Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
84803/13.4YIPRT.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PAGAMENTO
JUROS
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As prescrições previstas nos artigos 316º e 317º do Código Civil são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento.
O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento.
Ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento, cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu.
A prescrição presuntiva só pode ser ilidida por confissão expressa (prevista no artigo 313.º do Código Civil) ou por confissão tácita (cf. artigo 314.º do Código Civil).
Ao alegar o pagamento o Réu não está a adoptar conduta incompatível com a presunção de cumprimento, visto que não discute o teor da dívida nem nega que a dívida existiu, antes pressupõe este facto.
O crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.
Uma das disposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal é o artigo 310º, alínea d) do Código Civil, relativo aos prazos de prescrição, que prevê um prazo específico para a obrigação de juros, que pode não ser coincidente com o previsto para a obrigação principal.
Estando prescrita a obrigação de capital, só são devidos os juros moratórios vencidos até à data da prescrição daquela dívida e se quanto a eles não tiver decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. Massa Insolvente de AA, Lda., apresentou requerimento de injunção contra BB, requerendo que fosse conferido força executória ao mesmo para pagamento da quantia de € 18.935,84, sendo € 8.256,38 relativos a capital e € 10.679,46 a juros de mora, contabilizados desde 25 de Julho de 2000 até 5 de Junho de 2013, às taxas aplicáveis aos juros comerciais sucessivamente em vigor.
Invoca, como origem do crédito, que a sociedade AA, Lda., entretanto declarada insolvente, celebrou com o Réu um contrato de compra e venda de uma viatura, resultando da contabilidade apreendida à mesma, na sequência da sentença que declarou a sua insolvência, um crédito referente a essa venda no valor de € 8.256,38.

2. Regularmente citado, o Réu deduziu oposição ao requerimento injuntivo apresentado, o que determinou que os autos passassem a seguir os termos da acção declarativa com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, do regime aprovado pelo Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Em tal oposição, alegou que não comprou qualquer veículo automóvel em 25 de Julho de 2000, e que o único veículo que comprou à Autora foi pago no prazo acordado a um dos seus sócios gerentes continuando a aguardar o cancelamento da reserva de propriedade.
Mais alegou que, a existir a dívida, a mesma já prescreveu nos termos do disposto no artigo 317.º, alínea b) do Código Civil, pois o Réu não é comerciante, não destinou o veículo ao comércio ou à indústria, bem como já prescreveram os juros peticionados.

3. A Autora respondeu às excepções deduzidas pelo Réu em sede de contestação alegando que o Réu, ao dizer que pagou materialmente a dívida, como faz na sua contestação, reconhece a sua existência, pelo que, ou prova o pagamento efectivo ou estará sempre a reconhecer a mesma, afastando a prescrição presuntiva.
Conclui pela improcedência da excepção da prescrição e do pagamento nos termos alegados.

4. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme consta da respectiva acta, após o que foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu no pagamento à Autora dos juros de mora sobre a quantia de € 8.256,38, às sucessivas taxas em vigor para os juros comerciais vencidos desde 10 de Junho de 2008 até 5 de Junho de 2013.

5. Desta sentença recorrem ambas as partes, nos seguintes termos:
5.1. O Réu pretende a revogação da sentença na parte em que o condenou no pagamento dos juros moratórios, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões de recurso]:
Por sentença datada de 24.06.2014, foi o Recorrente condenado a pagar à Recorrida os juros de mora sobre a quantia de € 8.256,38, às taxas comerciais em vigor;
Contudo, foi o Recorrente absolvido do pagamento da quantia de € 8.256,38, uma vez que o direito de crédito da Recorrida foi decretado extinto por prescrito;
Entende o Recorrente que o direito de crédito referente aos juros também está prescrito, uma vez que a obrigação principal, sobre a qual incidem os juros moratórios, não lhe é exigível;
Pois, por força do princípio da destruição retroactiva da obrigação e do vínculo, determina que o devedor, liberado pela prescrição, não tem de pagar, nem o capital em dívida, nem os juros que estivesse a dever até essa data;
Tem assim o Recorrente o direito potestativo de pôr termo à vinculação perante a Recorrida, expurgando, com isso, os juros daí advenientes;
E acaso assim V. Exas. não entendam;
Por força dos artigos 461º, nº1 e 463º do Código Comercial, apenas a Recorrida é comerciante, e o contrato celebrado entre esta e o Recorrente não tem natureza comercial, mas civil, pois trata-se de uma compra e venda de coisa móvel destinada ao uso e consumo do comprador.
Logo, se estamos perante uma compra e venda civil, são de aplicar juros civis, e não comerciais, sob pena de se violar o artigo 2º, nº1, al. a) do DL 62/2013;
Ao abrigo do disposto no artigo 2º da Lei 47/2014, o Recorrente é um consumidor;
E assim, estamos perante um acto/contrato subjectiva e unilateralmente comerciais, que é, no caso, um contrato de consumo, ao qual se aplicam, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, os juros moratórios civis e não comerciais.
Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis, e com o suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser considerado procedente, sendo o Recorrente absolvido na totalidade do peticionado;
E caso assim não se entenda, deverá ser reformulada a decisão recorrida, no sentido de serem considerados juros civis e não comerciais.

5.2. Por sua vez, a Autora pretende a revogação da decisão, no que respeita à prescrição da obrigação principal, em que decaiu, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de Apelação da Sentença que julgou improcedente a presente acção quanto à obrigação de capital e absolveu o Recorrido de toda esta parte peticionada com excepção dos juros dos últimos 5 anos e com o que a recorrente não se pode conformar.
Com a declaração de insolvência da Sociedade Automecânica Rossiense, a administração e a disposição dos bens de carácter patrimonial passaram a integrar a Massa Insolvente representada pelo correspondente Administrador de Insolvência com a consequente e imediata apreensão de todos os bens e direitos integrantes da massa insolvente, devendo o correspondente Administrador diligenciar para a cobrança do activo correspondente aos créditos da insolvência.
Dentro da apreensão da contabilidade e dos correspondentes créditos nela constantes, resultava que em 1 de Julho de 2008 o Réu tinha um crédito no montante de €8.256,38 em função da aquisição, no máximo, a 25 de Julho de 2000 do veiculo com a matricula QC-xx-xx correspondente a um veiculo da marca Iveco misto de 3 lugares na frente e caixa de carga na retaguarda de que a recorrente fez prova da falta de pagamento parcial do preço, limitando-se o recorrido a defender-se com a alegação de carácter geral de que teria pago o crédito.
A figura da prescrição presuntiva trata-se de uma presunção juris tantum em relação à qual não só aquele que dela pretende beneficiar terá necessariamente que fazer prova positiva quer do decurso do prazo, quer da sua qualidade de não comerciante ou que, tendo tal qualidade não destinou os objectos adquiridos ao seu comércio bem como da inexistência de factos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Temos assim que a prescrição presuntiva para ser admitida e constituir causa extintiva da obrigação necessita de prova:
Não só do decurso do tempo e da não qualidade de comerciante, o que se designa por factos positivos;
Como também da inexistência de conduta incompatível com a presunção de cumprimento, o que se qualifica como facto negativo, o que é incompatível com a alegação genérica do recorrido sem provar o pagamento do valor da aquisição do veículo.
Também não provou o mesmo recorrido quer que tenha feito esse pagamento, quer que o tenha feito a um dos sócios gerentes da sociedade insolvente pelo que a sentença recorrida deu como facto não provado que não foi pago o valor da compra e venda, concretizando a sentença que não foi provada a existência de um efectivo pagamento por parte do recorrido da quantia reclamada pela recorrente.
Provada a subsistência da divida, foi completamente ilidida a presunção de pagamento por parte do recorrido, situação em que se fundamenta a própria prescrição presuntiva, sendo certo que, mesmo que por mera hipótese se admitisse que a mera alegação de pagamento constituía um facto extintivo do direito de crédito, cuja prova competiria à recorrente, está plasmado na sentença recorrida o teor quer dos documentos quer da prova testemunhal da testemunha arrolada pela Recorrente de que o crédito não estava regularizado.
Depois da sentença recorrida dizer que tendo havido incumprimento de obrigação de pagar o preço, é devido à recorrente a quantia peticionada a título de capital, à revelia de tudo o que constitui os fundamentos indicados até agora, a sentença recorrida acaba por absolver o recorrido por entender que à ilisão da presunção da prescrição bastava ao recorrido provar os factos positivos do art. 317º do CC, sendo inconsequente da prova feita de que a dívida subsistia.
Por tudo quanto se alegou, resulta claro que os fundamentos de facto e de direito estão em total oposição com a decisão, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do art. 615º nº 1 c) do CPC.
Sem prejuízo da detectada nulidade da sentença, o certo é que a sentença recorrida, depois de provar o não cumprimento da obrigação, absolve o recorrido da obrigação de capital, o que determina que tenha havido uma violação conceptual do que são as presunções legais e judiciais, bem como o que é a ilisão da prescrição presuntiva enquanto tal, bem como uma violação dos fundamentos do ónus probandi e sem prejuízo de o tribunal na sua decisão ter de tomar em consideração todas as provas produzidas sendo essa violação especifica em termos normativos do disposto nos arts. 312º, 314º, 307º b), 342º nº 1 e nº 2, 349º e 350º, todos do CC.
Sem prejuízo de ter a sentença recorrida absolvido o recorrido na obrigação de capital, condenou-o ao pagamento dos juros moratórios dos últimos 5 anos anteriores à dedução da excepção, de conhecimento não oficioso, que é a prescrição – art. 303º do CC, fazendo-o à taxa de juro comercial.
Exclusivamente nesta parte bem andou a sentença recorrida uma vez que a prova que foi feita na acção sobre a eventual não qualidade de comerciante do recorrido consistiu em o mesmo ter provado que terá cessado o seu contrato de trabalho relativamente à actividade de serralheiro que exerce no ano de 1993, o que é incompatível com a não indicação a titulo algum da sua eventual nova entidade patronal, ao que acresce que o veiculo adquirido era um veiculo de carga com três lugares à frente adequado ao exercício da actividade de serralharia, tendo sido comprado 7 anos após a rescisão do contrato de trabalho com a AA.
Ou seja, não foi feita prova cabal de que o recorrido não utilizasse o veículo no exercício da sua actividade mercantil, sendo certo que um veículo de carga com três lugares à frente parece um pouco incompatível com meras deslocações familiares e neste sentido, a condenação nos juros e em juros comerciais está correcta desde que acompanhada na condenação do capital, o que não sucedeu.
Como conclusão final, deverá no âmbito deste recurso ser declarada:
A nulidade de Sentença por efectiva contradição entre os fundamentos e a decisão e consequente oposição entre ambos, nos termos do art. 615º nº 1 c) do CPC ;
Em qualquer caso, confirmar-se a violação da sentença recorrida dos arts. 312º, 314º, 307º b), 342º nº 1 e nº 2, 349º e 350º, todos do CC.

6. Ambas as partes contra-alegaram.
Os recursos foram admitidos como apelação, como subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Considerando o teor das conclusões apresentadas nos recursos, importa decidir as seguintes questões, as quais serão conhecidas por ordem lógica de precedência, reportando-se as duas primeiras questões ao recurso da Autora e as restantes ao recurso do Réu:
Da nulidade da sentença;
Da prescrição da dívida de capital;
Da prescrição da dívida de juros; e
Da taxa de juros moratórios aplicável.
*

III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
Por sentença datada de 15 de maio de 2006, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 1466/05.8TYLSB do 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência de AA, Lda..
Em data não concretamente apurada mas, seguramente, anterior ou no próprio dia 25 de Julho de 2000, e no exercício da sua actividade comercial, AA, Lda., acordou com o Réu, BB, a aquisição, por este último, do veículo automóvel de marca Iveco, com a matrícula QC-xx-xx, por preço não concretamente apurado.
Da contabilidade apreendida à AA, Lda., na sequência da declaração de insolvência, resultava em 1 de Julho de 2008 um crédito no montante de € 8.256,38, indicado como capital e referente à aquisição do veículo referido em 2.
Para garantia do pagamento do veículo identificado em 2. foi registada a favor da AA, Lda., reserva de propriedade.
O Réu, BB, exerce a actividade profissional de serralheiro e não é comerciante.
O requerimento injuntivo que deu origem aos presentes autos foi apresentado pela Autora, Massa Insolvente da AA, Lda., em 5 de Junho de 2013.
O Réu, BB, foi citado para a presente acção no dia 31 de Outubro de 2013.
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B) – O Direito
1. Da nulidade da sentença
Invoca a recorrente a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, por oposição entre os fundamentos e a decisão, a qual reconduz-se a um vício lógico no raciocínio do julgador em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
Alega a recorrente a este respeito que, na sentença, depois de se haver concluído que houve incumprimento da obrigação de pagar o preço, absolveu-se o recorrido “por entender que à ilisão da presunção da prescrição bastava ao recorrido provar os factos positivos do artigo 317º do CC, sendo inconsequente da prova feita de que a dívida subsistia” (cf. conclusão H)).
Ora, não resulta da matéria de facto que se tenha dado como provado que a dívida não foi paga, o que dela resulta é que não foi provado pelo R. o pagamento (“… designadamente que o preço do veículo referido em 2. dos factos provados foi pago no prazo acordado a um dos sócio gerentes da AA, Lda.”,), o que é coisa diferente.
Assim, quando na sentença se diz que houve incumprimento contratual por parte do R., por não ter provado o pagamento do preço, tal afirmação tem que se interpretada no âmbito da excepção do pagamento invocada, e não é contraditória com a conclusão de que o R. beneficia da presunção de pagamento que igualmente invocou.
O que da fundamentação da sentença se retira é que se não fosse a existência da presunção invocada o R. teria que pagar o preço, por não ter feito prova do seu efectivo pagamento, como lhe competia, posto que a Autora provou a celebração do contrato de compra e venda e a entrega do veículo ao R..
Por outro lado, a eventual errada valoração dos ónus probatórios no que à matéria da prescrição presuntiva diz respeito, não constitui fundamento de nulidade da sentença, mas antes, a verificar-se, erro na interpretação das normas jurídicas em causa.
Deste modo, não se verifica a aludida nulidade da sentença.

2. Da prescrição da dívida de capital
2.1. A Autora peticiona nos autos o pagamento do remanescente do preço de um veículo automóvel cuja propriedade transmitiu, no âmbito da sua actividade comercial, ao Réu, pelo que está em causa o incumprimento, por parte deste último, de um contrato de compra e venda (cf. artigo 874º do Código Civil).
Da factualidade apurada resulta que em data anterior ou no dia 25 de Julho de 2000, e no exercício da sua actividade comercial, AA, Lda., acordou com o Réu, BB, a aquisição, por este último, do veículo automóvel de marca Iveco, com a matrícula QC-xx-xx, mediante o pagamento de preço não concretamente apurado.
Assim, como se disse na sentença, temos por comprovada a celebração de um contrato de compra e venda entre o Réu e a AA, Lda., do qual resultou a transferência da propriedade do veículo em causa para o Réu, o qual lhe foi entregue, e a obrigação deste último de pagar o respectivo preço (cf. artigo 879º do Código Civil).
Sucede que o R. alegou nada dever à Autora por ter pago o remanescente do preço em falta (€ 8.256,38) e invocou a prescrição prevista na alínea b) do artigo 317º do Código Civil.
Deste modo, para que o Réu não fosse condenado ao pagamento em falta - posto que a Autora provou a existência do contrato e alegou a falta de pagamento do remanescente do preço - ou provava o pagamento da dívida ou demonstrava os factos integradores da prescrição em causa.
Ora, como se diz na sentença, não se mostra provado o pagamento da quantia em dívida por parte do Réu, na medida em que o mesmo não provou os factos integradores do pagamento como causa extintiva da obrigação.
Porém, considerou-se na sentença estarem demonstrados os requisitos da prescrição invocada, pelo que se absolveu o Réu do pedido de pagamento do remanescente da dívida.

2.2. A Autora discorda deste entendimento, no essencial, porque considera ter ilidido a presunção de pagamento, em que se fundamenta a própria presunção presuntiva, e por não se verificarem os requisitos da prescrição.
Contudo, não lhe assiste razão.
Senão vejamos.

2.3. Nos artigos 312.º a 317.º do Código Civil estão previstas as prescrições presuntivas, nos termos das quais “(…) a lei presumiu que decorridos estes prazos, o devedor teria pago. (…) Elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento. Por isso, são afastadas pela prova da existência da dívida, mas só nos limitados termos que vamos dizer.
Enquanto nas prescrições verdadeiras, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, nestas prescrições presuntivas parece que não pode ser assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ela a invoque.” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra, Reimpressão, 1992, páginas 452 e 453.).
As prescrições presuntivas, como se diz na sentença, fundam-se, pois, numa presunção de pagamento e destinam-se a valer ao devedor que não se muniu de quitação, por se tratar de dívidas que costumam ser pagas em curto prazo, protegendo o consumidor comum.
Com efeito, as presunções prescritivas explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, págs. 1051 e 1052, e Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109º, pág. 246).
Também Rodrigues Bastos nos alerta para esta realidade, dizendo que “as chamadas prescrições presuntivas são prescrições de curto prazo, que têm esta característica especial: o decurso do termo estabelecido por lei não produz, como nas outras prescrições (cf. art. 304º) a extinção do direito, dando lugar apenas a uma presunção de cumprimento, que pode ser ilidida, embora só pelo meio previsto no art. 313º” (Das Relações Jurídicas, IV, pág. 142).
Porém, constituindo uma mera presunção de pagamento, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo incompatível com a presunção de cumprimento (cf. artigo 314º do Código Civil).

2.4. As prescrições presuntivas são meras presunções de cumprimento e não se confundem com as prescrições extintivas. Nestas últimas, para que os seus efeitos operem, basta ao devedor invocar o decurso do prazo. A partir daí, a excepção procede e a obrigação transforma-se numa obrigação natural, tendo o devedor a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito.
Nas prescrições presuntivas a sua eficácia restringe-se à liberação do devedor do ónus de prova de cumprimento, destinando-se o prazo prescricional estabelecido na lei a fixar o momento a partir do qual passa a recair sobre o credor a prova em contrário da presunção de cumprimento, prova essa que fica restringida à confissão expressa ou tácita, como se disse.
Por isso, ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento e cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu [cf., entre muitos outros, os Acórdãos da Relação de Évora, de 07/06/2008 (proc. n.º 1706/08-3), da Relação de Lisboa, de 07/06/2011 (proc. n.º 9150.4YIPRT-A.L1-7), e da Relação de Coimbra, de 10/12/2013 (proc. n.º 229191/11.0YIPRT.C1), disponíveis, como os demais citados sem outra referência em: www.dgsi.pt].

2.5. No caso em apreço, como se disse, o Réu invocou a prescrição prevista na alínea b) do artigo 317º do Código Civil, nos termos do qual prescreve no prazo de dois anos: “Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio …”.
O funcionamento da prescrição presuntiva prevista neste preceito depende, pois, da verificação cumulativa de três requisitos, a saber: que tenha decorrido o prazo de dois anos sobre a data do fornecimento dos objectos; que o credor, que forneceu os objectos, seja um comerciante; não ser o devedor, que recebeu os objectos, comerciante ou, sendo-o, não ter destinado tais objectos ao seu comércio.
E, como se diz na sentença, sendo tais elementos constitutivos da prescrição, o ónus de alegação e prova recai sobre quem dela pretende beneficiar.
Assim, e tendo em conta o que acima se disse, pretendendo o Réu beneficiar da prescrição em causa, tem que invocar a prescrição presuntiva, invocar que já pagou a dívida sem discutir o teor da mesma, e alegar e provar que não se dedica a qualquer actividade comercial, ou que, sendo comerciante, não destinou os objectos vendidos ao seu comércio (cf. artigo 317º, alínea b), e 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Ora, resulta da matéria de facto provada que decorreram mais de dois anos sobre a constituição da dívida, que a AA, Lda. (vendedora) é comerciante, e, por último, que o Réu (comprador) não é comerciante.
Nestes termos, o Réu alegou, como lhe competia, a prescrição presuntiva e o pagamento (ainda que não tenha conseguido prova-lo), não discutiu o teor da dívida, e logrou provar o decurso do prazo de dois anos sobre a mesma, o carácter de comerciante do vendedor e que ele mesmo não é comerciante.
Completada a prescrição, tem o beneficiário, a coberto do estatuído no artigo 304.º do Código Civil, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (esta norma mostra que a prescrição não suprime nem extingue o direito prescrito, o qual se transforma numa obrigação natural).

2.6. Deste modo, não tem razão a recorrente quando alega que está ilidida a presunção de pagamento.
Não foi feita prova do pagamento nos termos prescritos na lei.
O que sucedeu, foi que o Réu alegou a excepção do pagamento, mas não provou ter pago a dívida em falta, mas deste facto não decorre que se tenha provado que o pagamento não foi feito.
Na verdade, como se disse, a ilisão da presunção só pode ocorrer por confissão expressa ou tácita do devedor (cf. artigos. 313º e 314º do Código Civil), e, no caso, não houve confissão expressa, nem o Réu adoptou conduta incompatível com a presunção de cumprimento, que releve para efeitos de confissão tácita.
O Réu alegou o pagamento, que não provou, e a prescrição, e, ao alegar o pagamento, o Réu não está a adoptar conduta incompatível com a presunção de cumprimento, visto que não discute o teor da dívida nem nega que a dívida existiu, antes pressupõe que a mesma existiu.
E, como se disse, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 10/12/2013, acima referido, “atenta a especial natureza deste tipo de prescrição não basta invocá-la, sendo ainda necessário que quem dela pretenda prevalecer-se alegue expressamente o pagamento, ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos não pode alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção”.
No caso o Réu alegou o pagamento e não adoptou conduta incompatível com a presunção de cumprimento.

2.7. Deste modo, porque não houve confissão da dívida, nos termos supra referidos, e porque o Réu alegou e demonstrou os requisitos de que depende a verificação da prescrição, não lhe pode ser exigido o cumprimento da obrigação de pagamento em causa, como se decidiu na sentença.
Improcede, assim, o recurso da Autora.

3. Da prescrição da dívida de juros
3.1. Para além do pagamento da dívida em causa, peticionou ainda a Autora o pagamento de juros de mora sobre a aludida quantia de € 8.256,38, vencidos desde 25 de Julho de 2000 até dia 5 de Junho de 2013 (data de entrada em juízo do requerimento de injunção).
Na sentença recorrida entendeu-se que, nos termos dos artigos 798º, 804º e 806º do Código Civil, tinha a Autora direito a receber os juros de mora, mas que tal direito se restringia apenas aos juros vencidos desde o dia 10/06/2008, por os anteriores estarem prescritos, face ao disposto na alínea d) do artigo 310º do Código de Processo Civil.

3.2. Ambas as partes estão de acordo quanto à aplicação ao caso da referida norma da prescrição, mas o Réu entende que nada deve a título de juros, invocando que estando prescrita a obrigação de capital, não lhe podem ser exigidos os juros.
Vejamos:

3.3. A este respeito escreveu-se na sentença o seguinte:
«Cumpre analisar neste momento se, não obstante a prescrição da obrigação principal se mantêm a obrigação de juros e, consequentemente, se a requerente tem direito a receber os juros que se foram vencendo sobre o valor do capital.
Estabelece o artigo 561.º do Código Civil, que “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
Ora, num primeiro momento, ou seja, antes da sua constituição, a obrigação de juros depende da obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituída autonomizar-se, nos casos previstos na lei (veja-se, neste sentido, F. Correia das Neves, “Manual dos Juros”, 3ª edição, Coimbra, 1989, página 193).
O legislador permite, portanto, que, depois de nascido, o crédito de juros possa vir a ter vida autónoma, sendo que uma das disposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal é o artigo 310.º, alínea d) do Código Civil, relativamente aos prazos de prescrição de uma e outra.
Na sua contestação, o Réu invoca a prescrição da obrigação de juros.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (in seu Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, página 280), “não se trata, neste caso, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (…)”.
Estamos perante prescrição extintiva, razão pela qual sempre teremos de aferir se ocorreu, nos autos, qualquer causa de suspensão ou interrupção, nos termos do que se expõe nos artigos 318.º e seguintes do Código Civil.
Ora, percorrido todo o processado, não conseguimos vislumbrar a existência de quaisquer factos susceptíveis de interromper o decurso do prazo de prescrição.
Na verdade, não existiu parte da Autora qualquer acto judicial (além da instauração da presente acção, sendo que nessa data já tinham decorrido os 5 anos) em que tenha manifestado a intenção de exercer o direito de exigir do Réu o pagamento dos juros em dívida, e tão pouco existiu qualquer reconhecimento tácito ou expresso desta no reconhecimento do direito, ora, invocado pela Autora.
Mais uma vez, citando Pires de Lima e Antunes Varela (in obra citada, anotação ao artigo 310.º), sempre diremos que, não havendo um prazo estabelecido para o pagamento das dívidas de juros, os juros de mora vão-se vencendo dia a dia, isto porque não existe um direito unitário ou complexivo aos juros, não lhes sendo aplicável, consequentemente, o disposto no artigo 307.º do Código Civil, nos termos do qual a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga (veja-se, ainda, no sentido da posição que descrevemos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 2002, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, sobre determinado capital em dívida, que não foi pago na data do vencimento, vence-se, todos os dias, um valor de juros, sendo que cada valor diário prescreve 5 anos depois de se ter vencido, de tal modo que, “no último dia do 5.º ano de contagem de juros, se vence um valor que só prescreve 5 anos depois; e no 1.º dia do 6.º ano se vence um valor de juros que, também ele, prescreve 5 anos depois. Mas os juros vencidos há menos de cinco anos para aquém da data da citação, e os vincendos até integral reembolso são sempre devidos ao credor, acrescendo ao valor de capital” (in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2010, disponível em www.dgsi.pt).
Neste mesmo sentido se pronuncia F. Correia das Neves (in obra citada, páginas 84 e 85), escrevendo que a dívida de juros é uma dívida que periodicamente renasce, pelo que, no termo de cada período, se vence uma nova dívida ou obrigação, exemplificando que, mesmo que decorram 20 anos desde a falta primeira ao pagamento dos juros, não se extingue o direito aos que ainda se venham a vencer e aos vencidos há menos de 5 anos.
Descendo ao caso concreto, e assente que fica a existência de uma obrigação de pagamento de juros, independentemente da prescrição da obrigação principal (nos termos supra decididos), concluímos que com a citação do Réu para a presente acção se interrompeu a prescrição da obrigação de juros, o que ocorre no dia 10 de Junho de 2013 (cf. artigo 323.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil).
Assim, e de acordo com o que supra fundamentamos, estão prescritos os juros moratórios vencidos para além dos últimos cinco anos, ou seja até ao dia 10 de Junho de 2008 (considerando que a prescrição ter-se-á por verificada nos cinco dias posteriores a ter sido requerida, ou seja, no dia 10 de Junho de 2013, nos termos do artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil). Por outras palavras, no caso concreto mostram-se, efectivamente, prescritos os juros de mora que se venceram antes do dia 10 de Junho de 2008, sendo, por sua vez, devidos os juros que se venceram menos de cinco anos depois dessa data, considerando que esses mesmos juros não prescreveram, e são devidos até efectivo reembolso, porquanto a citação do Réu interrompeu a prescrição, nos termos da lei».

3.4. Embora se concorde com o entendimento de que é aplicável aos juros o prazo de prescrição de cinco anos, previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil e, que a serem devidos juros, estariam prescritos os juros anteriores a 10 de Junho de 2008, não se aceita o entendimento subjacente à decisão recorrida de que, face à autonomia da obrigação de juros, estes continuam a vencer-se ainda que não seja exigível a obrigação principal.
Tal entendimento mostra-se incongruente com o regime de extinção das obrigações e não tem assento nas normas convocadas na decisão recorrida.
É verdade, que face ao disposto no artigo 561º do Código Civil, “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”, e também se aceita que uma das disposições legais que consagra essa autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal é o artigo 310º, alínea d) do Código Civil, relativo aos prazos de prescrição, que prevê um prazo específico para a obrigação de juros, que pode não ser coincidente com o previsto para a obrigação principal.
Mas, daqui não resulta que deixando de ser exigível a dívida de capital, se mantenha o vencimento de juros.
Como em todas as prestações que são o correspectivo do gozo de coisas fungíveis há dois direitos: o direito ao capital e o direito às prestações de juros. E, pode ocorrer, como sucede no caso, que sejam distintos os prazos de prescrição de um e outro.
Porém, sendo os juros moratórios a compensação para o retardamento do pagamento do capital, dúvidas não temos que cumprida a dívida de capital, não se vencem mais juros.
Do mesmo modo, porque a prescrição torna inexigível o pagamento da dívida, “prescrita a dívida do capital, nunca mais ele vencerá juros” (cf. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª edição refundida e aumentada, pág. 194).
Claro, que a prescrição da dívida de capital não exonera o devedor do pagamento dos juros moratórios vencidos até à data em que a prescrição daquela dívida ocorreu, desde que quanto aos juros, não tenha também decorrido o prazo de prescrição previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil.
Ou seja, estando prescrita a obrigação de capital, só são devidos os juros moratórios vencidos até à data da prescrição daquela dívida e se quanto a eles não tiver decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil, o que no caso sucedeu, pois remontando a dívida de capital a 25 de Julho de 2000, ou antes (cf. ponto 2 da matéria de facto), e tendo a prescrição desta obrigação ocorrido 2 anos depois, é manifesto que os juros vencidos até 25 de Julho de 2002 estão abrangidos pelo prazo da prescrição de cinco anos a que se reporta aquele preceito, tendo em conta que a prescrição se tem por interrompida ao 5º dia após a entrega do requerimento injuntivo, que ocorreu em 5/06/2013 (cf. n.º 2 do artigo 323º do Código Civil e ponto 6 dos factos provados).

3.5. Deste modo, procede o recurso do Réu, ficando prejudicado o conhecimento da questão relativa à taxa de juros aplicável.

4. Em face do exposto, deve julgar-se improcedente o recurso da Autora e procedente o recurso do Réu, revogando-se, em conformidade a sentença recorrida, que condenou o Réu ao pagamento dos juros moratórios, com a sua consequente absolvição do pedido.
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C) -
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
Julgar improcedente a apelação da Autora; e
Julgar procedente a apelação do Réu, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte em que condenou o Réu, o qual se absolve do pedido.

Custas de ambos os recursos e da acção a cargo da Autora.
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Évora, 25 de Junho de 2015

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(Francisco Xavier)

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(Elisabete Valente)

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(Cristina Cerdeira)