Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
Descritores: | ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/29/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Em sede de remuneração variável, ao editar a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Estatutos dos Administradores Judiciais, o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior em que a majoração da remuneração variável dependia igualmente do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. 2 – No cálculo da majoração importa equacionar o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, nºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a interligação entre créditos admitidos e satisfeitos. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 260/14.0TBTVR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Olhão – J2 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Nos presentes autos de insolvência, a Administradora de Insolvência veio interpor recurso do despacho que fixou a remuneração variável. * Por requerimento de 14/04/2022, a Administradora de Insolvência apresentou requerimento que continha o cálculo da remuneração variável no valor total de € 103.438,69, acrescida de IVA, nos seguintes termos: Resultado da liquidação - € 867.645,02 [€ 950.288,29 - € 70.209,67 (despesas aprovadas) - € 12.433,60 (custas)] Artigo 23.º, n.º 4, alínea b) - € 867.645,02 x 5% = € 43.382,25 + iva € 9.977,92 = € 53.360,17 Artigo 23.º, n.º 7 - € 814.284,85 x 5% = € 40.714,24 + iva € 9.364,28 = € 50.078,52 Total da remuneração € 84.096,49 + iva € 19.342,20 = € 103.438,69. * Chamada a pronunciar-se a secretaria judicial lavrou entendimento que o valor da remuneração variável era de € 56.604,25, acrescida de IVA, de acordo com a seguinte fórmula de cálculo: Receita: € 950.288.29. Despesas: € 82.643.27. Despesas com excepção da remuneração referida no artigo 23.º, n.º 1, do EAJ e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência: € 80.183,27. Total de créditos reclamados e admitidos: € 2.529.993,92. Parte variável da remuneração do AI, nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea b, do EAJ: € 43505,251 + € 10006,207 (Iva 23%) = (€ 870.105,02 x 5%). Valor destinado à satisfação dos créditos reclamados e admitidos: € 814133.562 = (€ 950.2288,29 - € 82,643,27 - € 53.511.458). Grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos com os satisfeitos: 32,179% = (814133.562 X 100 / 2.529.993,92). Majoração da parte variável da remuneração do AI nos termos do artigo 23.º, n.º 7, do EAJ: € 13.099,001 + € 3.012.770 (Iva 23%) = (€ 814133,562 x 32.179%) x 5%). Valor da remuneração variável do AI: € 56.604,252 = (€ 43.505.251 + € 13.099.001). * O despacho recorrido fixou a remuneração variável da Administradora da Insolvência em € 56.604,66, acrescida de IVA à taxa de 23%. * A recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do despacho que, fixando a remuneração variável a pagar à ora recorrente (administradora judicial nomeada nestes autos de insolvência) na quantia de € 56.604,66 acrescida de iva à taxa legal no valor de € 13.019,07, num total de € 69.623,73 indeferiu a fixação da remuneração no valor de € 103.438,69 com iva incluído, como requerido. 2. Os cálculos apresentados pela Mmª Juiz a quo resultam de uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, doravante abreviadamente EAJ, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. 3. Para determinar a majoração da remuneração variável, prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, teremos que deduzir ao resultado da liquidação (receita – despesas) o valor a que se chegou por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ, pois será esse o montante disponível para pagamento aos credores, e que no caso destes autos ascendeu a € 814.133,56. 4. A majoração a que a ora recorrente tem direito corresponde por isso a 5% daquele valor, isto é, a € 40.706,67 a que acrescerá iva à taxa legal no valor de € 9.362,54, num total de € 50.069,21. 5. No despacho de que ora se recorre a Mma. Juíza a quo chega a um valor de majoração totalmente diverso, porquanto, ao invés de fazer corresponder o valor da mencionada majoração a 5% dos créditos satisfeitos, como resulta do disposto no artigo 23.º, n.º 7, do EAJ, multiplica os 5% pelo valor de € 621.906,76, montante a que chegou multiplicando o valor a distribuir pelos credores por uma percentagem apurada em função da relação entre o valor a distribuir e o valor total dos créditos reclamados no processo, operação que, salvo o devido respeito, não tem qualquer apoio na letra do artigo 23.º, n.º 7, do EAJ. 6. Dispõe o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ que o valor alcançado por aplicação das regras referidas n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles». 7. Entendeu a Mmª Juiz, que o grau de satisfação corresponde à percentagem dos créditos que será possível satisfazer por confronto com o valor dos créditos totais, multiplicando tal percentagem pelo valor a distribuir pelos credores e ao resultado aplica então a percentagem de 5%. No entanto o valor que apura não corresponde a 5% dos créditos satisfeitos como impõe o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, mas a menos de 1/3 desse valor. 8. A interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ não é compatível nem como o elemento literal nem com o elemento teleológico da norma. 9. Lida a norma, verificamos que a referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos se encontra entre vírgulas pelo que se trata de uma referência lateral que não entra nos elementos a ter em conta no cálculo. 10. A remuneração alcançado nos termos do n.º 5 e 6 é majorada em 5% dos créditos satisfeitos e os créditos satisfeitos são aqueles que é possível pagar com a quantia que resta após pagamento das custas, despesas aprovadas e remuneração variável apurada nos termos dos n.ºs 5 e 6, e esse valor é, no caso dos autos, € 814.133,56 e não € 621.906,76 como erradamente se considera no despacho de que ora se recorre. 11. Nada na lei suporta o entendimento defendido – no despacho de que se recorre – de que há que apurar a percentagem de créditos satisfeitos e aplicar a esta os 5% previstos na norma. 12. Compulsados diversos dicionários da língua portuguesa em nenhum deles encontramos o termo percentagem como sinónimo de grau, palavra que se refere, com mais propriedade, a volume e grandeza do que percentagem. 13. A alteração à forma de cálculo da remuneração variável introduzida pela Lei n.º 2/2022 teve em vista, naturalmente, constituir um estímulo à atividade do administrador judicial, levando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível, não parecendo nem justo nem conforme à teleologia da norma penalizar o AJ por algo que não está nas suas mãos, isto é, penaliza-lo pelo elevado volume dos créditos admitidos. 14. O entendimento plasmado no despacho de que ora se recorre pode conduzir, em tese, a que um AJ que obteve uma parca receita possa ver a sua remuneração majorada em maior valor do que um outro que tenha “valorizado”, pela sua ação os ativos mas tenha reconhecido um grande volume de créditos. 15. Salvo o devido respeito, parece-nos óbvio que, não estando o valor dos créditos admitidos na dependência do AJ nem dependendo da respetiva ação, não deverá tal elemento ter qualquer relevância para o cálculo da respetiva remuneração… sendo esse (total irrelevância) o único entendimento conforme à letra da lei como já deixamos dito. 16. A Mmª Juíza a quo fez uma errada interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, considerando como valor sobre o qual deve incidir a percentagem de 5% um percentual de créditos satisfeitos e não, efetivamente, o valor dos créditos satisfeitos como impõe a norma legal. 17. A decisão de que ora se recorre viola assim o disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que faça multiplicar os 5% sobre o valor líquido para distribuição pelos credores que corresponde ao valor das receitas ao qual são subtraídas todas as despesas e o valor da remuneração variável alcançado nos termo do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ, fixando a remuneração variável no valor de € 103.580,66 (iva incluído). Assim, se fazendo a acostumada Justiça». * Não houve lugar a resposta. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da atribuição de remuneração variável do administrador de insolvência. * III – Factos com interesse para a justa resolução do caso: 1 – A receita global obtida atingiu o valor de € 950.288,29. 2 – As dívidas da massa (despesas aprovadas no incidente de prestação de contas) atingiram o valor de € 82.643,27 e, retirando-se a remuneração fixa e as custas de processos judiciais pendentes na data da declaração de insolvência, o valor obtido é de € 80.183,27. 3 – Os créditos reclamados e julgados verificados somam € 2.529.993,92. * IV – Fundamentação: No actual domínio legislativo está assim ultrapassada a fase em que relativamente a certos casos da actividade do administrador judicial na fixação da parte variável da remuneração se podia recorrer à equidade[1]. Neste caso também não ocorre um problema relacionado com a sucessão de leis no tempo, tal como reconhece o despacho recorrido[2]. Estamos aqui confrontados com duas hipóteses sobre a densificação da expressão grau de satisfação e a ponderação concreta dos critérios de cálculo e a questão controvertida assenta basicamente na interpretação do artigo 23.º[3] do Estatuto dos Administradores Judiciais (Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), na componente do cálculo da remuneração variável, com referência ao disposto no n.º 1 do artigo 182.º[4] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar segundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institucionais face aos movimentos de utilidade social»[5]. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do n.º 2 do preceito sub judice. Ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista[6]. A teleologia da norma reclama a análise das situações reguladas, do interesse que se pretendeu proteger e do âmbito de tal protecção. Qualquer norma jurídica faz parte de um sistema global que se pretende coerente, não podendo deixar de ser interpretada no âmbito do complexo normativo em que se insere. As circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, eventualmente constantes de trabalhos preparatórios ou preâmbulos dos diplomas legislativos, facilitam a compreensão desta unidade do sistema jurídico. Sobre a problemática da interpretação, podem consultar-se Manuel de Andrade[7], Pires de Lima e Antunes Varela[8], Baptista Machado[9], Oliveira Ascensão[10], Castro Mendes[11], Menezes Cordeiro[12], Fernando Bronze[13], Castanheira Neves[14], Herbert Hart[15], Karl Engish[16] e Karl Larenz[17], entre outros. * Aquilo que se pergunta é se o resultado final da remuneração variável deve ser sopesado pela aleatoriedade do valor do volume de créditos admitidos, face à norma legal quando menciona que a mesma é majorada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos»? É indiscutível que a alteração à forma de cálculo da remuneração variável visou estimular a actividade do administrador judicial, motivando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível e premiando-o em função dos resultados de gestão e venda do património do insolvente. Na perspectiva da recorrente, o Tribunal «a quo» fez uma errada interpretação da regra precipitada no n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, sublinhando que a consideração como valor sobre o qual deve incidir a percentagem de 5% um percentual de créditos satisfeitos e não, efectivamente, o valor dos créditos satisfeitos. Nesta lógica a decisão deveria ser substituída por outra que fizesse multiplicar os 5% sobre o valor líquido para distribuição pelos credores que corresponde simplesmente ao valor das receitas ao qual são subtraídas todas as despesas e o valor da remuneração variável alcançado nos termos do n.º 4 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro. Apoiando-se na proposta de Nuno Marcelo Freitas Araújo[18], a recorrente defende que a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação – e ao contrário do que resultava da letra da lei na anterior redacção[19] – sugere a total irrelevância que o grau (ou a percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos. Segundo este autor «para a majoração da remuneração variável em caso de liquidação é a aplicação de novo factor de 5% sobre o valor pronto para distribuição, “limpo”, totalmente líquido, que seria destinado ao pagamento dos credores, mas que vai ser retirado desse destino para majorar a remuneração do AI»[20]. Por serem acutilantes e representarem a visão da generalidade dos Juízes dos Tribunais de Comércio sobre alguns problemas resultantes da vigência da nova legislação, faz-se a transcrição parcial de uma das conclusões do trabalho elaborado pelo citado magistrado judicial quando refere que: «para além das omissões em temas que requeriam clarificação, ficaram expostas várias lacunas, dúvidas e perplexidades que a interpretação da nova lei suscita, com especial enfoque na definição da remuneração variável em caso de recuperação, onde o legislador foi quase incompreensível e parece ter adoptado valores excessivos, irrealistas para o nosso país e previsivelmente insuportáveis para os devedores, o que é susceptível de inviabilizar a sua recuperação, de os afastar dos processos de recuperação com intervenção de um administrador»[21]. Todavia, neste particular, no âmbito do presente recurso, ainda que o valor reclamado possa parecer para alguns «irrealista para o nosso país», a missão deste Tribunal de Recurso não é fazer a censura da lei nem reduzir arbitrariamente o conteúdo de qualquer quantia devida por lei, desde que a aplicação da norma não contenda com comandos constitucionais, valores estruturantes do sistema jurídico ou princípios éticos fundamentais recepcionados pelo Direito. Neste campo, impõe-se tão só apurar se existe o factor correctivo da remuneração como pugna a decisão da Primeira Instância ou se a majoração é directa sobre o valor da liquidação. * Tal como ressalta da leitura do n.º 4 do referido dispositivo, os administradores judiciais auferem uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. Para tanto, decorre do n.º 6 da referida norma, que se considera o resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. Nesta equação releva de igual o modo a regra inscrita no n.º 7 do artigo 23.º que dita que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respectivo valor pago previamente à satisfação daqueles. De acordo com o Tribunal recorrido o grau de satisfação corresponde à percentagem dos créditos que só será possível satisfazer por confronto com o valor dos créditos totais multiplicado tal percentagem pelo valor distribuído pelos credores e a esse resultado aplica-se a percentagem de 5%. O Julgador «a quo» entende que o grau de satisfação deve ser incluído na equação, «considerando o teor literal do prefeito, que faz expressa referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” e porquanto se entende que o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação de que a majoração da remuneração variável dependeria do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos». Para a recorrente, lida a norma, a referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos encontra-se entre virgulas pelo que se trata de uma referência lateral que não entra nos elementos a ter em conta no cálculo. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil). Neste conspecto, caso a expressão não tivesse qualquer interesse para a justa solução do problema, na construção da regra o legislador teria de evitar qualquer referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. E, se assim fosse, na redacção da norma seria bastante a alocução normativa: «o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, […] em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles». Com efeito, não é inócua a expressão nem a mesma pode ser tratada como um mero elemento decorativo da norma colocada em crise. E, assim, para que a mesma tenha algum efeito prático e consequências jurídicas, importa estabelecer alguma correlação entre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e o montante dos créditos satisfeitos. Neste enquadramento, é nosso entendimento que o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (que inclui a remuneração fixa do administrador), com excepção da remuneração variável e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência, mas esse valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Ou seja, no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos. Ainda que assim não fosse, a administradora judicial não teria nunca direito a valor superior a € 100.000,00, tal como reclama, face ao teor do disposto no n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro. E, a finalizar, na situação concreta não foi interposto recurso da decisão na parte em que o Tribunal ponderou e recusou fundamentadamente a aplicação do mecanismo de correcção precipitado no n.º 8 do artigo 23.º do referido Estatutos do Administrador Judicial e nem existe qualquer elemento fáctico ou analítico que permita infirmar a referida construção jurídica. Nesta ordem de ideias, mantém-se a remuneração variável nos termos definidos pelo Tribunal «a quo», julgando-se consequentemente o recurso improcedente. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo da recorrente, na proporção do respectivo decaimento, face ao disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. * Processei e revi. * Évora, 29/09/2022 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Mário Branco Coelho Isabel de Matos Peixoto Imaginário __________________________________________________ [1] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2020 e de 05/02/2018, do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/02/2016 e do Tribunal da Relação de Évora de 09/06/2022, disponibilizados em www.dgsi.pt. [2] A este propósito, pode ler-se na decisão recorrida: «atenta a data do encerramento da liquidação, veio a Senhora Administradora Judicial apresentar proposta de cálculo da sua remuneração variável feita à luz das novas regras introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro». [3] Artigo 23.º (Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz): 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º. 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data. [4] Artigo 182.º (Rateio final): 1 - Encerrada a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa. 2 - As sobras de liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça. 3 - Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma. 4 - Decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta. [5] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 120. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2007, in www.dgsi.pt. [7] Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª edição, Coimbra, 1987. [8] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1987. [9] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002. [10] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra, 2003. [11] Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Dislivro, Lisboa, 1994. [12] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2012. [13] Fernando Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 2006. [14] Castanheira Neves, Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra, 1993. [15] Herbert Hart, O conceito de Direito, tradução Ribeiro Mendes, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996. [16] Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução Baptista Machado, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977. [17] Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução José Lamego, 6ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977. [18] Nuno Marcelo Freitas Araújo, A remuneração do administrador judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de Abril de 2022, Revista Digital Data Venia, 2022. [19] Anterior redacção da norma em causa: «Artigo 23.º Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz: 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia. 2 - Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior. 3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1. 4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 5 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1. 6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 7 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo». [20] Nuno Marcelo Freitas Araújo, A remuneração do administrador judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de Abril de 2022, Revista Digital Data Venia, 2022, pág. 32. [21] Nuno Marcelo Freitas Araújo, A remuneração do administrador judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de Abril de 2022, Revista Digital Data Venia, 2022, pág. 36. |