe, face ao que ficou exposto, que a Devedora não conseguiu esclarecer os credores, continuando por perceber como e de que forma pretende assegurar a sua recuperação. Ou como e de que forma pretende pagar os créditos da forma proposta. Ou qual o motivo que determinou o pagamento de forma tão faseada no tempo, com imposição de períodos de carência.
XXVI - Falta de especificação e de esclarecimento que naturalmente deveria ter determinado a recusa da homologação do plano, por violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano, nomeadamente do artigo 195.º do CIRE.
XXVII - E o mesmo se diga relativamente à imposição constante da alínea d) do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE (que impõe que o plano indique, claramente, qual o impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência), pois que, lido e relido todo o plano, impossível se mostra encontrar tal comparação.
XXVII - Limitando-se a devedora a debitar afirmações genéricas, referindo que na ausência de plano a insolvência será uma inevitabilidade, com a amplificação de dúvidas e incertezas, e com a afetação da confiança dos seus fornecedores, bancos, trabalhadores e clientes.
XXVIII – Constatando-se existir apenas, no Balanço constante das páginas 66 e seguintes, uma correção tanto do ativo (para menos) como do passivo (para mais), resultando do título de tal Balanço (Período em Análise: Cenário de Insolvência com Liquidação) que o mesmo se debruçará sobre a comparação entre aqueles dois cenários.
XXIX - Mas, por mais que se procure, tal correção não é explicada em nenhum ponto do plano, sendo que de um ativo de quase € 12.000.000,00 passamos, com a inexplicável correção feita pela Devedora, para um ativo no valor de € 514.486,12, num cenário de Liquidação. Qual ou quais os critérios utilizados para fazer tal correção? Não sabemos, não adiantando recorrer ao relatório do ROC, constante das páginas 94 e seguintes do plano, pois que, apesar de, aparentemente, e nas palavras da Devedora, o mesmo ter sido utilizado para instruir o plano, não se mostra capaz de esclarecer os credores.
XXX - Tudo visto e revisto, é sabido que a utilização do PER e o seu escrutínio para efeitos homologatórios goza de um certo favor debitoris, na medida em que a recuperação do devedor é a prima ratio da utilização daquele instrumento concursal.
XXXI - Todavia, tal não pode significar uma recondução dos planos a meros exercícios retórico – conclusivos, vagos e até contraditórios nos seus termos – convolando o favor debitoris numa espécie de “licença para matar”, que despreza grosseiramente o interesse dos credores e se apresenta como mero ritual, aniquilando o que, verdadeiramente, está em jogo: dar uma oportunidade de recuperação a todas as empresas viáveis; conceder às inviáveis, à economia, aos credores e aos próprios tribunais a bênção de uma liquidação célere e eficaz.

Foram apresentadas contra-alegações por parte da devedora, bem como do Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária, nas quais pugnam pela manutenção da decisão homologatória do Plano.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, as questões que importa apreciar no presente recurso, são as seguintes:
1ª - Se a utilização, por mais que uma vez, do PER, por parte da devedora, configura uma situação abusiva da sua parte;
2ª - Se o conteúdo do Plano aprovado e homologado é violador do disposto nos artigos 194.º e 195.º do CIRE, pondo em causa o princípio da igualdade no tratamento dos credores e do conteúdo legalmente determinado.

Da análise dos autos deve considera-se, com interesse o seguinte factualismo:
1 – O plano de revitalização do devedor foi apresentado nos seguintes termos relativamente à alteração que os credores registarão em virtude da sua aplicação:
1. ESTADO – AT
1.1. – Manutenção do pagamento da totalidade da dívida em regime prestacional, até 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196.º, n.º 6, do CPPT, por se considerar demonstrada “…a indispensabilidade da medida e, ainda, (…) os riscos inerentes à recuperação os créditos (…)”.
1.2 – A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir;
1.3 – Neste sentido, a taxa de juros vincendos a aplicar será a que for aceite pela Fazenda Nacional;
1.4 – Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5 – Não haverá lugar a qualquer moratória;
1.6 – Substituição da administração;
1.7 – A revitalizanda fará demonstração do pagamento integral de todas as obrigações fiscais, após o despacho a que se refere o artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a).
1.8 – Assim, considera-se notificada a Administração Fiscal do requerimento a que alude o artigo 196.º, n.º 1, do CPPT.
1.9 – Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, determina-se nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário. A suspensão prevista neste normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE).
1.10 – Manutenção das garantias atualmente existentes e dispensa de prestação garantia adicionais de acordo com o disposto no artigo 199.º, n.º 13, do CPPT.
1.11 – Inclusão no plano prestacional em causa, da totalidade da dívida exigível em processo executivo não incluída no plano em execução, respeitante a facto tributário anterior à data em que vier a ser aprovado este plano de recuperação e que ascende a € 7.280.127,43 (sete milhões, duzentos e oitenta mil, cento e vinte e sete euros e quarenta e três cêntimos), de acordo, aliás, com o previsto no n.º 7 do artigo 196.º do CPPT, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.
2. ESTADO – SS
Plano de Regularização:
- A totalidade da dívida à segurança social será regularizada, enquanto devedora originária e enquanto assuntora, através da manutenção dos planos prestacionais em vigor, os quais manter-se-ão em cumprimento;
- Garantias: As garantias constituídas mantêm-se não dependendo os planos prestacionais em vigor da constituição de garantias adicionais, nos termos do artigo 199.º, n.º 13, do CPPT.
- Manutenção da suspensão das ações executivas pendentes para cobrança de dívidas à segurança social, após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento dos planos de pagamentos em vigor;
3 – PESSOAL – Créditos Privilegiados
Plano de Regularização: Pagamento da totalidade da dívida, identificada no mapa II, em 138 prestações mensais e sucessivas de vencendo-se a primeira até último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de revitalização.
- Os juros vincendos serão contabilizados a partir da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação e pagos mensalmente, vencendo-se a primeira prestação até ao último dia útil do mês seguinte àquele em que se verificar o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- A taxa de juros vincendos a aplicar será a praticada para os créditos da Segurança Social.
Créditos Privilegiados – Créditos Sob Condição
Plano de Regularização: Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.
4 – FORNECEDORES, BANCA E OUTROS CREDORES
Créditos Comuns
Plano de Regularização:
- Carência de capital nos 36 meses seguintes à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Porém, caso a Devedora suba à 1ª Liga do Futebol Profissional no mencionado período temporal, iniciará os pagamentos referidos no parágrafo seguinte, no último dia do mês seguinte àquele em que se efetivar tal subida.
- Pagamento de 50% do capital em dívida, vencendo-se a primeira prestação até ao último dia útil do mês seguinte ao término do período de carência ou da verificação da condição supramencionada, em cento e vinte prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo a última prestação bullet dos restantes 50% do capital;
Créditos Comuns sob Condição
Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.
5 – CRÉDITOS GARANTIDOS
Plano de Regularização:
- Carência de capital nos 24 meses seguintes à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
- Porém, caso a Devedora suba à 1ª Liga do Futebol Profissional no mencionado período temporal, iniciará os pagamentos referidos no parágrafo seguinte, no último dia do mês seguinte àquele em que se efetivar tal subida.
- Pagamento de 50% do capital em dívida e juros, em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte ao do término do período de carência, ou da verificação das condições supramencionadas, com spread 0,5%, sendo a última prestação mensal bullet de 50%, do capital.
6 – CRÉDITOS SUBORDINADOS
Plano de Regularização: Pagamento no final de liquidados todos os restantes créditos, nos mesmo termos previstos para os credores comuns.
7 – Manutenção das garantias existentes
As garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados.
8 – Distribuição de resultados
Durante a vigência do Plano de Recuperação, não será efetuada qualquer distribuição de resultados aos sócios da devedora.
9 – Cláusula salvo regresso de melhor fortuna
O Plano de Recuperação fica subordinado à cláusula salvo regresso de melhor fortuna à devedora, que produz efeitos durante o período da sua vigência, nos termos em que, se e quando, a sua situação económico-financeira melhorar (o que será verificável pela regular informação contabilística) permitindo a libertação de meios, que, para além das prestações do Plano, lhe possibilite efetuar pagamentos aos credores sem comprometer o seu regular funcionamento, a devedora compromete-se a, de forma rateada, a efetuar reembolsos, totais ou parciais, da dívida.
10 – Nos termos do artigo 209.º, n.º 3, do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.
11 – Os processos não são extintos com a homologação do plano.
(…)”.

2 – No plano de revitalização do devedor descrevem-se no âmbito das medidas necessárias à sua execução, a implementar:
3.2.2.2- Ainda a executar
Consciente de que a globalização tornou o sector desportivo muito mais exigente, para se manter competitiva e singrar, a “(…) Futebol Clube SAD” implementou um Sistema de Controlo de Gestão interno, através do qual tem vindo a controlar eficazmente os seus custos e proveitos por projeto, o que contribui para uma tomada de decisão mais acertada.
Nesse sentido e com a entrada em funções desta Direção, imediatamente se priorizou a vertente desportiva do futebol com o apoio moral e financeiro indispensáveis para que o seu êxito viabilizasse a SAD.
Redução de custos
Reorganizando-se os Serviços Técnicos e Administrativos, reajustando-se em baixa vencimentos do staff, libertando-se colaboradores sem vínculo permanente, apostando na formação.
Aumento de Receitas
A SAD tem contado com a Câmara Municipal de Setúbal como parceiro estratégico conseguindo donativos importantes para a SAD.
- Apesar das dificuldades, o clube pretende continuar a obter cada vez mais sócios, melhorando as receitas e assinalando ainda mais a sua posição no desporto. A SAD irá definir uma estratégia comercial neste sentido.
- Estima-se o aumento de receitas também por via dos sponsors publicitários habituais a reaparecerem no plano desportivo, com a previsão de público nos Estádios a partir da próxima época e com a carreira desportiva da equipa de futebol, já na fase apuramento de subida à Liga 2.
- Com a entrada em funcionamento da nova loja de vendas e das vendas online também se prevê o aumento de receitas.
- Com a aposta em empréstimos de jogadores com clubes de referência no país, que possam ver no clube uma vitrine para os seus ativos.
- Com a perspetiva de um investidor conforme carta de intenção (Anexo II).
- E com uma enorme expectativa no resultado da reclamação em Tribunal da despromoção administrativamente imposta.
A devedora pretende continuar a apostar na melhoria contínua do trabalho que iniciou nesta área, tendo sempre como objetivo deter um controlo eficiente da sua performance económico-financeira. Esta Administração está confiante nas Demonstrações de Resultados que projeta para os próximos 5 anos.
Outras Medidas de Reestruturação:
Caracterização das Principais Medidas:
A – Operações com reflexos no Passivo da Devedora:
No fundamental, são as já descritas no ponto 3.1 – “O plano de recuperação deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores do processo especial de revitalização.”
B – Operações com reflexos no Capital Próprio da Devedora São contabilizadas as correções ao Balanço, conforme quadro em anexo.
A Devedora irá ainda registar alterações a nível societário, caso a presente proposta de plano de recuperação obtenha aprovação por parte dos credores:
- dado que em liquidação integral do património da sociedade não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos acionistas, conforme decorre de páginas 63 a 65 deste plano bem como do relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas que o instrui no qual se evidencia o “valor real da sociedade”, reduz-se a zero o capital social para cobertura de prejuízos;
- aumento do capital de zero para duzentos e cinquenta mil euros através de novas entradas em dinheiro a serem depositados à ordem do Sr. Administrador Judicial nos dez dias seguintes ao da aprovação deste plano de recuperação, para assim se prover ao disposto no artigo 201.º, n.º 2, do CIRE, sendo que a não realização deste depósito no aludido prazo implicará, de imediato, a não homologação deste plano de recuperação.
- o capital será subscrito e realizado por entidade a indicar pela atual acionista “(…) Futebol Clube”.
E assim, a Sentença que homologar este plano será título bastante para se proceder à formalização da operação supra descrita, conforme decorre do teor do artigo 217.º, n.º 3, alínea b), do mesmo Código, formalização esta que ocorrerá nos dez dias seguintes ao trânsito em julgado de tal Sentença.
Em consequência do exposto, é alterado o artigo 4.º do pacto social, o qual ficará com a seguinte nova redação:
ARTIGO 4.º
O capital social, integralmente realizado, é duzentos e cinquenta mil euros.
A presente redução e aumento de capital será registada e implementada nos trinta dias seguintes ao do trânsito em julgado da sentença que homologar este plano de recuperação.
(…)”
3. O Plano foi aprovado por credores que representam 80,06% dos votos emitidos, sendo que, mais de metade dos votos emitidos em sentido favorável correspondem a créditos não subordinados – 79,23%, tendo a votação respeitado a credores que correspondem a 91,30% do total dos créditos reconhecidos.
4. A recorrente consta na Lista como credora comum com um crédito no montante de € 2.995.754,26 (capital e juros), correspondente à percentagem de 8,94% da totalidade dos créditos, sendo o mesmo reconhecido como condicionado (condição suspensiva da sentença que vier a ser proferida na ação n.º 6004/17.7T8STB).
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Conhecendo da 1ª questão
A recorrente vem invocar estar-se perante uma atuação abusiva da devedora no recurso ao PER, salientando que é a quarta vez que recorre a tal procedimento, o que lhe possibilita não liquidar qualquer valor aos seus credores, continuando a contrair créditos e a aumentar a dívida, o que descredibiliza o processo de revitalização.
No tribunal recorrido não se desconhecia que não era a primeira vez que a devedora recorria ao PER, conforme resulta do despacho liminar de 15/04/2021, até porque é a própria devedora a alertar para esse facto e a justificar a sua atuação. Atuação esta, que foi sindicada em devido tempo merecendo aprovação do tribunal, atentos os fundamentos invocados por não ser desconforme com a lei.
A recorrente não pôs em causa, nesse momento, a admissibilidade do procedimento, mas vem agora suscitar que tal admissibilidade seja analisada “a luz do crivo da boa fé e do critério do fim económico e social do direito invocado”, sem, todavia, para além de enunciar a sucessão de processos de revitalização, explicitar convenientemente em que é que esse abuso é concretizado.
Da perceção que nos dá o conteúdo dos autos não resulta, na nossa visão, que com a instauração da presente ação, mesmo tendo subjacente a propositura, no passado, de outras da mesma natureza, tivesse a devedora com a sua atuação extravasado os limites impostos pela boa fé, ou pelo fim social ou económico do direito que invoca.
Embora seja verdade que com o recurso ao procedimento de revitalização a devedora retira algum beneficio, na medida que impede os credores de cobrarem os seus créditos e conduz a que se protelem, mesmo na vertente coerciva, os pagamentos devidos, temos que reconhecer, como bem salienta o Ministério Público, que tal “é uma consequência necessária da pendência de um qualquer processo especial de revitalização, até à homologação de um plano de recuperação, e não demonstra em si mesmo uma utilização abusiva de um procedimento que a Lei faculta. E mesmo quando, como é o caso, haja uma sucessão de processos, se os mesmos forem, como são, legalmente admissíveis, não constituem, só por si, um abuso”, até porque, ao que consta, nesses processos a devedora viu aprovados os planos de recuperação o que denota ter tido (e continuar a ter) a confiança dos credores, pelo que improcede, nesta vertente o recurso.

Conhecendo da 2ª questão
O Processo especial de revitalização, introduzido no CIRE, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, destina-se nos termos ali prescritos, “a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I”.
A solução de evitamento da insolvência é assim suportada pelo acordo dos credores, impondo por isso a lei a respetiva aprovação por uma maioria qualificada dos créditos, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado que, deste modo se torna vinculativo para os restantes.
Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cfr. n.º 9 do artigo 17.º-D), cabendo ao juiz, conhecido o resultado das negociações, nas quais não interfere, proferir decisão nos termos previstos no artigo 17.º-F.
Ocupa-se este último preceito das diligências subsequentes à aprovação de um plano de recuperação tendente à recuperação do devedor, distinguindo entre a aprovação unânime e a aprovação sem unanimidade, sendo certo que em ambos os casos carece o mesmo de homologação judicial.
Consagrou-se, pois, nos artigos 17.º-A a 17.º-I um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial deste processo por forma a fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação do devedor bem como a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso, dando primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), com o dever de respeito dos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2001, de 25/10 (artigo 17.º-D, n.º 10).
Em matéria de aprovação e homologação pelo juiz rege o n.º 5 do artigo 17º-F, com remissão expressa para as regras homólogas do plano de insolvência, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.
No caso em apreço foi proferida sentença de homologação do plano, com a qual a recorrente discorda por em seu entendimento, o conteúdo do Plano pôr em causa o princípio da igualdade no tratamento dos credores e não ser conforme ao legalmente determinado.
Vejamos, então se assiste razão à recorrente.
Nos termos previstos no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas”.
E, segundo o seu n.º 2, “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afetado, o qual se considera tacitamente prestado em caso de voto favorável”.
A este propósito, vide Carvalho Fernandes, João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Quid Juris, 2ª edição, na anotação 8ª ao artigo 192.º, a pág.746, é referido: “Cremos, todavia, ser de admitir a não homologação, seja oficiosamente, com base no artigo 215.º, ou a requerimento do lesado, fundada no artigo 216.º, quando, não estando demonstrado o consentimento, tenha havido indevida afetação da posição jurídica dos interessados ou de terceiros”, e na anotação 1ª ao artigo 215.º, a pág. 825: “Este preceito continua a orientação do Direito anterior no sentido de conferir ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano”. Estes autores, nos artigos citados, transmitem a ideia do papel interventor do Tribunal.
O legislador quis, assim, uma verdadeira igualdade entre credores da insolvência.
O artigo 215.º do CIRE, impõe ao juiz que recuse a homologação do plano aprovado pelos credores sempre que ocorra “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza”, assim estando em causa tanto aspetos de procedimento como de substância, estes atinentes ao conteúdo do plano. Mas, atente-se, não é qualquer desvio que implica a recusa de homologação, exigindo a lei que se trate de “violação não negligenciável”, deixando ao intérprete a difícil tarefa de concretização do conceito.
De todo o modo, do que não há dúvida face à literalidade da disposição legal, é que violações menores deverão ser desconsideradas.
Segundo Carvalho Fernandes, João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 826, “Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.
Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”.
Ainda segundo aqueles autores, ob. cit., páginas 826 e 827, a lei não define o que deva considerar-se vício negligenciável, nem fornece objetivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta. No entanto, consideram que, para se decidir se a violação da lei justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores, do que verdadeiramente se trata é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
Para o efeito, entendem que parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no artigo 195.º do Código de Processo Civil.
Isto é, o que importa é sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa. O que significa, acrescentam, “valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta – tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”.
No caso dos presentes autos a recorrente invoca, como um dos fundamentos a violação do principiou da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, o facto de no seu entendimento existir um benefício dos credores comuns em detrimento dos credores laborais.
Os créditos laborais, privilegiados, são liquidados em 138 prestações mensais, iguais e sucessivas, enquanto os créditos comuns terão um período de carência de 36 meses, findo o qual 50% do valor do crédito será liquidado em 120 prestações mensais e o remanescente a final, entendendo a recorrente não haver razão atendível para protelamento do pagamento daqueles créditos, que podem vir a ser liquidados na sua totalidade, até numa data posterior a estes, atendendo a que, quanto estes, está prevista a possibilidade/condição de que caso a devedora subir (retornar) à 1.ª Liga do Futebol Profissional cessar o período de carência com inicio imediato do plano de pagamento.
Ou seja, entende a recorrente, apesar de até poder sair beneficiada, já que é credor comum, que a possibilidade/condição não sendo aplicada aos créditos laborais, põe em causa o princípio da igualdade, por permitir o pagamento dos créditos comuns antes dos créditos privilegiados.
Na 1ª instância não se concordou com este entendimento com a seguinte argumentação:
“Em primeiro lugar porque o pagamento dos créditos laborais não prevê qualquer período de carência, ao contrário dos créditos comuns, em segundo lugar porque o início dos pagamentos antes de terminado o período de carência está condicionado por uma decisão futura e incerta que não depende da devedora, em terceiro lugar porque o pagamento aos credores comuns prevê uma redução de 50% do capital em dívida, o que não sucede com os créditos laborais.
Assim, e embora exista diferenciação no modo de pagamento, desde já se dirá que quanto ao prazo de pagamento ainda assim os créditos laborais serão ressarcidos, em condições normais e atuais, antes dos créditos comuns, e integralmente, não existindo violação do princípio da igualdade”.
Acompanhamos a fundamentação da 1ª instância à exceção da referência que faz à redução de 50% do capital em dívida relativamente aos créditos comuns, por tal não resultar do Plano, antes resultando que relativamente a tais créditos a última prestação a liquidar contemplará “os restantes 50% do capital” que não foi pago com a liquidação processada em todas as anteriores prestações.
Em condições normais e atuais não haverá possibilidade do período de carência relativa aos créditos comuns ser reduzido pelo facto de se dar a subida da equipa profissional de futebol à 1.ª Liga, embora essa condição conste consignada, mas, mesmo assim, se tal acontecesse não seria num período de tempo tão curto (menor que 18 meses) que pudesse levar à liquidação total das prestações referentes aos créditos comuns em momento anterior às prestações relativas aos créditos laborais, cujo início de pagamento é efetuado de imediato, sem qualquer período de carência.
Assim, entendemos que a possibilidade de alteração do período de carência por força da condição não traduz uma desigualdade infundada em prejuízo dos créditos laborais.
A recorrente defende, também, que o Pano só na aparência acata quanto ao respetivo conteúdo as determinações do artigo 195.º do CIRE, dado que os seus termos são genéricos sem especificação nem concretização. Ou seja, não demonstra a sua exequibilidade, de modo a aquilatar do seu sucesso.
A recorrente refere várias situações referidas no Plano que lhe suscitam dívidas e das quais não tem respostas porque elas não foram concretizadas especificadamente no documento.
O documento não pode descrever todos os pormenores das diversas vertentes a que se alude no âmbito da revitalização da devedora. As dúvidas quanto a esses pormenores podiam e deviam ser postas à consideração no âmbito da fase discussão do Plano a fim de a devedora poder prestar os esclarecimentos necessários com vista a clarificar as dúvidas, até porque não há necessidade de o plano se reportar específica e individualmente a cada uma das menções referenciadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE, podendo tal reporte ser em termos globais e percetíveis, alcançando-se, dessa forma, o fim intentado por lei (cfr. Carvalho Fernandes, João Labareda in CIRE Anotado, 2ª edição, 758).
Por isso, não pode reconhecer-se que o Plano seja omisso quanto à indicação de elementos essenciais. O que pode ser posta em causa, é a sua exequibilidade, como parece fazer a recorrente, e nessa medida se a devedora com base nele preenche de facto o requisito de recuperabilidade inscrito no n.º 1 do artigo 17.º-A e no artigo 17.º-B do CIRE. Mas a análise da possibilidade ou impossibilidade de exequibilidade do Plano cabe ao universo dos credores, os quais perante uma situação de inexequibilidade não o devem votar favoravelmente. Mas não foi isso que aconteceu, estando a larga maioria dos credores, como decorre da votação, cientes da exequibilidade do Plano e da consequente recuperação da devedora, certamente por terem reconhecido que a sua elaboração assenta em expetativas sérias de realização e execução das medidas propostas.
Não cabe ao juiz aquando da homologação, ou não, do Plano avaliar da verificação, ou não, do requisito material de recuperabilidade do devedor de que depende o recurso ao PER, uma vez que não deve, não pode, exercer esse tipo de controle em face da lei, não sendo assim lícito recusar a homologação do acordo com base na insusceptibilidade de recuperação da empresa, quando o acordo representa, pelo menos em abstrato, uma via para a recuperação, tal como foi entendido pela larga maioria dos credores que o aprovaram [v. Catarina Serra “Entre o Princípio e os Princípios da Recuperação de Empresas (um work in progress)” in II Congresso de Direito da Insolvência”, 2014, 92].
Não resultando do respetivo conteúdo do Plano lacunas evidentes que ponham em causa aquilo a que a lei obriga a respeitar não deve o tribunal imiscuir-se na vontade da maioria dos credores aos quais a lei atribui a primazia de negociarem com a devedora o Plano de recuperação desta. No PER é conferida primazia à vontade dos credores, atribuindo-se-lhes um controlo efetivo do processo, em detrimento do controlo judicial, que visa apenas salvaguardar a observância dos princípios orientadores do instituto, designadamente o cumprimento das normas consideradas imperativas, ou seja garantir a legalidade do processo.
Em nossa opinião não existe fundamento para a pretendida recusa de homologação do Plano apresentado pela devedora e aprovado por uma maioria clara dos credores.
Assim, não há que duvidar da correção da decisão impugnada, pelo que o recurso não merece procedência.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 28 de outubro de 2021
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes