Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
412/17.0T8OLH.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
EFEITOS DA SENTENÇA
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Resulta do n.º 7 do artigo 233.º do CIRE, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06, que a existência de bens ou direitos a liquidar não obsta ao encerramento do processo de insolvência no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante; porém, nessa hipótese, o encerramento determina unicamente o início o período de cessão do rendimento disponível.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 412/17.0T8OLH.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Olhão
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

Por sentença proferida em 11.06.2017, (…) e (…), casados entre si, foram declarados insolventes. Na sequência de recurso interposto pelos insolventes, a sentença foi confirmada por esta Relação.

Após admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o tribunal recorrido ordenou o encerramento do processo, nos seguintes termos:

ENCERRAMENTO DO PROCESSO

Foi proferido despacho inicial relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, nos termos a que alude o art. 237º, al. b), do CIRE.

Existem bens a liquidar.

Assim sendo:

1) Declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art. 230º, nº 1, al. e), do CIRE, estritamente para efeito de início do período de cessão.

2) Não existindo motivos, de acordo com o relatório apresentado pelo(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência, para considerar que a insolvência é culposa, declara-se que a mesma é fortuita – art. 233º, nº 6, do CIRE.

3) Declaro que não se produzem os efeitos previstos no art. 233º, do CIRE.”

O Ministério Público recorreu do despacho de encerramento do processo, formulando as seguintes conclusões:

1. O Mmo. Juiz a quo, após a prolação do despacho liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, decidiu declarar encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art.º 230º, n.º 1, al. e), do CIRE, estritamente para o efeito de início do período de cessão e declarar que não se produzem os efeitos previsto no art.º 233 do CIRE.

2. A única questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se uma vez proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, e perante a existência de activo a liquidar, podia ter sido ordenado o encerramento do processo, estritamente para o efeito do início do período de cessão.

3. O corpo do n.º 1 do art.º 230º do CIRE delimita o seu campo de aplicação, restringindo-se aos factos determinantes do encerramento do processo de insolvência que se verificam na hipótese de ele prosseguir após a declaração de insolvência.

4. Quando o processo prossiga as causas do seu encerramento constam das alíneas do n.º 1, merecendo especial relevo para a decisão do presente recurso as alíneas a) e e), esta introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

5. Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o que só não ocorrerá se o julgador ao proferir a sentença concluir pela insuficiência da massa, o encerramento só deverá ser determinado depois de realizada a liquidação e o rateio final, ressalvando-se apenas a situação prevista no art.º 239º, n.º 6, do CIRE.

6. Só se procede ao rateio final e distribuição do respectivo produto pelos credores após a liquidação dos bens que integram a massa insolvente, donde para que esta possa ser feita deve estar pendente a instância insolvencial.

7. Tendo sido requerida a exoneração do passivo restante, duas situações podem ocorrer: ou há património que deve ser liquidado na pendência do processo ou não há e, então, o processo pode e deve ser encerrado no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante.

8. O que resulta da alínea e) do n.º 1 do art.º 230º é que o prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante não obsta ao encerramento do processo de insolvência de que depende e se à data do despacho inicial já existirem elementos que revelem a existência de bens, deve o tribunal declarar o encerramento.

9. Se a liquidação ainda não tiver sido iniciada ou concluída, não há fundamento para a aplicação da alínea e) do art.º 230º do CIRE, aplicando-se o regime regra previsto na alínea a) do mesmo preceito legal, ou seja, torna-se necessário aguardar pelo rateio final.

10. Não faz qualquer sentido, uma declaração de encerramento do processo, com a inevitável cessação das atribuições do administrador da insolvência, quando ainda não foi levada a cabo a primordial função do mesmo, erigida pelo legislador a finalidade do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (cfr. art.º 1.º, n.º 1, do CIRE).

11. A existência de bens na massa para liquidar impede o encerramento no despacho inicial de apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, razão porque inevitável é o art.º 230º, n.º 1, al. e), dever ser objecto de interpretação restritiva.

12. O encerramento do processo de insolvência constitui uma fase final do mesmo, pelo que deverá ocorrer uma vez realizados os fins previstos no mesmo processo, a que se refere o art.º 1º, ou seja, a liquidação do património do devedor e a repartição do respectivo produto pelos credores.

13. Assim, se à data do despacho inicial do pedido de exoneração do passivo restante já existirem elementos nos autos que revelem a inexistência de activo a liquidar, deve o juiz declarar o encerramento do processo de insolvência.

14. Mas se o património do devedor tiver bens para liquidar e a liquidação e o rateio ainda não tiver terminado, então não existe fundamento para encerrar o processo no despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, mesmo que esta decisão seja apenas para efeitos de início do período de cessão.

15. Ao interpretar o art.º 230º, n.º 1, al. e), do CIRE como se o mesmo permitisse encerrar o processo de insolvência sem a liquidação e o rateio estarem realizados, o tribunal interpretou erradamente aquela norma, dando-lhe um sentido que não é adequado à situação concreta.

Nestes termos deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos para realização da liquidação e rateio final.

Não houve contra-alegações.

O recurso foi admitido.

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A única questão a resolver consiste em saber se a existência de bens ou direitos a liquidar obsta a que o processo de insolvência seja declarado encerrado no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, ainda que esse encerramento tenha exclusivamente em vista o início do período de cessão do rendimento disponível.

Esta questão foi recentemente analisada e decidida em acórdão desta Relação, no qual o relator do presente interveio como adjunto. Trata-se de acórdão proferido em 25.01.2018, no processo n.º 774/16.7T8OLH.E1 (relatora: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO), que seguiremos de perto.

O artigo 230.º, n.º 1, do CIRE (diploma ao qual pertencem todas as disposições legais adiante referenciadas) dispõe que, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;

b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;

c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento;

d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente;

e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º.

Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06, jurisprudência e doutrina convergiam no sentido de que o encerramento do processo de insolvência nos termos da citada alínea e) só podia ter lugar na hipótese de inexistência de bens ou direitos a liquidar. Na hipótese contrária, não era admissível o encerramento do processo de insolvência antes de a liquidação estar concluída. Sobre o tema, leia-se, a título de exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 07.11.2016, proferido no processo n.º 1790/13.6TBPVZ-I.P1 (relator: OLIVEIRA ABREU).

O referido Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06, aditou um n.º 7 ao artigo 233.º, com a seguinte redacção: “O encerramento do processo de insolvência nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível.” Após esta alteração legislativa, o entendimento anteriormente referido perdeu sustentação legal. É, agora, admissível o encerramento do processo de insolvência, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, ainda que existam bens ou direitos a liquidar. A lei estabelece-o expressamente. Porém, nessa hipótese, o despacho de encerramento terá o restrito efeito de determinar o imediato início da contagem do período de cessão do rendimento disponível, nos termos dos artigos 237.º, al. b), e 239.º, n.º 2.

Com esta nova solução, o legislador pretendeu evitar que o insolvente continuasse sujeito a uma frequentemente demorada e desgastante liquidação, conferindo, assim, uma eficácia renovada ao incidente da exoneração do passivo restante. “O princípio do fresh start, visando a reintegração plena do devedor na vida económica, não se compagina com a manutenção do devedor paralisado por longo período durante o qual ocorrem as vicissitudes do processo de insolvência, sendo antes imperioso que possa cumprir, desde logo e durante o prazo fixo de cinco anos, as obrigações legais que lhe permitirão alcançar a sua reabilitação económica” (acórdão desta Relação acima citado). Porém, o legislador teve em consideração as razões que estavam na base do entendimento geralmente aceite antes do Decreto-Lei n.º 79/2017, ao restringir os efeitos da declaração de encerramento do processo ao início da contagem do período de cessão do rendimento disponível, não se produzindo, portanto, os efeitos previstos nos n.ºs 1 a 6 do artigo 233.º.

Analisando o despacho recorrido a esta luz, conclui-se que o mesmo não merece censura, porquanto declarou encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no artigo 230.º, n.º 1, al. e), estritamente para efeito do início do período de cessão. Mais, o despacho recorrido excluiu expressamente a produção dos efeitos previstos nos n.ºs 1 a 6 do artigo 233.º, a fim de afastar qualquer dúvida acerca do seu alcance. Tudo, pois, em estrita conformidade com o disposto nos artigos 230.º, n.º 1, al. e), e 233.º, n.º 7. Logo, o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o despacho recorrido.

Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Évora, 08.02.2018

Vítor Sequinho dos Santos (Relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura