Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3888/14.4TBSTB.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: MILITAR
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A razão pela qual a avaliação do dano corporal é realizada de forma diversa no domínio laboral e no domínio civil, tem a ver com a circunstância de, no primeiro caso, estar em causa a determinação da perda da capacidade de ganho, enquanto no segundo caso, face ao princípio da reparação integral do dano, se valoriza a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, e suplementarmente o seu reflexo na actividade profissional específica do examinando.
2. Nas situações em que o défice funcional da integridade físico-psíquica é compatível com o exercício da actividade profissional, implicando apenas esforços suplementares, o montante indemnizatório do dano biológico deve ser fixado por via da equidade, em função das circunstâncias concretas do caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados na jurisprudência, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma.
3. Tendo o lesado 39 anos de idade à data da consolidação das sequelas, afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, compatível com a actividade profissional, é adequada a indemnização pelo dano biológico em € 20.000,00.
4. Tendo o lesado sofrido um quantum doloris de grau 3 (numa escala de 1 a 7), com dores no pescoço e no maxilar, e ao longo das costas, nas regiões dorsal e lombar, deve a indemnização por danos não patrimoniais fixar-se em € 15.000,00.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário: (…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Setúbal, (…) demandou (…), Seguros, S.A., tendo como causa de pedir lesões físicas ocorridas em acidente de viação, quando exercia as suas funções de militar da Guarda Nacional Republicana. Formulou os seguintes pedidos:
i) € 125.000,00 a título de perda de capacidade de ganho, acrescida da compensação por dano biológico;
ii) € 32.000,00 a título de tratamentos e acompanhamento médico futuro;
iii) € 25.000,00 a título de dano não patrimonial; e,
iv) os juros moratórios sobre tais montantes, desde a citação e até integral pagamento.
Na contestação, a Ré não discute a responsabilidade da sua segurada pelo acidente, mas impugna a extensão e o valor dos danos reclamados.
Foi apensado o Proc. 9497/15.3T8STB, no qual o Ministério da Administração Interna – Guarda Nacional Republicana, peticionou o ressarcimento de vencimentos, abonos e despesas médicas suportadas com o Autor.
Após perícia médico-legal para avaliação do dano corporal, realizou-se julgamento e foi proferida sentença, condenando a Ré a pagar:
a) ao A. (…) a quantia global de € 35.000,00 – sendo € 20.000,00 pela perda da capacidade de ganho e € 15.000,00 pelo dano não patrimonial – acrescida de juros de mora desde a data da prolação da decisão e até integral pagamento;
b) ainda ao A. (…), as quantias que se vierem a liquidar, relativas a despesas que este suporte com a aquisição de psicofármacos e com uma consulta anual de psiquiatria;
c) ao Ministério da Administração Interna – Guarda Nacional Republicana, a quantia global de € 45.675,05, acrescida de juros de mora desde a citação.

Da sentença vem interposto recurso pelo A. (…), concluindo:
1. O inconformismo do A, ora recorrente, radica no quantum indemnizatório, já que não foram adequadamente sopesados os danos decorrentes do acidente em violação do princípio da “restitutio in integrum”, consagrado no artigo 562.º do Código Civil.
2. Linha mestra do presente recurso é, pois, o quantum indemnizatório.
3. As soluções jurídicas apenas resistem se encoradas em factos precisos e determinados e localizados no tempo e no espaço.
4. Os factos atinentes à quantificação da indemnização são os que se seleccionaram e relacionaram sob os números 1 a 17 no corpo alegatório do presente recurso.
5. As partes têm o ónus de alegar factos.
6. Quando sobre a mesma matéria, as partes alegam factos incongruentes ou divergentes entre si, cabe ao juiz escolher o facto com melhor prova.
7. Sobre a incapacidade fixada ao A. foram carreados para os autos duas versões incongruentes entre si: 55% de incapacidade fixada pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações e 6% de incapacidade oferecida nos autos por um relatório de um perito médico psiquiatra, ouvido como testemunha da R. seguradora.
8. Face ao conhecido rigor e prestígio ético-profissional das juntas médicas da CGA, e porque é a melhor prova no cotejo das duas, desde logo por se tratar de um relatório produzido por uma “junta” com a chancela de uma entidade pública, seria este e não aquele o relatório a considerar pela Meritíssima juíza “a quo”.
9. Acresce que o facto relativo à incapacidade de 55% atribuída ao A, mostra-se autonomizado e localizado no quadro dos factos dados como provados na sentença em recurso.
10. Enquanto que o facto relativo aos 6% de incapacidade não foi inserido no quadro dos factos dados como provados, contrariamente ao que se prevê e estipula no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, que assim se mostra violado.
11. Ora, se fosse acolhida a incapacidade de 55% atribuída ao A. pela Junta Médica das CGA, o valor encontrado seria de € 110.000,00, muito próximo do pedido na pi, mas aceitando-se o recurso às regras e princípios da equidade, considera-se equilibrada a quantia de € 50.000,00, a título de dano biológico na vertente de perda de capacidade de ganho.
12. Quanto ao “pretium doloris”, ou seja, os danos de natureza não patrimonial, pela sua intensidade e perdurabilidade, entende que a quantia de € 15.000,00, fixada pela senhora Juíza a quo, é clamorosamente insuficiente para tornar indemne o quadro de vastas perdas e intenso sofrimento moral e físico infligidos não A., julgando-se adequada a quantia de € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia esta mais e sintonia com o princípio da “restitutio in integrum”, previsto no artigo 562.º do CC.
13. Por fim, a título de danos futuros, foi postergada para apuramento e liquidação em sentença os custos com uma consulta de psiquiatria anual e com a aquisição de psicofármacos, o que na prática configura uma “não justiça”, quer porque o A. sempre poderá carecer de mais que uma consulta, não só de psiquiatria, assim como de remédios de outra natureza que não de psicofármacos.
14. A impraticabilidade, quer pelos custos, quer pelo recurso à via judicial para o apuramento e liquidação em sentença relativamente aos custos com esta vertente de danos futuros, seria mais adequada a atribuição de uma verba definitiva para este dano estimando-se adequada a verba de € 6.000,00.
15. Mostram-se violados, nomeadamente, os artigos 562º do CC, 607º, nº 4 e 615º, nº 1, b), ambos do CPC.
Nestes termos, no melhor de direito e com o douto suprimento desse colendo Tribunal, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por douto acórdão que condene a R. a pagar ao A.:
a) A título de dano biológico, vertente de perda de capacidade de ganho, € 50.000,00;
b) A título de “praetium doloris”, vertente de danos não patrimoniais, € 35.000,00;
c) A título de danos futuros, vertente de tratamento médico e medicamentoso, a quantia de € 6.000,00;
Tudo no valor global de € 91.000,00;
d) Juros de mora a partir da decisão e as custas processuais a que houver lugar.

A resposta da Ré sustenta a manutenção do julgado.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria de facto foi assim estabelecida na sentença:
1. No dia 17 de Novembro de 2011, cerca das 09:30 horas, ao KM 23,400 da auto-estrada A-12, em Setúbal, no sentido de marcha Sul/Norte, ocorreu um acidente de viação que consistiu numa colisão traseira.
2. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, civil de marca Peugeot, modelo 207 Diesel, com a matrícula (…), e militar, da marca Toyota, com a matrícula (…).
3. O (…) era conduzido por (…).
4. O (…) pertencia à Guarda Nacional Republicana, estava devidamente caracterizado como tal e era conduzido por (…), Guarda n.º (…), seguindo ao seu lado (…), Guarda n.º (…).
5. O local caracteriza-se por ser uma recta, com boa visibilidade, piso asfaltado, seco e em boas condições.
6. A faixa de rodagem, no local do acidente, mede cerca de 07,80 mt de largura, encontrando-se dividida por traço descontínuo marcado a branco no pavimento, o que se traduz em duas hemi-faixas de rodagem no mesmo sentido sul/norte.
7. A berma direita tem cerca de 02,80 mt de largura, encontrando-se delimitada com traço contínuo branco junto à hemi-faixa direita de rodagem.
8. Na ocasião do sinistro, a faixa de rodagem estava a ser reduzida em metade da sua largura de utilização, por força dos trabalhos de marcação do pavimento, já que a hemi-faixa esquerda, junto aos rails de protecção era objecto de trabalhos de marcação.
9. À data do acidente o A. exercia actividade no Departamento de Trânsito do Comando Territorial de Setúbal da Guarda Nacional.
10. E encontrava-se superiormente nomeado para o Serviço Patrulha em regime de serviço remunerado, vulgarmente designado por Gratificado, de acompanhamento e sinalização das obras de marcação do pavimento da A-12, no período das 08:00 às 13:00 horas do dia 17 de Novembro de 2011.
11. Nesse serviço era acompanhado pelo Guarda com o número mecanográfico (…), (…), utilizando a viatura caracterizada com a matrícula GNR (…).
12. O (…), circulava naquela hemi-faixa esquerda, à retaguarda dos veículos que procediam à marcação do pavimento, sinalizando aqueles obstáculos, com recurso aos dispositivos de sinalização luminosa da dita viatura, em reforço à sinalização vertical previamente colocada.
13. A via provém de uma ligeira curva à esquerda, com visibilidade superior a 100 metros no sentido de marcha dos veículos.
14. O tempo estava seco.
15. O céu estava limpo e existia claridade.
16. O carro da G.N.R. sinalizava com os seus sinais luminosos de emergência accionados – quatro piscas intermitentes e pirilampos ligados – e seguia a 10km/hora na via de trânsito da esquerda.
17. Os dois veículos que seguiam na sua frente, o veículo que procedia às remarcações no pavimento na via de trânsito da esquerda, no sentido Setúbal-Portagens de Setúbal e o veículo de apoio, com sinalização temporária, também seguiam em marcha lenta.
18. Os trabalhos que decorriam na estrada estavam sinalizados, com colocação de sinalização temporária, indicando trabalhos na via, na berma direita da via, a cerca de 600 metros do local do acidente, ao km. 24.
19. Com colocação de dois sinais de limitação de velocidade máxima de 100 km/hora.
20. Ainda a cerca de 200 metros antes do local do acidente, ao Km 23,600, na berma direita, estava uma carrinha com sinalização temporária, a indicar trabalhos na via.
21. A dado momento, a condutora do veículo matrícula (…), embateu com a sua parte dianteira-frente esquerda, na parte traseira do lado direito da viatura militar.
22. A colisão deu-se na faixa onde circulava o veículo militar da G.N.R.
23. Antes da colisão, a condutora do (…) efectuou uma travagem que deixou rasto numa extensão de 16,50 mt até ao ponto de impacto.
24. Após o embate, o (…) foi projectado cerca de 7,30 mt acabando por embater nos rails centrais, danificando-os numa extensão de 4,00 mt.
25. E foi ainda projectado por mais cerca de 8,70 mt até se imobilizar numa posição de sentido quase invertido em relação à sua trajectória sul/norte.
26. O (…), por efeito da colisão, foi projectado para o lado direito, rodopiando sobre o respectivo eixo, embatendo a final nos rails da berma direita.
27. Terminou aquele percurso numa posição de sentido quase invertido em relação à sua trajectória sul/norte, tendo percorrido cerca de 27,10 mt desde o ponto de impacto.
28. Eliminado.
29. Como consequência da descrita colisão, foram causados no guarda principal n.º (…), (…), lesões corporais, tendo sido transportado ao Hospital de São Bernardo, em Setúbal, onde foi assistido.
30. Ali foi-lhe diagnosticado cervicalgia, dorsolombalgia e dor na grelha costal esquerda, sem fracturas.
31. E posteriormente traumatismo crânio encefálico, cervical e lombar.
32. E stress pós-traumático com predomínio de sintomas depressivos.
33. Do acidente resultaram ainda danos materiais nas duas viaturas intervenientes e nos rails de protecção.
34. Inicialmente foi atribuída ao A. incapacidade absoluta, desde 17/11/2011 até 25/03/2013.
35. Em 25/03/2013 foi-lhe determinada incapacidade parcial com limitações.
36. O A. apresentou à Ré despesas efectuadas, em montante não apurado, as quais esta pagou.
37. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…), válido na ocasião do acidente, o proprietário do veículo (…) havia transferido para a Ré a sua responsabilidade pelos danos provocados pela sua circulação.
38. A data da consolidação médico-legal das lesões decorrentes do acidente, ocorreu em 17/11/2013; o Período de Défice Funcional Temporário Parcial foi de 732 dias; o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 496 dias; o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 236 dias; o Quantum Doloris fixável, de grau 3/7 e o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos.
39. As sequelas resultantes do acidente são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual.
40. Carecerá de ajudas medicamentosas (psicofármacos) e tratamentos médicos regulares em psiquiatria, com uma consulta anual.
41. O A. nasceu em 05.08.1974.
42. Em resultado do acidente o A. sofreu dor na cabeça, no pescoço e maxilar, dores ao longo das costas, região dorsal e lombar.
a) E realizou um número não determinado de consultas, exames e tratamentos, designadamente: - por queixas relacionadas com os maxilares; para requerimento de exames; por queixas relacionadas com dores de estômago; por queixas relacionadas com dores de pescoço, coluna, cabeça e tonturas; por queixas relacionadas com a memória, concentração e motivação.
b) Em consequência do sinistro o A. ficou a sofrer de perturbação do Humor, com síndrome depressivo com importante componente de ansiedade e perturbações do sono.
c) Foram realizados RX, TAC e RMN ao A., por solicitação dos serviços da ré, que evidenciaram alterações degenerativas cervicais e lombares.
d) Em dias não concretamente apurados, o autor faltou a consultas marcadas pelos serviços da Ré.
Proc. n.º 9497/15.3T8STB
43. Desde a data do acidente e até ao mês de Setembro de 2018, altura em que o sinistrado foi aposentado por incapacidade e passou a auferir a pensão de reforma, o Estado continuou a pagar-lhe os vencimentos-incluindo as partes proporcionais de subsídios de férias e de Natal, e outras remunerações que lhe eram devidas, sem obter o correspondente serviço deste militar,
44. Tendo pago até à data da propositura da acção, o montante de € 82.447,61, sendo € 76.180,50 despesas relativas a vencimentos, suplementos e subsídios (onde avulta o subsídio de refeição) durante o período compreendido entre Novembro de 2011 e Dezembro de 2014, sendo que até Novembro de 2013, efectuou os seguintes pagamentos: Novembro 2011: € 691,11; Dezembro 2011: € 1.727,77; Janeiro 2012: € 1.736,31; Fevereiro 2012: € 1.732,04; Março 2012 : € 1.734,35; Abril 2012: € 1.728,19; Maio 2012: € 1.736,33; Junho 2012: € 1.734,98; Julho 2012: € 1.736,73; Agosto 2012: € 1.736,73; Setembro 2012: € 1.728,19; Outubro 2012: € 1.732,61; Novembro 2012: € 1.732,46; Dezembro 2012: € 1.728,19; Janeiro 2013: € 1.764,98; Fevereiro 2013: € 1.756,44; Março 2013 : € 1.756,44; Abril 2013: € 1.760,71; Maio 2013: € 1.764,98; Junho 2013: € 1.752,17; Julho 2013: € 1.769,25; Agosto 2013: € 1.760,71; Setembro 2013: € 1.760,71; Outubro 2013: € 1.769,25; Novembro 2013: € 1.756,44.
45. A quantia de € 2.273,37, reporta-se a despesas suportadas pela Direcção de Saúde e Assistência na Doença, da G.N.R. entre 28.03.2012 e 04.06.2013.
46. O montante de € 341,00, reporta-se a despesas suportadas pelo Comando da Administração dos Recursos Internos, entre 21.11.2011 e, pelo menos, Junho de 2013.
47. A verba de € 37,11 são despesas de saúde suportadas e pagas ao militar pela G.N.R, sendo € 10,18, após 20 de Junho de 2013, € 10,18, após 20 de Junho de 2013 e € 6,58, após 9 de Junho de 2014.
48. A quantia de € 108,00 são despesas médicas suportadas pela G.N.R. pela assistência do militar (…), na Urgência do Centro Hospitalar de Setúbal, em 17.11.2011.
49. E a verba de € 1.088,80, à aquisição de um colchão ortopédico adquirido com indicação médica, pelo militar (…) em 31.10.2012 e posteriormente pela GNR, em data não concretamente apurada, mas posterior àquela.
50. Entre 17.06.2015 e o mês de Setembro de 2018, o Estado suportou ainda o pagamento de € 64.435,93, referente a remunerações e suplementos remuneratórios.
51.Por decisão de 30.11.2018, foi fixada ao A. pela CGA, uma pensão anual vitalícia de € 9.506,37, considerando que do acidente em serviço de que foi vítima resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções com a desvalorização de 55% e uma capacidade residual de 100% para o exercício de outra função compatível.

APLICANDO O DIREITO
Da indemnização pelo dano biológico
O cálculo da indemnização da vertente patrimonial do dano biológico abrange não apenas a redução da capacidade de ganho, mas igualmente a lesão do direito à saúde, devendo a correspectiva indemnização ter em conta as consequências dessa afectação no período de vida expectável, seja no plano profissional (perda/diminuição de oportunidades profissionais) seja no plano pessoal (maior onerosidade no desempenho de actividades).[1]
A indemnização deverá considerar a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, o prazo de vida previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis. Acima de tudo, há que reconstituir a situação que existiria não fora o acto danoso, e a indemnização terá de ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do Código Civil.
E se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – n.º 3 deste artigo 566.º.
O relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil determinou que a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 17.11.2013; que o período de défice funcional temporário parcial foi de 732 dias; que o período de repercussão temporária na actividade profissional total foi de 496 dias; que o período de repercussão temporária na actividade profissional parcial de 236 dias; que o quantum doloris fixável foi de grau 3/7; e que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi de 6 pontos.
Esta matéria foi lançada no elenco fáctico – ponto 38 – mas o A. pretende que se pondere o grau de incapacidade permanente absoluta de 55% para o exercício das suas funções, com um grau de capacidade residual de 100% para o exercício de outra função compatível, fixada pela CGA em sede de junta médica para atribuição da pensão por acidente de serviço (ponto 51 do elenco fáctico).
No entanto, os índices de incapacidade profissional não se confundem com os índices de incapacidade geral permanente (défices funcionais permanentes da integridade físico-psíquica), correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
Como já decidimos nesta Relação de Évora[2], a razão pela qual a avaliação do dano corporal é realizada de forma diversa no domínio laboral e no domínio civil, tem a ver com a circunstância de, no primeiro caso, estar em causa a determinação da perda da capacidade de ganho, enquanto no segundo caso, face ao princípio da reparação integral do dano, se valoriza a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, e suplementarmente o seu reflexo na actividade profissional específica do examinando.[3]
O défice funcional permanente que se ponderará será, pois, o de seis pontos, fixado pela perícia médica realizada à ordem dos autos, da qual nenhuma das partes reclamou, ponderando-se, ainda, que as sequelas eram compatíveis com o exercício da sua actividade habitual – ponto 39 do elenco fáctico. A ponderar, igualmente, que o A. não sofreu fracturas, períodos de internamento hospitalar ou intervenções cirúrgicas, circunscrevendo-se as sequelas à área da psiquiatria, relevando a perturbação do humor, com síndrome depressivo – ponto 42b) do elenco fáctico.
O défice funcional foi fixado de acordo com a Tabela II anexa ao DL 352/2007, no Cap. I, B), código Nb0903, o que corresponde à área da psiquiatria – perturbações persistentes do humor, com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional. Nesta área das perturbações persistentes do humor, o código atribuído é o de menor gravidade, correspondendo a uma valorização em pontos entre 4 a 10, tendo sido atribuído um défice funcional permanente de apenas seis pontos, o que situa a afectação no terço inferior daquele parâmetro.
Neste tipo de situações, em que o défice funcional da integridade físico-psíquica é compatível com o exercício da actividade profissional, implicando apenas esforços suplementares, o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que o montante indemnizatório deve ser fixado por via da equidade, em função das circunstâncias concretas do caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma.[4]
Buscando na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[5] padrões indemnizatórios do dano biológico para casos próximos ao que temos em análise, encontramos as seguintes decisões:
- Acórdão de 07.04.2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1): idade de 22 anos, défice funcional permanente da integridade física fixado em 8% e grau académico de licenciada: € 25.000,00;
- Acórdão de 16.06.2016 (Proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2): idade de 40 anos à data da consolidação das sequelas, incapacidade genérica de 6%, compatível com a sua actividade profissional, não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico, sendo tais limitações susceptíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra actividade económica similar, alternativa ou complementar: € 25.000,00;
- Acórdão de 06.12.2017 (Proc. 559/10.4TBVCT.G1.S1): 31 anos de idade à data do sinistro, défice funcional de 2 pontos, operária fabril que apresenta cervicalgias: € 20.000,00.
Veja-se, ainda, o caso analisado no Acórdão da Relação de Guimarães de 30.05.2019 (Proc. 1760/16.2T8VCT.G1)[6]: 48 anos à data da consolidação médico-legal das lesões, e défice funcional de 4 pontos, compatível com exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares: € 15.000,00.
Ou o Acórdão desta Relação de Évora de 03.11.2016 (Proc. 718/12.5T2STC.E1)[7]: 56 anos à data do acidente, incapacidade genérica de 8%, compatível com a actividade profissional de pedreiro/ladrilhador: € 15.000,00.
Face a estes padrões, consideramos que a indemnização da vertente patrimonial do dano biológico que a sentença recorrida atribuiu, de € 20.000,00, é equitativamente justa e adequada, pelo que nesta parte o recurso não merece provimento.

Da indemnização por danos não patrimoniais
A este propósito, e tendo em atenção a aplicação de critérios de equidade, como previsto no artigo 496.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil, há a ponderar que o A. ficou afectado das sequelas descritas nos pontos 38, 39 e 42b) da matéria de facto, sofrendo um quantum doloris de grau 3 (numa escala de 1 a 7), com dores no pescoço e no maxilar, e ao longo das costas, nas regiões dorsal e lombar.
Ponderando os estalões indemnizatórios utilizados pela jurisprudência, e não olvidando que a indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico[8], podendo mesmo afirmar-se a sua natureza sancionatória, entendemos que não se revela de todo diminuta a indemnização atribuída a este título na sentença recorrida, de € 15.000,00.
Em suporte deste valor, note-se que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2017 e no da Relação de Guimarães de 30.05.2019, supra referidos, para um quantum doloris de 4 em 7, a indemnização a este título foi fixada precisamente naquele valor.

Pretende o A., ainda, que não seja postergado para liquidação de sentença o pagamento das despesas com a futura aquisição de psicofármacos e com uma consulta anual de psiquiatria – estes são os tratamentos futuros que serão necessários, face à matéria provada no ponto 40 do elenco fáctico.
No entanto, desconhecendo-se que psicofármacos virão a ser necessários e que consultas virão a ser realizadas, outra solução não era possível, face ao disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Tal solução não acarreta qualquer “não justiça” ou impraticabilidade: a responsabilidade da Ré está assente e esta até já pagou outras despesas que o A. realizou – ponto 36 do elenco fáctico. A primeira via que o A. tem à sua disposição é aquela que já utilizou: apresentar as respectivas despesas à Ré, para pagamento, e apenas em caso de litígio é que suscitará a questão judicialmente, para decisão.
Igualmente nesta parte o recurso não procede.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento do recurso, com confirmação do julgado.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Évora, 17 de Dezembro de 2020
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões

__________________________________________________
[1] Vide, a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2018 (Proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2), publicado em www.dgsi.pt.
[2] Em Acórdão de 20.12.2018 (Proc. 1991/15.2T8PTM-A.E1), publicado na mesma base de dados
[3] No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 10.12.2019 (Proc. 497/15.4T8ABT.E1.S1).
[4] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2017 (Proc. 1509/13.1TVLSB.L1.S1) e de 07.03.2019 (Proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Também na mesma base de dados.
[7] Idem.
[8] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016 (Proc. 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1), em www.dgsi.pt.