Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1960/15.2T8STR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
APROVAÇÃO
PRAZO
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- O plano de revitalização, a que alude o art.º 17.º CIRE, tem de ser negociado e estar aprovado pelos credores no prazo máximo de três meses.
II- É neste prazo, e só nele, que têm lugar as negociações entre os credores e o devedor.
III- Um plano aprovado dentro do referido prazo não pode ser alterado posteriormente, mesmo que haja acordo entre todos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA e BB vieram, ao abrigo do disposto no art.º 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intentar processo especial de revitalização.
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O processo seguiu os seus termos tendo votado favoravelmente o plano de recuperação então apresentado os credores, representando 78,40% desses credores, sendo 0,93% correspondentes a créditos subordinados.
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O plano foi homologado.
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Desta decisão recorre o credor CC defendendo a sua revogação com fundamento em (1.º) violação do princípio da igualdade entre os credores (2.º) violação de norma procedimental não negligenciável.
Levanta ainda uma questão prévia respeitante ao facto de o credor DD não dever ser admitido.
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O credor EE contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Começaremos pela referida questão prévia.
A recorrente alega, no essencial, que não deveria o Administrador Judicial ter reconhecido o crédito de DD sem previamente confirmar a saída de valores da conta desta e a entrada das mesmas quantias na conta dos Requerentes do PER.
Mas a lei não exige tal; o que a lei exige é que exista um acordo entre o devedor e um dos credores no sentido de encetarem negociações para a revitalização e consequente aprovação de um plano de recuperação (art.º 17.º-C, n.º 1, CIRE). Dentro dos documento que devem acompanhar aquela declaração (art.º 24.º, n.º 1) não consta qualquer um que sirva de suporte do crédito do credor que subscreve o acordo que dá início ao PER. Claro que isto pode levar às consequências descritas nas alegações (qualquer um que se arrogue a qualidade de credor, mesmo que o não seja, pode associar-se ao devedor para obter, no mínimo, a suspensão do processo de insolvência) mas o legislador certamente não deixou de ponderar tal possibilidade; antes preferiu optar por levar tal problema ao consenso dos demais credores que podem, como é sabido, não aprovar o plano.
Assim, improcede a questão prévia.
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Os factos a ter em conta são os seguintes:
1- A lista provisória de créditos foi apresentada a 1 de Agosto de 2015, tendo o prazo para apresentação das impugnações terminado em 25 do mesmo mês.
2- O prazo das negociações iniciou-se em 26 de Agosto de 2015 — tendo o mesmo sido prorrogado por mais um mês — e terminou em 26 de Novembro de 2015.
3- O plano de pagamentos foi apresentado pelos devedores neste dia.
4- Contudo, a 7 de Dezembro de 2015, foi remetida a todos os credores uma adenda de rectificação ao Plano de Recuperação com a clarificação dos moldes em que se processaria o pagamento ao credor hipotecário dizendo tal adenda apenas respeito à recorrida EE.
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Estes factos são suficientes para decidir o recurso e no sentido pretendido pela recorrente.
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O prazo para concluir o PER está estabelecido no art.º 17.º-D, n.º 5, CIRE: dois meses, prorrogável por um mês. Dito de outra forma, o plano tem de estar aprovado pelos credores no prazo máximo de três meses.
A consequência da não aprovação dentro do tempo que a lei estabelece é que o processo negocial é encerrado o que implica a sua não homologação, nos termos do art.º 17.º-G, n.º 1.
O prazo conta-se desde o fim do prazo para impugnar a lista de credores (cinco dias depois da publicação da respectiva lista no portal Citius).
O prazo para o plano ser aprovado terminou a 26 de Novembro, por força do disposto no art.º 279.º, al. c), Cód. Civil (trata-se de um prazo de caducidade a que se aplica este preceito legal).
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A jurisprudência vai no sentido de ser imperativo o prazo de 3 meses (contando já com a prorrogação).
Assim, e a título de exemplo, tal é a decisão no ac. da Relação de Lisboa, de 13 de Março de 2014 (aliás, citado pela recorrente); e da mesma forma se podem ver os acórdãos da Relação de Coimbra, de 21 de Outubro de 2014, e da Relação de Guimarães, de 5 de Março de 2015 (também citado nas alegações), bem como, por ser o mais recente, o ac. da Relação de Lisboa, de 5 de Abril de 2016. Como se escreve neste último acórdão, «o processo negocial envolve todo o processo para a obtenção do acordo, incluindo o processo de aprovação, pelo que o prazo em causa é apenas o de 3 meses, em que houve a prorrogação de um mês. A apresentação do plano, mesmo aprovado, para além deste prazo, é intempestiva, pelo que não tinha o tribunal outra solução que não fosse recusar a homologação e considerar o processo encerrado nos termos do artigo 17 – G do CIRE».
Fundamental, a nosso ver, porém, é o ac. do STJ, de 8 de Setembro de 2015, onde se escreve o seguinte:
«O prazo para as negociações decorre independentemente de quaisquer vicissitudes, sendo que o plano deve ser apresentado com a conclusão das negociações, não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada.
«Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto – art.º 17.º-F, n.º 1, do PER».
Ou seja, e decorre do art.º 17.º-F, n.º 2, as negociações e a aprovação do plano devem ser feitas dentro do prazo de três meses, contado nos termos acima expostos. Queremos dizer, a aprovação do plano integra-se no prazo das negociações.
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Este processo é extrajudicial no sentido de que a intervenção do tribunal se limita à nomeação de um administrador judicial provisório [art.º 17.º-C, n.º 1, al. a)] e à homologação ou sua recusa (art.º 17.º-F, n.º 1). Queremos com isto dizer que o tribunal tem que ter perante si, dentro do prazo do art.º 17.º-D, n.º 5, o plano aprovado. E, tendo ele sido apresentado, só existem duas alternativas: ou é homologado ou não é homologado. O que não pode acontecer é, depois daquele prazo, ser apresentado um plano alterado, um plano que não é aquele foi submetido à apreciação do tribunal no momento devido.
Foi o que aconteceu no nosso caso.
Depois de o plano ter sido aprovado, ele foi alterado.
Defende a recorrida que se trata de uma rectificação («Adenda de Rectificação», como lhe chama) mas se olharmos para o seu conteúdo não é da correção de um lapso que se trata (cfr. art.º 249.º, Cód. Civil). O que se quis com esta alteração foi o alargamento do prazo dos contratos (por seis meses) da EE — o que vai muito além de um simples erro «revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita» (preceito legal citado).
Daqui resulta, a nosso ver de forma clara, que o plano que foi aprovado em Novembro não é o mesmo que foi depois aprovado em Dezembro. A alteração pode ser de pequena monta mas é o suficiente para que se diga que o plano já não é o mesmo. A alteração que se introduziu em Dezembro devia ter sido aprovada ainda em Novembro porque é de um só plano que se trata e que tem que estar pronto, concluído, num dado prazo.
Ou seja, apresentado um determinado plano, é ele que vai ser sujeito a homologação e não outro qualquer.
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Mas, além disto, o que a lei impõe é que dentro de dado prazo o plano seja aprovado; o que a lei impõe, e é o que pretendemos destacar, é que as negociações terminem dentro do prazo (veja-se o citado acórdão do STJ); depois de esgotado este, não há mais negociações e o processo é, pura e simplesmente, encerrado, conforme determina o 17.º-G, n.º 1.
Ou seja, qualquer alteração posterior, mesmo que acordada entre todos, não é válida porque já não era tempo para negociar o que quer que fosse.
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Tanto basta para se recusar a sua homologação — não porque haja violação de norma procedimental não negligenciável (art.º 215.º, CIRE) mas porque o processo negocial tinha já terminado, nos termos do art.º 17.º-G, n.º 1.
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Acrescente-se, no entanto que é muito duvidoso que um não comerciante (uma das pessoas indicadas no art.º 249.º) possa requerer um Processo Especial de Revitalização. Com efeito, o PER pressupõe o exercício de uma actividade económica que se pretende, precisamente, revitalizar (cfr. ac. do STJ, de 10 de Dezembro de 2015, e, por mais recente, de 5 de Abril de 2016). Mas, independentemente da posição que se tenha sobre esta tema, o certo é que a questão perde sentido faca à não homologação.
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Face ao que antecede, fica prejudicado o conhecimento do segundo fundamento do recurso.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se a sentença recorrida e recusa-se a homologação do plano de recuperação apresentado.
Custas pelos insolventes.
Évora, 5 de Maio de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos